volume 1
Capítulo 13: Viagem conturbada
Após ser decidido que Tércio cuidaria dos Tardos, ele, sem muita pressa, caminhou em direção ao grupo de monstros. E com uma avaliação rápida, determinou:
Havia onze Tardos com escudos de madeira protegendo a frente. Vinte e três usando espadas curtas. E ainda havia os arqueiros escondidos nas árvores. Julgando pelo número de flechas era prudente esperar por, pelo menos, oito deles.
Para ele, esses números não eram grandes coisas. Tardos são fracos, afinal. O problema mesmo era a floresta em si. Um mínimo descuido de sua parte e incendiária toda a vegetação. Mas para contornar tal obstáculo, um plano já era traçado em sua mente.
― Não se preocupe. Pode lutar a vontade ― disse Kay à distância, agindo de uma maneira anormalmente casual. ― Qualquer coisa, o Kacio te ajuda! ― gritou, ao ver que Tércio havia começado o seu avanço contra as criaturas.
Assim que ele começou a correr, os Tardos na vanguarda ergueram seus escudos e os outros preparam suas espadas. Para monstros, logo de início, seus movimentos se mostraram bem articulados e coordenados, como se estivessem acostumados a fazer esse tipo de coisa.
Quando Tércio estava a poucos passos do bando, setas foram disparadas de um lugar escondido que ficava do lado direito da trilha, atrás de algumas árvores. Mas ele estava esperando por isso. Então, executando um movimento rápido e preciso, ergueu o braço e as incendiou.
No mesmo instante em que as setas caíram incineradas no chão, dois Tardos portando espadas avançaram contra a presa, um pela direita e outro à esquerda.
O da esquerda tentou acertá-lo com uma estocada. Mas Tércio, exibindo sua incrível agilidade, girou o corpo, desviando do ataque, e com o impulso do giro lançou seu calcanhar contra a nuca do oponente.
Agora que não estava mais faminto e já havia descansado o suficiente, ele conseguia exibir quase todo o seu talento em combate sem muitos problemas. Já não teria mais que ser tão cuidadoso, igual foi na luta contra Connor.
Atordoado com a panca, o Tardo caiu de frente, debruçando sobre a própria espada. E antes que tivesse tempo de se recuperar ou verificar se o golpe azarado tinha sido fatal, chamas caíram sobre seu corpo rugoso, ceifando impiedosamente sua vida.
― OH, nada mal! ― Vozes de exclamações foram ouvidas.
Dessa vez, quem avançou foi o da direita.
Aprendendo com o erro de seu falecido companheiro, a criatura restante investiu em um ataque na horizontal; algo que julgou ser mais seguro, pois poderia recuar no mesmo segundo caso fosse preciso.
Como a altura dos Tardos adultos não era muito diferente da de Tércio (que tinha um metro e sessenta e oito), a espada do pequeno monstro mirou sua barriga quando rasgou o vento, pouco acima do umbigo.
Mas antes que a criatura pudesse completar seu ataque, com uma incrível velocidade, Tércio se aproximou em um salto, colocou a mão na frente de seu rosto e explodiu sua cabeça usando um jato de fogo, que se projetou até as primeiras árvores cercando a estradinha.
― Opa! Tenho que controlar a força ― disse ele a si mesmo, olhando para um tronco chamuscado e um punhado de capim incinerado.
Alarmados com a facilidade demonstrada pelo humano ao derrotar seus aliados, os Tardos que carregavam escudos se posicionaram um ao lado do outro, protegendo os que estavam na retaguarda através de uma murada improvisada.
E ao mesmo tempo, vendo a movimentação que resultou numa mudança de formação dos inimigos, as mãos de Tércio irradiaram um brilho alaranjado repleto de calor e hostilidade. Estava se preparando para lançar uma ofensiva ainda mais intensa do que aquela demonstrada um instante atrás.
Mas então, antes que tivesse a oportunidade de responder a formação defensiva, setas voaram em sua direção, só que desta vez elas vieram dos dois lados da trilha, visando pinçá-lo numa saraivada de objetos perfurantes.
Por um breve instante ele se surpreendeu com as flechas vindas da esquerda. Pensou que os arqueiros só estavam do lado direito da trilha. Contudo, ainda eram flechas ― objetos de madeiras e fáceis de queimar ―, o que estava dentro do planejado.
Tércio juntou seus braços flamejantes e antes que as setas fossem capazes de atingi-lo, lançou sua magia contra o chão, ignorando as ameaças que o cercavam.
Um pilar de fogo, tão alto quanto a copa das árvores, engoliu o corpo do garoto, envolvendo-o em um infernal mar laranja responsável por irradiar ondas nocivas de calor. As setas que o almejavam transformaram-se instantaneamente em cinzas antes de sequer perfurar as camadas externas do manto flamejante.
A labareda criada foi tão poderosa e cintilante que os monstros se viram, fechando os olhos e abaixando as cabeças, obrigados a se esconderem atrás de seus escudos, protegendo-se do brilho e do calor.
― Uma estratégia interessante! ― comentou Kacio, impressionado. Não esperava ver um rapaz tão jovem e brigão usando táticas para vencer uma batalha.
E Eliza, de olhos semicerrados e com o braço direito erguido próximo da testa, balançou a cabeça, aprovando as palavras do fiel cavaleiro de cabelo vermelho. No coliseu, ela estava tão preocupada em manter o garoto vivo que, apesar de ter visto o desfecho de sua luta contra o gigante, pouco se lembrava dos detalhes.
Enquanto isso, quando o pilar de fogo se extinguiu, Tércio havia desaparecido.
Os Tardos que ocupavam a trilha ficaram confusos e passaram a olhar de um lado para o outro, procurando pelo garoto, mas não encontraram nem mesmo um único vestígio de sua presença ou a marca deixada por seus pés durante a fuga. Foi então que, de repente, algo chamou a atenção do bando...
Um brilho alaranjado irradiou entre as árvores do lado direito da trilha e logo em seguida um grito de dor reboou pela floresta; um som miserável, denunciando os últimos momentos de uma criatura assustada.
Os arqueiros estavam sendo caçados!
Gritos e mais gritos ecoaram. Um após o outro, Tércio caçou os monstros que usavam arcos, encurralando-os antes que tivesse a oportunidade de contra-atacar. E com suas armas incapacitadas pela dificuldade que seria disparar em meio às árvores, eles se tornaram presas fáceis, exatamente como foi previsto.
Analisado de perto, notava-se o quão simples era o plano traçado, que se resumia em eliminar os mais incômodos primeiro. Mas nem por isso os méritos de sua ação se tornavam menores.
Se ele seguisse lutando contra os Tardos de espadas e escudos, a todo momento teria de se preocupar com os arqueiros escondidos na floresta ― ao menos, era nisso que o ex-prisioneiro acreditava.
Como esperado, havia oito arqueiros desse lado da floresta e todos foram eliminados com perfeição. No entanto, ainda existia um problema inesperado, que era os monstros escondidos à esquerda da trilha.
Agora Tércio tinha poucas opções e elas se resumiam a...
― Aahh... Quer saber, vou só queimá-los! ― bufou, perdendo a paciência. O verdadeiro motivo de ele ter feito todo esse plano elaborado apenas para enfrentar monstros fracos iguais aos Tardos não poderia ser mais infantil. Queria se exibir para Eliza e os outros. Quem sabe, com sorte, após testemunhar suas habilidades, ela não lhe daria um aumento antes mesmo de começar a trabalhar. E foi pensando nisso que tentou o seu melhor para parecer inteligente e poderoso. Mas lutar fazendo uso de estratégias bem boladas não fazia muito bem seu estilo, no fim.
Então, decidido a derrotar os Tardos o mais rápido possível, Tércio correu e deixou a floresta. E no momento em que os monstros o viram, ergueram seus escudos e brandiram suas espadas, preparando-se para a batalha.
Porém, escudos de madeira não eram o suficiente para impedir a implacável magia.
Tércio se moveu pela trilha e ficou no centro dela, de forma que pudesse atacar o grupo de monstros sem ter que se preocupar em incendiar a floresta por acidente. E então preparou um poderoso ataque.
Percebendo que ele não hesitaria em destruí-los, as criaturas partiram para o ataque. Flechas vindas da esquerda voaram em direção ao alvo, perigosas e certeiras. Os escudos se abriram e quinze Tardos portando espadas tortas avançaram em um estado frenético, grunhindo e correndo.
Não querendo perder mais tempo, o encrenqueiro de cabelo mascado usou toda a sua força e saltou o mais alto que conseguia, fugindo das flechas. E assim lançou uma poderosa onda de fogo que engoliu o grupo de monstros atacando em conjunto.
Acompanhado de gritos e grunhidos agonizantes, os Tardos que ocupavam a trilha foram pulverizados, sem a menor chance de se defenderem ou fugir. O fogo se espalhou feito um manto sobre o solo, abraçando a vegetação rasteira e todo o resto sobre ela.
Após as chamas se acalmarem, a visão que se tinha era incrível e ao mesmo tempo horrível. O chão estava carbonizado e os monstros tinham sido transformados em pó, sobrando meramente suas cinzas espalhadas sobre o mato alto e pedaços de ossos carbonizados.
Os poucos sortudos que sobreviveram ao ataque fulminante, aqueles localizados na parte traseira da formação, adquirindo nada mais do que queimaduras leves, congelaram por um momento. Eles fitaram o garoto parado logo a frente com medo nos olhos e sem pensar duas vezes se viraram e correram para a floresta.
E enquanto os Tardos corriam, Tércio ficou parado estudando os arredores para garantir que mais nenhuma flecha seria atirada.
― Não vai atrás deles? ― perguntou Kacio, próximo da carruagem.
― Não! Daria muito trabalho ― respondeu, com sinceridade.
― Mas isso foi mesmo impressionante, em especial o seu último ataque! ― disse Eliza, exprimindo um sorriso animado.
― Preciso concordar ― comentou Kay, que estava abaixado próximo ao corpo carbonizado de um dos Tardos, estudando-o com grande interesse. ― Ainda mais se levar em conta que não usou todo o seu poder.
― Por que você não usou aquele fogo azul? ― questionou Kacio, recordando do quase confronto que tiveram.
― Ah! Aquilo é só para ocasiões especiais ― brincou, exibindo um sorriso provocativo.
― Ocasiões especiais? ― questionou o cavaleiro, estranhando o comentário.
― Quando minha vida está em perigo! ― respondeu Tércio, lançando um olhar intenso contra o sujeito que continuava lançando olhares suspeitos em sua direção.
― Ho! Ho! Entendi. ― Kacio também exibiu um sorriso travesso.
Se ele passou a confiar em Tércio, isso ainda era incerto, pois existiam variações em sua forma de se portar, mas desde que Eliza lhe chamou a atenção, o Cavaleiro de Palavras Encantadas passou a ser bem mais gentil com o garoto.
― Qual o problema, Srta. Eliza? ― soou a voz de Kay, notando algo curioso.
Ao ouvir a pergunta do mordomo, Tércio se virou para encarar a duquesa e reparou que ela estudava o que restou do campo de batalha sob um olhar contemplativo. Era possível notar através de sua expressão que estava repassando os eventos da batalha. Seus olhos percorreram a trilha queimada até alcançar o lado da floresta onde os Tardos arqueiros foram mortos.
E foi apenas depois de uma longa pausa que ela enfim abriu a boca:
― De início pensei em colocar o Tércio na equipe de patrulha da academia, já que assim ele não precisaria estar sempre enfrentando monstros e estaria mais seguro. Mas com todo esse poder, acho melhor colocá-lo na equipe de subjugação ― Eliza revelou seus pensamentos.
― Eu não sou contra. Com esse poder, seria um desperdício deixá-lo na patrulha. ― disse Kacio, dando sua aprovação.
Tércio não entendeu nada do que eles estavam falando. Patrulha? Subjugação? Isso tudo era desconhecido para ele, mas contanto que não fosse acorrentado ou preso numa jaula, qualquer coisa estava bom.
A conclusão de Eliza parecia ter sido aceita sem causar maiores agitações, mas ainda assim ela e seu cavaleiro decidiram entrar em uma breve discussão. E foi nesse momento que Kay, o qual havia entrado na floresta depois de verificar os corpos carbonizados ocupando a trilha, retornou.
― Aqui, pegue. É seu ― disse ele, estendendo a mão e entregando um cristal a Tércio.
O cristal era pequeno e de formato irregular, dotado de uma cor encardida, um marrom sujo que lhe dava o aspecto de um cascalho comum.
― O que é isso? ― perguntou o garoto com estranheza.
― Este é um Núcleo de Cristal de Tardo! ― respondeu o mordomo.
― E eu lá perguntei isso. ― retrucou Tércio. ― Eu sei o que isso é. ― afirmou. ― Mas porque você tá me dando?
― Quando chegarmos à academia, você poderá trocá-lo por dinheiro. Não é o Cristal de um monstro poderoso, mas você poderá conseguir alguma coisa por ele.
― Trocar por dinheiro? E dá pra fazer isso? ― indagou, bastante desconfiado da informação.
― Mas é claro. ― respondeu Eliza, que decidiu se juntar a conversa após entreouvir o que estava sendo falado. ― Meu pai possui negócios com o reino Hy-Breasil e uma das coisas que ele vende para eles são os Núcleos de Cristais de monstros.
― Oh, isso é bem legal! Desse jeito eu vou poder fazer um dinheirão. ― Sem fazer cerimônias, Tércio abraçou o cristal e começou a sonhar. Ele adorava lutar e em uma floresta que a cada dia aprecia mais ninhos de monstros, com um lugar próximo para trocar núcleos por dinheiro, era só uma questão de tempo até ficar rico.
Eliza olhou para o garoto segurando a pedra e, imaginando o que estava se passando em sua cabeça, esboçou um sorriso agradável e falou:
― Mais tarde eu vou lhe dar algo para guardar núcleos ― prometeu, usando de um tom gentil.
― Melhor a gente ir indo. Logo vai escurecer e precisamos achar um local seguro para passar a noite ― Alertou Kacio.
E assim, todos voltaram para a carruagem.
A noite foi tranquila e passou sem acontecer qualquer tipo de ataque. Contudo, no dia seguinte, pela segunda vez, um grupo de monstros bloqueou o caminho do grupo.
Tércio quis cuidar deles, já que assim, talvez, conseguiria mais dinheiro. Mas Eliza disse para não se preocupar com isso, pois quando chegassem à academia ele poderia caçar os monstros ao redor da escola. E assim ficou decidido que a partir dali Kacio cuidaria de todos os atacantes.
E sem nenhuma surpresa, as criaturas foram eliminadas com muita facilidade.
E no sétimo dia não foi diferente. Os monstros apareciam como um enxame de abelhas. Eles surgiam de todos os lados e em bandos cada vez maiores. Não eram apenas Tardos os responsáveis pelos ataques, criaturas como Ogros, Trolls e Cobras de Sangue surgiam aos montes.
E então veio o oitavo dia.
Como nos dois anteriores, monstros atacaram a carruagem e de novo Kacio se livrou de todos. Mas nesse dia algo diferente aconteceu e isso deixou Tércio sem palavras...
Desde que entraram na Floresta Meia Lua, eles seguiram viagem por uma passagem que estava em péssimas condições. A trilha era cheia de buracos e pedras e às vezes nem parecia um caminho, já que o capim crescia desenfreado em todas as direções. As árvores eram tão grandes que a luz do sol mal alcançava o chão em algumas partes, sem falar nos monstros, sempre presentes e se revezando na tentativa de obter uma presa farta.
Foi de fato uma viagem cansativa.
Mas na tarde do oitavo dia a paisagem mudou...
A densa floresta se tornou um bosque verdejante, o qual ostentava as mais lindas flores e cores tão vivas que refletiam o brilho do sol. E a trilha que estava em péssimas condições, gradualmente se transformou numa larga estrada.
A carruagem seguiu por alguns minutos, passando pelo bosque, quando mais uma vez o cenário mudou.
A estrada aos poucos começou a se inclinar e o bosque a desaparecer. Foi nesse ponto que uma gigantesca pradaria surgiu, estendendo-se através de uma terra vasta e bem iluminada. E em meio a ampla região aberta, a imagem de uma cidade colossal, cercada por uma muralha de porte ciclópico, se fez visível.
Ali, dentro da grande Floresta Meia Lua, um lugar isolado do reino e distante das civilizações, existia uma cidade que era pelo menos duas vezes maior do que a Vila Cinzenta.
Tércio não conseguiu disfarçar a expressão de surpresa que brotou em seu rosto e num ato de empolgação infantil esticou o corpo para fora da janela da carruagem com o veículo ainda em movimento. Seus olhos brilhavam, deslumbrados pela cena improvável.
― Seja bem-vindo a Academia de Encantamentos Mágicos, Elefthería!
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