Volume 1 – Arco 1
Capítulo 17: Aracnofobia
Os destroços voaram com a força do soco do monstro. Por sorte, Violet conseguiu pular para o lado no último segundo, se esquivando da morte certa. A detetive pegou a espingarda e deu um tiro na nuca do monstro, o fazendo sangrar, mas sem movê-lo um centímetro se quer. Recarregou rapidamente, puxando a telha e dando outro disparo. A arma viva já havia se virado, então os projeteis atingiram seu rosto em cheio, e foi aí que o monstro finalmente cambaleou.
— Isso! Mas eu só tenho mais um tiro... Ah, foda-se! Não tá na hora de economizar balas!
Recarregou seu último projetil e deu um tiro à queima-roupa nos olhos do gigante, o fazendo perder o equilíbrio e cair para trás.
— Vê se não levanta!
— Isso não vai parar ele! Como vamos sair? Não podemos voltar, o primeiro andar está cheio de lobos!
Carol voltou correndo até Violet, a jovem estava muito nervosa.
— Não achou o cartão?
— Nada. Quando eu fugi, uma cientista me ajudou, mas ela foi pega por algo e ficou presa no último andar.
— Merda... — Violet deu um sorriso nervoso. — Okay, eu tenho uma ideia. Uma ideia muito ruim, mas não temos escolha.
— O que você quer fazer? — Carol deu um passo para trás, com medo da resposta.
— Arrombar aquela porta.
Violet contou seu plano e a estudante não gostou nem um pouco, mas por não conseguir dar uma alternativa melhor, aceitou sem reclamar. E foi no momento certo, pois o gigante estava se levantando, mais zangando que antes. E isso era bom, o Golias Prateado deveria estar furioso para a ideia da detetive ter alguma chance de sucesso. A loira ficou parada, em frente à entrada do terceiro andar, com o fuzil em mãos.
— Ei, grandão. Pronto para o segundo round?
Ela pressionou o gatilho e mais 10 balas acertaram o rosto ensanguentado do gigante. Ele urrou e correu em direção à policial, com a intenção de esmaga-la contra a parede.
Esse era o plano de Violet.
— Vem me pegar.
Ela disparou mais algumas vezes contra o inimigo e, quando o monstro estava a poucos metros dela, a mulher saltou para a direita, escampando novamente da morte e, com sucesso, destruindo a parede ao usar a arma viva como bola de demolição.
— Corre, Carolyn.
Mas aquele era um momento decisivo. O gigante estava caído no chão, desnorteado por ter acertado a cabeça com tanta força. As duas sobreviventes tinham que fugir dali antes que ele as pegasse.
Elas correram e desceram as escadas a toda velocidade. De longe conseguiam ouvir o rugido e os passos do monstro acinzentado, que as procurava.
— Vamos, tem uma porta mais a frente que vai segurá-lo por um tempo.
A destruição que o monstro causava em sua caçada era sentida no chão. O portão mais a frente era enorme, parecia que estava protegendo o cofre de um banco internacional. Escorado ao lado, um corpo em decomposição, com a cabeça esmagada. Mas ao vê-lo, Carolyn vibrou em alegria. Em seu pescoço apodrecido estava pendurado uma crachá com um cartão de acesso “Nível III”.
— Isso! Achei!
— Que ótimo. Agora abre a merda da porta!
Violet viu o gigante virando o corredor, seus olhos se encontraram mesmo com mais de trinta metros de distância. Ela pegou seu fuzil e mirou, só tinha mais vinte balas no pente. Depois disso estaria limitada a sua pistola, que não surtia efeito algum no inimigo.
Carol passou o cartão no leitor e uma voz falou, vinda de alto-falantes nas paredes.
— “Bem-vindo de volta, Doutora Cho. Por favor, digite seu código para poder acessar o setor restrito.”
— Cho... Foi ela que me ajudou a escapar. Então foi assim que ela terminou... Espera, código?! Eu não sei código nenhum!
Violet se lembrou do que encontrou nas salas anteriores.
— Tenta 5243!
Carolyn, sem opções, digitou o código no teclado digital ao lado das portas.
— “Obrigado, Doutora Cho. Aguarde enquanto as portas se abrem completamente.”
— Foi! Estão abrindo!
— Quanto tempo?!
— Err... Mais um cinco segundos!
— Certo... — A detetive pensava em algo, até que viu as luzes no teto e teve uma ideia. — Hora de apagar as luzes.
Violet mirou na lâmpada acima da cabeça do monstro, atirando e fazendo a mesma explodir em faíscas. Isso o cegou por alguns instantes.
— Okay, dá pra gente passar por baixo agora. Mas você vai ter que enrolar ele por mais alguns segundos para eu poder fechar a porta.
— É sério, Carolyn?!
— Que é?!
— Tudo bem. Fique sabendo que eu não vou morrer hoje, grandão.
As duas entraram no setor restrito e a estudante rapidamente passou o cartão no leitor, fechando as portas. Os alto-falantes se pronunciaram novamente.
— “Fechamento das portas iniciado pela Doutora Cho. Por favor, aguarde.”
Os segundos se passavam lentamente, enquanto as duas olhavam o gigante se levantar. Violet atirava em sua cabeça com raiva, e o nervosismo a fez errar alguns tiros até a munição do fuzil finalmente acabar. Não teve escolha a não ser pegar sua pistola e continuar atirando.
Estavam aflitas, mas quando o monstro começou a correr, as portas já estavam a poucos centímetros do chão, prontas para serem seladas. Quando ouviram o som do portão se fechando, o alto-falante se pronunciou ao mesmo tempo que um estrondo fez a porta se abalar. O monstro a tinha acertado com força, mas ela resistira ao impacto.
— “Portas seladas com sucesso. Obrigado pela sua paciência e bom trabalho.”
— Puta merda! Conseguimos! — gritou Carolyn, em alivio.
— Foi por pouco, e ainda perdemos duas armas nesse pique-pega.
— Bom, ao menos chegamos ao nosso destino. Contanto que a gente evite o salão oval, acho que vamos estar fora de perigo.
— Por que? O que tem lá?
— É lá que fica o cabeça por trás desse lugar.
— Quem é ele?
— Honestamente? Não faço ideia, só sei que era a única coisa que fazia meu pai sentir medo.
— Por que você se refere a ele como “coisa?” — perguntou, olhando os arredores.
— Os barulhos que eu ouvia do salão à noite... Não era algo humano. Vamos, a “Brinquedoteca” é seguindo em frente.
Carol estava ansiosa, nervosa. Voltar as instalações após poucos meses já era algo difícil de se lidar, mas a Brinquedoteca era pior. Seus traumas, seus pesadelos, sua maldição. Tudo começou ali.
Violet seguiu a garota em silêncio. Encarou a raiz de seu cabelo ficar branca aos poucos, de forma nada natural, mas não questionou aquilo. Claramente era algo de que White não queria falar sobre.
Naquele momento, a detetive sentiu uma pinicada na nuca, e deu um tapa involuntário ali. Quanto olhou a palma de sua mão, pôde ver um mosquito esmagado.
Elas olhavam as paredes, as salas. O ambiente não era muito diferente do que visto antes. Corpos em decomposição, com ossos à mostra. Sangue seco nas paredes e chão, misturados a miolos e entranhas cheios de moscas e larvas, exalando um cheiro insuportável.
Mas o que realmente incomodava a detetive eram as teias de aranha. Elas eram enormes e estavam por toda parte. Um arrepio enorme percorria seu corpo e uma coceira incômoda começava a se espalhar. Preferiria ter uma nova sessão de socos com o monstro acinzentado a ter que lidar com aqueles diabinhos de oito patas.
A aracnofobia de Violet era algo traumatizante para a mulher. Tinha esse medo desde criança, quando estava brincando de esconde-esconde e escolheu uma garagem imunda como esconderijo. O lugar estava mofado e não era nem um pouco arejado. Estava cheio de teias e desses aracnídeos por toda a parte. E claro, o fato de a menina ter ficado por quase meia hora ali dentro até finalmente a encontrarem não ajudou.
Parker fez tratamento psicológico por cinco anos após isso, o que ajudou muito no modo que lidava com a fobia, mas ela nunca desapareceu. Não podia ver aqueles animaizinhos de oito patas andando por aí que já sentia todo o seu corpo coçar, começava a suar constantemente e a criar paranoias, achando que elas iriam atacá-la.
— Violet, você está bem?
— Estou sim. — Mentiu. — Por que?
— Tá se coçando... E suando feito um leproso. — Carol colocou as costas de sua mão na testa da detetive. — E minha nossa, você tá ardendo em febre.
Violet...
— Quem disse isso?!
A voz penetrou os tímpanos da mulher, fazendo a sacar a arma por instinto.
— Detetive, o que foi? Não tem ninguém aqui.
Christine...
— Carolyn, tem alguém aqui me chamando. E não é de um jeito amigável!
— Eu não estou ouvindo nada. Vem comigo, vamos descansar por alguns minutos. — Pegou o braço da companheira.
Parker...
— Ahh! Me solta!
Quando olhou para a mão que a segurava, pulou com o susto e apontou sua arma. Não era um braço humano, mas uma pata fina, alongada e pontiaguda. Encarou o dono desse membro e seus olhos tremeram com horror. Suas pernas balançaram e ela caiu no chão, sem forças para ficar em pé.
— Violet? O que está acontecendo?
As voz grave era horrenda e aterrorizante. Era um aracnídeo peludo do tamanho de uma garota humana. Seus oito olhos vermelhos brilhantes observavam a loira apavorada, sem expressão.
— N-Não! Não se aproxime!
Sua mão estava muito trêmula, não tinha forças para puxar o gatilho naquele momento.
Olhou para os lados, procurando uma saída ou esconderijo, mas estava cercada. Pequenas aranhas vinham de todas as direções. Chão, teto, paredes. Todas saindo do abdome da aranha gigante.
Começaram a subir por seus braços e pernas, e a detetive batia em seus membros, tentado se livrar delas. Mas quanto mais tentava, mais aracnídeos apareciam, soltando suas teias e as grudando na mulher. Ela gritou em agonia e, em uma tentativa desesperada, reuniu a pouca força que tinha e atirou na aranha gigante. Um, dois, três disparos.
— Violet?! Argh, porra! Puta que pariu, que merda foi essa?!
A loira apertou os olhos e quando os abriu novamente, escutou a voz de Carolyn. Ela estava escorada na parede, segurando sua perna, que sangrava. Sua jaqueta branca também estava com manchas escuras, como de pólvora.
— Por que caralhos você atirou em mim?! — gritou a jovem de olhos verdes enfurecidos. — Puta merda, isso dói!
— O quê? Cadê as aranhas?
— Não tem porra de aranha nenhuma aqui! Nem teias tem nas paredes.
Violet, confusa, olhou novamente os arredores. Carol estava certa. Além dos cadáveres e do sangue, estranhamente, não havia uma única teia de aranha ali.
— Mas... eu juro que vi...
— Violet! Você atirou em mim! Da pra ao menos me ajudar nessa porra?!
— Ah, Deus! — Quando finalmente se deu conta do que havia feito, correu para ajudar a companheira. — Me perdoa, Carolyn. Eu achei que era uma... Esquece. A bala passou de raspão, ainda bem. Vou enfaixar. — A detetive rasgou a manga de sua blusa e usou de torniquete, impedindo o sangramento.
— O primeiro passou! Se não fosse pela jaqueta, você teria acertado meu peito em cheio!
— Me desculpe... Espera, como assim, sua jaqueta?
Parker se tocou que, mesmo com as manchas de pólvora, não haviam buracos de tiro na jaqueta de Carolyn. Mas como uma jaqueta comum de couro poderia resistir a tiros de uma pistola calibre .45? Era o que a mulher se perguntava.
— Argh... Não é uma jaqueta comum... É feita de couro de cabra nórdica. A Guarda Real de Asgard usava isso, milênios atrás. Foi uma das poucas coisas que restaram do Ragnarok... Argh, que dor... Tiros, fogo, explosões. Nada mundano pode me ferir... Quer dizer, nada pode me ferir da barriga até o pescoço. Eu não tenho o conjunto completo.
— Espera aí... Você está falando dos deuses vikings?
— Deuses nórdicos. E sério, Parker? Depois de tudo que viu aqui hoje, vai duvidar da existência de deuses? Me ajuda logo a levantar, a Brinquedoteca é logo ali.
A loira ajudou Carolyn a levantar e as duas caminharam corredor à frente. As moscas começavam a ser mais presentes.