O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 7: Decisão

— Então... Yohane, né? Como você entrou nesse circo? — A morena puxou assunto enquanto caminhavam.

— Bom, se eu tivesse que resumir... Adam me ameaçou até eu aceitar que toda essa loucura era verdade.

— Por que você sempre age estranho quando conhece uma ruiva? — Olhou decepcionada para o amigo.

— Cuidado com a boca, dentuça. Olha, desculpa pelo lance da ameaça, mas eu precisava te tirar dali sem que você fizesse um escândalo.

Gabi soltou um suspiro em desistência e perguntou.

— Ele te mostrou a cabeça do Bee?

— Bee? É assim que vocês chamam aquela coisa?

— Era a cabeça de Belzebu, o Guloso. É o início da minha coleção, e o item que eu mais quero é a cabeça do Luxúria. — O alemão parecia irritado, e se afastou alguns passos à frente.

— Me diz, Gabi. Qual o lance dele com esse tal Luxúria? Toda vez que ele fala nisso fica irritado.

— Asmodeus foi o motivo dele entrar nesse mundo, ele era bem diferente dois anos atrás. As coisas que aconteceram naquela noite não me dizem respeito para contar a você, mas, olha, não importa o quão durão o Adam pareça ser, quando as coisas apertarem de verdade ele vai precisar de um ombro pra chorar. Espero que esteja lá pra ele.

A ruiva encarou em silêncio a silhueta tensa do homem à frente, querendo decifrá-lo. Logo, soltou um pigarro, tentando mudar de assunto. — Mas então... me explica aquilo que vocês estavam falando no restaurante. O que diabos é um Branco e quem é seu “Pai”?

— Ah, você realmente é nova nisso, hein? Bem, o Pai é o Alfa da espécie. Eles foram os primeiros a nascerem, aqueles criados pelos próprios Príncipes do Inferno. O sangue deles é o mais puro e a força deles é incomparável aos demais, são como reis para sua raça. Os Brancos já são como príncipes, os primeiros filhos de um Alfa. E, como eu disse, meu palpite é que a mente por trás disso tudo seja um vampiro Branco.

Após alguns minutos, chegaram ao local, mas logo a vampira farejou algo estranho e ficou em guarda.

— Tem algo errado...

— Claro que tem, você tá fazendo pose no meio da rua! Tá todo mundo olhando, para! — exclamou Adam, constrangido.

— Cala a boca, Adam, é sério. Fique alerta.

Eles foram até a entrada com cautela. Gabi na frente, seguido por Adam, preparado para sacar suas lâminas. Yohane, por nervosismo, nem notou que estava quase se agarrando no alemão.

— Mas o que...

Porém, o que os receberam quando abriram a porta foi uma residência destruída, com arranhões nas paredes, móveis destruídos e muitas cinzas e poeira.

— Esse Chris tá precisando contratar uma faxineira com urgência — disse Adam.

— Esse é o problema, o Chris era a pessoa mais organizada que eu conhecia. Duvido que ele tenha feito isso.

— Foi uma piada, Gabriela. Sabe, antigamente você costumava ter senso de...

— Cuidado!

Sendo jogado para trás junto de Yohane, Adam mal conseguiu ver o que aconteceu, mas assim que estabilizou seu centro de gravidade, viu Gabi rasgando o rosto de um homem com suas garras.

— Ah, claro. É óbvio que os vilões voltariam à cena do crime. Bando de gente burra!

— Adam, não é hora pra piada, ela acabou de matar aquele cara! Não importa que era um bandido, e o acordo? — Yohane gritou, apavorada.

— Garota, olha direito! Isso aqui tá longe de ser um humano! — Gabi exclamou irritada.

A ruiva observou a vítima, e notou que possuía garras e presas como as de Gabriela.

— Um vampiro...

— Parabéns, Sherlock. Pra trás! — Adam a afastou e atravessou o crânio de outro vampiro com sua adaga.

Antes de poder soltar mais uma piadinha, o alemão viu sua amiga vampira ser lançada contra a parede. Um novo inimigo tinha aparecido. Aquele vampiro passava dos dois metros de altura e tinha bíceps enormes. Sua estatura fazia até Adam dar um passo para trás.

— Minha nossa! Como você ficou desse tamanho, filhão? É algum novo esteroide pra vampiro? Esse suco vai acabar te ma...

Não conseguiu concluir, pois sentiu todo seu café da manhã se revirar após receber um grande soco no estômago que o fez ser lançado sobre Gabi.

Yohane era a última que restava. Encarava o gigante, imóvel e suando frio. O vampiro acariciou a bochecha da jovem e, logo após isso, a levantou pelo pescoço, apertando-o. A garota começou a se debater, tentando sobreviver de algum jeito.

— Essa não... — Adam tremeu.

— M-me larga...

— Como é? — disse o vampiro, sorrindo.

— E-eu disse...

O vampiro começou a sentir um incomodo na mão, que acabou afrouxando.

— Me larga!

Fumaça começou a sair da fresta entre o pescoço da jovem e a mão do vampiro, então ele recuou para trás, com a mão queimada.

— Quem diabos é você?

Yohane sorriu maliciosamente para o vampiro e, por um segundo, seus olhos brilharam com um forte escarlate.

— Se abaixa!

Adam gritou e ela logo obedeceu, sem pensar duas vezes. Duas lâminas foram arremessadas e perfuraram o peito do monstro, o fazendo cambalear. Isso deu à Gabi a oportunidade de pular sobre o inimigo e corta sua garganta com suas garras. Com esse trabalho em equipe, o sanguessuga caiu de joelhos no chão e morreu em cinzas.

— Ufa! Por um segundo eu fiquei realmente preocupado — comentou o alemão, ofegante.

— Como você fez aquilo? — perguntou Gabriela para a ruiva.

— Aquilo o que? Ser estrangulada? Ah, é fácil, te mostro qualquer dia desse — respondeu tensa, enquanto passava a mão no pescoço, grata por estar viva.

— Mas sério, por que aquele dentuço era tão grande? O cara era do tamanho do Mr. X. — exclamou o jovem caçador.

— Eu também nunca tinha visto um vampiro daquele tamanho. Tem alguma coisa séria rolando...

Gabi estava pensativa e nervosa. Aquela ansiedade que apertava seu peito a fez voltar correndo para o restaurante. Ela deu um rápido adeus para os dois que ficavam e foi embora.

— E então... o que achou do emprego?

Yohane encarou o jovem, furiosa.

— Hum, vamos ver... Eu fui zoada desde que te conheci, fui arrastada por toda a ilha de Manhattan e quase fui morta por um maldito vampiro. De novo! O que eu achei? Acho que a porra do telemarketing é o céu perto disso aqui!

Irada, Yohane empurrou Adam.

— Olha, eu sei que é ruim, mas comparar com o telemarketing é meio...

— Não começa, Adam.

A garota se sentou no chão sujo e abraçou suas pernas, escondendo o rosto. Adam soltou um longo suspiro e se sentou ao lado dela.

— Olha, foi mal... Me desculpa, mesmo. Eu não queria que isso tivesse acontecido. Era só pra você ter conhecido a Gabi, não esperava que acabasse entrando no jogo desse jeito.

A sardenta ficou em silêncio, o que fez Adam se sentir pior.

— Foi um erro te envolver nisso. Vou te levar pra casa e amanhã você não vai nem lembrar que me conheceu.

O alemão se moveu para se levantar, mas antes que pudesse, a ruiva segurou sua blusa.

— A verdade é que... você é um idiota.

— Tá, eu mereço isso.

— Um otário.

— Essa também.

— E um completo babaca. Mas...

Um momento de silêncio se manteve, parecia que ela estava escolhendo as palavras enquanto mantinha o rosto escondido.

— Mas eu sempre quis te conhecer por causa das histórias do Marko. Sempre achei que seriamos bons amigos, afinal, ele fazia parecer que éramos parecidos.

— E somos?

— Hm... você é mais idiota.

Adam deu uma gargalhada e se sentou novamente, ouvindo atentamente o que a garota tinha a dizer.

— Bom, o fato é que você é tudo que eu esperava. Um paspalhão que faz piada com tudo, que é irritante ao ponto de me fazer querer morrer... Que acha que vai resolver tudo com os punhos..., mas que claramente se importa com as pessoas, mesmo que odeie admitir. Assim como eu.

Mais um momento de silêncio.

— Sabe, eu fui uma garota normal até os meus quatro anos. — Ela levantou sua cabeça, e Adam pode ver os olhos marejados no rosto sardento. — Até que, em uma noite, começou...

— O que começou?

— Meu pesadelo. Eu o tenho desde então. Vem em noites aleatórias, então não posso me preparar. Mas é frequente. Forte. Cruel. Assustador.

— O que você vê nele?

— Vejo essa cidade destruída, coberta por fogo e sangue. As pessoas mortas estão estiradas no chão e as vivas, fugindo de... coisas. A lua é vermelha. O mar é negro. O ar fede a enxofre e eu...

— Você?

Yohane então olhou para Adam com olhos vermelhos, lágrimas nos cantos, escorrendo.

— E eu sou uma assassina, arrancando o coração do peito de alguém.

Se Adam ouvisse aquilo de qualquer pessoa, começaria a rir e perguntaria se era uma piada. Mas estava estampado no rosto da garota que aquela história era muito séria.

— Por toda a minha vida achei que era apenas isso, um pesadelo. Nada além de uma maldição criada pela minha mente. Mas então eu te conheci ontem. Descobri que “coisas” existem. Que demônios são reais... E que o diabo vai voltar. Então eu me perguntei se...

— Se seus pesadelos podem ser algo mais.

— Isso. Não sei, talvez uma visão, uma profecia, qualquer coisa que pudesse acontecer de verdade. E, nesse caso, algo que pudesse também ser impedido.

— Como assim?

— Adam, eu não quero que aquilo que eu vejo à noite se torne realidade. Não quero ver esse mundo morto. Não quero me tornar uma assassina. Então, se houver alguma chance de você me mostrar o caminho para impedir isso, eu estaria disposta a encarar os perigos..., mas eu sou fraca! Hoje percebi quão fraca eu sou.

Ela limpou o rosto com a manga da camisa e continuou.

— Eu não tô pronta pra esse mundo. O fato é que eu só sei me virar em briga de rua e apanhando muito. Então, não sei se consigo lidar com vampiros e demônios e... o que quer que possa vir depois.

Depois de ouvir tudo aquilo, Adam não podia esperar uma resposta positiva. E ele não a culpava nem um pouco.

— Ao menos não ainda.

— O quê? — Mas ele não esperava por isso.

— Eu não tô pronta, eu sei disso. Não sou arrogante ao ponto de dizer “deixa comigo, eu dou conta”. Eu não consigo fazer nada agora. Mas quero conseguir. Quero poder usar isso que tem dentro de mim, seja lá o que for, para ajudar as pessoas, para impedir esses monstros e garantir que o meu pesadelo seja só um pesadelo, e nada mais.

— O que você...

— Me treine, Adam. Quero que você me deixe mais forte. Quero que use cada método disponível para me ensinar.

— Você... Garota, você tá ouvindo o que tá dizendo?

— Eu sei que é loucura. Mas sabendo que tudo isso é real, não conseguiria mais ter paz se ficasse parada. Eu teria outra coisa pra me assombrar à noite. Então, por favor, me ajude nisso. E assim que eu estiver pronta, vou te ajudar a encontrar seu inimigo.

Adam encarou incrédulo. Ele estava esperando muitas respostas, mas aquela com certeza não era uma delas.

— Você sabe que está escrevendo sua sentença de morte?

— Sim.

— Sabe que nunca mais vai ter uma vida normal?

— Sim.

— Sabe que vai ter que abandonar sua família?

Ela hesitou por um segundo antes de responder.

— Imagino que sim.

Adam se levantou e estendeu a mão para ruiva fazer o mesmo.

— Última chance, daqui não tem mais volta. Você vai apanhar muito. Sangrar muito. Vai desejar morrer rápido. Tá mesmo pronta pra tudo isso?

— Não.

— E mesmo assim quer ir em frente?

— Quero.

Adam sorriu satisfeito, pois viu o desejo nos olhos daquela garota. Aquela menina fraca e inexperiente, mas que possuía a coragem de colocar sua vida em perigo só para não correr o risco de outras pessoas se machucarem.

— Então, seja bem-vinda, Yohane Pride. A partir de hoje, farei da sua vida um inferno.

Eles apertaram as mãos e o acordo estava selado. A partir daquele dia, Yohane Catherine Pride começaria sua jornada para ser uma caçadora e impedir que seu pesadelo se tornasse realidade.

 

***

 

Em um quarto escuro, um jovem lia uma carta que poderia ser sua última chance de sobreviver ao pesadelo que estava começando em sua vida.

“Duas horas após eu lhe entregar a bandeja, beba o líquido do frasco e saia da cela com cautela. Você seguirá em frente, à direita da cela até um corredor e irá se esconder atrás de uma estante. Haverá um guarda ali. Espere ele virar de costas para você poder passar. Não se preocupe, a poção impedirá que ele sinta seu cheiro. [...]”

“Mas que merda?” Jason pensou nas coisas estranhas ditas pelo homem misterioso. “Sentir meu cheiro”, “poção”, “drenar”. Nada daquilo fazia sentido, sobre que aquele homem estava falando? Muitas perguntas rondavam o frágil cérebro humano do jovem, mas ele tinha esperança de que aquele indivíduo estava, de fato, tentando ajuda-lo.

 — Certo, já fazem duas horas. É isso ou apodrecer nessa cela e esperar minha morte, e eu não vou desistir tão fácil — murmurou a si mesmo, enquanto olhava o relógio no seu pulso trêmulo.

E, após respirar fundo, conferiu se a porta da cela estava de fato destrancada e saiu da sua gaiola.



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