Volume 1 – Arco 1
Capítulo 3: O Mundo que você conhece é uma mentira
Yohane apertou os olhos enquanto sentia seu coração saltar para a garganta, mas...
— Não estamos caindo?
— Elementar, meu caro Watson.
De fato, eles não estavam caindo como era de se esperar. Na verdade, estavam subindo. Adam pulava paralelamente entre as paredes do beco a uma velocidade impossível para um ser humano. E foi desse modo que eles subiram até o topo do prédio ao lado.
Colocando os pés no chão e se movendo apenas após ter certeza de que estava pisando em algo sólido e fixo, a garota tremeu e caiu de joelhos enquanto olhava para a calçada pelo parapeito do prédio.
— O que aconteceu...?
— A gente fez o contrário de cair, agora fica quieta.
— Mas por que você me trouxe até...
— Quieta.
Adam disse sem olhar para a garota. Ele observava cuidadosamente as ruas dali de cima, como se procurasse algo. Após cerca de cinco minutos em silêncio, reagiu ao olhar para a calçada.
— Achei!
Antes da ruiva poder perguntar, o garoto correu e pulou do prédio, caindo no beco. Yohane olhou sobre o parapeito e viu Adam são e salvo no solo, falando com uma loira. Em um primeiro momento parecia uma conversa normal, até que ele jogou a mulher contra a parede e bateu sua cabeça no muro três vezes.
A garota engoliu em seco com a violência sem razão e acabou se lembrando dos acontecimentos que marcaram sua escola no último ano.
— Ben...
— Lembrando do namorado?
Com uma mulher desacordada no ombro, Adam estava novamente no térreo. O coração da garota estava acelerado e ela se esforçava ao máximo para impedir que seu corpo tremesse. Estava nervosa e assustada, mas se matinha firme, pois tinha medo de que, se tentasse algo, pudesse realmente ser morta por aquele à sua frente.
Porém o que foi feito contra aquela mulher era algo que a jovem não poderia observar calada.
— Que merda foi essa?! O que você vai fazer com essa mulher? Ela já está com o rosto cheio de sangue!
Yohane foi até a mulher para conferir se a mesma estava viva. Ainda respirava, o problema era que...
— Eu não chegaria tão perto se fosse você.
— Do que você está falando... Ahh!
A mulher, antes inconsciente, abriu os olhos e rosnou como um animal. Suas pupilas eram finas e possuía presas como de uma fera, o mesmo que o homem de antes.
— Sabe o que eu mais odeio nesses dentuços? — disse Adam, enquanto cortava a palma de sua mão com uma adaga que sacou de suas costas. — É que eles são bonitos pra caralho!
O rosto da mulher se virou para o alemão de um jeito assustador, como se fosse um animal irritado, e voltou a rosnar. Em questão de um segundo, se posicionou como um animal quadrupede e saltou na direção de Adam.
— Um Puro! — gritou a mesma frase do homem de antes.
Mas antes que pudesse ser atacado, desviou das garras do monstro. Em um único movimento, agarrou o rosto da mulher e o direcionou ao chão com força suficiente para fazer o sangue jorrar.
— Ou fingem ser.
Yohane, aterrorizada com o que viu, colocou as mãos sobre a boca e, com os olhos tremendo, perguntou:
— Por que você fez isso...?
— Eu quero te mostrar uma coisa. Pega a corda que tá ali atrás e traz ela pra mim.
Mesmo pensando que estava sendo cúmplice em um crime hediondo, não tinha forças para ir contra o pedido de Adam. Após pegar uma corda que estava em um canto e entregá-la, o outro amarrou o tronco e braços da mulher.
— Que história é essa de “Puro”?
— Sangue de querubim é a cocaína deles. Os dentuços ficam loucos quando sentem o cheiro disso.
— Espera, você disse essa palavra antes. Disse que eu sou uma filha de querubim... Que diabos isso deveria significar?
— Que um de seus pais é um anjo bem poderoso.
Yohane ficou sem palavras com aquela declaração, que o jovem falava como se não fosse nada.
— Ruiva, assim como eu, você tem um poder enorme correndo nas veias. Sangue de querubim. Eu não esperava encontrar outro, são bem raros.
— Adam, que merda você tá querendo dizer?
— Que você é uma nefilim.
Yohane ouvia aquelas palavras, mas ainda demorava para as processar. Tudo que estava vivenciando naquela noite era loucura. A simples e mais pura loucura.
— Escuta, eu sei que sua cabeça deve estar à mil por hora nesse momento, mas isso tudo é necessário para você entender.
— Mas entender o quê?!
— Que o mundo que você conhece, ruiva, é uma mentira.
Adam pegou a garrafa cheia de água e derramou o líquido sobre a cabeça da mulher. Parecia uma ação sem sentido, mas algo estranho aconteceu assim que a água tocou o couro cabeludo. Imediatamente, vapor começou a sair de todos os lugares do corpo por onde a água escorria. A mulher despertou, gritando como se fosse queimada viva.
Todo o conteúdo da garrafa se esgotou e uma quantidade incrível de vapor saia do corpo da mulher, mas algo ainda mais assustador ocorreu em seguida. Além dos olhos finos e presas afiadas, a camada de pele da mulher por onde a água escorrera começou a derreter, deixando exposta uma segunda camada vermelha. Seus dedos e unhas também cresceram ao ponto de terem o dobro do tamanho normal.
— Ruiva, esse é o mundo em que você vive.
Ele matou a mulher.
Não.
Matou o vampiro amarrado do mesmo modo que matou o anterior no beco.
E explicou tudo.
Raças sobrenaturais existem e vivem entre os humanos há milênios sem nunca dar uma pista de sua existência. Vampiros, lobisomens, elfos e outras dezenas de raças. Todas as lendas e mitos do mundo são reais e a maioria delas compartilham alguma porcentagem de sangue demoníaco ou angelical.
E dentre todas as outras raças, duas se destacam por estarem em guerra desde o início dos tempos. Os dois polos que foram responsáveis pela criação de todas as outras raças seguintes.
Anjos e demônios tentam se matar desde antes da extinção dos dinossauros e, até hoje, essa batalha não teve um fim.
Adam contou que o objetivo dos demônios é abrir os Portões do Inferno para que Lúcifer e seu primogênito possam ascender e exterminar a humanidade. Já os anjos só anseiam por derrotar os demônios, sem se importar com quem é ferido ou morto no processo.
Nenhum dos dois lados se importa com baixas. Por isso, ficando no meio dos dois, existem os nefilins, semi-humanos que lutam pela humanidade, sem se importar de ter que matar anjos, demônios ou qualquer outra raça que tente ferir os humanos.
Também contou que todos os Sete Pecados Capitais são, na verdade, os Sete Reis do Inferno, sendo que apenas quatro estavam na ativa. Como Lúcifer, o Orgulhoso, está preso desde a Guerra Celestial; Belzebu, o Guloso, foi morto há alguns meses atrás e o paradeiro de Belfegor, o Preguiçoso, é desconhecido há séculos, tanto os outros quatro Pecados como o resto do submundo estava inquieto.
Gula era um dos Pecados mais fortes entre os Sete. A notícia de sua morte deixou todos surpresos e foi vista como um presságio do Fim. Todos que sabem da verdade por trás do mundo estão nervosos, com medo que os Selos comecem a ser quebrados.
— Porque se isso acontecer, o mundo vai se banhar em sangue e cinzas.
Tudo o que foi dito por Adam, agora com a prova do vampiro morto aos seus pés, foi um choque tremendo para Yohane. Porém o que deixou a garota ainda mais aterrorizada foi essa última frase do jovem.
A ruiva se lembrou de seus pesadelos e em como eles se encaixavam dentro da descrição de mundo que lhe foi contada. Mas mesmo com toda a informação que tinha para processar, uma coisa ainda não fazia sentido.
— Por que me contar tudo isso?
— Ter você por aí sem entender a história completa ia me causar muitos problemas. E também, não me entenda mal, eu não dou a mínima pro fim do mundo, mas conhecer outro filho de querubim é uma oportunidade que não posso deixar escapar.
— O que você quer?
— Quero que você treine e me ajude. Eu estou caçando alguém e, mesmo que odeie admitir, preciso de ajuda.
— E você quer que eu, uma garota que acabou de sair do ensino médio, te ajude?
— Err... falando em voz alta parece bem idiota, mas, sim. É exatamente o que eu quero.
Ela refletiu sobre isso. Estava com medo, e algo em sua mente dizia para não se meter naquela história. Porém também tinha um motivo para aceitar toda aquela loucura, pois seria o primeiro feixe de luz que viu em toda a sua vida. Era a primeira fagulha de esperança de finalmente entender o que era seu pesadelo.
Mas, antes de poder dar uma resposta, o celular da garota tocou. Olhando o identificador de chamadas, viu que se tratava de sua mãe.
— Droga. — Ela resmungou e atendeu o celular — Oi, mãe.
— Yohane, cadê você?! Faz horas que você saiu e agorinha eu ouvi gritos no prédio ao lado, você tá bem?!
— Estou, mãe, é que...
— Senhora Pride, boa noite. — Adam pegou o celular das mãos de Yohane e voltou ao modo descontraído. — Meu nome é Adam, moramos no mesmo prédio. Me desculpe deixá-la preocupada, é que eu encontrei com sua filha mais cedo no parque e tivemos um acidente no lago. Foi minha culpa, então pedi que ela se secasse aqui em casa. Ela não me disse que sua mãe estava a esperando para jantar. Eu peço mil desculpas.
— Ah, Adam? Você não seria filho do Marko, seria?
— Parece que muita gente conhece meu pai. — Deu uma risada desconfortável. — Mas não se preocupe, já estou a levando de volta.
— Tudo bem, não tem problema. Fiquei preocupada porque ela não me disse nada.
— Sim, isso foi muita irresponsabilidade da parte dela.
Yohane, indignada, ficou boquiaberta com o comentário de Adam, que disse com um sorriso debochado.
— Vou dar uma bronca nela na sua frente quando chegarem. — Emília deu uma risadinha do outro lado da linha.
— Ah, eu vou adorar ver isso. Estamos indo.
— Certo. Estou esperando vocês.
Ele desligou a chamada e devolveu o celular.
— Você é um cara de pau!
— Olha, é a segunda vez que eu salvo a sua pele essa noite. Um agradecimento não vai fazer seu cabelo cair, ruiva.
— Eu tenho um nome! E o que você vai fazer com o.... corpo? — A garota olhou para onde o vampiro estava, mas percebeu que ele havia desaparecido.
— Ah, geralmente, monstros viram cinzas depois que morrem. Eu não reclamo disso, facilita meu trabalho. Enfim, não vou esperar que me dê uma resposta agora, é uma decisão complicada. Me encontra na frente do prédio amanhã, depois do almoço. Quero te apresentar uma pessoa.
— O jeito que esse relacionamento tá se desenrolando me deixa assustada.
— Relaxa, se eu merecer, você pode me espancar atrás da escola.
— Eu vou matar o Marko!
Adam gargalhou e a jovem deixou cair os ombros, em desistência. Teria que ouvir poucas e boas de sua mãe quando chegasse no apartamento, e isso seria na frente do alemão, o que a deixaria muito envergonhada.
Mas, ao menos, toda a conversa sobre sua mãe aliviou o clima tenso da situação e das revelações anteriores. O sobrenatural existia e Yohane fazia parte dele. Em sua mente, uma pergunta tinha um peso maior que todas as outras e, por alguma razão, causava um enorme desconforto na garota.
“O que vai acontecer agora?”
***
Longe dali, do outro lado da cidade, uma mulher observava a Manhattan noturna através dos vitrais de um arranha-céu. A porta dupla de sua espaçosa sala se abriu, revelando um homem, usando um terno executivo branco.
— Senhorita? Não esperava lhe encontrar aqui. — Seu sotaque romeno se destacava.
— Está na hora, meu filho.
— Ela já o conheceu?
— Sim. A fagulha que faltava para o Fim ter início finalmente se acendeu. Yohane Pride e Adam Vernichter nos ajudarão muito a partir daqui. Você sabe o que fazer agora.
— Com toda a certeza. O Codex será seu em breve.
— Ótimo. — Ela se virou. Seus cabelos brancos como a neve e o rosto escondido pela escuridão da sala fizeram o homem se arrepiar. — Vai à algum lugar esta noite?
— Eu? Vou sair para fazer um lanchinho.
O homem lambeu suas presas afiadas e saiu da sala, com um sorriso tenebroso no rosto.