O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 2 – Arco 2

Capítulo 27: Novos na cidade

As noites de inverno eram rigorosas na pequena cidade de Tórshavn, nas Ilhas Faroe. O frio era extremo e a paisagem, normalmente cheia de vida, era ofuscada pelo branco gélido da neve.

No centro da cidade, encontrava-se um grande templo, construído na Era Viking. Lá estavam itens de extremo valor histórico desse período, desde armas, elmos, roupas, etc. E, no centro da construção, estava o orgulho da cidade, a grande estátua do deus do trovão, Thor.

A escultura com mais de quatro metros, mostrava o poderoso campeão de Asgard, apontando seu martelo, Mjolnir, em direção ao norte, fazendo alusão de que ele sempre mostraria o caminho da vitória para os guerreiros vikings.

Mas o que mais chamava a atenção naquela imagem é que, em sua base, havia uma versão menor do martelo, preso em uma rocha. Cidadãos da cidade, assim como a família da anfitriã do templo, que era comumente chamada de Rainha, diziam que aquele era o verdadeiro Mjolnir, deixado em Midgard após o deus do trovão se sacrificar para dar fim ao Ragnarok. Porém, apenas alguém humilde e forte, e utilizando os braceletes e o cinto de Thor, Járngreipr e Megingjord, poderia ser capaz de levantá-lo. Obviamente, isso era apenas uma história para atrair turistas.

Assim que o relógio do templo badalou à meia-noite, três figuras encapuzadas invadiram o Salão do Trovão, onde ficava a estátua de Thor, através de uma das janelas do local. Seus rostos não podiam ser vistos e, na calada da noite, eles não eram mais do que fantasmas.

Mas esses fantasmas tinham um objetivo, já que a anfitriã não era chamada de Rainha por uma simples gentileza.

Indo em direção a um quarto em específico, uma das figuras parou em frente a porta e um círculo mágico de cor alaranjada apareceu sob ela. Segundos depois, apareceu do lado de dentro do quarto, deixando seus companheiros em frente a porta, cuidando da retaguarda.

— Então você é bela princesa Astrid de quem tanto ouvi falar?

A jovem garota morena de cabelos lilás despertou de sua cama luxuosa, mas havia algo incomum nela. Suas orelhas eram pontudas e possuíam três vezes o tamanho das de uma pessoa normal. Aquela jovem não era uma garota humana, mas uma garota elfo.

— Que demora.

— Estava me esperando? — perguntou o fantasma, confuso.

A jovem Astrid sorriu maldosamente e gritou.

— É claro que não... guardas!

O fantasma, irritado, fez gesto de atacar, mas antes que pudesse, seus dois companheiros apareceram magicamente no quarto e o impediram.

— O que você está fazendo? A Madame pediu para levarmos a princesa ilesa — exclamou o segundo fantasma, com um tom de voz preocupado.

— Eu sei, mas a cara dessa megera me deixa puto!

— Não importa o que você sente, estamos aqui para cumprimos as ordens da Madame. — O terceiro fantasma comentou com uma voz feminina, mas que dispensava qualquer emoção. Ela foi até a princesa e a puxou pelos cabelos, fazendo algemas azuladas de pura energia mágica. — Vamos sair daqui logo antes que estraguemos a missão.

— Tsc, tudo bem.

O fantasma irritado fez um grande círculo mágico sob os pés dos quatro e, após alguns segundos, desapareceram em faíscas.

Atrasados, os guardas chegaram juntos de uma mulher morena de cabelos azuis. Seu rosto expressava um terror tremendo, por que o que acabara de acontecer foi o sequestro de sua filha.

— Astrid! — gritou a Rainha, apavorada.

 

***

 

Horas após o desembarque e a chegada no hotel, Yohane andava de um lado para o outro, tentando digerir o fato de que sua primeira viagem internacional estava sendo por motivos profissionais, ou melhor, possivelmente sobrenaturais.

A questão era que Adam queria investigar o intrigante nome “Vernichter”, por qual fora chamado algumas vezes, mesmo que o sobrenome seja inexistente em sua família. Uma pessoa poderia ter respostas, uma das suspeitas de ser a assassina em série conhecida como Azazel. E, claro, o fato dessa criminosa ter sido apelidada com o nome de um Rei do Inferno não deixava as coisas mais simples.

— Aquieta o facho, ruiva — disse Adam, que conectava seu notebook a uma tomada para carregá-lo.

— Certo, certo. Estamos em Londres para caçar uma assassina que pode saber algo sobre sua família. E que, talvez, seja um Rei do Inferno. — Ainda andado de um canto a outro do quarto do hotel, coçava sua nuca. — Tudo bem, eu consigo lidar com isso. E consigo fazer isso... Afinal de contas, o que a gente vai fazer?! — exclamou para o alemão.

— A gente vai na polícia metropolitana daqui, falar com o Comissário. Ele que vai nos dar as informações sobre a mulher que eu tô procurando. E, aí sim, vamos atrás dela.

— Simples assim? Quer dizer... Ela é uma assassina em série, não é?

— Sim, parece que já matou uns trinta e dois. Mas, curiosamente, todos eram homens com histórico de prisão por crimes domésticos, agressões, estupro... — Adam arregalou os olhos lendo algo no laptop. — Uau, pedofilia. Essa mulher só tá limpando o lixo da cidade, talvez a gente se dê bem.

— O que?! Claro que não! — exclamou Yohane — Ninguém está acima da lei pra ser juiz, júri e executor. Nós vamos intervir, ela sabendo algo sobre você ou não! Certo?

O alemão franziu a testa, claramente discordando da ruiva.

— Vamos, mas não pelo motivo que você acha. Se ela não matou ninguém inocente, não vamos tentar para-la. O tipo de gente que ela caça... não são diferentes dos monstros que matamos. Te espero no estacionamento.

— Adam!

A jovem tentou chama-lo, mas já tinha saído do quarto. A jovem deixou os ombros caírem em desistência e se olhou no espelho, ajeitando a calça folgada.

— Usar esse traje por baixo da roupa é muito desconfortável... Mas parece melhor do que ficar nua em público outra vez. — Pegou as chaves do quarto e correu até as escadas para encontrar seu parceiro.

Poucos minutos se passaram e Yohane chegou à garagem do hotel, logo encontrando Adam parado ao lado de um...

— Um Martin DB5?! — A ruiva gritou, com estrelinhas brilhantes nos olhos arregalados.

— Meu Deus, por que tá gritando?

— Por que?! Adam, é o carro do James Bond! Como você conseguiu?!

— Err... Eu só falei pra Maeve arranjar qualquer carro pra gente.

— Obrigada, Maeve. Obrigada.

Adam se sentiu um pouco sem graça por não entender nada sobre aquilo. Para ele, era apenas um carro cinza antigo. Mas a alegria expressada no rosto de Yohane enquanto alisava a lataria do veículo delicadamente o fazia rir.

— Bom, já que gostou tanto... — Jogou as chaves para a jovem.

— Posso dirigir?!

— Vai fundo, garota.

A ruiva saltou de alegria no pescoço do parceiro e o abraçou, entrando no carro e ligando o motor logo em seguida. Quando ouviu o ronco da máquina, ela soltou um longo suspiro de satisfação.

— Esse é um dia histórico na vida de Yohane Pride, a espiã flamejante — disse para si mesma, se olhando no retrovisor.

— Vamos logo!

— Certo, desculpa — respondeu, animadíssima.

Saindo do estacionamento, já era possível ver a London Eye, que ficava próxima ao hotel onde se hospedaram. Passaram pela Ponte Westminster e, em poucos minutos, conseguiam ver o Big Bem em reforma.

Jô nunca tinha saído dos Estados Unidos, então estava sendo uma experiência mágica visitar outro país. Não pisava muito no acelerador, pois estava gostando de olhar tudo. As balsas passando sob a ponte, as clássicas cabines telefônicas, os ônibus vermelhos. As ruas não estavam tão movimentadas por causa da neve, mas mesmo assim era algo incrível para a ruiva.

Porém, ao entrarem na avenida que levava ao prédio da Polícia Metropolitana, avistaram certa comoção alguns metros à frente. Muitas pessoas ao redor, policiais controlavam a multidão e paramédicos saiam de uma ambulância. Yohane diminuiu a velocidade e parou próxima dali, podendo ver alguns médicos levando vários sacos pretos para a ambulância. Uma grande mancha de sangue se espalhava sobre a neve.

Sentada na calçada, uma jovem mulher de cabelos castanhos encarava o asfalto com olhos arregalados e trêmulos.

— Por que você parou? — perguntou Adam.

— Temos que ver do que se trata.

— Não, nós temos que ir até a polícia.

— A polícia está aqui, Adam. Tenta falar com eles, ver o que aconteceu, talvez você até consiga ir falar com o Comissário mais facilmente... Eu vou conversar com aquela mulher.

Eles desceram do carro e, antes de fecharem a porta, o alemão chamou a parceira outra vez.

— Ruiva, me diz, pra quê? Isso pode ser algo totalmente aleatório.

— Mas também pode ser algo relacionado a Azazel. E, mesmo se não for, não consigo passar aqui e fingir que não vi nada.

E ela saiu em direção a mulher sentada na calçada gélida.

— Ótimo, vai ganhar o prêmio de escoteira do ano. — Adam reclamou e foi até alguns policiais.

— Com licença. — Yohane sorriu.

— Ah, meu Deus! Eu já falei tudo que sabia para os policiais! — A mulher gritou, querendo ficar sozinha.

— Oh, perdão, eu não sou policial. Meu nome é Joana, eu estou só de passagem na cidade com meu irmão. A gente acabou vendo tudo isso e ficou um pouco assustado. Você parece bem abalada, o que houve? — Yohane mentiu tão naturalmente que até se assustou.

A mulher entrelaçou os dedos das mãos e encarou os joelhos, parecia que ela realmente sabia de algo. A ruiva se abaixou para ficar cara a cara com a mulher e fazê-la se sentir mais confortável.

— É que... aquela maldita... Aquela maldita assassina! Sabe, se a polícia não ficasse fazendo pouco caso, isso não teria acontecido... Eu não teria perdido meu Aaron. Sei que ele não era perfeito, mas não merecia morrer... Muito menos daquele jeito horroroso.

— Jeito horroroso? — Jô estava seguindo o fluxo e, aos poucos, conseguindo as informações que queria.

— É que eu e ele estávamos discutindo, sabe? Tipo, foi há poucas horas, estávamos nos resolvendo... — Olhou para o sangue espalhado na neve. — Mas aí ele começou a gritar e aquela doida apareceu do nada, e usou algum tipo de corrente brilhante e... e aí ela cortou...

Associando tudo aquilo aos vários sacos pretos que foram vistos entrando na ambulância, Jô conseguia entender o que tinha acontecido, ficando em choque.

— Meu Deus... Mas, — Engoliu seco, tentando manter a calma. — como ela faria isso com uma corrente? É impossível.

— Joana, né? Você não é daqui, deu pra perceber pelo sotaque. Mas olha, saia dessa cidade o mais rápido possível. Desde que essa tal Azazel apareceu as coisas tem ficado muito perigosas e assustadoras. Eu achava que era lenda urbana até ver com meus próprios olhos. E te garanto, você não vai querer vê-la pessoalmente. Os olhos dela brilhavam verdes como os de uma bruxa, e essa coisa que ela usou para... dilacerar o Aaron... Essa coisa é perigosa. Saia da cidade, fuja. Volte para onde você veio, ou ela pode ir atrás de você também.

A mulher falava como alguém que precisava de ajuda psiquiátrica, e após o que passou, era uma reação razoável.

— Eu acredito em você, obrigada pelo conselho... — Se deu conta que não tinha perguntado seu nome.

— Ângela. Meu nome é Ângela.

— Obrigada, Ângela.

Yohane sorriu e se afastou da mulher voltando ao seu carro, onde Adam já a esperava.

— Descobriu algo? — perguntou o alemão.

— Bom, isso com certeza tem algo a ver com a Azazel. E pelo que a moça me disse, com certeza ela tem alguma habilidade sobrenatural. Talvez seja uma nefilim?

— Vamos descobrir em breve, está na hora de visitar o Comissário Taylor.

— Conseguiu uns minutos com ele? Imagino que seja um cara ocupado.

— Ruiva, quando eu citei o nome da Maeve, os policias congelaram e ligaram na hora para o homem, e ele pediu pra ir encontra-lo imediatamente.

— A Maeve já fez muita coisa né?

— Sim. Mas você também parece estar lidando bem com tudo isso, considerando que é sua primeira missão oficial.

— Ah, eu superei o ginásio no Texas e o colegial em White Horse. Monstros e assassinos em série são brincadeira de criança perto daquilo. — Sorriu tristemente e entrou no carro.



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