O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 11: O Homem da Máscara de Pato

― É, acho que ela não vai vir mais. Ganhou algum tempo, detetive. Recomendo fugir pro México ― disse o alemão, encarando a entrada da Academia.

― Cala a boca, Adam. Aquela conversa com o tal Roberto deve tê-la a abalado mais do que pensamos. ― A detetive se sentia culpada. ― Não devíamos ter ficado ouvindo aquilo.

― Agora já ouvimos e não vamos falar sobre isso com ela. Por sorte, a missão original foi um sucesso, consegui acesso a tudo que havia no computador privado do Constantim.

― E encontrou algo?

Violet estava impaciente, e com razão. Ela era a responsável pelo caso e, em três meses, aquele era o primeiro passo considerável que dava em direção as respostas.

― Foi mal, detetive, ainda nada.

― Urgh... Tá, pesquisa por contas. Pagamentos, tabelas, preços. Compras nos últimos seis meses. Qualquer coisa que possa nos levar a algum lugar.

O alemão obedeceu. Ele abriu algumas pastas com planilhas e nada parecia muito anormal. Eram informações que qualquer empresa poderia ter, mas uma em especial chamou a atenção. Uma planilha chamada “Mount Sinai”.

― Adam, abre aquela ali.

Abrindo o arquivo, eles se depararam com vários nomes e números, muito parecidos com os anteriores. Porém, todas as informações se referiam a sangue de transfusões e...

― Cabeças de gado? Por que diabos isso estaria em um arquivo sobre o hospital? ― A detetive se questionou.

― Não só isso. Pra quem o Albescu iria vender cem mil dólares em vacas? Quanto churrasco o comprador pretende fazer?

― Sem piadinhas, Adam. ― Violet cortou o alemão imediatamente. ― Eu tenho a impressão que isso não se refere a bovinos. Checa os e-mails, talvez tenha algo relacionado a isso lá.

― Checando e-mails...

― Certo... Conversas com outras multinacionais, possíveis acordos com pessoas influentes, propagandas... Espera. Aquela primeira conversa... o último e-mail foi enviado ontem.

― Está endereçado para uma pessoa chamada... Carolyn White? ― disse Adam, e abriu a conversa. ― Não é possível... é?

― Desde que te conheci, o impossível se tornou algo bem subjetivo. Mas admito que estou assustada. “Consegui o coração.”, “Já tenho cabeças de gado o suficiente.”, “O Codex está mesmo na garota?” O que diabos isso significa? ― Violet colocou a mão sobre a boca e ficou pensativa.

― Não faço ideia. Mas eles parecem estar planejando algo... Marcaram um encontro hoje as cinco horas! ― Adam exclamou lendo as últimas mensagens.

 

Constantim Albescu: Você estava certa, o Codex está na garota.

Carolyn White: Teve algum problema?

Constantim Albescu: Nenhum, tudo está conforme seu plano.

Carolyn White: Ótimo. Onde será o ponto de encontro?

Constantim Albescu: No local de sempre. Pier de Coney Island. Amanhã, 17:00

 

― E, pelo jeito, eles planejam sequestrar alguma garota que está com esse tal de Codex. Afinal, que droga é isso? ― Violet cruzou os braços, nervosa.

― Eu tenho uma vaga ideia do que pode ser, mas vou te dar uma resposta clara quando acessar todos os arquivos que tem nesse servidor. Pelo que pude ver, algumas coisas estão codificadas.

― Certo. Vou avisar dois de meus homens para irem ao píer. Não podemos deixar essa chance passar ― disse Violet, determinada a encerrar esse caso de uma vez por todas.

― Eles não vão dar conta. Com certeza os capachos do Albescu serão vampiros, ou coisa pior.

― E é por isso que você e Gabriela vão comigo. Ligue pra ela e a deixe-a a par de tudo, imediatamente. Encontro os dois lá. Hoje daremos um fim a tudo isso.

Dito isso, a detetive se virou para ir embora.

Quando viu a loira sair pela porta, Adam abriu seu notebook e encarou a tela, preocupado. Uma pasta com o nome de “Nikeia/Codex Gigas” fazia seu coração acelerar de medo.

― Por favor, Deus... Que eu esteja enganado...

 

***

 

Chegando no píer, Adam encontrou Gabi na passarela. Era um fim de tarde gélido para o meio do verão e o vento estava forte. “A previsão do tempo, como sempre, falha.” Foi o que Adam pensou.

― Demorou, hein, grandalhão.

― Não, você que chegou cedo demais. Onde está a detetive?

Gabi moveu a cabeça para a esquerda e Adam olhou discretamente, alcançando uma loira de moletom à cerca de 20 metros.

― Então, cadê a ruiva?

― Boa pergunta. Parece que ela brigou com o padrasto ou algo assim, não quis me meter nisso. Não me importo tanto assim com a garota.

― Você é sempre assim, não é?

― Assim como?

― Fica se fazendo de difícil, de durão. Mas nós dois sabemos que você é só um gatinho em pele de tigre.

Gabi encarou o amigo com um olhar debochado, mas então uma seriedade tomou conta da atmosfera.

― Você ainda planeja ir atrás da Eve? ― A vampira continuou. ― Mesmo sem ter provas de que ela ainda está viva?

― Ela está viva, Gabi. Eu sei disso. Não vou desistir, mas antes tenho que encontrar o Luxúria.

― Bom, já sei que contratou a novata pra te ajudar, mas se precisar de uma garra adicional, pode contar comigo.

― Valeu. Mas e aí, vai me contar o que foi aquela coisa entre você e a detetive?

― Ah, tava demorando pra perguntar.

― Olha, você sabe dos meus podres, nada mais justo que me contar os seus. O que houve entre vocês duas?

― Digamos que ela descobriu o meu segredo da pior forma possível, no pior local possível e no pior momento possível.

― Quem você matou?

Gabriela gelou com a pergunta. Os dois se conheciam bem e Adam pôde notar pela tristeza no olhar da amiga que ela tinha feito uma coisa que se arrependia muito.

― Claire... a prima da Violet. Éramos jovens, estávamos bebendo no meu apartamento. Estava tudo bem, até que eu percebi que a Claire tinha, de alguma maneira, virado vampira.

― Pera, mas como? Vampiros não se transformam assim, do nada.

― Exatamente. E, até onde eu sabia, a Claire nasceu e cresceu humano. Até hoje não entendo como aquilo aconteceu.

― Mas você tentou salvá-la? Quer dizer, dar algum sangue pra ela se acalmar?

― Tentei, mas não consegui. Ela ia matar a Violet, Adam. Eu não tive escolha.

― E então, até hoje, a detetive acha que você matou a prima dela sem mais nem menos?

― É. Dez anos depois e nada mudou desde aquela noite. Mas eu não a culpo, ela não entendia esse mundo, estava confusa. Qualquer pessoa no lugar dela acharia o mesmo.

― Você tá certa. Ela não entendia esse mundo.

― O que você quer dizer?

― Olha, hoje a detetive conhece a verdade. Foi ela quem decapitou Belzebu, O Guloso! Confia em mim, se vocês conversarem, isso vai se resolver.

— É, talvez. E, também, tem algo me incomodando. Ontem quando ela apareceu, perguntou onde estava a Claire. Falava como se ela ainda estivesse viva, mas eu sei que a matei...

Movimentação suspeita indo em sua em sua direção, Derick. Siga ele discretamente.

Todos ouviram a voz de Violet nos ouvidos. Parecia que a operação estava prestes a começar. Gabi e Adam fingiam conversar enquanto observavam cautelosamente o suspeito. Um homem caucasiano com roupas sociais e um casaco longo, carregando uma maleta preta.

― Mais suspeito que isso só se estivesse saindo de uma van preta.

Cala a boca, Adam. Fica alerta.

Não demorou muito para a adrenalina começar. Logo o suspeito notou que estava sendo seguido e não pensou duas vezes antes de sair correndo. O policial disfarçado até tentou persegui-lo, mas claramente ele não era humano.

Óbvio que isso ia acontecer. Conto com vocês!

― Deixa com a gente!

Gabi e Adam responderam Violet ao mesmo tempo e começaram a perseguir o suspeito. Não se importando com quem estava no caminho, o alvo atravessava o píer, empurrando mulheres, crianças e idosos.

Os dois apenas passavam pelos feridos, que acabavam caindo na areia, destruindo tendas ou rolando no chão de pedra.

― Mas que merda de energético esse cara tomou hoje de manhã? Ele tá rápido demais até pra gente! ― Adam gritou, tentando apertar o passo enquanto via o alvo se afastar.

― Eu aposto que isso é coisa do Constantim! Você consegue acertar ele com a adaga?

― É arriscado demais! Se ele desviar, posso acabar matando um civil!

― Droga! Parece que ele está indo para o Luna Park! Continua seguindo ele, vou pegar um atalho!

O alemão assentiu e seguiu com sua perseguição, vendo a vampira seguir um caminho diferente.

Ultrapassando os portões do parque, o suspeito continuava empurrando todos em seu caminho e, constantemente, olhava para trás para conferir se Adam ainda o estava perseguindo. Derrubou algumas barracas e carrinhos de lanches na tentativa de atrasar o alemão, mas a única coisa que conseguiu foi dar uma máscara ridícula de presente para ele.

― Eu vou ficar com isso até conseguir te pegar! Quero ver a sua cara quando se der conta que um cara com uma máscara de pato chutou a sua bunda!

O suspeito rangeu os dentes com a provocação do caçador e, chegando perto do carrossel, arrancou uma criança de cima do cavalo de plástico. Toda a diversão ao redor se transformou em pavor pois, naquele momento, a vida de uma criança estava em jogo.

― Cadê suas piadinhas agora, filho de anjo?

― Calma lá, colega. Deixa o moleque ir embora, isso não tem nada a ver com ele.

― Humanos nunca tem nada a ver, mas eles sempre são ótimas moedas de troca contra tipinhos como você. Ou vai me dizer que prefere sacrificar a vida da criança só pra me pegar?

― Você não quer fazer isso aqui.

― Por que? Está com medo deles descobrirem a verdade? Deixe-me contar uma coisa, Adam Vernichter: vocês, caçadores, são os únicos que querem manter isso em segredo. E posso te garantir uma coisa... não irão conseguir por muito mais tempo. Pare de me seguir e eu prometo que o garoto não vai sofrer.

O jovem alemão estava ficando sem ter o que falar, uma coisa no mínimo incomum. Cautelosamente, começou a sacar uma das adagas das costas. Tentaria acertar o vampiro na testa enquanto o distraia. Mesmo sendo muito arriscado, não tinha outras opções.

― Olha, eu não posso deixar você sair daqui com o menino. Então que tal fazermos assim: Você me dá o garoto são e salvo, e eu só vou arrancar a mão que tá segurando essa maleta. Sem te fazer sofrer, é claro. ― Sorriu falsamente.

 ― Ah, caçadores, sempre tão arrogantes. Nunca sabem quando aceitar a derrota. Tudo bem, se você quer que seja assim..., mas saiba que esse garoto só vai morrer por sua culpa!

― Não! Não faz isso!

Notou que o inimigo não estava mais brincando. Sacou a adaga em um piscar de olhos e se preparou para lançar. Tinha uma mira limpa, conseguiria acertar em cheio. Mas estava nervoso.

O vampiro poderia usar a criança de escudo, ou matar o menino segundos antes de morrer. Tudo fez ele hesitar. Viu as presas crescendo na boca do inimigo em câmera lenta, se preparando para abocanhar o pescoço do refém. Aquela criança ia morrer e Adam teria que conviver com a culpa de não conseguir salvá-la.

― Olha pra cima, desgraçado!

Todos se viraram para a direção de onde vinha o grito e viram uma silhueta despencando em direção ao vilão da história. O vampiro apenas encarou confuso antes de ser atingido no maxilar por uma forte joelhada.

Seu crânio bateu no chão com força suficiente para causar uma rachadura. O menino saiu correndo em direção a Adam, já que estava assustado demais para procurar sua mãe.

― Ameaçando crianças?! Constantim não tem pudor algum, não é?!

Gabi estava furiosa, penetrando suas garras na costela do vampiro com ira. Ninguém via aquilo, pois todos estavam concentrados na criança que chorava nos braços do homem usando a máscara de pato.

Violet e seus colegas chegaram momentos depois, se assustando com a situação. A detetive, pessoalmente, entendeu rapidamente o que tinha acontecido e se culpou por não ter conseguido chegar mais rápido.

Logo após, os policias afastaram as pessoas e diminuíram a multidão. A mãe da criança feita de refém estava em choque, e os oficiais tentaram acalmá-la da forma que podiam.

Enquanto isso, Violet, Adam e Gabi levaram o vampiro até um beco do parque para interroga-lo e descobrir o que poderia ter de tão importante naquela maleta.

― Eu aposto um cappuccino que é dinheiro. Albescu com certeza iria comprar algo da pessoa que tá usando o e-mail da Carolyn White, mas a confusão os impediu de fazer negócios.

― Você tá mesmo fazendo apostas depois de toda essa bagunça? ― As duas mulheres ali ainda se surpreendiam com o fato de Adam estar sempre tão calmo após situações como a experimentada anteriormente. ― E tira essa coisa ridícula da cara.

A vampira jogou a máscara de pato longe e o interrogatório da detetive teve início.

― Eu acho que você sabe como funciona, não é? Policial bonzinho, policial malvado. Você escolhe pra quem vai contar a verdade. A questão é que não estamos na delegacia, e aqui não tem nenhum policial bonzinho.

Um som suprimido foi ouvido rapidamente e o vampiro cuspiu sangue enquanto segurava sua barriga. Os dois viram uma pistola com silenciador nas mãos de Violet, que estava com uma expressão de puro ódio.

― Você tentou matar uma criança na minha cidade e ainda não expressa nenhum tipo de remorso. Eu ainda não sei por que espero alguma empatia vinda de tipos como você. Então, por favor, demore pra me contar o que queremos saber.

Outro tiro. Dessa vez, na perna. Violet não expressava prazer em fazer aquilo, mas claramente não estava se sentindo mal.

― O que tem na maleta? Qual o plano do Albescu, o que ele pretende?

― Vai se foder, vadia! Aaahh!

De repente, a loira sacou uma faca do tornozelo e perfurou o ombro do vampiro, a girando lentamente.

― Se tem uma coisa que eu adoro, é saber que monstros como você podem ser feridos com coisas tão mundanas. O que tem na maleta?! ― Continuou girando a faca, na tentativa de forçar o vampiro a falar.

Aquela não era a Violet habitual. O estresse e a culpa causados pelo tempo sem descobrir pistas do caso a deixaram muito cansada e, após o que houve aquela tarde, ela estava furiosa.

― Detetive, ele não vai falar. É mais fácil abrirmos a maleta de uma vez ― falou Adam.

― Não. Pode ser um explosivo.

― De qualquer jeito, isso está muito estranho ― disse Gabi.

― O quer dizer? ― a detetive pareceu curiosa.

― Pensa comigo. Foi tudo muito fácil até agora, mesmo com o que houve. A gente conseguiu descobrir em vinte e quatro horas coisas que não estávamos descobrindo há mais de três meses.

― Você tá paranoica. ― O alemão cruzou os braços.

― Adam, pensa. A ligação entre os hospitais, Yohane conhecer Constantim e nos ajudar a conseguir os dados, um encontro entre os vilões marcada no dia em descobrimos tudo.

― Chega! De todo modo, ainda é arriscado abri-la ― Violet gritou e enfiou a faca na coxa do vampiro. ― Última chance, verme. O que tem na maleta?!

O vampiro começou a rir. Ele estava sem as presas ― graças a joelhada anterior ―, não poderia morder a detetive mesmo estando tão perto dela.

― Não se preocupem, vocês vão descobrir daqui a pouco.

E assim que ele curvou a boca em um sorriso sangrento, a maleta começou a vibrar e a emitir um som irritante.

― Pera, isso é um celular? ― Adam comentou, encarando a maleta.

― Pelo toque, um celular de flip. Quem ainda usa essas coisas? ― Violet comentou e abriu a maleta sem hesitar.

Seu conteúdo? Um telefone de flip azul antigo. O identificador de chamadas alegava “número desconhecido”. A detetive atendeu um pouco nervosa e colocou a chamada no viva-voz.

― Alô?

Boa tarde, detetive Parker. Aproveitando o dia de folga?

― Eu não tiro folgas desde que você começou a sequestrar pessoas nessa cidade.

Que mulher esforçada. Deve estar bem satisfeita de ter roubado tantos dados do meu servidor. Dou crédito ao senhor Vernichter por isso, mesmo que eu, tecnicamente, tenha deixado tudo aquilo acontecer.

― Como assim “deixado”? ― perguntou Adam, nervoso.

Oh, meu caro, você achou mesmo que entraria na minha casa com segundas intenções sem eu ter ciência disso com antecedência? Você foi ingênuo. Mas o pior de tudo, foi burro o suficiente de enviar uma garota totalmente despreparada para fazer o trabalho sujo. Vocês devem ter ficado muito aliviados quando ela não os procurou após conversar comigo.

― O que diabos você está planeando?!

Tudo será esclarecido em breve. Mas, de qualquer forma, infelizmente terei que desligar, afinal, tenho um ninho de pragas para exterminar. Ah, e só mais uma pergunta, Adam.

― O que você quer?

Conseguiu as respostas que procurava com o arquivo codificado?

E antes de poder receber uma resposta, a chamada foi encerrada. Os três encaravam o celular nervosos, com diversos pensamentos em mente.

― Pela voz, com certeza se tratava do Albescu ― comentou a detetive. ― Mas o que ele quis dizer com “ninho de vermes”?

― Não... Meu restaurante! Ele deve estar indo matar todo o meu ninho! ― Gabi estava tremendo com a ideia de perder seus filhos.

― Nós vamos até lá, Gabi. Vamos acabar com Albescu... ― Violet tentou acalmar a vampira, mas ficou nervosa quando percebeu que Adam não estava mais ali. ― Onde ele foi?

O vampiro começou a rir e olhou para as duas com uma expressão vitoriosa.

― Talvez ele tenha descoberto a peça final que procurava.

― A garota que possui o Codex... Quem ela é?!

― Vocês não deviam tê-la deixado de fora dessa missão. Agora não poderão protegê-la.

As duas se encaram e chegaram na resposta óbvia.

― Yohane!

Gabi ficou em choque e rosnou irada, rasgando a garganta do vampiro com suas garras, o matando na hora. O monstro virou cinzas instantaneamente, e, após isso, as duas saíram correndo do parque.



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