Volume 1
Capítulo 7: MAQUINAÇÕES
Ser protegido...
Se tornar um protegido tinha seus muitos significados. Bem como seus privilégios.
Num contexto menos complexo, Aedrin quis dizer que Mil teria apoio dela em tudo. E aquilo valia muito.
Qualquer dificuldade que ele encontrasse no futuro, poderia ficar tranquilo pois, a rainha dos elfos sairia em seu auxílio.
Rainha dos elfos...
Isso despertou o alarde de Milan. Ela era a rainha de todos os elfos, ou somente de alguns? E a tal guerra que ocorria, será que ele iria ter participação nela?
Ser protegido significava também que ele, muito provavelmente, seria moldado até que pudesse ser útil à Aedrin. Se ela gastou com algo caro o bastante – como ele supôs que seria o tal cubo que acabara de introduzir no teste – então isso significava que ela já pensava em coloca-lo embaixo de suas asas desde que veio ao seu encontro.
Se recordou de uma conversa que ouvir de alguns orcs, falando que a pessoa que havia chegado não era simples.
Ela não tinha ido ali somente para encontrar com Mil – visto que as irmãs passaram informações sobre ele para ela –, é claro. Tinha ido também para tratar sobre o assunto de Droner.
Mas fora isso, ela estava ali por ele também, não poderia se dar tão pouco valor. Ela se impressionou com ele, é claro. Não podia deixar de ter esse pensamento.
E se ela tomou uma atitude tão importante quanto transforma-lo em seu protegido, deve ter visto grande potencial nele. Ah, como viu. Algo aconteceu nos instantes em que ele esteve “dentro” do tal cubo. Do contrário, não haveriam tantos guardas ali, apontando suas flechas para ele.
Sim, algo aconteceu. E seu rosto era um misto de dúvida, espanto e medo. Não poderia evitar sentir isso, afinal.
– Majestade... – engoliu em seco. – não tenho a intenção de ofendê-la recusando tal pedido... – ele tossiu, se alarmando para o erro. – Tal ordem. Mas..., mas o que aconteceu exatamente?
Aedrin, que permaneceu ajoelhada, olhou por cima do próprio ombro. Os guardas imediatamente baixaram os arcos, puseram-nos em seus ombros e se empertigaram numa saudação militar pouco conhecida. Marcharam tenda a fora, restando apenas o duque, a rainha e Milan.
Cildin manteve uma expressão amena.
– Você é um aprimorado, Milan – disse o duque, orgulhoso por um feito que não era dele. – É como chamamos aqueles que possuem a arte do Primor. Mas sua habilidade possui certas singularidades desconhecidas. No seu estado atual, é comum que pensem ser uma ameaça, os soldados principalmente. Mas não para mim, não para nós.
Aedrin assentiu e se ergueu. Virou-se e caminhou de volta até seu “trono”.
– Já deve ter notado que possuo uma habilidade singular também. Sou uma aprimorada. E é por isso que vi, assim que bati os olhos em você, o valor, o dom inerte. Seu espírito de batalha... Milan, você possui a capacidade de se tornar um áureo.
Um áureo! Os olhos dele brilharam.
Ele sabia o que se tratava isso, afinal, sempre sonhou com tal possibilidade. Sempre sonhou com os grandes contos épicos de heróis antigos, se colocando nos seus lugares.
Sempre sonhou travando batalhas, irrompendo em vitórias esmagadoras, sendo louvado, endeusado.
Um áureo.
– Há muito pouco entendimento acerca dos portais e do quinto gene. – Disse Cildin. – O que se sabe é que quando os portais começaram, a mãe natureza resolveu agir. O despertar começou, pessoas de incontáveis raças atingiram o ápice da evolução de raças. Anões, elfos, humanos, orcs... com exceção dos dragões e fadas, seres de pura luz, o resto de nós teve uma chance significativa de poder contra-atacar.
“Percebeu-se logo no inicio que existiam duas classes dentre os despertados: usuários de fascínio e guerreiros aurais. Mais tarde soube-se que os portadores, como são chamados os usuários de fascínio estavam em minoria. Sua força era imensa, mas existiam poucos deles. Já os guerreiros aurais, seres capazes de utilizar a própria aura, a própria energia vital, o orka para combater com força e todo um arsenal sobre-humano, estava em maioria... estes são os Áureos.”
O duque trocou o apoio da perna.
– Apesar dos portadores estarem em minoria, eles não são fracos. Tempos depois muitas nações adotaram subdivisões desses dois tipos de classes, bem como o portador combatente e o aprimorado. O primor, veja bem, é um tipo de fascínio raro, cujo pouco se tem conhecimento. Contudo, com bastante treino, é capaz de aprender mais sobre o Primor.
– Quer dizer que sou um portador combatente?
Cildin contraiu o rosto num ricto hesitante. Levou os olhos rapidamente à rainha élfica, apenas para voltar a fitar Mil.
– Não. Portadores combatentes usam o fascínio para um combate de curta distância. Você...
– Possui uma habilidade muito incomum, só isso. – Atalhou Aedrin. Cildin lançou um olhar confuso a ela, mas não disse nada. – O importante é que você desenvolva sua aura e se torne um áureo.
Milan fitou o chão. Esperava saber mais sobre o tal primor, mas ela não pretendia dizer mais nada sobre. Entendeu a deixa.
– Tenho apenas algumas perguntas a fazer, antes de sair.
– Faça.
– Vocês estão em guerra com a Bravaterra, não é?
Aedrin inclinou a cabeça para o lado, entreabrindo levemente a boca.
– Você é alguém bem direto e eu gosto disso. – A rainha soltou uma lufada de ar. – Há uma guerra que abala esse mundo a tempo demais para meu gosto. Uma guerra de família, que trouxe outras raças para consigo. Os reis de Bravaterra apenas escolheram o lado oposto. É tudo que posso dizer no momento.
Mil assentiu. Sabia que quando a hora chegasse, estaria a par de tudo. No momento só queria ficar vivo para quem sabe, ver a mãe num futuro próximo. Passar algum tempo irritando o pai. Dar um bom abraço na irmã. Faria de tudo para poder sobreviver e voltar para eles. Um dia conseguiria. Respirou fundo, sabendo que, mesmo que sua resposta fosse diferente, não teria escolha. E essa realidade era melhor do que a anterior.
– Então eu aceito sua ordem, majestade. Farei de tudo para que possa recompensar sua boa vontade.
– Apenas evolua e se desenvolva, Milan, é tudo o que peço. – Ela sorriu levemente, olhando para Cildin. – Antes de sair, quero pedir apenas uma coisa: não comente com ninguém sobre sua habilidade aprimorada. As pessoas não reagem bem ao verem algo assim, sei disso por experiência própria. Em breve Cildin irá até você com mais informações.
Quando a rainha fechou a boca, o duque estalou a língua. Meio segundo mais tarde, Dinara entrou pela mesma passagem que saíra antes.
– Pois não minha rainha?
– Leve Milan para novos aposentos. Dê tudo que ele precisar e cuide de suas feridas, meus guardas foram cruéis demais. Isto é tudo.
Dinara assentiu, ainda encarando o chão. Milan se levantou e foi em direção à saída. Lançou um olhar para Cildin um segundo antes de sair. O duque acenou com a cabeça, indiferente.
Cinco minutos após a saída de Milan, o duque abriu os olhos, revelando um azul tão claro quanto o lago mais limpo existente. Seu rosto era severo.
– Tem certeza disso?
Aedrin o encarou, mais indiferente do que poderia parecer.
– Por enquanto, sim.
– Não sei se é adequado esconder dele sobre algo tão importante.
– É o mais certo a se fazer. Informar sobre algo assim poderia tirar o foco dele, sem contar que se vazasse, estaria em grandes apuros. Você sabe como aquele homem gosta de frear as grandes joias deste mundo.
– Sei. Mas tem certeza de que os homens não vão perguntar? A energia que ele liberou durante o teste poderia alimentar uma cidade inteira em Elendil.
– É como você disse, gilkan: apenas uma energia. Eles não viram o que eu vi. Apenas sentiram o poder de um jovem recém despertado em ascensão. Um áureo nos primórdios de sua aventura.
– Mesmo antes? Nos arredores do campo de Droner?
– Sim. Tomei o cuidado de trazer apenas os mais fiéis a mim.
– Eu sei..., mas se houver um espião...
Aedrin ergueu uma sobrancelha.
– Você duvida de minha habilidade... de mim?
Cildin pigarreou.
– Não, minha rainha. Apenas me preocupo com a sua segurança, com a segurança do propósito.
– Não se esparve, meu querido. Tudo há de acontecer como esperamos. Há de saber que nenhuma mentira ou plano me é despercebido. Nenhuma.
– Perfeitamente. – Cildin encarou a passagem da saída. Após um bom tempo, sucedeu um ricto. – Temos de guardar muito bem nosso novo trunfo.
Aedrin assentiu.
– Você percebeu também. Deixarei isso a cabo teu. Pule-o a teu modo, dê o aspecto de diamante que terá. Mas não deixe que descubram o que sabemos.
Cildin assentiu, respirando fundo.
– E sobre os homens de Droner envolvidos na confusão?
Aedrin se recostou no espaldar de sua cadeira, seu rosto ficando coberto pela sombra da tenda.
– Mate todos.
***
EM ALGUM LUGAR DA BRAVATERRA...
BANG!
Um soco na mesa fez com que um tinteiro virasse para o lado e sujasse alguns papéis a secar.
Um sujeito de meia idade vestindo uma cota de malha por cima de uma roupa de tecido leve se ergueu, irritado. Ele era baixinho e tinha um cabelo ralo, com uma feição comum.
– Droga! Essa merda vai nos atolar até o pescoço, porra. – Disse, cuspindo as palavras de maneira imprudente. – A porcaria de um monstro de núcleo numa vila entreposta, porra. Tem noção da merda?
Um sujeito sentado do outro lado da mesa estendeu a mão espalmada para baixo, apaziguadora.
– Peço que se acalme, Balin.
– Me acalmar? – baba pulou de um lado a outro. Os outros dois presentes franziram o cenho. – Essa merda acontece pra me foder, só pode! Como raios o caralho de um Múmia-Morcego me aparece em Ka... Kil... Eu nem sei pronunciar a porra do nome da vila, caralho.
– Kaltsmeade. – Concertou o outro, que permaneceu calado até aquele momento.
Balin jogou a mão para frente.
– Isso mesmo. – Ele tornou a se sentar, respirando fundo. Afundou na cadeira e ficou mufino. Apoiou o rosto na mão, com o cotovelo apoiado no braço da cadeira. – As vezes penso que essas merdas só acontecem pra me atrasar, para atrasar a Entardecer. Nossa guilda já não recebe ajuda o suficiente do estado. Porra, o que aqueles filhos da puta do Grêmio pensam?
O segundo sujeito, que tinha ombros largos e feição dura suspirou. Este era Gerrard, o patrulheiro e aventureiro que foi investigar sobre a aparição de uma besta de núcleo.
Ele era um representante do Grêmio, um capitão importantíssimo dentro da organização.
O Grêmio era uma organização criada especialmente pelo rei de Kampelfett. Eles organizavam e lidavam com a criação de guildas e as premiações, para manter o controle do reino.
O Entardecer era uma guilda antiga responsável pelo cuidado de Pressard, uma das províncias do reino. E Balin era um líder recém promovido.
O norte nunca teve problemas com portais. Estudiosos acreditavam que pouca mana se concentrava naquela região, por isso era óbvio que não haviam bestas de núcleo.
Como Kaltsmeade era uma das poucas vilas artesãs e comerciais do norte, era comum que grandes aventureiros passassem por lá sempre.
O grêmio até mesmo analisava a decisão de criar uma instalação em Kaltsmeade, devido o grande volume de aventureiros que entravam na vila durante o período de alta.
Era longe, mas valia a pena.
Apesar de ser um enviado do Grêmio, ou seja, organização liderada diretamente pelo rei, Balin não ligou para o fato de medir as palavras. Estava irritado e com razão.
– Teremos que dar atenção para a porcaria de uma vila que não acontece caralho nenhum, tudo por causa um único incidente. Porra! Vocês acham que tenho tropas o bastante para disponibilizar para aquele fim de mundo?! Eu ainda tenho que cuidar dos interesses da guilda, porra.
O outro sujeito, um homem um pouco mais novo que Balin, suspirou. Uma veia saltou de sua testa, mas ele se manteve comedido.
– Já pedi que mantenha a calma, Balin. A culpa não é nossa. Temos sorte o bastante para patrulhas do Grêmio estarem passando nos arredores da vila. Caso contrário...
– Que mandem a porra do Grêmio cuidar disso, então. Não são tão a favor da criação de mais guildas?! Então arranjem um otário, alguém estúpido o bastante para se mandar praquela merda. Não vou mandar tropas nenhuma.
– Acho que você não entendeu a situação, senhor Balin. – Gerrard falou, o rosto sem emoção alguma. – Eu e o senhor Eadric viemos apenas como mensageiros. Isto não é um pedido do Grêmio, é uma ordem do rei.
Sua aura vazou levemente.
Capitão Gerrard Ely. Um patrulheiro do rei. Após ajudar na destruição de um portal rank S, ficou conhecido como Gerrard, o colosso. Atualmente era um aventureiro rank A, e sua evolução era considerada um prestigio.
Muitos ficaram boquiabertos quando souberam de sua decisão de permanecer como patrulheiro real e mais tardar, sendo condecorado como capitão do Grêmio. Ele não queria os holofotes que muitos almejavam. A vontade adormecida de conquistar Portais e destruir monstros de núcleo.
Seu desejo era mais simples, mais pé no chão. O que queria era algo mais palatável.
Por isso, era normal que pensassem que Gerrard fosse fraco.
Ele era um áureo de rank A. Não era alguém fraco.
Balin sentiu o tremeluzir da aura afetando os objetos. Até mesmo a mesa tremeu. Parecia o inicio de um terremoto.
Eadric permaneceu encarando Balin. Suor escorreu pela testa de Balin.
– A ofensa ao Grêmio perante dois capitães é considerada crime. Meda suas próximas palavras.
Balin pigarreou. Ele não disse mais nada, mas seu rosto estava obscuro.
– Merda! Não tive a intenção de ofender ninguém, capitão. É só que... compreenda meu lado. Não possuo homens o bastante para isso.
Eadric meteu a mão no bolso e tirou uma algibeira de couro, amarrada por uma corda cheia de nós.
Jogou em cima da mesa. A algibeira se abriu com o baque, derramando algumas moedas de ouro.
Balin arregalou os olhos.
– I-isso...
– Dez moedas de ouro. O rei entende que é uma urgência que não podemos ignorar. Pegue esse dinheiro e use do modo que necessitar.
Gerrard se ergueu, diminuindo sua aura. Balin imitou o gesto, desajeitado.
– Não é um homem ruim, Balin, mas é necessário que no futuro controle seu gênio. Homens perderam suas cabeças por muito menos. Vamos Eadric.
O segundo homem se ergueu e eles passaram pela porta, deixando o líder da Entardecer contando as moedas, os olhos brilhando.
Andando pelos corredores, Gerrard olhou para o outro, a sobrancelha erguida.
– O rei não é conhecido por sua generosidade. Não acha que terá problemas?
Eadric riu. Gerrard sabia que o homem era um coração mole, apesar de ter pavio curto. Antes ele só se controlou pois não queria perder a calma na frente de Gerrard, alguém que respeitava muito.
– Algumas moedas a mais farão ele pensar um pouco na própria vida. Conheço Balin há um bom tempo, e é como você disse: é um homem de bom coração. – Eadric lançou um olhar de canto para o outro. – Que faremos agora?
– Contatar um espião.
Eadric franziu a testa.
Passaram pelo salão ecoando seus passos. Aventureiros iam e viam andando até balcões e encarando os quadros de aviso.
– Pra quê exatamente?
– Vigiar uma certa família de ferreiros. – Saíram pela grande porta aberta do salão, o sol iluminando seus rostos. – Já deve ter lido sobre a hipótese dos gemini despertos.
– Aquela que diz que quando um gêmeo desperta o quinto gene, o outro não demorará muito para despertar também?
– Algo assim.
Eadric suspirou.
– Então é mais uma de suas apostas?
Gerrard se virou, sorrindo para o amigo.
– Algo assim.
***
– Soube de seu teatrinho com Droner. – Uma voz arisca falou, num dialeto diferente do comum. Era o luin antigo.
Aedrin suspirou. Ela encarou a bola de cristal ondulante.
– Não foi teatro. Ele fez tudo aquilo que Xidan desconfiava.
Um bufo. A bola de cristal ondulou.
– Soube que fez um novo protegido. Mais um de muitos.
– As notícias correm rápido. Será que eu deveria considerar meus guardas pessoais novamente?
Uma risada fraca e irônica soou.
– Tenho meus meios, você sabe. Ele é capaz?
– Precisa apenas ser lapidado.
– Então deixo isso em suas mãos. Mesmo que o propósito demore a ser alcançado, tem de seguir, firme e forte.
– Sim. Pelo propósito.
O propósito...