O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 10: Descobertas

― Certo, Constantim, só confirmando o horário. Ok, até daqui a pouco , obrigada. ― A ruiva desligou o telefone e suspirou. ― Não gosto disso.

Yohane estava se preparando para sua primeira missão como aprendiz de caçadora. Mas, diferente do que esperava, aquilo parecia mais com o trabalho de um espião.

― Bom, vamos recapitular, então ― comentou o alemão. ― Você já conhecer o Constantim foi uma mão na roda pra gente, então marcar essa entrevista foi bem simples. A parte difícil vem agora, você realmente tem que convencê-lo de que quer esse emprego e fazer a entrevista durar o máximo possível. Preciso de tempo para acessar a rede e pegar toda informação que der. Você vai ligar o modem assim que entrar na empresa e nós vamos ouvir tudo pela escuta no seu ouvido. Aliás, esse terninho combinou muito com você.

Yohane arregalou os olhos e encarou sua roupa social.

― Você tá me elogiando?

― Tô elogiando sua roupa, não fica se achando. Entendeu tudo direito?

― Sim. Espero que dê certo... e que Constantim não esteja ligado a tudo isso.

Yohane ajeitou o cabelo para cobrir as orelhas. Suas mãos estavam trêmulas e suavam frias, mas ela tentava esconder. Em vão, obviamente, pois Violet acabou notando.

― Yohane, sei que está nervosa. Mas essa missão é muito importante e você é a única que pode realiza-la. Nós estaremos com você a todo momento, ― disse, apontando para o fone no ouvido, escondido pelo cabelo ruivo. ― Mas precisamos que você se acalme e relaxe. Vai dar tudo certo.

― É... vai dar certo. Eu só tô invadindo uma empresa que fornece equipamentos de segurança para o Pentágono... Para impedir vampiros... de fazerem coisas ruins. Sem pressão. Tá tudo numa boa!­ ­― O nervosismo e ansiedade da ruiva transpiravam por seu corpo e ela sorria forçadamente.

Alguns minutos depois, a garota respirou fundo e saiu da van que estava estacionada do outro lado da avenida, caminhando do jeito mais natural que conseguia naquele momento até a empresa.

― Bom dia... eu tenho uma entrevista com o senhor Albescu. Meu nome é Yohane Catherine Pride.

O porteiro conferiu as informações no computador e permitiu sua entrada. Ela soltou um longo suspiro de alívio e, após ligar o modem, foi até o elevador.

Não vá pelo elevador, pegue as escadas.

― Adam, eu não vou subir vinte andares de escada com esses saltos.

Você quer mesmo arriscar dar de cara com alguém que não deve quando a porta do elevador se abrir? Ao menos se for pelas escadas, eu consigo pensar em alguma coisa. Ruiva!

― Tarde demais!

A jovem já estava selecionando o andar com um sorriso travesso quando uma mão segurou as portas. Dois homens altos, segurando maletas entraram no elevador e a cumprimentaram. Ela estava usando todas as suas forças para conter o nervosismo, aqueles engravatados a faziam surtar internamente.

Após alguns minutos em silêncio, com a música serena do elevador se tornando uma tortura, os homens desceram e Jô estava chegando ao último andar.

― Achei que eu ia morrer.

Falta de aviso não foi. Agora procura a sala de espera. Aja normalmente.

Yohane respirou fundo e fez o que foi dito. Na sala de espera se sentou e, após cerca de dez longos minutos, uma mulher apareceu da sala à frente.

― Yohane Catherine Pride?

― Sou eu...

― Pode me acompanhar, por favor.

Assim ela o fez, acompanhando a mulher até o interior da sala. Um homem de terno branco estava observando a cidade pelos vidrais. Quando se virou, sorriu para as duas e a mulher se retirou.

― Jô, há quanto tempo.

― Oi, Constantim. Obrigada outra vez por marcar essa entrevista pra mim, já estava ficando louca sem conseguir um emprego.

― Sem problemas, o que eu não faria pela irmã de coração da Carol. Sente-se, por favor. — O sotaque forte chamava a atenção.

Tá indo bem, ruiva. Apenas continue assim até eu conseguir tudo. ― Adam comentou.

Yohane se sentou e colocou sua bolsa no encosto da poltrona.

― Antes de começarmos, me diga, como está você? Não lhe vejo desde o velório.

― Eu estou bem. Ainda é difícil acreditar que ela se foi, e que ainda nem sabemos o que houve. Mas eu tô conseguindo seguir em frente, principalmente graças à Abby e minha mãe.

― Emília e Abigail sempre foram seu sustento, mesmo. Mas eu também fico um tanto quanto frustrado com o trabalho porco da polícia no caso, principalmente daquela tal detetive Parker.

Dentro da van, Violet e Adam e se entreolharam, nervosos.

― Eu insisti para a detetive me contar o que tinha acontecido, eu era a pessoa viva mais próxima dela. Mas ela se negou e fugiu pra cá.

― Sim, Parker já veio na empresa algumas vezes, discutir sobre os desaparecimentos. Na minha opinião, ela quer abafar o que realmente aconteceu na noite que Carolyn morreu.

A sobrancelha da ruiva se levantou, ela estava intrigada com o rumo daquela conversa.

― Você sabe de alguma coisa?

― Ah, falei demais. Não é nada, apenas boatos sem cabimento.

― Constantim, Carolyn era como uma segunda irmã pra mim. Independentemente do que seja, eu tenho o direito de saber.

Pride estava com um olhar sério, sua voz era firme. Do outro lado da escuta, Violet andava de um lado para o outro, com um olhar aflito.

― Você tem razão. Houve rumores após o pronunciamento da detetive no colégio. Parece que, quando o laboratório estava prestes a desabar, ela fugiu e deixou Carol para trás, se encontrando com um homem logo depois. Soou como loucura, mas, pelo que ouvi, Carolyn conseguiu escapar, mas esse homem a matou em seguida com uma espécie de faca longa, de cor verde. Depois eles levaram o corpo para algum lugar longe dali. ― Constantim coçou a barba por fazer e bebeu um gole d’água. ― Eu achei ridículo quando isso chegou aos meus ouvidos, mas me senti na obrigação de ir até as ruínas do laboratório. Acabei encontrando sangue nos destroços, como se alguém tivesse sido arrastado..., bom, isso não prova nada. Mas, com certeza, a detetive esconde alguma coisa.

Yohane estava com olhos arregalados com o que foi dito. Seu cérebro rodopiava, não se importava com a possibilidade de ser apenas um rumor. Foi o mais próximo de uma reposta que chegou desde a morte da amiga. Porém, essa revelação apenas trouxe mais perguntas. E ela, sem dúvidas, iria confrontar Violet, em breve.

― Enfim, já conversamos demais. Podemos começar? Yohane? ― A garota se perdeu em seus pensamentos, quase não ouviu a pergunta do outro.

― Ah, sim. Claro.

Na van, Violet e Adam se encaravam. Ele havia desligado seu microfone.

― Não tem mais pra onde fugir, detetive. Vamos ter que contar pra ela.

― Merda. No momento que ela se envolveu com você, sabia que era questão de tempo, mas... Merda.

― Bom, é como ela disse. Ela tem o direito de saber.

Voltou ao microfone e continuou a fazer seu trabalho, tentando baixar todas as informações que podia. Violet se sentou, se preparando mentalmente para contar a verdade para a garota de sardas.

Após cerca de meia hora, Jô saiu da sala e agradeceu Constantim, mas a verdade é que ela não estava pensando nem um pouco na sua performance na entrevista. A única coisa que queria era tirar satisfação com a detetive que escondeu a verdade sobre a morte de sua melhor amiga. Entrou no elevador com um olhar sombrio, calada.

Quando as portas estavam se fechando, uma mão as segurou. Elas se abriram novamente, revelando um homem alto de cabelos ruivos desgrenhados e olhos azuis com olheiras. Vestia um jaleco e usava óculos. Yohane murmurou, reclamando por aquilo estar acontecendo novamente, mas quando viu a feição familiar, seu coração se encheu de raiva, até pôde esquecer por um momento sua desavença com Violet.

― Oh... ― disse o homem, surpreso. ― Catherine, você por aqui?

― Ah, era só o que me faltava.

O homem entrou, sua expressão também se tornou nervosa. A tensão entre aqueles dois era enorme, e aumentava a cada segundo, mesmo que nenhum deles dissesse uma única palavra.

― Como está a Abigail?

― Ah, quer fingir que se importar com ela agora? Me poupe.

Ele respirou fundo e ajeitou seus óculos.

― Eu não espero que você entenda, Catherine. Mas tudo que faço é pelo bem da Abigail.

Uma veia pulsou no cérebro de Yohane, fazendo a cerrar os dentes. Ela segurou o colarinho do outro e o jogou contra a parede, fazendo o elevador balançar.

― Pelo bem dela?! Desde quando ficar sem ver a própria filha significa fazer o bem para ela?! Me diz, Roberto! Em que universo, fazer minha irmã chorar toda noite com falta do pai significa fazer o bem pra ela?!

Ver seu padrasto naquele momento, quando seu sangue já estava fervendo por conta das mentiras da detetive, fez a ruiva explodir e descontar toda sua frustração em Roberto, pessoa que já não possuía a simpatia da garota.

― Eu sei bem como é crescer sem um pai ― continuou. ― A diferença é que o meu morreu quando eu ainda era um bebê. Mas a Abigail conheceu o pai dela, pôde passear com o pai dela. Só pro desgraçado sair de casa pra “trabalhar” e passar os próximos quatro anos enfurnado na porra de um laboratório! ― Ela o largou. As lágrimas de ódio caiam no chão, escorrendo pelo rosto rosado. ― Você nunca foi muito presente, mas ao menos, no começo, fazia questão de vê-la no fim de semana. Agora é um milagre quando aparece nos feriados. Roberto, o que eu devo dize quando minha irmã pergunta, à noite, se o pai dela já terminou o trabalho? O que devo dizer quando minha irmã pergunta se o pai dela vai vir pro jantar? O que eu digo pra ela?!

A ruiva encarou o padrasto em prantos, mas o homem também parecia abalado. Sua expressão era de alguém angustiado e parecia muito se conter para não falar alguma coisa que estava presa em sua garganta.

― Não vai falar nada, né? Óbvio, desde que me conheceu você me odeia. E eu nem sei o motivo... na verdade, parei de me importar há muito tempo. O que me enfurece é você não fazer questão nenhuma de cuidar da Abigail. Acha que depositar dinheiro na conta da minha mãe todo mês preenche o vazio no peito delas? ― A jovem limpou o rosto e encarou com desgosto o homem. ― Nem sei por que tô te falando isso, você não vale meu tempo.

As portas do elevador se abriram e a garota saiu do prédio cheia de raiva. Adam e Violet ouviram tudo, e estavam em choque. Nenhum dos dois estava esperando por aquilo. Quando viram a garota indo embora em um táxi, entenderam que aquela não era hora para fazer perguntas.

***

Chegando no Upper West Side, Yohane subiu as escadas até seu apartamento e entrou apressada, indo direto para seu quarto. Ela se jogou na cama e desabou em lágrimas. Frustração, raiva, culpa, tristeza. Muitos sentimentos se misturavam e atacavam o peito da menina.

Não bastasse os rumores sobre Violet, a discussão com Robert fez a garota sentir algo que aprendeu a reprimir após anos. A falta de um pai que nunca conheceu.

― Você era incrível como minha mãe conta, papai? ― murmurou, com o rosto enterrado no travesseiro.

― Filha...? ― Emília bateu na porta, entrando no quarto com cautela.

― Agora não, mãe.

Com uma expressão de empatia, a mulher se sentou no ponta da cama e acariciou a coxa da filha sob o edredom.

― O que houve? Não vejo você assim há muito tempo.

― Encontrei o Roberto agora há pouco. Fiquei tão frustrada só de ver ele depois de todo esse tempo que acabei explodindo. ― Ela dobrou os joelhos e abraçou as pernas em posição fetal. ― Falei um monte de coisa sobre a Abby mas, agora pensando melhor, parecia que eu estava falando de mim... Mãe, o que aconteceu com o papai?

― Querida, eu já te falei. Ele sofreu um acidente de carro.

― Foi isso mesmo? Você sempre fica tensa quando fala sobre ele. Parece que tá escondendo alguma coisa.

Emília engoliu seco e se aproximou da filha.

― Meu bem, sabe que eu nunca mentiria pra você, principalmente sobre seu pai. Sinto muito que você não pôde conhecê-lo, ele era incrível. Você tem olhos iguais aos dele, sabia?

Yohane levantou-se e abraçou a mãe. Episódios como aquele não eram comuns para garota, que sempre tentava reprimir esses sentimentos mais íntimos. Porém, se permitiu um momento de fraqueza.

― Queria poder vê-lo ao menos uma vez.

Pegou a mão direita da filha e alisou a gema rubra rachada do anel

― Ele comprou esse anel de rubi antes mesmo de você nascer, ia te dar quando você se formasse no colégio, mas... Ele te amava e é isso que importa.

Se curvou e deu um beijo carinhoso na testa da garota, saindo do quarto e fechando a porta com cuidado. A jovem sardenta começou a girar o anel em seu dedo, enquanto deixava as lágrimas molharem seu travesseiro.

― Se meu pai é um anjo... ele ainda deve estar por aí, né? Ah... ― Se lembrou de repente de toda a conversa com Constantim mais cedo. ― Me perdoa, Carol, não tô com cabeça pra isso agora. Juro que amanhã... vou fazer a Violet contar... tudo.

E assim, a garota adormeceu na cama.



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