Volume 2 – Arco 2
Capítulo 26: Uma despedida indesejada
As horas se passaram e a festa terminou. Abigail e Aisha, cansadas de tanto brincar, acabaram dormindo no tapete da sala. Enquanto isso, Yohane ajudava Emília a lavar as louças.
— Filha, você está bem?
A mulher mais velha poderia parecer desatenta, mas prestava atenção nos mínimos detalhes quando o assunto era sua filha, e notou, desde que Jô chegara da rua com o alemão, um comportamento estranho vindo da garota.
— O que? Sim, estou.
Uma clara mentira, pois ela sabia que aquele momento seria o último com sua mãe. Adam havia dito, após a festa, que eles iriam para Londres naquela madrugada.
— Mãe...
— Sim?
— Você sabe que eu amo você e a Abigail demais, né?
— O que? Claro que sei, filha. Mas por que isso de repente?
— Nada demais, só queria deixar isso claro...
Ela encarou o prato e o pano em suas mãos por alguns segundos e, no momento seguinte, colocou os dois sobre a pia e abraçou fortemente a mulher o seu lado. Seu coração apertava com aquela despedida silenciosa. Seu corpo suava frio e suas mãos tremiam, mas sabia que era para um bem maior.
— Está tudo bem, mãe... Eu estou bem. Nunca se esqueça que vocês duas são os bens mais preciosos que eu tenho, e eu faria o impossível pra deixar vocês seguras.
— Yohane, você está me deixando preocupada. Por que está falando assim?
— Nada. Está tudo bem... Vai ficar tudo bem...
Reunindo toda a força de vontade dentro de seu corpo pequeno, a garota engoliu o choro e apenas sorriu.
Após isso, ambas foram para seus quartos dormirem, mas Yohane não faria isso. Começou a escrever uma carta e a guardar algumas roupas em sua mochila.
Com a mochila fechada, olhou para a caixa de presente que lhe foi dada mais cedo e a colocou no colo, sentando na cama. Abrindo, notou um uniforme branco, onde sua jaqueta preferida se destacava.
— Então foi assim que ela desapareceu, Adam? — Meses atrás, Yohane notara que sua jaqueta branca tinha sumido, e não achava em local nenhum. — Acho que esse é o tal uniforme “anti-nudez” que ele comentou um tempo atrás.
O vestiu e se olhou no espelho. Uma jaqueta e calças brancas, com algumas frestas em malha arrastão, que permitia a pele respirar. Por dentro, uma regata vinho de tecido macio. Estendendo a mão, criou uma pequena chama em sua palma.
— É a decisão certa. É por um bem maior — murmurou para si mesma e desfez a chama.
Colocando a mochila nas costas, desligou a luz e abriu a janela com cuidado, se preparando para sair pelas escadas de emergência.
— Yohane? Onde está indo?
Mas antes que pudesse, a voz de sua mãe foi ouvida na porta. Quando olhou para trás, a mulher de cabelos castanhos curtos ligava a luz do quarto, revelando uma expressão de tristeza e preocupação. O coração de Yohane disparou.
“Amadas mãe e Abigail...”
— Mãe?! Você devia estar dormindo!
— Como eu iria dormir depois daquela conversa mais cedo? Por que está com essa mochila nas costas?!
“Sei que é repentino, mas preciso ir embora resolver algumas coisas que apenas eu posso fazer.”
— Mãe, por favor, volta pra cama.
— O que? Eu não vou voltar pra lugar nenhum até você me explicar o que está acontecendo!
“Não pensem que vocês fizeram algo de errado, nem se sintam culpadas ou achem que foram uma mãe e uma irmã ruins.”
— Mãe, por favor, por favor. Por favor, volta pra...
— Não, Yohane! Eu quero que você me explique o que está acontecendo com você! Olha, o Adam é um menino incrível, mas desde que você o conheceu e começou a andar que essas pessoas mais velhas, você anda diferente. Como se estivesse com medo de algo.
“Pelo contrário, vocês duas são as pessoas mais incríveis que eu conheço, e tenho orgulho de poder chamá-las de família. Eu amo vocês demais.”
— Eu sei que você sai escondido à noite há meses, mas nunca ousei me intrometer por que imaginei que você soubesse o que estava fazendo. Mas claramente me enganei. Tem algo te matando por dentro, filha, e eu preciso que você converse comigo, pra eu poder te ajudar.
Yohane olhou para sua mãe em silêncio, com lágrimas escorrendo dos olhos e um sorriso triste estampado no rosto.
“E é por amá-las tanto que eu devo ir. Não queria fazer isso, mas é necessário para proteger vocês e para deixá-las seguras.”
— Você não pode me ajudar, mãe. E eu não posso te contar, para o seu bem. Para o bem da Abby.
— E então? Você ia fugir de casa sem mais nem menos? Sem nem se despedir da gente?! O que eu iria fazer sem você? Como a Abby iria ficar? Você pensou nisso?!
A ruiva encarou o chão por alguns segundos, sem palavras. Quando olhou para sua mãe novamente, só pôde dizer uma coisa antes de saltar pela janela e descer até a avenida.
— Eu amo vocês.
“Não se preocupem comigo, eu estou bem. Estou próxima de realizar meu sonho e descobrir a verdade e não vou desistir, assim como você me ensinou, mãe.”
— Yohane! — Emília gritou em prantos o nome de sua filha, que corria sob a luz da lua até desaparecer na escuridão.
A mulher chorou com a dor no peito, até que viu uma folha de caderno sobre a escrivaninha.
“Infelizmente, para isso, eu vou ter que seguir um caminho incerto, e provavelmente vou fazer inimigos. Eu não me importo com o que pode acontecer comigo, mas se um fio de cabelo de uma de vocês fosse arrancado, eu não me perdoaria, e tenho medo do que eu poderia fazer... Do que poderia me tornar caso isso acontecesse.”
Ao ler a carta, Emília entendeu. Ela se lembrou do passado. Se lembrou de sua promessa. Limpou as lágrimas e encarou a janela, sabendo que sua filha nunca mais seria a mesma.
— Dorothea, me desculpe. Fiz o que pude para proteger ela, mas... Esse caminho sombrio conseguiu alcança-la.
“Então, se for para mantê-las seguras, eu irei me afastar. Outra vez, não se preocupem, continuem vivendo. Eu estou bem, e vou ficar bem. Eu amo vocês”.
— Tome cuidado, minha querida...
“Mais do que tudo nesse mundo...”
“Mais do que a minha própria vida...”
“Eu amo vocês.”
Depois de pegar um táxi, ela chegou ao aeroporto, localizado no Queens. Adam estava à espera, com uma mala nas mãos e uma mochila nas costas.
— Como você está? — perguntou o jovem, ao ver o rosto triste da ruiva ao se aproximar.
— Meu coração dói tanto que eu nem aguento. Nada que Maeve fez comigo nos últimos meses se compara a isso.
— É para o bem delas, ruiva. Pode parecer estranho, mas elas estão mais seguras longe de você.
— Eu sei. Adam... essa dor vale a pena, né? — perguntou, segurando o quanto podia as lágrimas que ameaçavam cair.
Adam, ao ver aquilo, não pôde agir como o brincalhão de sempre. Acima de tudo, os dois eram amigos, e estava na hora de apoiar a garota como tal. Ele a abraçou e acariciou seu cabelo, o que permitiu que a jovem chorasse em seu peito sem medo.
— Vale, Yohane. É a escolha certa a ser tomada...
Depois de alguns segundos, os dois se afastaram e a jovem se acalmou, limpando os olhos molhados.
— Ok, já tô bem.
— Ótimo. Aliás... O traje ficou muito bem em você.
Ela sorriu sem jeito com o elogio. Após isso, apenas ficaram em silêncio nos bancos e esperaram a chamada do voo que iriam pegar para a Inglaterra.
Cerca de uma hora e meia de espera, o voo 146, com destino a Londres foi chamado e os dois partiram para o embarque.
Demorou alguns minutos, mas enfim estavam sentados em seus assentos, e com mais alguns momentos de espera, o avião decolou.
A noite fria e branca do inverno era triste e melancólica, assim como Yohane se encontrava naquele momento. Olhava pela janela a grande Manhattan ficando pequena à medida que a aeronave ganhava altitude. Aquela era sua despedida final de sua querida Nova York e de sua amada família.
— Adeus. — Uma lágrima caiu e o avião seguiu a toda velocidade ao seu destino.