O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 12: Mais que tudo nesse mundo

 

Yohane dormia após a conversa com sua mãe. A lembrança do pai que nunca encontrou, a saudade da amiga que se foi, a verdade sobre o mundo que conheceu. Todos os acontecimentos recentes sobrecarregaram sua mente, a fazendo desejar voltar para sua cidade natal e esquecer tudo o que houve.

Não queria pensar em mais nada, mas era difícil fugir quando sua prisão era sua mente. Porém, de repente, uma voz animada a fez deixar esses pensamentos em segundo plano.

― Irmã Jô! Irmã Jô! ― Os passos rápidos que atravessam o corredor fizeram a jovem sardenta despertar e abrir as pálpebras umedecidas pelas lágrimas de mais cedo. A garotinha com heterocromia chegou ao pé da cama e subiu no colo da irmã mais velha. ― Você não vai sair com seu namorado hoje, o tio Adam?

― O que?! ― Yohane se levantou num pulo, e seu rosto ficou corado. ― O Adam não é meu namorado!

― Como assim? Vocês saem todos os dias juntos, eu fico até com ciúme! Tio Adam está roubando a irmã Jô de mim!

― Nós somos só amigos, Abby. Só isso. E as vezes eu tenho vontade de esganar ele.

― Hum... Então você não vai sair com ele hoje?

― Não... Não quero falar com ele agora...

― Então a Irmã Jô pode sair comigo!

Yohane arregalou os olhos. Estava feliz com o convite da caçula, pois fazia tempo que as duas não tinham um tempo juntas.

― É uma boa ideia, Abby. Vamos tomar um sorvete?

― Sim!

― Então vai se arrumar!

A menina correu para o quarto saltitando, feliz que iria sair com a irmã. A jovem observou com um sorriso gentil. Só a existência de Abigail deixava a vida um pouco menos dura de se lidar.

― Ela sente sua falta.

Sua mãe chegou, secando as mãos com um pano de prato. Estava na cozinha até agora, ouvindo a conversa.

― Faz tempo que vocês não saem juntas e, desde que chegamos na cidade, você parece distante, preocupada com algo ― continuou.

― Estou com uns... problemas. Mas nada que você deveria se preocupar, mãe.

― Você sempre foi uma péssima mentirosa. Sabe que, se precisar, sempre vou estar aqui pra te ouvir.

― Eu sei, é que... ― Estava se corroendo por dentro por não poder contar a verdade para a mãe. ― É uma coisa que eu tenho que resolver sozinha. Mas não precisa se preocupar, eu estou bem. Eu vou ficar bem.

Outra mentira. Após tudo que aconteceu nos últimos dias, se havia coisa que ela não tinha certeza era se iria terminar o dia viva.

― Tudo bem... não vou insistir. ― Emília pareceu triste, mas não queria pressionar a filha. ― Vai se arrumar, sabe que Abigail vai ficar uma fera se você enrolar.

Yohane se levantou e foi para o quarto. Após alguns minutos, as duas irmãs estavam prontas para sair juntas. Abigail chorou para que ambas fossem combinando, então a ex-colegial se forçou e vestir um macacão e usar coque duplo no cabelo, idênticos aos da caçula. Mas também levou a jaqueta branca de sua amiga, caso precisasse.

― Se divirtam! E não voltem tarde! ― alertou a mãe.

As duas assentiram e desceram até o estacionamento do prédio. Brookfield era o shopping que a família sempre visitava quando ia para Manhattan nas férias, na época que ainda moravam em White Valley. Era um lugar conhecido pelas três, então seria a escolha óbvia para o passeio.

Depois de cerca de vinte minutos ouvindo rock no rádio e cantando juntas no carro, chegaram ao destino. Jô parecia estar passeando com um pequeno Shih-Tzu hiperativo. Abby a puxava pelo braço através das lojas, querendo ver tudo. Roupas, brinquedos, guloseimas, lanches.

Quando se deu conta, as duas já tinham dado a volta no shopping center duas vezes, visitado todas as lojas e estourado o cartão de crédito da mãe. O dia passou rápido, mas foi uma diversão que a jovem não experimentava há algum tempo. E estava feliz de ter aproveitado isso com a irmã.

Cansadas, elas saboreavam um sorvete, sentadas na praça do shopping.

― Cansou, Abby?

― Sim... meus pés estão doendo.

― Isso que você ganha por não parar de correr nem por um segundo.

― Mas eu me diverti muito hoje! Comprei roupas novas, brinquedos e tomei sorvete com minha irmãzona!

Os olhos da garotinha brilhavam. A felicidade não podia nem ser escondida no rosto reluzente.

― É. A mamãe vai matar a gente, mas valeu a pena...

De repente, Yohane se sentiu triste. Ela se lembrou da vida nova que estava começando em segredo. Se lembrou das palavras de Adam quando selaram o acordo. “Sabe que vai ter que abandonar sua família?”

Abandonar sua família em razão da verdade. Deixar Abigail e Emília pra trás para descobrir o mistério de seus pesadelos e garantir que eles não se tornem realidade. Sacrificar seu porto seguro pelo bem de todo o mundo.

― Irmã Jô? Por que você tá chorando?

― Ah, o quê? ― Sentiu as lágrimas escorrendo pelas bochechas rosadas. Nem havia notado que começou a chorar. Mas seu peito doía pois sabia que, mesmo não sendo a decisão mais fácil, era a decisão correta.

Abby olhou sua irmã engolir o choro, sem entender o motivo daquilo. Então, a pequena falou algo que fez a ruiva desabar.

― Irmã Jô, eu te amo. Vai ficar tudo bem.

A jovem encarou sua irmã caçula e não conseguiu mais conter o choro. A abraçou forte e enterrou o rosto no ombro da pequena. Sentiria falta dessa gentileza que não pedia nada em troca. Dessa inocência que trazia uma leveza à vida.

― Eu também te amo, Abby. Mais que tudo nesse mundo.

Depois de deixar o macacão da criança molhado com suas lágrimas, Yohane secou o rosto com a manga e se levantou.

― Vamos voltar? Mamãe deve estar...

Mas então, ouviu uma voz familiar. Uma voz que fez todo o seu corpo tremer.

Ah, só mais uma pergunta, Adam. Conseguiu as respostas que procurava decodificando o arquivo?

Com um calafrio que percorria todo seu sistema nervoso, ela olhou para trás. Um homem alto, caucasiano, vestindo um terno branco que parecia ter acabado de sair do ateliê. Ele falava no telefone com alguém, mas encarava a ruiva com um sorriso no rosto.

― Ora, ora. Que coincidência te encontrar por aqui, Jô. ― Ele desligou o celular e colocou as mãos para trás.

Yohane, por instinto, afastou Abigail, a colocando atrás de seu corpo. A pequena se sentia confusa, mas notava que sua irmã estava assustada.

― Não se aproxime. Ou eu chamo a segurança.

― Por que está tão na defensiva, Jô?

A ruiva não gostava da ideia de que Constantim seria o vilão da história, mas naquele momento ela sentia algo estranho. Sentia em sua espinha que, naquele momento, aquele homem tinha péssimas intenções.

― Você não devia estar na empresa, Constantim?

― Sim, mas quis dar uma volta e acabei te encontrando novamente. E então, seus amigos descobriram algo com os arquivos?

― Você sabia...?

― Vocês não acharam que conseguiriam fazer coisas ilícitas na minha empresa sem que eu descobrisse, não é?

― Aquela empresa não é sua! É da família White, da Carol!

― Carolyn está morta. Mas vamos deixar esses detalhes de lado, a verdade é que eu não me importo de você e seus amigos caçadores terem invadido meu servidor. Afinal, vocês só conseguiram tal feito por que eu deixei.

Albescu se sentou no banco, enquanto Yohane tentava se afastar aos poucos. O clima começava a deixar a pequena Abigail nervosa.

― Você sabe que não vai conseguir fugir, então por que não senta e relaxa?

― Fala logo o que você quer.

― O que eu quero? Eu já consegui o que quero, querida. Mas está faltando uma peça do quebra-cabeça maior. A rainha do xadrez estava desaparecida, mas eu acabei de encontrá-la. Não é nada pessoal, Yohane, mas você é muito especial para minha Senhorita. Só é uma pena sua irmã ter que ver tudo isso.

― Se você tocar em um fio de cabelo da minha irmã...

― Vai fazer o quê, gritar? Ah, eu duvido que faça isso. Afinal, ― Constantim se curvou e olhou no fundo dos olhos da garota. ― Você não quer que todas as famílias que estão aqui hoje morram, não é?. Então, o que vai fazer, heroína?

Os olhos trêmulos da garota estavam arregalados. Ela não sabia o que fazer. Se corresse, uma comoção iria se desenrolar, pessoas iriam morrer e, mesmo assim, não conseguiria fugir de Albescu. Porém, caso não fizesse nada, ele poderia matar Abigail.

― Eu vou com você, então. Mas minha irmã fica fora disso!

― Acho um acordo justo. Afinal, não precisamos dela.

A jovem respirou fundo e se agachou, ficando cara a cara com a irmã.

― Abby, a irmã Jô vai ter que ir com ele. Mas está tudo bem, eu volto pra casa assim que resolver isso. Espere aqui que logo vão vir te buscar. ― Ela a abraçou a falou algo em seu ouvido para que apenas a caçula pudesse ouvir. ― Eu te amo. Vai ficar tudo bem?

Ela sentou a irmã no banco e foi embora junto de Constantim.

Abigail não gritou, não chorou nem esperneou. Ela apenas observou calada a irmã ir embora. Claro, era uma visão triste. Mas Yohane disse que iria voltar, então não havia com o que se preocupar. Porém, antes de ir, havia um pedido que tinha sido feito. A menina pegou seu celular do bolso e abriu a lista de contatos.

― Alô, tio Adam? A irmã Jô foi embora com o tio Constantim e pediu para eu ligar pra você.

 

***

 

― A ruiva o quê?! ― Adam gritou no meio rua enquanto ouvia a pequena menina pelo celular. ― Calma, Abigail. Me fala onde você está, vou aí te buscar. Brookfield, né? Na praça? Certo, não saia daí! Estou chegando. ― Ele desligou o celular e gritou um palavrão para que toda a cidade ouvisse. ― Como caralhos eu vou chegar ao Brookfield?

Adam tinha acabado de sair correndo do Luna Park pois descobriu, assim que abriu a pasta codificada, que o objetivo final de Constantim era pôr as mãos em Yohane. Havia várias fotos da garota em diferentes idades junto com descrições assustadoramente detalhadas sobre a vida dela. "Nikeia/Codex Gigas" era o nome da pasta. Não reconhecia o primeiro nome, mas o segundo era bem famoso, e sabia que nada de bom viria dele.

Mas tinha uma preocupação mais urgente no momento: Abigail. O alemão estava a pé, e demoraria quase quatro horas para chegar ao shopping. Precisava de um transporte. Foi aí que, convenientemente, se viu parado no estacionamento e, à cerca de dois metros, um homem subia em sua moto esportiva se preparando para ir embora. Uma lâmpada travessa acendeu sobre a cabeça do jovem.

― Oi, amigão.

O homem olhou para Adam antes de colocar o capacete, e talvez esse tenha sido seu maior erro.

― Isso vai doer mais em você do que em mim.

Um rápido e forte golpe, bem no meio do rosto. O homem caiu inconsciente no mesmo instante. Adam, por outro lado, não expressava o menor remorso, principalmente com tanta coisa girando em sua cabeça.

― Aguenta aí, ruivas. Nenhuma de vocês vai morrer hoje! ― Colocou o capacete e acelerou a moto, fazendo o pneu soltar fumaça pela fricção com o asfalto. Saiu do estacionamento na velocidade máxima, querendo chegar à Brookfield o quanto antes.

Em poucos minutos e após cometer dezenas de infrações de trânsito, estava descendo da moto e indo para a praça. Chegando lá, viu uma pequena garota ruiva vestindo um macacão, sentada em um banco. Estava assustada, mas claramente tentava esconder isso. Assim que avistou Adam, ela correu e o abraçou, tremendo.

― Tio Adam, você veio! Onde a irmã Jô foi? Ela falou que ia voltar, mas o tio Constantim tava me daando medo.

― Fica tranquilo, Abigail. Não vou deixar nada acontecer com sua irmã, eu prometo. Agora me diz, ela não disse para onde estava indo?

A menina balançou a cabeça negativamente. Adam então ficou nervoso, se perguntando para onde Albescu poderia ter levando Jô. Poderia ser Hell’s Kitchen, ao ninho de Gabi, mas parecia fácil demais. E para ele, não fazia sentido atacar os vampiros quando você poderia tentar trazê-los para o seu lado. Foi aí que o celular do alemão tocou novamente.

Adam? Onde você está? ― Era Violet.

― Fazendo compras.

O quê?

― Nada, onde vocês estão?

Acabamos de chegar no restaurante, Gabi achou que Constantim iria atacar aqui. Mas quando chegamos estava todo mundo bem, nenhum sinal de invasão ou ataque. Gabriela está aliviada, mas isso deixa a gente sem opções.

― Então ele não a levou até aí?

Quem? Yohane? Você sabia que ela é a garota que Constantim falava?

― Sim, estava tudo nos arquivos. E ele a pegou.

― O que?! Como você sabe disso?

― A irmã caçula dela me ligou. De qualquer jeito, não faço ideia de onde ele possa ter ido.

“Ninho de pragas”. Foi o que ele disse na ligação, mas se não estava falando dos vampiros, onde poderia ser?

― Pragas... Um ninho de pragas... Para um vampiro, isso só pode significar uma coisa. A Academia!

Adam desligou o celular e se abaixou, olhando para a menina assustada.

― Olha, Abigail. Eu sei onde sua irmã foi e eu vou busca-la. Você vai ter que ir comigo, pois não posso te levar pra casa ainda. Você não quer deixar sua mãe preocupada, não é?

― Não. A mamãe já tem muita coisa pra pensar.

― Então você vai ter que confiar em mim, tá bom? Vamos buscar sua irmã juntos.

― Tá bom. Se você é o namorado da irmã Jô, vou confiar em você. ― Ela ficou confiante, cerrando os punhos gordinhos em frente ao peito.

― Namorado? É isso que sua irmã fala de mim? ― o jovem sorriu, constrangido.

― Na verdade ela falou que quer te esganar.

― Isso faz mais o tipo dela. Vamos.

Adam pegou a menina nos braços e correu de volta para o estacionamento. A moto roubada ainda estava ali. Rapidamente, o alemão sentou a menina no banco e colocou o capacete nela.

― Escuta, Abigail. Você vai me abraçar forte e fechar os olhos. Assim que chegarmos onde sua irmã está, você pode abrir de novo, tá bom? Até eu disser, não abra os olhos de jeito nenhum.

― Certo! ― disse, segurando o capacete que claramente era pesado demais para sua cabeça pequena.

O caçador então subiu na moto e Abigail o abraçou, como se o segurar fosse uma questão de vida ou morte. E, tecnicamente, era. Adam iria pilotar na mesma velocidade que antes, então qualquer deslize a faria ser lançada para longe, e ele não poderia arriscar isso. Por isso colocou o capacete nela e pediu para o segurar pela frente. Isso diminuiria as chances dela se ferir.

― Fechou os olhos?

Ela balançou a cabeça, assentindo.

― Então, lá vamos nós.

O jovem de olhos esmeralda ligou o motor e acelerou com força, saindo dali numa velocidade assustadora. O destino? A Academia de Caçadores de Nova York, no Brooklyn.

“Eu adoraria que a Maeve estivesse aqui, as coisas não estariam tão fora de controle.” Pensou em sua amiga, que estava no Brasil resolvendo assuntos familiares e ainda não havia retornado.

Após alguns minutos fazendo desvios e curvas ridiculamente perigosas e colocando em risco tanto a vida de outros civis quanto a de Abigail, Adam alcançou o destino e chegou à Academia.

Ele desceu da moto e pegou a pequena nos braços. Correndo pelo beco escuro, viu os corpos de caçadores estirados pelo chão, com poças de sangue sob eles.

― Posso abrir os olhos, tio Adam?

― Ainda não.

Ele chutou a porta da entrada e, quando adentrou o local, viu um massacre. Seus colegas no chão, a maioria mortos. Alguns esperneando com ferimentos graves. Seus colegas, seu mentor, todos ali, em uma carnificina pura.

Mais ao fundo, um homem com terno branco manchado de sangue. Uma garota à sua frente, de cabelos ruivos e pele rosada. Ela estava de olhos fechados e encarava o teto, como se aceitasse seu destino. No minuto seguinte, apenas se viu o jato de sangue saindo de seu pescoço. As garras de Constantim rasgando a laringe de Yohane, a fazendo cair no chão no mesmo instante. E aquele foi o pior momento que Abigail poderia ter escolhido para abrir os olhos.

― Irmã Jô?!



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