O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 8: Antigas Amizades

O céu estava limpo naquela noite. A ruas do Queens estavam movimentadas e era possível ouvir o som do metrô passando pelos trilhos ali perto. No subúrbio do distrito três jovens mulheres se divertiam em casa, comemorando o aniversário de uma amiga.

O aniversário de Violet Parker era mais do que especial naquele ano, pois coincidiu com sua promoção no Departamento de Polícia. Na manhã seguinte ela seria a mais nova detetive da cidade.

Para comemorar, Gabi convidou a amiga policial e a prima dela, Claire, para se reunirem em seu apartamento. Estava tudo perfeito, a futura detetive nunca antes sorriu daquela forma. A felicidade que dominava seu peito estava clara para todos verem. Mas, mais tarde naquela noite, algo estranho ocorreu. Algo que marcaria a relação entre Violet e Gabriela para sempre.

As três estavam vendo filmes juntas no sofá, quando Violet notou algo esquisito.

― Claire, você tá bem? Parece meio pálida.

― Eu... estou bem. Acho que só tive uma falta de ar... ― sorriu, tomando um gole de cerveja.

Gabi não percebeu naquela hora, mas o problema de Claire estava além de algo simples como uma falta de ar. Seu problema estava além do que se podia chamar de natural.

― Enfim, me passa um pedaço da pizza ― disse Violet, sem tirar os olhos da televisão.

A garota não respondeu mais. Apenas fazia sons estranhos com a boca, como se estivesse rosnando.

― Claire, qual é! A pizza tá do seu lado!

Novamente, nenhuma resposta. Gabi tirou sua atenção do filme e olhou para a amiga, mas antes que pudesse fazer algo, já era tarde demais. Na sua boca entreaberta, uma fileira de presas crescia da gengiva, sobrepujando os dentes. Seu cabelo se arrepiou e um instinto animal fluiu por seu corpo, fazendo Gabriela despertar seus sentidos uma vez atrofiados pela falta de uso.

― Meu Deus, Claire. É só uma pizza...

― Violeta, espera!

O som seguinte que chegou aos ouvidos de Gabi foram os gritos da loira, que estava aterrorizada com a visão da prima mordendo o braço da amiga morena. Por sorte, a mulher de olhos âmbar conseguiu colocar o antebraço na frente das presas de Claire, antes que a mesma alcançasse o pescoço de Violet.

― Merda! Por que? Por que logo você?!

Em um movimento rápido, Gabi levantou do sofá e arremessou a amiga recém-transformada na parede.

― O que está acontecendo?! Por que ela te mordeu? E por que você a jogou na parede? Ou melhor, como você fez isso?!

― Não se preocupa, vai ficar tudo... Urgh!

Antes que pudesse terminar sua frase, Gabi foi lançada contra o armário de madeira da cozinha por um golpe de uma Claire descontrolada. Após derrubar a oponente, começou a rosnar para a prima, que se afastava aterrorizada, dando passos para trás.

― Claire...?

Violet não havia percebido, mas a prima que ela conhecia e amava não estava mais ali. O que dominava aquele corpo não passava de um animal faminto e irritado, indo em busca da fonte de alimento mais próxima.

― Ei, gatona! ― Gabi gritou do armário destruído onde foi arremessada, chamando a atenção da amiga.

Voltando sua visão embaçada para aquela que a chamou, a jovem fora de si rosnou, mostrando as presas e a saliva que escorria da boca. Irritada, saltou em direção à Gabi para atacá-la. Ambas foram parar no chão. Com o antebraço, novamente a morena conseguiu impedir um ataque vindo da garota descontrolada, mas isso não iria funcionar por muito tempo. Gabriela também sentia dor e a cada minuto que Claire ficava sem se alimentar, também ficava mais irritada e mais feroz.

Obviamente, o sangue de morto que corria nas veias de Gabi não servia para alimentar alguém de sua espécie, quanto mais recém-nascido.

― Se ao menos eu conseguisse... alcançar a geladeira!

Sim, a geladeira era a única chance que existia para salvar Claire. Porém, não era a geladeira da cozinha a qual ela se referia, mas ao mini freezer que ficava em seu quarto. Nele havia bolsas de sangue que a mulher usava para se alimentar.

Desde que se tornou independente, Gabi se recusou a beber sangue fresco. Também evitava ao máximo usar sua forma de vampira. Por causa disso, seus sentidos sobre-humanos ficaram atrofiados, não podendo notar com antecedência que a amiga iria renascer.

E, mesmo que pudesse notar, uma dúvida assolava sua mente. Vampiros não eram transformados como nas histórias. Eles se reproduziam como qualquer animal sexuado no planeta. “Vampirismo” não era uma doença que podia ser disseminada, então como sua amiga estava ali, renascendo vampira aos vinte e cinco anos de idade?

Mas focando no problema atual: com uma Claire descontrolada sobre seu corpo, Gabi não conseguiria alcançar seu quarto. Violet estava paralisada por causa da situação, mas era a única chance.

― Violeta! Vai até meu quarto e traz as bolsas que estão no mini freezer! Rápido!

― Mini freezer? Isso é hora de querer beber uma? Por que a Claire tá te atacando?!

― Eu juro que vou te explicar tudo, mas preciso da sua ajuda! Faz o que te pedi, agora!

Mesmo confusa, Violet correu até o quarto de Gabi o mais rápido que pôde. Ao abrir o mini freezer ao lado da cama, encontrou três bolsas de sangue do tipo O.

― Mas que merda?

Rápido!

A policial pegou as três bolsas e voltou para a sala.

― O que eu faço agora?

― Coloca na boca dela!

― O quê? Não! Eu não vou fazê-la beber sangue, Gabriela!

― Faz isso ou ela vai morrer!

Mesmo hesitante, a loira não pode ignorar aquelas palavras. Foi até sua prima e tentou aproximar uma das bolsas até a boca da prima, mas um forte golpe no rosto a impediu, lançando-a até a parede.

O rosto furioso de Claire se virou para a mulher caída. Como se Gabi não existisse, ela correu até o corpo trêmulo de Violet e avançou sobre ela. Seu alvo era o pescoço da prima.

― Me desculpa, Claire...

Gabi apareceu rapidamente na frente da amiga transformada, antes que essa alcançasse Violet, e empalou seu peito com um pedaço pontiagudo do armário que fora destruído.

O corpo da amiga caiu no chão e Violet encarou aquela cena com olhos arregalados. Lágrimas escorriam por seu rosto rosado.

― Por que...?

― Violeta, eu...

Sua frase foi interrompida no momento que sentiu seu corpo cair no chão e seu braço ser puxado para trás com força.

― Gabriela Díaz... você está presa...

Violet dava voz de prisão enquanto tentava se manter firme.

― Pelo assassinato... de Claire Parker.

Seu peito era dominado pela dor, mas ela não iria se deixar abalar. Ela teria tempo para o luto.

― Você tem o direito de ficar calada...

Naquele momento, tudo que desejava era fazer justiça contra a pessoa que matou sua prima. Mesmo que a criminosa em questão fosse sua melhor amiga.

― Tudo que você disser pode e será usado contra você no tribunal.

― Violeta, você está entendendo errado...

― O que eu entendi errado, Gabriela?! Você acabou de matar a Claire!

Óbvio que Violet, naquela época, não entendia o que estava acontecendo. Mesmo com o surto de raiva que viu a prima ter, para a loira, não era razão para matá-la.

― Alô? Derick? ― falou Violet, após pegar o celular e fazer uma ligação. ― Sim, isso. Envie uma viatura e uma ambulância para o Queens agora, vou te passar o endereço por mensagem. Sem perguntas, Derick!

Irritada, Violet desligou a chamada e guardou o celular.

― Violeta, você...

― Você não tem mais o direito de me chamar assim. ― Uma voz fria e olhos sem brilho. Mesmo que a tristeza estivesse a corroendo naquele momento, o ódio e a raiva eram maiores, e percorriam todo o sistema nervoso de Violet.

Gabi suspirou e, com um olhar que transbordava emoções doloridas, lançou a loira contra a parede, a fazendo bater a cabeça e desmaiar. Se aproximando de Violet, a morena acariciou sua bochecha e lamentou a perda de duas amigas preciosas.

― Espero que um dia você possa me perdoar.

E essas foram as últimas palavras que Gabriela direcionou para Violet antes de fugir do apartamento pelas escadas de emergência, dez anos atrás.

 

Observando o nascer do sol no horizonte do porto de Hell’s Kitchen no parapeito do terraço do Bloody Night, Gabi relembrava do passado com uma expressão melancólica.

― Oh, dentuça! Não sei se você tá lembrada, mas mesmo se pular daí você não morre! ― Adam gritou do térreo, olhando diretamente para a mulher no topo.

― Não acha que tá muito cedo pra vir numa casa noturna? E ainda por cima com uma menor de idade.

Sim, Yohane estava com ele, mas estava tão sonolenta por ser acordada cedo pela manhã que nem retrucou as palavras de Gabi.

― Tô descendo.

Após alguns minutos, a vampira apareceu e abriu as portas do restaurante.

― Por que vocês...

Yohane sequer esperou Gabriela concluir sua frase e logo sentou em uma cadeira, deitando sua cabeça na mesa.

― Por que vocês estão aqui tão cedo? ― ignorou a ruiva sonolenta.

― Viemos colocar as cartas na mesa, compartilhar informações e tentar ter ao menos uma ideia de quem é responsável por toda essa merda que tá rolando na cidade.

Gabi encarou chocada pelo fato de Adam realmente estar querendo se empenhar no caso.

― E eu trouxe uma torta. ― Levantou a sacola com uma torta embrulhada em papel alumínio.

― De maçã?

Ele assentiu, sorrindo como uma criança, e entrou no restaurante.

 



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