O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 12: Entrando na floresta

A jornada até a academia recomeçou e como de costume, Kacio guiou os cavalos. Tércio e Eliza seguiram a viagem dentro da carruagem, gozando de todo o conforto que o veículo tinha para oferecer ou ao menos parte dele, pois ninguém estava mais à vontade do que Kay, ocupando sozinho um dos assentos, deitado e com os pés para cima.

À medida que a viagem seguia, a paisagem mudava. Os campos abertos que cercavam a Vila Cinzenta deu lugar a um verdejante bosque repleto de vida selvagem e as estradas planas se tornaram caminhos sinuosos, esburacados e pedras grandes demais para passar por cima.

E com o chacoalhar da carruagem o grupo seguiu rumo a um caminho incerto, que apesar do destino final ser conhecido, os perigos espreitando nas matas densas tornava o trajeto inseguro.

A viagem continuou por longas horas, tendo poucas paradas no decorrer do deslocamento do suntuoso veículo chamativo e foi apenas no pôr do sol que uma pausa se fez necessária, pois os perigos oferecidos pela escuridão eram numerosos e nem todos se resumiam a ataques de monstros ou bandidos.

Enquanto Tércio e o cavaleiro se ocuparam de montar o acampamento, o qual seria elaborado em uma clareira próxima da estrada, Kay ficou responsável por preparar o jantar. Apesar da péssima personalidade, sua culinária era muito apreciada, mesmo para o novo integrante.

― Foi uma pena não termos encontrado nada na vila, mas na academia existem muitos lugares em que você pode comprar roupas novas ― disse Eliza à Tércio, mais tarde naquela noite, quando quase tudo já tinha sido preparado e a única coisa faltando era o assado de coelho selvagem ficar pronto.

― Vocês vendem roupas em uma escola? ― perguntou Tércio, confuso e um tanto impressionado.

― Já que ela fica no centro da Floresta Meia Lua, os mercadores não se arriscam a ir lá, devido ao perigo recente. Então nós fazemos os nossos próprios produtos.

Tércio não expressou nenhuma resposta para as informações que recebeu, mas estava ansioso para ver de perto a famosa Academia de Encantamentos Mágicos, afinal ter a oportunidade de visitar uma escola era uma das coisas que sempre desejou.

Após o jantar, os quatros foram dormir. Mas não antes de uma boa confusão.

Como eles não tinham um lugar previamente preparado para se deitar, foi necessário dormir no chão. Porém ali perto havia um lugar muito confortável para se passar a noite, com um espaço adequado para alguém se deitar sobre uma superfície feita de espuma e tecido de alta qualidade, além de ser protegido do vento e do frio da madrugada.

Para Tércio, mesmo que ninguém falasse nada, aquele era o lugar reservado para Eliza, a única duquesa e líder dessa expedição. Mas Kay não pensava assim.

Antes que qualquer um percebesse, o mordomo folgado correu e se trancou dentro da carruagem, impedindo qualquer um de tentar entrar. E agindo feito uma criança malcriada e mimada, começou a cantarolar alto, fingindo não escutar o que era dito por aqueles do lado de fora.

Kacio ficou irado com a atitude. Queria arrancar o maldito lá de dentro de qualquer maneira, mesmo que para isso fosse preciso arrancar a porta, o teto e todo os resto. Eliza também não gostou nada e, usando uma abordagem diferente da escolhida por seu cavaleiro, tentou convencê-lo a sair através de uma negociação breve e racional, na qual alegou que a privacidade cabia melhor em uma dama, mas nada adiantou.

E no final, o mordomo acabou vencendo pela teimosia e teve a oportunidade de desfrutar de uma noite confortável, enquanto Eliza se viu obrigada a dormir no chão, junto de Tércio e Kacio.

No dia seguinte, logo depois do café da manhã, o grupo seguiu viagem.

De acordo com Kay, que tentou assustar o ex-prisioneiro enquanto ainda estavam na hospedaria, esta área era conhecida por abrigar muitos ladrões procurados. Passar por ali era o mesmo que pedir para ter até as roupas do corpo roubadas. E por esse motivo, Tércio ficou bastante atento, espiando a todo momento o lado de fora.

Mas, apesar de sua constante vigilância, as horas passaram tranquilamente, sem nenhum incidente. E dessa forma, outro dia se foi.

Naquela noite, assim que acabou de jantar, Kacio, fiel cavaleiro, correu para vigiar a carruagem de possíveis invasões de insetos e tentativas desavergonhadas de mordomos folgados. Sua decisão foi correta, mas apesar disso quase falhou na missão, pois Kay, grande espertalhão, tentou entrar escondido pela janela oposta à porta de entrada.

O serviçal acabou sendo pego e enxotado para longe do confortável veículo. E com a ajuda de seu cavaleiro, Eliza enfim conseguiu desfrutar de alguma privacidade.

No terceiro dia de viagem, poucas horas depois do grupo fazer o desjejum e mais uma vez se aventurarem pelas estradas esburacadas, a paisagem mudou.

Da janela do lado esquerdo da carruagem tornou-se possível ver uma imponente montanha ganhar forma por trás das árvores, elevando-se a alturas fantásticas de modo que mesmo a longas distâncias era possível notar sua forma monumental e se estremecer com seus chifres tenebrosos.

Tércio, que espiava através da janela, encantou-se ao ver aquele longínquo pico de cor branca sendo engolido pelas nuvens. Era uma visão que apresentava um magnífico contraste com o azul, o verde, o marrom e todas as outras cores        predominantes nos arredores, sendo aquele o único ponto distinto de toda uma região.

Uau! ― exclamou ele, involuntariamente.

― É lindo, não é? ― Eliza esboçou um sorriso divertido ao ver a expressão de encanto no rosto do garoto. Mesmo que ele agisse como um “cara durão” na maior parte do tempo, aos olhos dela, Tércio ainda era só uma criança.

― Aquela é a Montanha de Gelo?

― exato! ― confirmou a duquesa, meneando a cabeça.

― É tão grande, mas tá muito longe ― comentou ele. ― Eu nem consigo ver direito.

Pelo resto do dia, Tércio não conseguiu tirar os olhos da Montanha de Gelo e passou horas pendurado na janela.

Seria possível tocá-la? Teria alguém a coragem necessária para morar em um lugar tão gelado e tão imponente? Quais tipos de monstros perambulavam por aquelas terras? Essas eram só algumas das perguntas que passavam por sua cabeça enquanto vislumbrava aquele gigante sem fim.

Naquela noite, dormir a céu aberto foi extremamente difícil, pois de tempos em tempos o monstro branco soprava seu vento álgido, avisando para os indesejáveis ficarem longe. Embora estivesse localizado a distâncias assustadoras, seus sopros alcançavam limites ainda mais incalculáveis.

No quarto dia, após algumas horas de estrada, a Montanha de Gelo aos poucos foi ficando para trás e o bosque gradualmente se tornou mais denso.

Eles estavam se aproximando da grande Floresta Meia Lua!

Quando percebeu que estava cada vez mais perto de adentrar na temível região verde, Tércio não pôde deixar de perguntar:

― Esse lugar não estava cheio de bandidos? Então porque não vimos nenhum até agora? ― questionou, lançando um olhar duvidoso em direção a Kay. Era difícil não pensar que as provocações do mordomo não passaram de uma brincadeira.

― De fato, é muito estranho ― comentou Eliza. ― Nas vezes anteriores em que passamos por aqui, sempre fomos atacados.

― Parece que estamos com sorte. Felizmente a senhorita Eliza não precisará passar por nenhum perigo ― disse Kay em um tom cordial.

E então, no quinto dia, logo pela manhã, eles enfim adentraram na floresta.

As árvores eram tão grandes que o sol mal chegava nas partes mais baixas. A estrada, antes sinuosa, agora se tornou uma trilha com finas linhas cortando a mata, como se fosse a marca deixada por rodas de carruagens que por ali passavam com certa frequência. E como era de se esperar de uma via isolada, abandonada, a qual pouco recebia reparos, os buracos eram tão numerosos quanto a própria vegetação.

O grupo seguiu floresta adentro, mas a jornada se mostrou mais lenta do que antes, pois o veículo no qual viajavam aparentava estar prestes a desmontar. Depois de passar em cima de diversos buracos e de desviar de muitos outros, rangidos começaram a se manifestar vindos de todas as juntas, acompanhados de um balançar incessante.

― Vocês... Aaai... Tem certeza que é por aqui? ― Tércio começou a falar, mas de repente a carruagem saltou e ele bateu com força a cabeça no teto.

― Não se preocupe... es-estamos no caminho certo, é só que.... e-essa estrada é raramente usada... Mas a partir de agora temos que ter muito cuidado, monstros são comuns nessa região ― disse Eliza, que tremia tanto quanto o veículo, batendo os dentes e tendo dificuldades para se manter sentada.

O único que não apresentava qualquer problema para seguir a viagem era Kay, que com as pernas cruzadas, subia e descia de uma maneira bastante elegante.

Porém, a postura relaxada do mordomo perante a viagem conturbada logo mudou quando de repente a carruagem parou, lançando-o para frente feito uma bolsa mal presa no bagageiro.

Eliza, que permaneceu no seu lugar, pois o assento que ocupava a segurou, caiu na gargalhada ao ver o destrambelhado serviçal de cara no chão, os pés para o alto e a boca entupida de carpete. E Tércio lhe fez companhia, rindo e apontando o dedo da maneira mais debochada possível.

Em um sobressalto, o mordomo se levantou cuspindo fiapos púrpura e dourado e avançou furioso em direção a janela, antes de espichar a cabeça do lado de fora e gritar:

― Seu velho de merda, ninguém te ensinou a guiar um cavalo, não?!

― O que foi que você disse, seu folgado?! Vem aqui que eu vou acabar com a sua raça! ― retrucou o cavaleiro, ainda segurando a rédea.

― Kacio, aconteceu alguma coisa? ― Agindo com o discreto interesse de intervir na situação antes de algo acontecer, Eliza tirou o serviçal da janela, obrigando-o a voltar para dentro do veículo, e questionou, projetando parte do corpo para fora.

― Monstros! ― alertou.

Ao escutar o aviso, aqueles dentro da carruagem logo trataram de sair e não foi necessário um grande esforço para então avistarem as aberrações citadas.

Bloqueando a trilha, um grupo de criaturas baixinhas e pelancudas, com orelhas e narizes caídos, balançavam suas espadas e escudos malfeitos, grunhindo para Tércio e os demais. As estranhas monstruosidades possuíam uma tonalidade de pele que se assemelhava bastante a dos humanos, porém extremamente enrugada, similar à de um velho em seus cem anos de idade.

― Tardos! ― afirmou Eliza, com uma expressão tranquila.

Tércio olhou em volta e notou que atrás deles, por onde a carruagem tinha acabado de passar, havia oito flechas caídas no chão, e Kacio estava segurando sua espada.

― Você poderia cuidar deles? ― perguntou Eliza, referindo-se ao cavaleiro.

― É claro! Terminarei em um instante. ― Kacio começou a caminhar em direção aos monstros, mas parou depois de avançar dois passos. ― Ah, é mesmo... ― virou-se para trás. ― Tércio, você não conseguiu lutar contra os Ogros, o que acha? Quer enfrentar estes carinhas? ― perguntou em um tom amigável, apontando para o bando inimigo logo à frente.

Após a discussão que eles tiveram, ambos continuaram se estranhando por algum tempo, mas depois de três dias de viagem e uma “conversa” acalorada com Eliza, que descobriu todo o ocorrido através do mordomo fofoqueiro, Kacio passou a tratar o jovem de uma forma mais amistosa, ao menos na frente de sua senhorita.

Ah! Isso sim parece interessante! ― proferiu Tércio, empolgado, permitindo aos seus lábios se curvarem em um leve sorriso travesso.

― Esta é uma ótima oportunidade. Já que você vai ajudar na segurança da escola, esse seria um bom momento para avaliar em que área se encaixará melhor ― disse Eliza, demonstrando interesse. Mesmo ela desejava ver um pouco mais das habilidades do garoto.

 


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