O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 4: Uma Questão Maior

 

 

No final da noite, no bairro de Hell’s Kitchen, um casal voltava para casa após o cinema, pegando um atalho para diminuir o trajeto. Estava tudo normal, até um terceiro indivíduo começar a andar pelo mesmo caminho logo atrás.

Um homem usando colete branco, com uma barba por fazer e cabelos louros desgrenhados. Seus olhos estavam vermelhos, como quem não dormia há dias, e estavam focados nos dois à sua frente.

Os namorados perceberam que estavam sendo seguidos e ficaram nervosos, apressando o passo. Após alguns minutos, parecia que o homem desconhecido havia sido despistado.

— Ele estava nos seguindo? — disse a mulher, ofegante.

— Devia ser algum ladrão, mas parece que ele perdeu a gente de vista.

— Não contem com isso.

O homem reapareceu na frente do casal com uma expressão animalesca, quase que rosnando. Ele não parecia estar bêbado ou sob influência de entorpecentes, mas algo com certeza estava errado com ele.

A mulher gritou e se escondeu atrás de seu namorado, que tentou conter a tremedeira de seu corpo.

— Aqui, pode levar o que nós temos. Mas não nos machuque. — O homem dizia, tentando parecer calmo.

Mas o suposto ladrão olhou decepcionado para a carteira e celular do homem, dando um forte tapa em suas mãos, fazendo os objetos caírem longe.

— Eu não quero seu dinheiro.

— Então o que você quer? — perguntou o homem, engolindo em seco.

— Seu sangue.

Duas fileiras paralelas de presas afiadas como de uma fera sobrepuseram os dentes do homem, saídas de dentro da gengiva. O outro não teve tempo para perceber isso. Quando foi perguntar o que aquelas duas palavras significavam, o agressor avançou sobre a vítima e mordeu a lateral de seu pescoço. Ele gritou de dor e a namorada, de medo.

O homem caiu no chão, tremendo enquanto o agressor mordia seu pescoço e deixava o líquido rubro escorrer pelas beiradas. Ao mesmo tempo que essa cena assustadora ocorria, a mulher saiu correndo, berrando apavorada, mas acabou tropeçando.

— Fica longe de mim! Fica longe de mim!

O malfeitor, limpando o sangue que gotejava de seu queixo, deu um salto proporcional ao de uma lebre sobre a segunda vítima. Sem dar ouvidos aos pedidos desesperados em meio a lágrimas, o homem mordeu seu pescoço da mesma forma que fez anteriormente, sugando o sangue de seu corpo enquanto a moça tinha espasmos ao presenciar a morte certa.

 

***

 

Caminhando junto do jovem de olhos esmeralda, que carregava uma garrafa d’água, a ruiva procurava palavras para começar um diálogo. Porém, as lembranças da noite anterior a obrigavam a ficar desconfiada de Adam, pessoa que ainda não possuía a confiança total da garota.

Depois de passar por dois cruzamentos movimentados, a desconfiança dela não significava mais nada. Naquele momento, só queria descobrir para onde os dois estavam indo.

— Adam, estamos andando há mais de vinte minutos. Vai me contar onde estamos indo?

— Ah, verdade. Você tá aí.

— Esqueceu de mim?!

— Estamos indo para a delegacia, mas antes temos que fazer algo ainda mais importante.

Yohane ficou curiosa e angustiada ao mesmo tempo. O que poderia ser mais importante do que o motivo de irem até à polícia?

Essa pergunta seria em breve respondida. Logo na esquina, ambos pararam em frente a uma mercearia, mas a garota foi impedida de entrar por seu acompanhante.

— Ruiva, pede um táxi enquanto eu compro os mantimentos. Tudo bem? Tudo bem — disse, amigavelmente.

O alemão entrou na mercearia sem esperar uma resposta, deixando a ex-colegial boquiaberta na frente do estabelecimento. A indignação no olhar da ruiva era clara, mas no meio das reclamações e murmúrios, nem notou que estava obedecendo o outro e chamando um táxi.

Após alguns minutos esperando ao lado do veículo amarelo, o jovem excêntrico voltou com um saco cheio de maçãs no braço esquerdo enquanto bebia um suco, também de maçã.

Yohane lançou um olhar julgador em sua companhia, que a encarou desentendido. Entrando no carro, disse para a jovem de sardas.

— Tá esperando o quê, ruiva? Temos trabalho a fazer.

— Sinto que você não está falando de um estágio comum... — reclamou ao entrar no táxi.

Chegando ao destino final, Adam pagou o motorista e ambos saíram do carro. Observando o alemão ao seu lado devorar a quinta maçã do saco em seus braços, ela perguntou com um tom cansado:

— Esses eram os mantimentos?

— Sim. — Olhou para a ruiva enquanto mastigava, com um olhar infantil — Que é? Eu amo maçãs. Agora para de me julgar e vamos logo.

Ele engoliu e foi até a entrada da delegacia, deixando a garota para trás.

— Poderia ao menos ter me oferecido uma — murmurou emburrada e o seguiu.

Assim que entraram no prédio uma voz feminina foi ouvida em tom brincalhão, vindo em direção a eles.

— Ora, ora. Parece que hoje o senhor Hoffman trouxe algo além de maçãs — disse a mulher loira com um sorriso no rosto, olhando para a ruiva de forma gentil. — Se você está aqui, imagino que seja um desses amigos esquisitos do Adam.

— Yohane Pride, prazer. — Estendeu a mão para a mulher com um sorriso agressivo, sem olhar diretamente pra ela. — E nós não somos amigos.

— Detetive Violet Parker, o prazer é meu... Yohane? — Apertou a mão da jovem e percebeu que a conhecia.

— Violet Parker...? — comentou a ruiva, irritada ao reconhecer a policial. — Por acaso já resolveu divulgar o que aconteceu com a Carol em White Valley para os entes queridos? Ou ainda é confidencial?

Yohane estava com um olhar furioso, e a detetive arregalou os olhos com o comentário da garota.

— Você entrou no mundo do Adam, então?

— Isso não importa. Eu passei muito tempo querendo saber a verdade até que você simplesmente desapareceu. Você nem teve coragem de me entregar a jaqueta da Carol pessoalmente, pediu pra minha mãe fazer isso.

O clima da conversa ficava tenso a cada frase, e Adam estava completamente perdido.

— Odeio estragar o reencontro de vocês, mas estou com um pouco de pressa. Então, detetive, pode me dizer o motivo de me chamar aqui? Eu devia estar caçando dentuços nesse momento.

Yohane encarou Adam, boquiaberta. “Então você nem sabia o motivo e mesmo assim me arrastou pra cá?!” Pensou a garota indignada.

— Eles são o motivo de eu te chamar aqui. Sigam-me, por favor.

Pela primeira vez desde que encontrou o alemão há algumas horas atrás, a garota viu algo nada amigável em seus olhos. Ele parou de mastigar e seguiu Violet até o necrotério.

A ruiva os seguiu por obrigação, mas, no fundo, estava nervosa. Sabia sobre o que Adam se referia com a palavra “dentuços”. Foi assim que ele chamou o monstro que atacou a jovem noite passada.

“Vampiros, né?” Pensou, soltando um longo suspiro.

Chegando, a detetive, sem aviso prévio, puxou uma longa gaveta. Os olhos de Yohane se arregalaram quando viram o conteúdo dela. Um corpo gélido e sem vida de uma mulher.

A garota ficou pasma ao ver o corpo pálido dentro da gaveta. Adam, por outro lado, parecia estar muito irritado.

Logo na lateral de seu pescoço, havia uma marca do tamanho de uma mandíbula humana. Era certo que se tratava de uma mordida, mas a marca estava tão profunda que parecia ter sido feita por um animal.

— Sangue drenado? — Adam perguntou, sem tirar os olhos dos corpos.

— Sim. O mais estranho é que esse é o primeiro assassinato. Já temos dezenas de pessoas desaparecidas, mas essa garota é a primeira que encontramos morta.

— Quem era?

— Stacy Allen. Encontrada em um beco de Hell’s Kitchen hoje pela manhã — respondeu Violet, com uma prancheta em mãos. — Mas pelo jeito, a morte ocorreu por volta de meia noite.

— Hell’s Kitchen, hein? — comentou o alemão, como se lembrasse de algo. — Alguma pista?

— Bom, além do fato de ter sido um vampiro, interrogamos pessoas próximas e demos uma geral no celular dela. Parece que ela tinha saído com o namorado, Jason Johnson, ontem. Mas não encontramos o corpo dele.

— Merda, ele deve ter sido sequestrado também. E se o sequestrador só levou um deles, já deve ter alcançado seu objetivo, seja lá qual for... Porra... Beleza, qualquer coisa nova me avisa, detetive.

Violet assentiu e Adam saiu da sala nervoso, seguido por Yohane.

Saindo da delegacia, o jovem irritado voltou a devorar suas maçãs, mas, dessa vez, de modo agressivo.

— Ei, as maçãs são inocentes. Vamos fazer o que agora?

Eu vou pra Hell’s Kitchen procurar algumas pistas. Você pode ir pra casa e fazer suas coisas de garota — disse, sem olhar para a ruiva.

A garota indignada segurou o pulso de Adam, fazendo o mesmo se virar para ela.

— Primeiro, para de agir como se fosse meu irmão mais velho. É nojento. E segundo, você me trouxe pra esse mundo bizarro contra a minha vontade, dizendo que precisava de ajuda. E agora tá me dispensando? Desculpa, cara, mas não vai rolar.

Ele levantou a sobrancelha para a jovem sardenta.

— Você tá morrendo de medo, não é?

— É claro que eu tô! Numa só noite eu descobri que o bicho papão é real e que eu era metade anjo! Eu tô apavorada, mas aposto que aqueles dois também estavam quando seja lá o que aconteceu, aconteceu. Então, se eu sou tão forte quanto você me disse que sou, quero ajudar da forma que puder.

Os olhos de Yohane brilharam com bravura, o que fez o alemão deixar escapar um leve sorriso de orgulho.

— Nossa, você fala demais. Se queria passar mais tempo comigo era só dizer. Mas vamos deixar claro que eu gosto de mulheres altas.

A jovem cerrou os dentes, irritada.

— Tá certo, mas se vai me acompanhar, você tem que ao menos saber se defender — continuou.

— Ah, eu espancava valentões, lembra? — disse, cruzando os braços com uma expressão debochada no rosto.

Seu companheiro se conteve para não rir, colocando a mão sobre a boca.



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