O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 21: O Treinamento começa

— E então eu contei tudo para o Adam, deixei ele ficar com cabeça do Belzebu, enterrei minha filha no quintal da minha casa após explicar toda a situação para meu marido e...

— Me entregou a jaqueta da Carol após eu ficar pedindo respostas... — Yohane encarou os joelhos, chocada com a história contada.

— Bom, eu lavei antes de te entregar. — A detetive sorriu.

A ruiva não pôde sorrir. Na verdade, nem escutou a brincadeira da loira. Finalmente descobriu a verdade sobre a morte da melhor amiga, não poderia mais culpar Violet. Naquele momento, culpava apenas a si mesma por ter insistido para Carol ajudar a detetive naquele dia.

— Aquela... Aquela mulher de cabelos brancos, então ela é...

— Carolyn. Eu mesma a vi se transformar. Pelo pouco que entendi, era isso que Reiner queria nos laboratórios, mas não sabemos exatamente no que ela se transformou.

— Só sabemos que é poderosa — comentou Adam, ajeitando os óculos. — Não é uma bruxa qualquer, sinto arrepios sempre que falamos sobre ela.

Jô encarou Adam e cerrou os olhos, deixando uma risada boba escapulir.

— Por que você tá de óculos?

— Sério que você só percebeu isso agora? Estamos aqui há meia hora!

— Foi mal. Ficou bonito.

— Seria ainda mais se eu conseguisse enxergar algo sem eles. Enfim... o ponto é que toda a situação com sua amiga não foi culpa da detetive. Se quer culpar alguém, culpe os pais da Carolyn.

Ele tinha razão. Os únicos responsáveis pelo que houve com Carol eram Reiner e Grace, pois eles eram os responsáveis pelas atrocidades que aconteciam naquele laboratório.

— Aliás, o que você estava fazendo lá, naquela noite, Adam? — perguntou a garota.

— Tava rolando uns rumores sobre White Valley e aquele laboratório esquisito, e eu quis investigar. O Julius disse pra eu não ir, pois ainda era inexperiente, mas eu taquei o foda-se e fui.

— E ainda bem que foi. — Violet colocou a mão sobre o ombro do jovem. — De todo modo, Yohane, foi isso que aconteceu. Não pude te contar a verdade porque sabia que você não acreditaria, e também não queria te envolver nisso...

— Tudo bem... — A ruiva suspirou. — Depois de tudo isso, não poderia ser capaz de continuar te culpando. Está tudo bem. E sinto muito pela sua filha...

A detetive sorriu gentilmente e se levantou para sair do quarto.

— Descansa, ruiva. Temos muito trabalho a fazer.

Adam deu uma piscadela e seguiu a detetive para fora do quarto, a chamando.

— Detetive, espera um minutinho.

— Adam, somos amigos. Quando vai começar a me chamar pelo nome? E, tecnicamente, não sou mais detetive.

— Certo... — Sorriu, sem jeito, e então tirou um cartão do bolso. — Violet, toma.

— O que é isso?

— Uma regalia. Se você vai mesmo atrás da sua prima, melhor fazer isso com as duas mãos. Assim que a prótese estiver pronta, eles vão entregar pra quem tiver esse cartão.

A loira se emocionou com a atitude do jovem e o abraçou.

— Obrigada, Adam. Por tudo.

— Que isso.

Violet olhou para a porta entreaberta do quarto de Yohane e mostrou uma expressão de nervosismo.

— Cuida dela, viu? Ainda não sabemos o verdadeiro plano da Carolyn, mas tenho certeza que a Yohane é alguém importante.

Podexá. E, aliás, queria te perguntar uma coisa. Você conhece o Comissário Taylor, de Londres?

— Anthony Taylor? Sim, ele que comandou a operação que participei quando passei um ano em Londres, mas na época ele era detetive. Por que?

— Tem uma coisa me deixando maluco desde semana passada. A Dawn no último ano, depois o vampiro no parque, então o Constantim. Todos eles me chamaram de “Vernichter”. O Constantim também falou que esse era meu nome de família, mas até onde eu sei, meu sobrenome é Hoffman. Foi aí que, ontem, quando estava mandando o relatório para a Maeve, ela comentou sobre esse comissário. Ele tinha falado com ela há algum tempo sobre uma mulher suspeita que também se chama Vernichter.

— Suspeita de ser uma assassina em série?

— Isso! Como sabia?

— Tem uma assassina solta em Londres há uns seis anos e eles nunca a pegaram. A chamam de Azazel. E, como até hoje, ela só matou criminosos, a polícia fica fazendo corpo mole para ir atrás dela. Na época, Taylor também era responsável pelo caso. Foi ele que descobriu que se tratava de uma mulher, e traçou uma lista de suspeitas, mas o caso nunca foi resolvido.

— Entendi...

— Adam, você não está querendo ir à Inglaterra por causa de uma pista tão vaga assim, né?

— Na verdade, é exatamente isso que eu vou fazer. Não sei, Violet, e se Vernichter for o nome da minha mãe? E se ela não tiver simplesmente me abandonado? Eu sei que ela é um maldito querubim, mas...

Parker colocou a mão no ombro do amigo e sorriu com empatia.

— Você seria um ótimo detetive. Mas, enfim, se vai mesmo fazer isso, faça direito. Azazel é perigosa. E, olha, sabendo das coisas que sei hoje, suspeito que ela possa ser uma nefilim como vocês.

— Por que acha isso?

— Não acho que ela conseguiria ter fugido tanto tempo, mesmo com a polícia fazendo pouco caso. E, também, ela usa um tipo de corrente como arma. Além de que, o nome dela claramente faz alusão ao Pecado da Ira. De todo modo, espera seu braço melhorar, termina o treinamento da Yohane e, se ela quiser, leve-a junto. Uma missão em campo vai ser bom, caso a garota ainda queira fazer parte desse mundo.

— Tá certo.

Os dois sorriram e Violet se despediu novamente, saindo da casa junto de Gabi após agradecer Emília.

 

***

 

Três dias depois, Yohane já se sentia bem disposta. Adam passou as tardes com ela sem compromisso nenhum, apenas jogando conversa fora, e isso ajudou na recuperação de ambos.

Logo pela manhã, a ruiva começou a preparar algo na cozinha. Queria agradecer ao alemão por ter ficado com ela nos últimos dias.

— Filha? — Emília chegou, encarando todas as sacolas de papel sobre a mesa. — Por que tem tantas maçãs nessas sacolas? Você nem gosta de maçã.

— É verdade, eu acho nojento. Mas o Adam é apaixonado nelas e eu queria fazer um agrado pra ele, depois de tudo. Se não fosse por ele, eu teria ficado naquele quarto olhando pro teto nos últimos três dias, já que agora você tá trabalhando na padaria e a Abby não desgruda da Aisha.

Obviamente, também queria agradecer por todas as vezes que Adam salvou sua vida, e por ter resgatado Abigail no shopping. Nos últimos dias, o jovem caçador também explicou o que houve na batalha, já que Jô não se lembrava de quase nada. Ela ficou chocada, apavorada com tudo aquilo, mas tentou não pensar muito.

Enquanto a ruiva misturava alguns ingredientes em uma travessa, sua mãe a encarava com um sorriso enorme no rosto. A alegria em seus olhos era clara.

— Mãe, para de me encarar, tá me dando arrepios!

— Ah, é que eu acho lindo você fazendo isso para o Adam. É a primeira vez que te vejo gostando de alguém desde a Ruby.

Yohane teve um choque com aquela frase que a fez jogar farinha no próprio cabelo.

— Mãe! Eu já superei o lance da Ruby! E eu não gosto do Adam!

— Ah, Jô, para. Você odeia cozinhar! A última vez que te vi no fogão foi quando você estava tentando fazer aqueles chocolates pra dar pra Ruby no Dia dos Namorados de 2015! Isso aí se chama paixão. — Emília entrelaçou os dedos das mãos e disse a última palavra em um tom de provocação.

— Mãe! Você não tem alguma roupa pra lavar, não?

— Pode ser grosseira o quanto quiser, mocinha, mas eu sei bem que você gostaria que seu primeiro beijo fosse com ele. — Emília falou dando risadas e saiu da cozinha, deixando a filha em paz.

— Que ódio, isso aqui é só uma regalia entre amigos. É como um cartão que você dá pra sua professora, ou como emprestar um lápis para um colega... — Suas analogias nem faziam mais sentido, sua mente estava fervendo com a vergonha, o que ficava claro com as bochechas coradas. — Beijar o Adam, onde que já se viu isso... Beijar o Adam... Ai, ai, viu!

Yohane tentou esquecer o fato de que não conhecia a sensação de beijar os lábios de outra pessoa e focou em sua receita.

Mas a garota era péssima na cozinha, isso ficava claro com toda a farinha e cascas de ovos espalhados pelo chão. Ela xingava os ingredientes sempre que algo saia do controle. A única coisa que fazia como uma pessoa normal era cortar as maçãs, mas já estava de cara emburrada.

— Mas que... Meu Deus, você não pode mesmo chegar perto de uma cozinha.

— Espera, o que... Adam?! Argh!

A jovem, com o susto de ver o amigo ali, escorregou em uma poça de manteiga derretida e bateu a cabeça na porta do armário. A franja encaracolada da menina cobria todo o seu rosto enfarinhado.

— Eu ouvi uma barulheira de panela aqui de baixo e vim ver o que era. Quer uma ajudinha aí, ruiva? — Ele tirou uma mecha da frente do rosto da garota.

— Eu queria dizer não, mas... Acho que se continuar desse jeito eu boto fogo no prédio.

O alemão gargalhou e ajudou a menina a se levantar. Juntos, limparam a cozinha e em poucos minutos recomeçaram a receita, com Adam liderando a cozinha dessa vez.

Só que, diferente do que a ruiva pensava, ele não assumiu o preparo. Apenas começou a dar instruções, mostrando a ela como fazer cada coisa da forma certa. Sem hesitação, mostrava a quantidade de material, como cortar, misturar, deixar a massa dormir um pouco até finalmente poder recheá-la. Yohane estava pasma por estar conseguindo realmente fazer tudo aquilo só com as instruções simples do jovem.

Após quase duas horas, a torta saiu do forno. A massa encruzilhada no topo era dourada e as frestas vibravam com a cor da maça caramelizada. O aroma era delicioso e os olhos de Adam brilharam quando viram aquela obra de arte chegando à mesa.

No momento que se sentaram, a porta do apartamento se abriu, permitindo a entrada de duas garotinhas animadas e um ganso de coleira.

— Aisha! Tem torta! — Abigail gritou e puxou o braço da amiga, que correu junto até à mesa.

— Vocês duas não se cansam? — Emília sorriu, colocando os pratos na mesa.

— Queria brincar mais, mas o Hank tava com fome. Aí eu senti o cheiro de comida e achei que você tinha feito a janta, mamãe.

— Ah, Abby, mas acredite se quiser, quem fez essa torta foi sua irmã.

— A irmã Jô fez a torta?!

— Sim. Está orgulhosa? — Yohane estufou o peito e empinou o nariz, confiante.

— Err... Aisha, vamos ter que comer a ração do Hank!

Adam teve que se conter para não cuspir a água que estava bebendo e rir do comentário da criança. Ele chegou até a engasgar.

— Honk! — O ganso gritou, indignado.

— O que?! Que crueldade, Abigail!

— A irmã Jô não sabe cozinhar, a última vez que comi algo que ela fez eu fiquei com diarreia!

Adam não se aguentou e começou a gargalhar. O rosto de Jô ficou completamente vermelho de vergonha. Todos se serviram e experimentaram da comida. Abigail estava receosa, mas provou um pedaço e, para a surpresa de todos, foi a que mais comeu da torta no final.

Todos elogiaram Yohane, mesmo que ela não tenha se sentido muito realizada, já que só conseguiu fazer por causa da ajuda do alemão.

Até nisso ele tem que me salvar? Pensou.

Após alguns minutos, Aisha e Abigail foram para o quarto com Hank e Emília levou as louças para a pia. O jovem de olhos verdes se espreguiçou e sorriu para Jô.

— Sério, ruiva, tava ótimo.

— Eu só fiz o que você mandou...

— Mas, ainda assim, foi você quem fez. E ficou delicioso, deu até vontade de dormir. — Se levantou da mesa e deu a volta na mesa, ficando ao lado da jovem. — Mas não temos tempo pra isso, tem uma pessoa que quer te conhecer.

— O quê?

Ele não respondeu, apenas saiu do apartamento. Yohane o seguiu, sem muitas escolhas. Os dois desceram até o estacionamento e entraram no carro da ruiva. O alemão deu as instruções e a garota dirigiu até a Igreja de Santa Mônica.

— Por que estamos aqui, Adam?

Adam não respondeu. Ele parecia mais sério, todo o clima descontraído de alguns minutos atrás tinha desaparecido. A garota engoliu em seco, sem saber o que esperar.

Ao entrarem na igreja, foram recebidos por um padre e duas freiras, que cumprimentaram a alemão, mas olharam um pouco assustados para Yohane.

— Ela é a garota? — Perguntou o padre, para que apenas Adam ouvisse. O jovem olhou para a amiga e assentiu, ainda sem falar nada.

Após a resposta, uma das freiras os acompanharam até uma porta lateral da capela e os guiou com uma lamparina de óleo enquanto descia as escadas escuras. A ruiva estava nervosa, aquilo parecia tirado de um filme de terror. Até onde aquelas escadas levariam? E o que poderia existir abaixo da igreja?

Enquanto descia, conseguia ouvir um som baixo, parecia com metal contra metal, se colidindo repetidas vezes. A cada degrau, o som ficava mais alto. Até que, finalmente, alcançaram uma porta de madeira que foi aberta pela freira.

Lá dentro, Jô pôde ver cerca de meia dúzia de pessoas, quatro delas estavam treinando, e outras duas conversando. Uma dessas, em especial, olhou direto para Adam quando os dois chegaram. Uma mulher negra alta com vitiligo, de cabelos curtos avermelhados e olhos acinzentados. Ela veio andando na direção do alemão e então o cumprimentou, olhando para a ruiva com a sobrancelha levantada.

— É ela?

— Sim.

— Hm... Do jeito que você falou esperava que ela fosse mais alta. Mas parece que hoje em dia as crianças ficam com os poderes mais legais.

— Criança?! — A ruiva ficou um pouco frustrada com aquele comentário, mas a mulher logo veio de apresentar.

— Maeve Watson Lima. Você é a Yohane, não é? A garota isqueiro.

— Adam, vai começar a espalhar esses apelidos idiotas, agora?

— Acredite, esse apelido foi ela que te deu. A Maeve gosta de fazer isso mais do que eu.

Ela deu de ombros, sorrindo.

— Enfim, ele me contou tudo que aconteceu naquela noite e eu fiquei impressionada. Claro, teria ficado ainda mais se a Academia tivesse sobrevivido, mas não adianta chorar agora. Julius se foi, então eu tive que voltar correndo pra cá. O Adam me disse que você estava disposta a treinar com a gente. Esse desejo ainda existe?

A ruiva pensou bem no que desejava quando conheceu Hoffman. Seu pesadelo... ele não aparecia há alguns dias, mas em breve voltaria. Ela sabia que aquilo era muito real para ser apenas um sonho e, caso se tornasse realidade de fato, o mundo teria seu fim. Não gostaria de ver aquilo solto nas ruas. Toda aquela dor e morte... não podiam ser liberadas.

— Ainda quero descobrir se meu pesadelo pode vir a ser algum tipo de visão. Não posso deixar aquilo se tornar realidade. Então, se eu tiver que sangrar pra impedir aquelas coisas, sangrarei com prazer.

Maeve encarou Yohane surpresa. E então começou a rir.

— É, ela realmente fala bonito. Mas sabe, menina isqueiro, esse mundo exige mais da gente do que apenas sangue e palavras legais. Você já teve um gostinho do que essa vida pode oferecer, mas já que está tão determinada, eu mesma vou ficar responsável pelo seu treinamento. Se você sobreviver, pode vir a se tornar uma grande aliada. Caso contrário... bom, seus ossos vão se misturar com o vento. Esse poder dentro de você... vamos começar por ele.

Se afastou alguns passos da ruiva e sorriu de forma a fazer a garota engolir seco. O que diabos essa mulher vai fazer? Pensou.

— Vai desejar ter morrido naquela batalha em vez de passar por esse treinamento, menina.

A treinadora falou, deixando a jovem confusa. Mas logo a sardenta compreendeu o estilo de treino de Watson. Uma luz dourada brilhou em sua mão, formando a silhueta de um bastão. De repente, a luz se transformou em um mangual. A bola de metal cheia de espinhos apavorou a garota, que não conseguiu fugir. Maeve simplesmente avançou sobre a menina e estilhaçou os ossos da canela de Yohane com sua arma, fazendo a menina chorar e berrar em dor.

— Maeve?! — Até Adam se chocou com aquilo que viu. — Que caralhos você tá fazendo?!

— Relaxa, eu quero ver uma coisa. A gente pode curar ela depois, de qualquer maneira.

A ruiva não escutava nada, apenas sentia a pior dor que seu corpo já experimentou. Cerrou os dentes para abafar os gritos e seu corpo começou a se aquecer repentinamente. Chamas envolveram sua perna e os ossos quebrados começaram a se concertar sozinhos. Os olhos da garota voltaram a brilhar em escarlate e, assim que sua canela se curou totalmente, a jovem se levantou, encarando Maeve, irada.

— Fodeu. — Adam passou a mão na cabeça e se afastou, sentando em um banquinho. — Por favor, só tentem não destruir esse lugar.

— Eu vou te matar!

Yohane gritou, furiosa. Sua voz estava mais grave e seus dentes, afiados. Seus punhos estavam envolvidos por chamas alaranjadas e ela estava pronta para avançar na treinadora a qualquer momento.

— Acho fofo você achar que consegue.



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