O Auto do Despertar Brasileira

Autor(a): Leonardo Carneiro


Volume 1

Capítulo 15: CAÇA VS PREDADOR

 

Milan descobriu da pior maneira que era péssimo caçando animais.

Já haviam se passado horas e ele nem tinha conseguido chegar perto do roedor. Conseguia ver sua pelugem reluzindo aqui e ali, mas sempre que pensava estar perto, estava longe.

Não à toa o animal era chamado roedor-lépido. Isto é, roedores já eram rápidos o suficiente, ainda detinham a alcunha de lépidos. Mil desconfiava que ninguém pudesse ser capaz de capturar um daqueles, só sendo mais rápido, e ele já estava cansando disso.

Era o pingo do meio dia, e o animal captava os movimentos de Mil. Sabia quando ele estava perto, fingindo não perceber. Houve um momento em que Mil quase o pegou, mas o bicho esperou até o último instante para pular e sair correndo.

Então o clima esquentou e Milan não conseguia mais aguentar a quentura. Suor escorria pela testa, e sua cabeça começava a doer. Ele se escondeu sob a sombra de um enorme mourão, a fim de descansar um pouco.

Traçava planos mentalmente para tentar pegar a criatura, quando notou um movimento incomum. Tinha passado tanto tempo observando o roedor-lépido que já sabia suas curvaturas, sua cor, tamanho de orelhas, patas e até dos dentes.

Desta vez, no entanto, uma criatura célere e taciturna se aproximou por entre arbustos, ocultando uma enorme presença. Mil notou sua energia, mesmo que este tentasse esconde-la. Lembrou-se exatamente dos quatro sentidos do Sentir, primeiro passo para controlar a aura.

Isto é, o olfato, a visão, audição e a alma. E ele havia passado por três dessas quatro etapas num piscar de olhos. Foi por isso que conseguiu notar a presença da criatura. Milan havia dominado o sentir em poucas horas; claro, havia muito a remar, mas já tinha um controle absurdo. Ele já tinha conseguido compreender o próprio orka.

Foi fácil, diria que brincadeira de criança perceber a presença de outro ser. E Mil soube o porquê disso: nada mais nada menos era um animal irracional. Mesmo que ele conseguisse controlar a própria presença, isso era o processo natural dos animais, dos predadores. Ele provavelmente havia nascido com isso, por isso era tão simples pra ele. Não é como se isso mostrasse que ele era inteligente. Ele não era.

E a prova disso é que Mil conseguiu passar despercebido pela criatura. A verdade é que ele havia sim passado pelo Sentir e Concentrar em poucas horas, mas isso não significava que ele tinha controlado o próprio orka. Não. Se se concentrasse, podia ouvir o som da energia rodeando o mundo, dando pequenos estalos. Podia vê-la e até sentir seu cheiro. Mas mais do que isso, notava sua presença por meio da alma, coisa que nunca havia notado antes.

E agora estava preenchido. Era como se perceber essas coisas existentes e invisíveis o completassem, e ter controle sobre o próprio orka, assim dizendo, era catártico.

Mil retesou seu orka mais ainda. Havia aprendido a controlar com o rio banhando-o e inundando seu corpo constantemente com energia, e os microrganismos que faziam todo o trabalho de purificação. Estava mais fácil, como mover um braço debaixo d´água.

Ele se escondeu detrás de sua árvore e observou enquanto uma criatura de dorso longo se aproximou lentamente.

Mil encarou a pelugem amarelada da criatura e seu focinho se mexendo. Por um segundo a criatura olhou em sua direção e seu coração errou uma passada. Eram olhos fendidos e vermelhos. Que animal era esse?

A criatura parou e seu focinho cheirou o ar. Os olhos vasculharam o lugar e as orelhas pontudas se moveram em várias direções. Mil respirou fundo, controlando a própria respiração. Tinha de manter a calma e, acima de tudo, não usar a energia estagnada. A voz irritante de Cildin veio em sua mente imediatamente.

Mas Mil estava bom demais em controlar sua energia, pois a criatura ignorou-o e caminhou novamente, entrando na grama alta.

Milan saiu detrás da árvore e observou o desenrolar. Quase cinco metros à direita, uma família de roedores saiu da toca. Lentamente a pelugem azul ficou a mostra. O maior deles, provavelmente o macho, também cheirou o ar e ficou sobre as patas traseiras. Suas orelhinhas se erigiram e seus olhos negros olharam dali pra cá. Era a primeira vez que Mil tinha uma visão tão daqueles camaradinhas.

O predador esperou, pacientemente, enquanto o pai decidia se era seguro ou não seguirem viagem. Para ter uma visão melhor, Mil subiu na árvore e ficou sobre a cena logo abaixo. Sabia que Cildin estava em alguma das árvores logo ali, a espreita.

O roedor finalmente parou de cheirar o ar e se virou. Seis filhotinhos saíram de seu encalço e um outro roedor, que Mil deduziu ser a fêmea, logo atrás.

Entrementes, o predador, que visto de cima parecia mais uma raposa, deu mais alguns passos. Mil não entendia como ele conseguia saber o paradeiro exato dos outros oito, pois a visão ali era claramente prejudicada. Mil atrelou isso à mais uma de suas habilidades. Que legal.

Os roedores seguiram seu caminho, com o maior deles parando de vez em quando para cheirar o ar. Ele cortou caminho e seguiu em direção às árvores na outra extremidade. Enquanto isso, o predador diminuía o espaço lentamente, sem produzir ruído algum.

Durante seu percurso, no entanto, ele pisou em algo que fez um mínimo som, mas que foi o suficiente para chamar a atenção de todos os roedores. Eles se ergueram sobre suas patas traseiras e cheiraram o ar. A fêmea foi a primeira a dar a volta, seguida pelos filhotinhos.

O predador se ergueu, os pelos erigidos, e saltou sobre os arbustos, diminuindo o espaço rapidamente até o roedor macho. Este não foi capaz de agir depressa, pois se corresse, seus filhotinhos seriam devorados. Ficou parado, num instinto paternal que, aos olhos de Mil, foi bastante bonito. Mas este era o mundo animal, e o menor erro resultava em morte.

Ementes, a fêmea tornou a correr para sua toca, mas dois outros animais parecidos com o primeiro predador surgiram. Os filhotinhos tentaram correr, mas três deles foram devorados num piscar de olhos.

A fêmea guinchou e se virou para a direção do macho, que estava sendo mastigado pelo primeiro predador. Ela correu até os pequeninos restantes, somente para que o outro predador abrisse a bocarra e cravasse seus caninos em sua escápula.

CRECK.

O som do pescoço da pobre roedora se quebrando foi ouvido por Mil. Os predadores, então, se viraram para os três filhotes restantes, que guinchavam aos quatro ventos. A boca do primeiro estava manchada de sangue. Ele rosnou, mostrando os caninos amarelos e afiados.

Os predadores fizeram um circulo ao redor dos pobres roedores e, num piscar de olhos, pularam sobre sua refeição tão aguardada.

Em poucos minutos a família de roedores foi dizimada, restando apenas sangue e alguns pelinhos azuis.

Mil encarou tudo atônito, estático. Não ficou surpreso nem abalado, apenas se sentiu vazio. Era assim, tanto no mundo dos homens quanto no mundo dos animais. O forte prevalecia, e não importava o quanto você fosse rápido. Era a lei do mais forte. A porra da cadeia alimentar.

Milan observou as criaturas se separarem e se distanciarem umas das outras, indo em direção de onde haviam vindo.

Enquanto elas caminhavam lentamente pelo lugar, uma ave planou sobre Mil, piando e arranhando ele. O menino levantou o braço pra se proteger, a fim de espantar o bicho.

– Sai daqui ave fedorenta.

GRRRAAA

Ele grasnou, chilreou, ou qualquer coisa-ou que aquela coisa produzisse com o bico.

Suas garras arranharam Mil no braço e no rosto, e isso o fez se desconcentrar. Ele perdeu o equilíbrio e acabou escorregando do galho, e caiu lá embaixo.

Sentiu suas costas arderem, a cabeça girar e várias intenções assassinas sobre si.

Ainda com as costas latejando, se levantou, apenas para encarar os olhos de três criaturas amarelas e de caninos a postos.

Suor frio escorreu pela sua coluna. Ave filha da-



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