O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 5: A Academia de Caçadores

 

 

Após passar pela Ponte do Brooklyn, ambos desceram do ônibus e seguiram a pé por uma área mais perigosa do distrito. Após algumas quadras, entraram em um beco e pararam em frente a uma porta de metal. A jovem olhava para todas as direções como se esperasse um ataque surpresa.

— Quero falar com o velho — disse Adam após bater três vezes na porta.

A porta se abriu em seguida, permitindo que os dois entrassem. Então, a garota de sardas se encontrou em uma espécie de academia de luta onde várias pessoas jovens demais estavam treinando com armas diversas.

Um dos pares de luta era composto de um jovem loiro e um homem com cabelos grisalhos. Quando a luta terminou, os dois se cumprimentaram, e o homem veio na direção dos recém-chegados.

— A maçã podre nunca cai muito longe do pé.

— Bom te ver, também, velho.

— E quem é a mocinha ao seu lado? Sinto um cheiro doce e inocente vindo dela... Virg...

— Cala a boca, velho! — Adam apertou a boca do homem com a mão, o impedindo de terminar a frase.

A jovem de cabelos alaranjados observava confusa.

— Ruiva, esse é o velho. Velho, essa é a ruiva.

— Eu já disse que eu tenho um nome! — disse, beliscando o braço de Adam e, após isso, estendeu a mão para o homem. — Sou Yohane. Yohane Pride.

— Yohane, não é? Um belo nome para uma virg...

— Velho, cala a boca!

Adam deu um soco no abdômen do homem, o impedindo novamente de falar. A garota ao lado ficou chocada com a atitude.

— Adam!

— Ele aguenta. Esse desgraçado excêntrico aqui se chama Julius. E ele adora falar essas merdas para as novatas.

— Você é a última pessoa que pode chamar os outros de excêntrico!

— Vejo que seu soco melhorou... — O velho tossiu, mas, em um movimento rápido, devolveu a agressão com uma forte cotovelada no queixo de Adam, que o fez cair no chão. A jovem ficou sem palavras com aquilo. — Para um pirralho, você até que tá em forma.

— Você também, para um cadáver ambulante.

O alemão mordeu a língua como resultado do golpe e um pouco de sangue escorria pelo canto da boca. Mas, diferente do que Yohane esperava — ter que chamar a polícia para impedir que os dois se matassem —, ambos apenas deram gargalhada, e Julius ajudou Adam a se levantar.

— Então, Adam, o que quer? Não te vejo há quase um ano.

— É que eu preciso que alguém ensine essa pirralha irritante aqui a se defender de verdade.

— Pirralha irritante?! — exclamou, frustrada.

— Você quer que eu a treine? Então ela também é um nefilim...

— Sim. Descobriu ontem. Filha de querubim, inclusive.

Ignorada, a ruiva cruzou os braços e saiu de perto dos dois para explorar o local.

— Você quer mesmo colocar a mocinha nesse mundo?

— Não é como se uma nefilim pura conseguisse se esconder por muito tempo. Ela precisa estar preparada. Além do mais, eu preciso de ajuda pra ir atrás do Luxúria. E já que nenhum dos idiotas daqui, inclusive você, quiseram me ajudar, fui obrigado a envolver uma qualquer nisso.

­— Eu ouvi isso, seu merda! gritou a jovem, afastada.

— Você ainda tá com isso na cabeça, Adam? Olha, você é um caçador incrível, mesmo estando nesse trabalho há pouco tempo. Mas não estamos falando de um simples vampiro. Ele é um dos Sete Reis. Você não tem noção do quão poderoso ele é.

Adam olhou para o lado, estalando a língua. Alguns segundos depois, voltou o olhar novamente para Julius.

— Me diz uma coisa, velho. Por acaso você tinha uma vida comum? Um trabalho legal, estudava em uma faculdade elogiada, tinha uma namorada por quem você era perdidamente apaixonado? Por acaso tudo isso foi tirado de você da noite pro dia por causa de um maldito demônio e, de repente, sem aviso prévio, você recebe uma missão obrigatória de salvar o mundo? Por acaso você sabe o que é isso? Sabe a sensação que isso traz? — dizia com a voz baixa, mas com um tom agressivo, a poucos centímetros do rosto do outro.

— Sim, Adam, eu sei. Todos que entram nessa vida sabem o que é esse sentimento. Uma frustração enorme por não poder simplesmente dizer não. Isso faz bons garotos, como você uma vez foi, se tornarem cruéis.

O tom rouco e sereno fez o jovem se calar. Julius colocou a mão no ombro de Adam e continuou:

— Adam, não estou dizendo que você não vai fazer justiça pelo o que houve. Mas você não pode tentar ir sozinho ou, ainda pior, levar uma jovem que mal conhece o terror desse mundo. Eu te garanto que, assim como todos os monstros, Asmodeus vai ter o que merece e, quando esse dia chegar, pode ter certeza, a cabeça dele vai ser sua. Só que até lá, não faça nada que me obrigue a queimar seus ossos.

 O alemão ficou em silêncio por um momento. Uma parte dele sabia que enfrentar um Pecado era uma missão difícil até mesmo para Virtude. Mas a vingança já havia tomado conta da mente e corpo de Adam há muito tempo e, por isso, não iria dar pra trás.

— Merda, tá bom. Ruiva, chega aqui.

Yohane logo voltou e cruzou os braços.

— O que é?

— Vou te contar mais uma história. Lembra dos vampiros? Nós temos um tratado de paz com eles, dizendo que se eles não machucarem nenhum humano, não iriamos botar fogo em suas casas. Esse tratado foi quebrado ontem, a meia noite, em um beco de Hell’s Kitchen.

— O corpo na delegacia...

— Exatamente. Dito isso, eu quero que você vá comigo até um lugar, e no fim do dia, eu vou te fazer uma pergunta. Sua resposta vai decidir se vamos nos ver amanhã.

Julius segurou o braço do jovem, que o encarou nervoso.

— Não ouviu nada do que eu disse?

— Ouvi sim. Por isso, diferente do que houve comigo, vou dar uma escolha pra ela. Ela vai decidir se quer continuar.

Com isso, Adam saiu da academia junto da garota.

 

***

 

Em um quarto escuro, um jovem despertava confuso. Seu pescoço doía e  sentia seu corpo fraco. Se apoiou na parede à direita e tentou se levantar, enquanto seus olhos aos poucos se acostumavam com o breu.

Ao seu redor, nada além de um colchão velho. Ao andar, também encontrou um corredor que levava até um vaso sanitário. A três metros do chão, apenas uma janela cheia de grandes, que pouco iluminava o quarto com a luz prateada da lua.

Até que, ao ouvir um ranger metálico, pulou para trás no colchão. Um homem segurando uma bandeja apareceu na porta cheia de grades. Não era possível ver seu rosto por causa da escuridão, mas sua voz era bem suave.

— Como está, Jason? — perguntou o homem.

— Q-Quem é você? Cadê a Stacy?! — Jason, apavorado, tentou parecer forte.

— Fala da sua namorada? Está morta. A polícia deve encontrar o corpo dela pela manhã. Trouxe um pouco de comida. — Ele falou com tranquilidade.

— Espera, como é que é?

— Comida. Faminto você não serve de nada pra ele.

— Não, o que você quis dizer com “está morta”.

— Exatamente o que a frase deveria significar. Ele só precisava de um de vocês vivo, e você foi o felizardo escolhido por ele. Stacy só servia como aperitivo, então ela foi drenada. Ele quase fez isso com você, seu sangue é muito doce, parece ter sido difícil resistir. — Ele falou, triste. — De todo modo, coma. E não deixe nada do purê no prato.

Sem dar mais explicações, o homem deixou a bandeja no chão e fechou a porta de metal, trancando Jason novamente em sua cela. Sentando no colchão para assimilar as informações confusas recebidas, ele chorou pela perda de sua amada. Abraçou os joelhos e sentiu seu luto em silêncio, até que se lembrou de algo.

— Os desaparecimentos... Será que foi aquele cara? Deus, por que isso tá acontecendo comigo?! Eu não quero morrer aqui! Eu tenho que sair daqui, mas como?!

Seu estômago roncou. Não queria comer algo dado por seu sequestrador, mas parecia que não se alimentava há dias. Não sabia se era o estresse, mas engoliu o orgulho e foi até a bandeja, já que aquela poderia ser sua última refeição.

Pegou um pouco dos ovos com bacon e mastigou, enquanto afundava o garfo no purê.

— Espera, o quê...?

Sentiu algo no purê que não parecia ser feito de batata. Com o garfo o tirou, encontrando um pedaço de papel dobrado junto com um frasco de líquido azul, ambos dentro de um saquinho plástico. Curioso, pegou o papel e desdobrou. Era uma carta.

“Não quero te dar esperanças, você deve morrer em breve. Mas, talvez, exista uma chance de escapar desse inferno com vida. Não quero continuar o ajudando nesse plano doentio então, se seguir as instruções dessa carta, talvez consiga escapar. [...]”



Comentários