O Condenado Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.


volume 1

Capítulo 14: Carta

Fazia uma linda manhã na capital do reino de Aurora, Selene. O sol despertava a vida, através de um céu de puro azul. Pássaros cantavam sua canção, doce e harmoniosa, desejando um bom dia para os desadormecidos. E seguindo esse ritmo já conhecido, as árvores entregavam suas verdes filhas a uma valsa que ia e vinha, acompanhadas pelo sopro da manhã.

O sol mal acabara de despertar, mas o distrito comercial já se enchera de vida. Mercadores gritavam a plenos pulmões, para que os interessados se aproximassem, buscando por mercadorias valiosas e correndo de mascates espertalhões. Cavaleiros cruzavam de um lado para o outro, avaliando quem tinha os melhores preços, e carruagens trazendo novos produtos não paravam de chegar.

Era uma típica manhã de Selene!

E como de costume, o castelo dos Griffons, apesar da localização afastada e de difícil acesso, já estava animado.

Dezenas de empregadas podiam ser vistas pelos corredores daquele gigantesco casarão, cruzando as imensidões descomunais com um sorriso no rosto enquanto cantarolavam cantigas de infância que trazia uma nostálgica sensação de estar em casa. Algumas agitavam suas vassouras e espanadores, afugentando a poeira para longe, e outras carregavam bandejas contendo as sobras do desjejum.

Apesar do trabalho duro, todas se mostravam bastante animadas, com largos sorrisos bem-humorados estampados nos rostos. Ninguém tinha pressa em completar seus afazeres. Elas e eles trabalhavam em seus próprios ritmos... Bem, exceto por um homem...

Um sujeito chamativo cruzava a passos largos os corredores do castelo, contornando qualquer obstáculo que se colocasse em seu caminho.

O homem, que vestia um pesado manto roxo escuro, carregava em sua mão um envelope lacrado com cera vermelha. Ele possuía uma expressão séria no rosto enquanto cruzava os corredores apressadamente, até que por fim se viu de frente para um imponente portal.

A porta em questão era branca e com deslumbrantes linhas douradas que contornavam seu corpo por meio de traços graciosos e que formavam um arco perfeito. No centro, havia a figura de um Grifo, um guardião que era metade águia e metade leão, feito de puro ouro. A criatura gravada tinha suas asas abertas suas asas de um modo elegante conforme estufava seu peito exibindo um grande orgulho.

Sem perder tempo para admirar com inveja a deslumbrante figura ou avaliar quanto poderia custar um item tão bem esculpido no mercado, o homem de manto foi logo atravessando o portal.

Do outro lado do portal havia um gigantesco salão que, devido a sua brancura, poderia enganar os de um inocente fazendo-o acreditar que se tratava de um misterioso recinto infinito. Seu piso era feito de mármore branco, tão cristalino e virtuoso quanto os primeiros flocos de neve no início do inverno. Enormes colunas de pedras se erguiam até o teto arredondado, sustentando toda a estrutura como se fosse um colossal concha presenteada por uma divindade marítima. E nas paredes, dezenas de janelas contornavam o salão, permitindo que a luz do sol se irradiasse pelo lugar, banhando as paredes feito uma aura etérea.

Em um ponto distante do magnífico salão, duas figuras podiam ser vistas conversando, próxima a uma das colunas de pedra enquanto olhavam através de uma janela descomunal que se estendia do chão até o teto.

O homem de manto, ao avistar as figuras, rumou apressado em direção a elas, quase perdendo o controle dos próprios nervos e se permitindo partir numa corrida desenfreada.

― Qual o problema? Por que tanta euforia? ― perguntou um homem que aparentava ter por volta dos cinquenta anos de idade, ao notar a aproximação repentina. Ele possuía cabelos roxos dotados de tons grisalhos, seu corpo era moldado por músculos bem torneados, deixando-o com uma marcante aparência jovial, apesar das rugas nos cantos dos olhos, e suas feições eram duras, como as de uma pessoa autoritária.

― Aconteceu alguma coisa? ― disse o senhor de idade que fazia companhia ao primeiro. Seu cabelo era de um branco puro, assim como o seu bigode que fazia uma leve curva para cima, deixando-o semelhante a um par de chifres. Ao contrário do outro, esse senhor possuía um corpo esguio, braços fracos e coluna inclinada e seu rosto passava uma sensação de tranquilidade.

Notava-se pelas elegantes vestes que trajavam que os não eram criados a serviço dos Griffons. Eles, sem sombra de dúvida, desempenhavam papéis importantes naquele gigante castelo.

― Perdoe-me pela aparição repentina, Duque Griffon, Conde Eurico! Mas achei que o senhor iria gostar de ver isso. ― O homem de manto fez uma pequena reverência ao se desculpar e logo em seguida entregou a carta que tinha em mãos para o sujeito de cabelo roxo.

― De quem é o escrito? ― questionou o Duque Griffon ao pegar o envelope.

― É da duquesa Eliza!

A informação foi recebida com certa surpresa pelo duque que, sem demoras, arrancou o selo lacrando o envelope e correu os olhos sobre a carta que estava dentro.

Por alguns segundos ele desligou os pensamentos e se concentrou na leitura. Quando terminou, deixou escapar um suspiro profundo e murmurou num tom contemplativo:

― Tércio, hmm...

― Algum problema? ― perguntou o Conde Eurico. E em resposta o Duque Griffon entregou-lhe a carta.

Quase como se estivesse imitando o companheiro, a expressão do conde se afundou, revelando um semblante pensativo, que trazia leves traços de preocupação.

― Émile! ― Gritou o duque, quebrando o silêncio que durou por breves segundos após a revelação. E no mesmo instante, um homem de cabelo grisalho e vestido em trajes simples entrou no saguão por uma porta menor, mais discreta, localizada em um canto modesto.

Émile, o mordomo, demonstrando uma elegância impecável, caminhou em direção ao Duque Griffon sem pressa, mas apressado para não deixar seu mestre esperando. E quando ficou de frente para a grandiosa figura, fez uma graciosa reverência:

― Pois não, meu senhor? ― perguntou o mordomo, mantendo os olhos fixos no chão.

― Por favor, traga Serena! ― ordenou o duque Griffon.

― Como desejar! Avisarei a Srta. Serena que o senhor solicita a sua presença. ― dizendo isso, Émile se ergueu e, a passos largos, mas elegantes, deixou o salão.

― Duque, o que eu devo fazer agora? ―indagou o homem de manto, que a todo momento ficou esperando pelo próximo comando.

― Por hora, apenas aguarde! Mas se houver qualquer informação por parte de Eliza, avise-me imediatamente! ― exigiu o senhor do castelo.

― Sim, senhor! – Após dizer isso, o homem de manto logo partiu, desaparecendo pela mesma porta que usou para entrar.

E como se estivesse aguardando a saída daquele sujeito de pouca importância, o Duque Griffon voltou seu olhar para o senhor de idade, que apesar de já ter terminado a leitura, olhava para o conteúdo da carta com uma expressão pensativa.

― O que você acha Anthony? ― perguntou, deixando escapar um tom pesado e receoso.

Anthony Eurico não respondeu de imediato. Continuou com um olhar fixo sobre a carta, estudando cada linha, cada frase e cada palavra repetidamente. Até que por fim levantou a cabeça, olhou para o topo do saguão e após uma longa pausa, respondeu:

― Eu acho que teremos tempos difíceis pela frente! ― disse ele, quase sussurrando.

― Você tem razão! ― concordou o Duque, com uma expressão pensativa no rosto.

― Você tem certeza que seguirá em frente com isso? ― questionou o Conde Eurico, fitando o companheiro. Seus olhos estavam marcados por uma intensa seriedade que era intensificada pelas rugas ao redor dos olhos. Via-se pelo seu semblante que o assunto em questão era de extrema delicadeza e devia ser tratado como tal.

― Agora que chegamos até aqui, eu não recuarei! ― declarou o Duque, decidido. Ele estufou o peito e ergueu a cabeça, exibindo o tipo de determinação que jamais poderia ser encontrada em um homem hesitante.

― Tércio, hm... ― Mais uma vez o Conde Eurico suspirou profundamente. ― Entendo... Nesse caso, devo começar a me preparar.

― Sim, eu também! Para ser sincero, pensei que esse dia jamais chegaria. ― O olhar do Duque Griffon se tornou distante e mirando o nada ele visou um futuro longínquo.

Nos minutos que se seguiram, o Duque e o Conde permaneceram em silêncio. Cada um focado em seus pensamentos e nas ações que tomariam dali pra frente, as quais poderiam trazer consequências irreparáveis. Havia muito para pensar.

 

***

 

Passado algum tempo, a deslumbrante porta feita por um habilidoso artesão tornou a se abrir, mas desta vez quem surgiu foi uma garota usando um delicado vestido branco de seda.

A jovem que entrou no saguão aparentava ter por volta dos treze, talvez quatorze anos de idade. Ela possuía feições delicadas que passavam um ar de pureza. E o cabelo longo, delicado e muito bem cuidado, era dotado de um tom púrpura-claro, que reluzia o brilho envolvendo o salão, como se cada fio tivesse sido revestido por uma substância lustrosa. E seus olhos, tão claros e azuis, eram de uma pureza impecável que fazia o céu em um dia sem nuvens parecer triste.

Depois que a garota entrou no salão, ela serenamente caminhou em direção ao Duque e ao Conde, fazendo-os assistir sua aproximação com muita atenção. E quando se aproximou, segurou o vestido, levantou a borda e se curvou numa respeitosa reverência.

― Bom dia, vovô! Bom dia, Conde Eurico! ― desejou a garota, com sinceridade.

― Bom dia, Serena! ― retribuiu o conde.

― Bom dia, minha netinha linda! ― disso o Duque Griffon em um peculiar tom infantil. Seu rosto, que até então demonstrava seriedade, transformou-se em um sorriso abobalhado quando viu a neta se aproximar.

― Vovô, o senhor precisa de mim para algo? ― perguntou Serena com uma expressão de dúvida no rosto.

― Sim. Mas antes de tocarmos em outros assuntos, você está bem? Teve algum problema para dormir? O café da manhã estava ao seu agrado? ― O vovô Griffon bombardeou Serena de perguntas, ao mesmo tempo em que mantinha seu jeito infantil de falar.

―Eu dormi muito bem e o café da manhã estava delicioso! ― respondeu ela com um sorriso gentil.

― Entendo, fico feliz em ouvir isso! ― falou, enquanto afagava a cabeça da neta num gesto carinhoso e exibia um sorriso meloso.

― E então vovô, o que o senhor deseja?

Ah, sobre isso... Eu acabei de receber uma carta de sua tia Eliza...

― Titia Eliza? Isso quer dizer que ela está vindo? ― Antes que o duque pudesse terminar de falar, Serena o interrompeu. Seus olhos reluziram um brilho esperançoso e suas mãos se juntaram numa tentativa infantil de conter a ansiedade.

― Não exatamente. Ela alegou estar muito ocupada com os preparativos para o início das aulas e por isso não poderá vir. Entretanto, ela prometeu que enviará um grupo para escoltá-la até a academia. ― concluiu o Duque, que manteve a mão calorosa sobre a cabeça da neta.

― É uma pena que a titia não possa, mas isso não é um problema já que em breve estarei indo para a academia! ― disse Serena cheia de esperança, deixando escapar um discreto tom de comemoração. O sorriso animado, escancarado de uma orelha a outra, não saia de seu rosto.

Hoho! Você parece bem empolgada! ― brincou o Conde Eurico, acariciando os bigodes.

― Sim! ― respondeu Serena de imediato. Ela não conseguia esconder a empolgação que estava sentindo. ― O Isaac também irá?

― Sim! Ele estava tão entusiasmado que nem mesmo queria esperar a equipe de escolta chegar. Aquele garoto quase se enfiou sozinho na Floresta Meia Lua.

― Então ele não vai esperar o pessoal da academia vir nos buscar? ― questionou Serena um tanto surpresa e assustada pela informação.

― Não. Eu consegui convencê-lo a esperar um pouco mais.

― Há anos você fala em entrar para a academia Elefthería e agora esse momento finalmente chegou. ― O Duque voltou a falar. ― Tenha a certeza de se esforçar ao máximo. ― Seus olhos transmitiam uma nostalgia perceptível ao mesmo tempo em que olhava com carinho para a neta, quase como se estivesse olhando um reflexo do passado.

Serena retribuiu o olhar do avô com ternura. E antes de falar, acenou uma vez, aprovando seu conselho.

― Eu darei o máximo de mim para deixá-lo orgulhoso. ― proclamou ela, batendo de uma maneira orgulhosa sobre o peito com a mão direita.

E ao ouvir as palavras da neta, o Duque Griffon, repleto de admiração, abaixou-se e a abraçou com toda a ternura que seus braços volumosos e peludos conseguiam exercer.

– Você... Não, todos da minha família já são os meus maiores orgulhos.

Serena, que era mais baixa que o avô, retribuiu o abraço com um aperto forte próximo a barriga.

― Agora vá para o seu quarto e arrume suas coisas. Quanto antes se organizar, menores serão as chances de esquecer algo. ― aconselhou o Duque.

Serena se desvencilhou de seu avô e com um sorriso animado falou:

― Sim, senhor. Irei para o meu quarto agora mesmo. Mas antes, eu irei mandar uma carta para Iris e Isis! ― E após dizer isso, ela começou a deixar o saguão de uma maneira bem calma para alguém que estava ansiosa. Mas ao se afastar alguns passos, ela agarrou o vestido, levantou a borda e disparou em uma corrida entusiasmada.

Hahaha! Ela está mesmo empolgada com isso. ― afirmou o Conde Eurico, deixando escapar um sorriso divertido enquanto assistia Serena correr pelo saguão.

― Bem... Desde os cinco anos ela só fala em estudar magia e agora que enfim chegou aos seus quatorzes anos é natural agir assim. ― comentou o Duque, olhando para as costas de sua querida neta.

― Só me pergunto... por quanto tempo isso vai durar? ― O rosto do Conde se tornou melancólico à medida que seus olhos mergulhavam mais uma vez sobre a carta que ainda segurava.

― Eu jamais deixarei que algo aconteça a minha família de novo! Mesmo que para isso eu tenha de destruir este país! ― afirmou o Duque Griffon, com imponência. A expressão gentil de vovô desapareceu junto de Serena e em seu lugar um rosto intimidador, capaz de causar pânico aos mais valentes dos homens, surgiu.

 


Nota do Autor

Sinto muito pelo atrasado. Entre uma péssima fase e um pequeno acidente envolvendo um produto quimico, acabei me atrasando para postar. Mas aos poucos estou me recuperando e espero voltar a programação normal.

 


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