O Auto do Despertar Brasileira

Autor(a): Leonardo Carneiro


Volume 1

Capítulo 4: DIFERENTE


Aquilo pelo que Milan passou foi o suficiente para deixa-lo em coma por dias, talvez semanas.

Ele teve febre e convulsões. Mas seu corpo não foi o único a sofrer com a violação por qual Milan passou. Sua mente também sofreu... e muito. Ele teve alucinações.

Num dado momento, era como se ele tivesse lembrando de algo. As imagens que ele vira quando a besta de núcleo apareceu, vinham de novo como uma enxurrada, feito uma enorme onda invadindo uma cidade.

Ele se viu no campo de batalha, milhares de guerreiros indo contra si. Mas não era como se Milan controlasse o próprio corpo. Não. Ele era um telespectador, mas vendo pelos olhos de outra pessoa. Ele olhava para trás, mas estava sozinho.

Então de súbito, erguia uma mão e milhares de esqueletos levantavam. Alguns sem braços, outros sem mandíbulas. Todos eram seus, seus guerreiros das trevas. Os guerreiros corriam e a batalha mudava totalmente. Seus inimigos eram massacrados por soldados que não importasse o que, não morriam de jeito algum. Quando seus membros se desfaziam, eles voltavam ao lugar rapidamente, como mágica.

A visão girou e Milan se viu em pé num campo imenso. Ele estava sozinho, olhando para o céu enquanto chuva caia. O chão era composto por vários corpos, sangue.

Depois dessa visão ele acordou e estava num quarto, mas nada fazia sentido. Ele via corpos saindo do chão em dado momento, e em outro via Droner se aproximando com um sorriso maldoso. Seu coração pulsava e ele apagava.

Então ele não sabia mais o que era sonho e o que era real. Ficou nisto por um longo tempo. Nomes estranhos vindo-lhe à cabeça. Nomes conhecidos. Nomes de lugares. Ele se sentiu esperto, depois se sentiu burro. Sentiu algo diferente dentro de si, mesmo com todas aquelas visões. Mas como poderia sentir se estava, em tese, totalmente apagado?!

De algum modo, sabia ele, que mesmo estando num estado severo de vegetação, sua consciência se manteve até certo ponto. Ele só não sabia como.

Num momento, ele achou ter visto a múmia-morcego devorando toda sua família. Depois viu a si mesmo decepando a cabeça de uma mulher. Depois viu a si mesmo matando Droner, incontáveis e incontáveis vezes. E essa última se repetiu infinitamente.

Ele sentiu raiva e ânsia, querendo sair daquilo o mais rápido possível.

Destarte, seus olhos se abriram. Ele não via nada, não ouvia nada. Sentia apenas seu corpo pesado. Sentia apenas uma dor abaixo da cintura. Suas pernas não tinham forças.

Por conseguinte, Milan não estava mais delirando. Mas ele lembrava de algo em específico. Ele tinha memórias que não as dele. Ele também tinha a memória de matar Droner, mais de milhões de vezes.

– Vejo que finalmente acordou. – Disse uma voz.

Milan ergueu o olhar para notar que era a elfa que tinha lhe banhado anteriormente. Ela tinha um sorriso meigo e diferente daquele de quando se conheceram. Algo estava diferente, não parecia mais rude. E seus olhos não tinham mais rugas. Ela acenou com uma bandeja de frutas.

– Sou Dinara. Você deve ter conhecido minha irmã, Merentia. Ela lhe banhou para Droner-San.

Então era sua irmã. Milan ficou curioso para saber sobre a história por trás delas, mas seu estomago roncou antes que pudesse dizer ou fazer algo.

– Aqui, coma.

Milan pegou uma fruta e a mordeu. Em seguida pegou outra e outra. Seu estomago foi se saciando, finalmente.

Dinara observou, com um sorriso meigo, enquanto Milan comia. Parecia ter a fome de dez leões.

– Por quanto tempo apaguei? – indagou, limpando a garganta.

– Hmm... – ela botou a mão no queixo, pensativa. – Cerca de três semanas. Eu não tenho um diagnostico concreto, mas acredito que o choque tenha sido o principal causador deste coma. Você teve alucinações, como deve saber. Mas um pouco de repouso deva te fazer bem.

Milan assentiu e baixou a cabeça. Seu olhar não era mais inocente. Ele agora sabia o pior lado das pessoas. Ele provavelmente não era o primeiro nem seria o último. Mas ele tinha uma espécie de desesperança. Seus olhos inocentes haviam perdido a cor. Os antes e cinzas olhos famintos por curiosidades, agora estavam austeros, mais nublados que uma nuvem carregada.

Ele sabia que algo havia mudado dentro de si também. Ficava relembrando a cena em que matava Droner, milhares e milhares de vezes.

– É incomum que esteja vivo... como posso chama-lo?

Ele piscou, afastando os pensamentos.

– Milan.

Dinara assentiu.

– Como ia dizendo, é incomum que esteja vivo. Os humanos tendem a ser... como posso dizer?! Bragus...

– Frágeis.

Dinara ergueu o rosto, impressionada. A linha fina de seus lábios rosados formou-se num sorriso quando ela ergueu as sobrancelhas.

– Você sabe luen... – disse, mais como uma afirmação.

Milan assentiu, indiferente.

– Uma coisa ou outra.

Mas Dinara sabia que modéstia não cabia ali. Luen era a língua mãe dos elfos. Portanto, um dialeto bastante complicado para uma criança como aquela saber.

Merentia havia comentado que quando conversou com Milan, disse uma palavra em luen e ele concordou, como se compreendesse.

A mais velha acreditou que fosse algo de sua cabeça, mas Dinara descobriu, por fim, as suspeitas de sua irmã.

Um mistério sondava Milan cada vez mais. Era um garoto humano, frágil, como ela bem disse. Mas ele sobreviveu aos assédios de Droner, e entendia luen... que mais ele poderia saber?!

Dinara acreditava piamente numa teoria que se formou em sua cabeça, mas não poderia confirmar nada. E não queria pressionar o menino. Muito provavelmente era um menino rico, de uma família grande, com certeza. Os humanos eram bem ciosos quando se tratava de compartilhar informações e conhecimento, então somente alguém com capital para ter acesso a esse tipo de conhecimento.

Ela se aproximou, tocando levemente seus dedos esguios no cabelo castanho de Milan.

– De onde você é querido?

Ele piscou. Parecia distante. Ergueu os olhos, vazios como nunca antes.

– Venho de uma vila chamada Kaltsmeade.

– Nunca ouvi falar.

Milan assentiu, como se isso fosse comum. Não disse mais nada, e Dinara ficou tentada a tocar no assunto que rondava sua mente.

Ela se sentou num banco, tocando no braço de Milan. Rapidamente o menino recou ao toque dela, alarmado. Seus olhos estavam cheios de um pavor lancinante.

Dinara também recuou um pouco, compelida a fazer nenhum comentário.

– Diga: você é um nobre nessa tal Kaltsmeade?

Milan negou, hesitante sobre o que poderia falar ou não.

– Meus pais são donos de uma loja, onde vendem armamentos e armas que meu pai mesmo confecciona e forja.

Certo brilho passou pelo rosto de Dinara, como se estivesse realmente interessada na história de Mil.

– E como chegou até este lugar? Tornou-se escravo?

Milan negou.

– É complicado...

Dinara sorriu gentilmente.

– Experimente contar.

O menino fez um esforço danado para tentar fugir da pergunta, mas Dinara parecia realmente interessada, tornou a pensar. Mas ele não sabia se o que contaria seria dito ou não para Droner. Ou pior, para o tal Xidan.

Seu despertar – o curioso processo de evolução dos seres onde o quinto gene abrolhava como uma lagarta recém transformada em borboleta –, já era tratado como um fato verídico para ele. No entanto, não sabia até onde poderia esconder isso.

Sabia pouco, na verdade, sobre as habilidades de um despertado, e nunca sonhou que isso aconteceria com ele. Se algum desses malditos orcs descobrisse, o transformariam numa máquina mortífera sanguinária. Mil não queria isso. Mas entre isso e ser um escravo sexual de um orc... Milan deveria rever suas prioridades.

Dinara notou a hesitação nele e suas suspeitas se intensificaram.

– Você é um despertado, não é?

O espanto no rosto de Milan ao olhar para ela confirmou tudo. Um brilho iluminou seus olhos. Parecia que Dinara acabara de encontrar uma mina de ouro.

Ainda haviam coisas incomuns acerca do menino, mas isso era o suficiente. Na verdade, explicava como ele conseguiu sobreviver às investidas massivas de Droner.

Muito humanos já haviam passado por ali, e nenhum sobreviver nem à primeira noite devido aos desejos do orc cinza. Na verdade, se tivessem sobrevivido durante a primeira meia hora, era muito.

Mas aquilo... Milan deveria ser um despertado de grandes capacidades, de força vital enorme. Só isso explicaria, decerto.

Dinara limpou a garganta, tentado disfarçar o interesse renovado.

– Entendo. – Foi tudo o que disse. Quando Milan não sentiu a necessidade de fazer um comentário a isso, ela continuou. – Deveria ter dito isso à Droner. Poderia evitar esta situação.

Milan não respondeu imediatamente, mas suspirou.

– Naquele momento eu não sabia o que isso poderia resultar... e se ele me matasse? E se fizesse coisas piores do que já fez? E agora... agora não tenho nem mesmo a vontade de servi-lo.

Quando Dinara encontrou os olhos de Milan, notou que o vazio havia ido embora. Uma ira primordial houvera apossado os cantos cinzentos dos olhos grandes do menino.

Ele não precisou terminar sua frase. E Dinara sentiu pena do menino, muito embora tenha sentido medo. Milan se tornara uma pessoa diferente em questão de segundos. E a ira logo se foi quando ele pareceu perceber algo.

Se jogou para a frente e agarrou o pulso da elfa, o queixo tremendo um pouco.

– Por favor! Eu lhe peço... não. Eu lhe imploro: não diga nada a ele. Eu sei que é algo difícil de se pedir, ele é seu mestre..., mas, por favor...

Dinara apertou a mão de Milan, um sorriso gentil se formando em seu rosto.

– Não se preocupe, lignuin. Eu não respondo ao orc cinzento.

Mil tomou um aspecto renovado. Sabia que ela poderia responder diretamente à Xidan, mas isso não importava. Xidan ainda não havia feito mal algum a ele, Droner sim.

E ele não via mal algum vindo dela. Isto é, era como se um manto invisível a cobrisse, e esse manto fosse de uma cor viva, bondosa. Mil não soube como interpretar aquilo.

Do lado de fora da tenda, um burburinho se iniciou. Dali a pouco, um orc verde, baixo para os padrões de orcs cinzentos adentrou o local. Ele olhou para Milan depois para Dinara.

– Ah! – suspirou. – Mestre Droner me pediu para vir olhar o garoto humano. Ele quer saber quando vai ser liberado. – Disse num tom malicioso.

Milan encarou o orc. Seus olhos estavam tempestuosos, com uma raiva aparente. Ele começou a sentir sua pulsação se elevar, estava ficando com uma raiva incontrolável. Inconsciente, apertou o braço de Dinara tão firme que os nós de seus dedos esbranquiçaram.

– Diga para seu mestre que espere um pouco mais. Ele pode aprender a controlar seus desejos sujos. – respondeu a elfa, num tom seco.

O orc deu um passo, apertando o cabo de seu machado preso à cintura.

– Tome cuidado com o que diz, elfo. Mestre Droner não costuma ser tolerante a insultos.

“E você deveria lembrar que não sirvo ao seu mestre, orc imundo. Lembre-se a quem sou leal, e que eu e minhas irmãs viemos apenas para preparar sua chegada.

O orc praguejou e saiu da tenda, soltando palavrões num idioma confuso para Milan.

Dinara suspirou e sentou ao lado da cama de Milan. Ela passou as mãos nas pregas do vestido e se enrijeceu. Ela não disse mais nada, ficou apenas ali, encarando o vazio. Milan queria fazer perguntas, mas não conseguia pensar em como fazê-las. A única coisa em que pensava era como mataria Droner.

***

Dias se passaram e a recuperação de Milan já estava em seus estágios finais. Quando ele acordou, notou que não estava no lugar em que havia dormido.

Àquela altura ele já conseguia andar novamente. Estava ciente que alguém importante tinha chegado ao acampamento durante o tempo em que estivera acamado, mas não sabia se acordar em outro lugar estava relacionado com a chegada desse alguém.

Sua visão foi se ajustando até ele perceber que estava num lugar conhecido.

Sua respiração acelerou e seu peito começou a doer. Ele só pensava numa coisa: De novo não.

Milan tinha total certeza de que aquilo não era um sonho. Bem na sua frente, estava Droner, um sorriso malvado e totalmente pelado. Ele, Milan, estava amarrado à cabeceira da cama e sem vestes alguma.

– Estive esperando por um longo tempo, jovenzinho. Devo dizer que estive pensando em você todo esse tempo, em modos de fazer isso. Prometo que você irá adorar.

– Não se aproxime, imundo. – Berrou Milan, sua voz um barítono mais alto. Estava carregada de ódio, medo. Ele queria vingança, mas era muito fraco.

– Ohoho. Então o filhote tem presas, afinal. Não se preocupe, desde que eu tivesse preparado o campo, da vez seguinte entraria com mais facilidade. Mas posso dizer que você é apertado aí embaixo.

Ele se precipitou e subiu na cama. Antes de começar o ato novamente, colocou a genitália na boca de Milan, que arregalou os olhos. Mas dessa vez seria diferente, ele nunca mais deixaria alguém encostar nele.

Com a maior força que tinha, ele apertou a mandíbula ao redor da glande de Droner, e mordeu, até que sangue saísse. Droner gritou, dando murros na cabeça de Milan para que soltasse.

Milan resistiu bastante, mas no quarto murro, acabou por soltar. Estava tonto, sua visão turva.

– Seu maldito, eu vou te comer de tantas formas. Depois de novo e de novo, e deixar você jogado numa vala. – Ele berrou.

Milan chutou quando Droner voltou a ir para frente, mas seus chutes eram como se um bebezinho estivesse chutando um adulto. Não fariam nem cócegas. Milan praguejou, amaldiçoando a si mesmo. Ele fechou os olhos enquanto era violentado outra vez.

Ele havia falhado em matar Droner. Por que achou que seria diferente desta vez? Essa seria sua vida a partir de agora?

Depois de horas, Droner finalmente apagou. Milan desta vez se manteve acordado. Enquanto o orc dormia, ele, que já tinha sido solto da cabeceira da cama à essa altura, caminhou pelo quarto, em busca de algo afiado.

Fez o mínimo de zoada possível até encontrar uma enorme adaga. Ou seria uma espada?

Bem, deixando a dúvida de lado, voltou na ponta dos pés para a cama, ignorando o latejar nas suas nádegas. Subiu no corpo de Droner e ergueu a adaga/espada acima da cabeça com as duas mãos, a lâmina virada para baixo. Ele olhou por um tempo para o orc antes de descer sua mão bem acima da cabeça de Droner.

Antes que a ponta chegasse no olho, Droner ergueu uma mão e segurou as de Milan, que fez um esforço danado tentando empurra-las para baixo.

– Oh, pensei que você queria mais, jovenzinho. Achou mesmo que eu fosse tão tolo ao ponto de morrer assim? – Sorriu, se sentando na cama, Milan ainda sentado em seu colo com as mãos presas.

– Se queria de novo, era só pedir. Hehehe. – Ele estava pra começar aquilo outra vez, mas Milan conseguiu desvencilhar uma das mãos e enfiou os dedos num dos olhos de Droner.

Ele fechou os dedos ao redor do globo ocular e, com toda a força que tinha, puxou, trazendo nervo óptico e sangue verde.

Droner gritou e empurrou Milan para trás.

– SEU MERDINHA! Você arrancou meu olho. Eu vou te matar por isso! ARRRRGH!

Sem pensar duas vezes, Milan deu meia volta e saiu correndo tenda afora, ainda segurando a adaga.

Tudo foi muito rápido. Milan conseguiu ferir Droner duas vezes, e não teve tempo de pensar num plano de fuga. Sua vingança ainda não tinha se dado por completo, mas ele estava feliz que tinha feito Droner sofrer mesmo que um pouco.

Quando irrompeu para fora da tenda, deu de cara com vários orcs. O céu era o mesmo, mas uma luz aparecia por entre as nuvens, indicando que a manhã estava começando.

Quando viram Milan sair da tenda com uma “espada” em mãos e a outra totalmente ensanguentada, os orcs rapidamente sacaram suas espadas.

Milan sabia que naquela terra o sistema de despertados não era a mesma que em seu reino. Não haviam ranks e classes para cada despertado. Mas ele tinha uma leve sensação de que aqueles orcs podiam se equiparar aos aventureiros de nível guerreiro, que eram aqueles que não usavam nada além de sua força em batalhas.

Um orc gritou: – Esse é o sangue de Droner-San. Matem-no imediatamente.

Maldito! Milan esperava que esses tolos fossem burros o suficiente para perceber isso nem que fosse um segundo mais tarde.

Eles estavam em quatro. Dois avançaram enquanto o resto ficou na dianteira. Milan sentiu uma raiva lhe ferver. Tinha raiva dos orcs, raiva de Droner. Tinha raiva por aquilo que teve de passar. Não passaria por aquilo outra vez, nunca mais. Nunca mais!

Ele apertou o cabo da espada e, de modo inconsciente, grãos negros espiralaram em sua mão e na espada, feito um vendaval a se formar. Mil se alarmou, ciente que poderia ser teletransportado para outro canto. Onde seria dessa vez? O fundo do mar, no reino dos tritões? Ou na ilha perdida de Avalerin? Isso não passou de fantasia infundida. Aqui era a realidade.

Mas ao invés de engoli-lo, a areia parecia se autossustentar, espiralando e rodando.

– Então ele é um despertado – Gritou um orc.

– É um portador!

– Sim! Mas que fascínio incomum.

– Ele é um humano, Xvarg, ignore isto. – Berrou o primeiro orc. – Matem-no antes que se torne um problema.

– Morra, humano maldito.

Milan sentiu uma calma tremenda. Seus reflexos ficaram aflorados. Como se a memória muscular de uma batalha distante ainda fosse presente. Mas que batalha?! Ignorou isso e correu para a frente. O primeiro orc desferiu um golpe em diagonal enquanto que o segundo desferiu um corte em horizontal.

Milan se esquivou para o lado da primeira e ergueu seu braço segurando a espada para defender a segunda. Ele sabia que não tinha a menor chance. Nunca tinha estado em batalha antes. Aqueles orcs eram, muito provavelmente, de rank B, se comparados com os aventureiros do reino de Pressard.

Ele esperou o impacto da espada do orc, que veio. Seu braço tremeu e, em seguida, doeu, mas o que aconteceu deixou Milan estupefato.

A espada do orc se rachou quando entrou em contato com a de Milan. A parte da lâmina quebrada voou longe, deixando o orc de boca aberta.

Como se estivesse sendo guiado pelos seus reflexos, Milan rapidamente ergueu a espada, desferindo o golpe em diagonal no orc. Quando a lâmina entrou em contato com ele, boa parte do seu dorso foi engolido. Deixando apenas o braço direito, a cabeça, e as pernas.

O outro orc parou imediatamente, olhando para onde estava seu companheiro. Milan tinha a mesma expressão. Aquela areia havia engolido o orc, que tipo de areia era aquela?

– P-primor? Isso é muito além de um reles fascínio. Nunca vi nada parecido. – Sua voz assumiu um tom de alerta. – Não encostem na lâmina. Chamem imediatamente os arqueiros e xamãs.

Ao ouvir aquilo, Milan sabia exatamente o que fazer. Ele avançou na direção do outro orc. Com medo, o orc acabou tropeçando e caindo para trás, se estatelando de bunda. Milan fez o mesmo movimento de antes. Sua espada foi rápida e nenhum ruído soou, nem mesmo um grito do orc.

Dessa vez, o corpo da criatura não foi afetado, apenas metade de sua cabeça. A areia ia perdendo sua força, então ele tinha que aproveitar. Não perderia mais tempo.

Correu e pulou. Ao pousar, sua espada cortou o orc que faltava. Olhou ao redor e contou os corpos.

Um, dois, três... fitou o campo em busca do quarto orc, mas... tarde demais, Mil notou o orc entrando no acampamento, muitíssimo aflito.

Milan caiu sobre um joelho, a fadiga lhe atingindo por completo. A areia em sua mão começou a desaparecer. Quando sumiu completamente, ele percebeu que seu braço tremia. Uma cicatriz havia se formado, feito uma ferida deixada por um raio. Qualquer que fosse aquele poder, cobrava um preço muito alto; ele precisaria ter cuidado.

Sua visão perdeu o foco, mas ele não podia desistir. Antes que pudesse sair correndo, algo atingiu seu ombro, fazendo-o cair outra vez sobre um joelho.

Ele olhou para baixo e viu uma flecha de energia pulsando; ergueu os olhos e uma dúzia de arqueiros já se precipitavam em um meio círculo.

A flecha ondulou e despareceu, fazendo Milan pressionar a ferida. Tornou a fitar os arredores e notou o orc que havia ido chamar os arqueiros. Ele ofegava enquanto passava os olhos pelo campo, encarando os corpos de seus companheiros.

Ao seu lado, pelo menos uma dúzia de elfos tinham seus arcos erguidos para Milan. Eles tinham uma pele quase cinza; usavam capacetes com pluma vermelha ondulando. Por baixo, seus cabelos brancos eram amarrados em rabos de cavalo. Os olhos frios e azuis fitavam Mil por entre as frechas dos capacetes, mantendo uma expressão concentrada. Mais flechas de energia prontas para serem atiradas.

Era o fim para Milan. O campo rapidamente se encheu de Orcs com clavas, lanças e espadas em mãos.

– Vamos, matem-no. Que estão esperando? Esse bastardo arrancou meu olho. – Disse uma voz de trás.

Milan olhou de esguelha. Droner estava em pé na frente da tenda. A mão tampando o olho ferido. Sangue verde ainda escorria pelo seu rosto. Milan deu um sorriso, adorou ver a situação em que o orc estava.

– Vamos logo, suas pestes. – Gritou Droner mais uma vez.

– Com que autoridade pensa que tem para falar assim com meus arqueiros, Droner? – Soou uma pessoa imponente.

Andando calmamente entre os elfos veio uma pessoa que Milan ainda não tinha visto.

Ele usava um robe bege de batalha. Havia uma espada sem bainha presa à sua cintura. A pele era branca feito a neve. Seus cabelos eram negros e caiam pelas suas costas até a cintura. Seu rosto era lindo; sua boca era vermelha como cereja e seus olhos cinzas como uma nuvem carregada. Suas orelhas eram pontudas e cheias de brincos. Havia uma espécie de coroa feita de ouro em sua cabeça.

– Mi-milady Aedrin. – Disse Droner, ficando sob um joelho, como se reverenciasse um rei... ou rainha.

A elfo chamada Aedrin encarou os corpos de orcs caídos ao chão; depois encarou o rosto de Droner, todo ensanguentado. Sua testa se franziu quando ela olhou para Milan e viu sua mão cheia de sangue, abriu um enorme sorriso.

– E então, que surpresa temos aqui?



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