Volume 1
Capítulo 30: A LUTA PELA VIDA
Milan encarou o corpo pútrido com um rosto sombrio, ainda em negação. Mas era inevitável, o corpo tinha grandes propriedades de cura, e isso provavelmente lidaria com boa parte de seus ferimentos.
‘Irônico… considerando quanta destruição essa coisa causou.’
Apesar de relutante, essa foi a única solução que ele encontrou para a situação desesperadora. No momento, o corpo de Mil estava queimado em várias partes, cheio de cortes, dolorido e com pus sendo ejetado… apenas uma coisa impedia seu corpo de infeccionar severamente – o que não estava tão longe de acontecer – e era a resistência originada pelo quinto gene.
Mil nunca parou pra pensar nisso profundamente… mas era realmente surpreendente que ele estivesse vivo a essa altura. Um humano comum já teria entrado em decomposição…
Engolindo seco toda a dúvida, Mil encarou o corpo em putrefação… Ele conhecia mais ou menos os estágios de decomposição, mas não imaginou que esse estágio seria tão rápido. Ou realmente era isso, ou ele perdeu a noção do tempo. Isso era fácil de acontecer, aqui.
Mil não sabia quanto tempo ficou adormecido, e quanto tempo lutou pela própria vida, tentando não engasgar com o próprio sangue e a chuva. E com esse segundo nunca cessando, realmente era difícil perceber o passar dos dias.
O negócio é que definitivamente estava em estado de putrefação. Estava fedendo, e ele já via, mesmo de longe, o movimento de larvas sob o corpo. Será que isso ainda poderia ajudá-lo?
Só tinha um jeito de descobrir, e não seria nada agradável.
Respirando fundo e depois prendendo-a, Mil enfiou a mão na boca aberta da criatura.
Ainda estava quente, mas de um jeito reconfortante.
Isso não surpreendeu Mil, afinal, ele viu o sangue daquela coisa criar poças profundas naquele solo endurecido.
Talvez o sangue dessa coisa fosse feito de fogo líquido… ou quem sabe de lava.
Empurrando esses pensamentos para trás, pois a fadiga era intensa, Mil forçou a retirar pedaços pequenos, mas consideráveis de carne.
Surpreendentemente, a carne não resistiu quase nada ao toque do menino. Ela se esfarelou entre seus dedos rasgados, e ele sentiu algo viscoso e quente permear sua pele.
Suspirando pesado e sufocando um grunhido, Mil retirou a mão rapidamente enquanto se forçava a não chorar. Foi inevitável.
Engolindo em seco, Mil arregalou os olhos para a mão, esperando ver mais machucados causados por o que quer que tenha sido ejetado da carne da criatura.
Mas ele encontrou apenas… um sebo esbranquiçado, limpando sua carne aos poucos. As pequenas fendas formadas nas pontas de seus dedos cicatrizavam numa velocidade otimista, e ele sentiu quando a própria pele se fechava sobre si mesma, criando pequenas queloides impossíveis de se ver.
Tateando os próprios dedos, Mil sentiu essas protuberâncias de pele cicatrizada e olhou, de esperança renovada, para o corpo jazendo morto da criatura.
Isso era… simplesmente demais. Como isso seria possível? Mil nunca ouvira ou lera sobre algo tão extraordinário, e mesmo assim estava aqui, presenciando essa proeza milagrosa. Nem se tivesse lido, acreditaria.
‘Parece que tem coisas nesse mundo que somente vendo para crer…’
Suspirando, Mil recuperou aos poucos seu fôlego. Era realmente extraordinário.
Ainda havia certa quantidade daquele líquido viscoso em seus dedos, então ele tocou de leve numa grave queimadura em seu peito.
A carne estava exposta e ameaçando infeccionar, aguentando por pouco devido ao seu alto nível de resistência recém desperto.
Mas ao ser untada nas bordas, a ferida parou de arder… e aquela sensação de carne queimando e de pele se desfazendo… sumiu, mesmo que levemente.
Mil franziu a testa. A ferida não fechou imediatamente, mas na área em que foi tocada pelo líquido, o sangue estancou e a carne latejou, como se finalmente pudesse respirar.
Milan piscou várias vezes, uma ideia louca, mas real, se formando em sua mente. De repente de esperança renovada, Milan sabia o que fazer para pelo menos sobreviver um dia após o outro.
O que ele deveria fazer era simples. Como o corpo da criatura era grande, devia haver uma grande quantidade daquele líquido viscoso ali. Milan iria focar nas partes mais afetadas de seu corpo, e foi o que ele fez.
As pequenas feridas, arranhões e queimaduras cicatrizam mais rapidamente e sem problemas, mas as maiores são a preocupação aqui.
Milan olhou para seu peito e uma batida de seu coração errou. Ele fechou bem os olhos e desviou o olhar, tentando ganhar coragem para ver de novo o estrago.
Era uma grande confusão de queimaduras e cortes profundos, sujos de lama e sangue. Mas no meio do peito havia um corte realmente feio e profundo, que ia da clavícula até o topo do abdômen. Milan engoliu em seco, se perguntando como estava vivo… isso era demais para ele.
Estranhamente, ele se sentia muito ligado, e sua mente não estava tão cansada a ponto de ruir. Talvez fosse o efeito da cura da besta, ou outra coisa. Ele não sabia.
Suspirando fundo, ele enfiou a mão na boca da fera outra vez e trabalhou.
***
O fato de Milan não ter desmaiado uma vez sequer durante todo o processo foi realmente… promissor. Ele engoliu em seco várias vezes, e por várias outras vomitou, ficando enjoado.
Vez ou outra se fazia a mesma pergunta: como estava vivo? Era demais… de um modo ruim.
As feridas eram feias e deveriam ter matado qualquer um, mas não o mataram.
Milan untou boa parte das feridas grandes com o líquido viscoso da fera, evitando as partes menores, já que iriam melhorar sozinhas. Sua pele já corria para se recuperar.
Quando terminou de preencher seu corpo com a banha, Mil caiu para o lado, adormecido. Finalmente sua mente cobrara o preço.
Ele dormiu por um dia inteiro, e a chuva já havia cessado.
Durante seu sono, Milan teve pesadelos e seu corpo esquentou. Ele tremia de frio, sua temperatura às alturas.
Mas ele deveria resistir, a pior parte já tinha passado. Agora era aguentar enquanto a banha fazia o resto.
Isso não queria dizer que foi fácil.
Ele estava descoberto e desprotegido naquela floresta, e tinha febre e alucinações. Era um alvo livre para qualquer besta que quisesse se arriscar. Estranhamente, no entanto, isso não aconteceu.
O que foi bom. Mas ainda era ruim. Ele acordava duas vezes ao dia para limpar o corpo e passar a banha no corpo novamente. Sem alguém para ajudar, essa tarefa era difícil.
Seus braços e pernas eram como duas montanhas a serem movidas, e sua mente estava pesada, mais do que estivera dias atrás. As feridas finalmente doíam mais do que antes e ardiam mil vezes mais, também. Mesmo com a mente nebulosa, ele sabia a razão disso. A adrenalina havia passado, por isso ele resistiu bem no começo. Agora era outra história.
Uma poça de água larga e profunda foi criada próximo dali, em decorrência de sua batalha. Ele a usava para se limpar e para beber água.
A luz do sol não chegava ali, e a chuva havia voltado outra vez. Todo dia a poça se renovava feito mágica, mas era por uma razão bem natural.
Se mover entre o corpo da criatura e a poça d’água era complicado, já que ele tremia de frio e tinha de se arrastar até lá. Seu corpo esquentava cada vez que ele trocava a banha, mas a temperatura de seu corpo logo amenizava quando ele ingeria pequenas quantidades de carne crua.
Nesse ponto, a carne já não era tão macia e suculenta como ele imaginou. Era crua e ferrugenta, realmente muito forte. Era como se tivesse bebendo metal líquido ou algo assim.
Ele mal conseguia engolir direito, mas tinha de resistir.
Então longos e tortuosos dias se passaram, Mil lutando por sua vida cada vez mais que o tempo de adrenalina havia passado. Era cada vez mais difícil, mas ele persistiu e se manteve vivo. Não tinha outra escolha, afinal.
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