O Apocalipse de Yohane Brasileira

Autor(a): Henrique Ferreira


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 1: Um Encontro Assustador

 

 

Incomodada, Yohane gemeu e abriu suas pálpebras forçadamente por causa da luz que entrava pela janela. Sua cabeça latejava de tal forma que poderia ser comparada com sete sinos badalando ao lado de seus tímpanos.

— Ahn...

Esfregando os olhos suavemente, levantou seu tronco e encarou seu arredor. Estava debaixo das cobertas, em sua cama. Sobre suas coxas, uma garotinha ruiva cochilava. Era sua irmã caçula, Abigail.

Aquela situação a deixou confusa, já que mesmo com suas memórias embaralhadas, lembrava claramente que estava na lanchonete.

— Ir... mã... Jô...

A garotinha falava em meio ao cochilo. Yohane balançou levemente o ombro da menina, que despertou, esfregando os olhos. Abriu as pálpebras, revelando íris de cores diferentes: A esquerda sendo azul e a direita, castanha.

Quando Abigail viu sua irmã mais velha, arregalou os olhos e pulou em seu pescoço em meio as lágrimas.

— Irmã Jô! A irmã Jô acordou!

Sendo puxada pela criança, a jovem foi forçada a levantar da cama e descer as escadas até a sala de estar. Uma mulher de cabelos castanhos curtos estava na cozinha, preparando o café da manhã. Era Emília, sua mãe.

— Yohane? — Se virou, com preocupação em seu rosto. Ela desligou o fogão e correu até sua filha, abraçando-a. — Graças a Deus você acordou! Eu fiquei tão preocupada!

Claramente ocorrera algo que a jovem sardenta desconhecia. Sua mãe estava quase chorando enquanto apertava a garota nos braços. O que poderia ter acontecido?

— Mãe, eu estou bem, mas... o que houve? Eu lembro de ontem ter ido na lanchonete e...

— Querida... isso já faz dois dias.

A surpresa e choque por ter dormido por todo aquele tempo atacou a mente da jovem, que latejou outra vez, sendo uma dor mais forte do que antes. Perdeu o equilíbrio e sentou no sofá. Com os dentes cerrados, tentou ignorar a dor de cabeça para questionar sua mãe.

— Como assim dois dias? O que aconteceu?

Emília demorou alguns segundos para responder, até que olhou nos olhos de sua filha e disse:

— Acho mais fácil te mostrar.

Essas palavras fizeram a jovem engolir em seco. O que poderia ter acontecido de tão ruim para sua mãe não conseguir falar?

As três foram até o carro que estava na garagem e a mãe assumiu o volante.

Alguns minutos se passaram e, após o veículo ser estacionado, Yohane notou que estavam em frente à lanchonete. Mas o local não estava da mesma maneira como se lembrava. Na verdade, ele mal estava ali inteiro. Grande parte do teto e das paredes havia desmoronado e o que sobrou da estrutura poderia desabar a qualquer momento. A escala da explosão deve ter sido ao menos duas vezes maior que o tamanho da lanchonete, considerando que alguns imóveis próximos também pareciam danificados.

Toda essa visão fez o corpo da jovem estremecer, entrando em choque. Seus olhos tremiam e seu cérebro oscilava, confuso. Seu coração acelerou como nunca.

— Como...

— Houve uma explosão que eu consegui ouvir lá de casa, quando saí porta afora para ver o que tinha acontecido, seu carro estava na frente da garagem e você, desmaiada no banco do passageiro com as roupas todas queimadas.

Yohane olhou confusa para sua mãe. Nada do que ela havia dito fazia sentido, mas não existia modo de refutar, já que o local que matinha tantas memórias preciosas realmente estava ali, destruído.

— Como eu fui parar em casa?

— Eu não faço ideia, mas agradeço ao anjo da guarda que te salvou. Eu nem imagino como deve ser para você ver esse lugar assim, filha... Eu sinto muito.

A garota tentou mentir. Tentou dizer que estava bem, mas não conseguiu.

— Alguma vítima?

— Graças a Deus, ninguém da sua turma, todos já tinham ido embora, mas... — Hesitou por um instante, antes de continuar. — Mas os funcionários, todos morreram queimados.

Seu frágil cérebro humano não processava tantas informações ao mesmo tempo. As dores diminuíram mas, mesmo assim, os questionamentos atormentavam a parte de trás de sua cabeça. Mesmo tentando, não conseguia ignorar tantas perguntas sem nenhuma resposta.

— Irmã Jô, vai ficar tudo bem — disse Abigail, abraçando sua irmã.

Aquele abraço a acalmou, mas não deletou todas as questões em sua mente.

 

***

 

Os dias se passaram e, mesmo não os esquecendo, os acontecimentos anteriores foram aos poucos deixados em segundo plano na mente de Yohane. A mudança foi realizada sem problemas, e as mulheres da família Pride foram de carro para Manhattan três dias após a explosão na lanchonete.

A nova casa ficava em um apartamento em frente a um cruzamento próximo do Central Park. Mesmo sendo movimentado, o local parecia ser agradável. E apenas o fato de estar à algumas ruas do parque deixava as três muito animadas.

Os móveis já tinham sido instalados no apartamento no dia anterior, então foi necessário apenas levar as roupas e pertences pequenos que coubessem no carro.

Assim que pararam em frente ao prédio, Emília pediu para Yohane descer e ir abrindo a porta enquanto deixava o carro no estacionamento. A jovem assentiu, pegou sua mala e entrou no prédio. Sua mãe seguiu com o veículo junto da pequena Abigail.

Logo na entrada do prédio, existiam alguns avisos e regras sobre os apartamentos. Coisas comuns que todos os prédios desse tipo tinham, mas um em especial chamou a atenção da jovem. A placa dizia “ursos não são permitidos.”

— É uma pena, não é? Logo eu, que tinha um urso de estimação desde os meus três anos, vim parar aqui.

Um jovem de cabelos castanhos na altura do pescoço e olhos verdes falou ao lado. A ruiva não tinha notado sua presença até ele se pronunciar. O que era no mínimo estranho, já que ele era alto o suficiente para fazer a garota e todo o seu metro e sessenta de altura olharem para cima.

— Se mudou hoje? — O jovem sorriu e a cumprimentou.

Ela acabou se impressionando com a beleza, a altura e o modo descontraído de agir do jovem. Isso a deixou encabulada e a fez enrolar a língua. Com o rosto corado de vergonha, apenas assentiu com a cabeça rapidamente. Ele deu uma risada calma e muito agradável, o que apenas fez a ruiva ficar ainda mais enrubescida.

— Certo. Eu também moro aqui então se precisar de alguma coisa, fico no duzentos e um. Meu nome é Adam.

Ela notou algo de familiar no jovem, mas antes que pudesse se pronunciar, Emília apareceu com duas malas grandes nos braços.

— Filha, eu não pedi para ir abrindo o apartamento? As malas estão pesadas.

— A Irmã Jô fez a gente carregar as malas mais pesadas! Que malvada! — exclamou Abigail, inflando suas bochechas.

— Desculpa, é que eu acabei encontrando esse... — a ruiva se virou por um segundo para responder sua mãe e, quando voltou seu olhar, o jovem não estava mais ali.

— Encontrou esse...?

— Esse... cartaz de proibido ursos...

A desculpa fez Emília rir, mas a confusão feita na mente da garota continuou. Adam tinha desaparecido com o vento em questão de poucos segundos e isso apenas aumentou a lista de coisas que a garota de sardas tinha para pensar a noite.

 

   Quando mãe e filhas terminaram de organizar o apartamento, o sol já estava se pondo. No horizonte, a grande bola de fogo se escondia e aos poucos dava lugar para as estrelas menores iluminarem o céu junto da lua. Com o clima agradável e a janta ainda incompleta, Yohane resolveu sair para uma rápida caminhada. Com isso, ela aproveitaria tanto para observar a cidade quanto para pensar sobre as perguntas sem respostas que assolavam sua mente.

A Manhattan noturna era um grande e belo show de luzes. As cores da Grande Maçã iam do vermelho ao lilás facilmente, e não haveria nenhum problema para um artista fazer um degrade arco-íris usando a ilha como base. Ela era linda, brilhante e atraente, e todos que andavam ali se sentiam como uma criança olhando para a maior árvore de natal do shopping. Yohane passou pelo Central Park e viu as luzes sendo refletidas no grande lago daquele considerado por muitos o oásis da região.

 

Pouco mais de uma hora depois de sair de casa, resolveu que já estava na hora de retornar. Sua mãe ficaria preocupada se ela demorasse mais. A ruiva voltou pelo mesmo caminho, mas como já estava suada e ofegante, foi caminhando.

— Adam...

Mesmo com dúvidas maiores, quem apareceu em sua cabeça naquele momento foi o jovem de olhos esmeralda.

— Bom, eu posso falar com ele a qualquer momento. Apartamento duzentos e... um, não é?

— Quem é ele?!

Uma voz masculina, claramente irritada, veio do beco logo atrás. Uma voz familiar, mas que não conseguia reconhecer. Dando alguns passos para trás, a garota viu no fundo do beco uma cena difícil de se observar. Um homem usando um moletom cinza estava pressionando contra a parede outro homem, claramente mais fraco. A vítima usava um terno e estava com o rosto totalmente ensanguentado.

A menina sardenta sentiu seu coração acelerar ao ver aquilo, provavelmente se tratava de um assalto ou acerto de contas, mas não havia nada que a ruiva pudesse fazer.

“Então por que eu estou indo até eles?!”

O corpo de Yohane se moveu sozinho, se aproximando cautelosamente daquela cena.

— Quem é ele?! — O homem de moletom deu um soco que fez a vítima cair no chão. — O acordo estava funcionando, não tínhamos casos com vocês há anos, mas vocês tinham que estragar tudo, não é?! — Uma joelhada forte no estômago fez o homem de terno cuspir sangue misturado com saliva e cair no chão. — Eu vou perguntar mais uma vez. Quem é...

— Ei! O que acha que está fazendo?! — Com toda a determinação que possuía em seu corpo pequeno, a garota se levantou de trás de uma lata de lixo e exclamou. Mas, pelo nervosismo, acabou rasgando levemente sua mão em uma lasca de metal, fazendo o sangue escorrer. — Merda!

Ela olhou diretamente para o rosto do homem de moletom e ignorou a dor da ferida.

— Adam?

Aquele rosto que só vira uma vez em toda sua vida fez seu corpo gelar. O mesmo jovem que agiu de forma tão descontraída e educada horas atrás estava ali, espancando alguém indefeso como se fosse o capanga de algum traficante.

— Esse cheiro... — A vítima falou com um tom de irritação.

— Ele está ficando mais forte! — exclamou o alemão.

A suposta vítima começou a se retorcer, indo contra Adam, que o pressionava contra o chão. Ele encarava diretamente a garota com olhos amarelados e pupilas finas, iguais as de répteis, como se preparado para dar o bote em sua presa.

— Um Puro... Um Puro!

A força com que ele se retorcia aumentou, deixando o outro sem muito controle. Então, em um movimento grosseiro com os pés, arremessou o jovem contra a parede e se levantou de quatro, como um animal. Após isso, pulou sobre Yohane e a cheirou como um cão. A jovem estava paralisada de medo.

Seu hálito fedia a peixe com alho, mas o mais assustador era que, de dentro de sua gengiva nasceram duas fileiras de presas, afiadas como as de um tubarão. Os caninos se destacavam, sendo os maiores entre os dentes, que já eram enormes.

— Sim... Sem dúvidas, você é um Puro! — disse, lambendo o sangue da mão da jovem.

— Olha, eu acho que você está se confundindo! Eu só sou uma garota qualquer do Texas!

— Não importa de onde você veio, pois hoje você será minha refeição.

O homem abriu totalmente sua boca cheia de presas e avançou salivando no pescoço da jovem. Mas antes que pudesse morder a ruiva, uma ponta esverdeada atravessou seu peito, rasgando seu terno e manchando de rubro a área ao redor do ferimento.

Antes que pudesse se virar para ver o que o tinha apunhalado, uma lâmina esmeralda rasgou seu pescoço num corte limpo, fazendo uma enxurrada de sangue cair sobre o rosto da jovem. O cadáver caiu no chão e sua cabeça rolou para o fundo do beco.

Foi uma cena que durou apenas dois segundos, mas Yohane observou em câmera lenta o ocorrido, deixando o choque em seu corpo, agora pintado de vermelho, ainda mais forte.

Quando a garota ruiva finalmente conseguiu sair do transe que fazia seu cérebro rodopiar, levantou seu tronco lentamente. E assim que se tocou que havia presenciado um assassinato a sangue frio, moveu seus lábios para gritar, mas não pôde fazê-lo. Uma mão rígida, onde se podia sentir calos, tampou sua boca e a impediu de emitir qualquer som.

— Não grite, ou vai acabar como aquele cara.

Uma voz ríspida, silenciosa, quase sussurrante e, ainda assim, tão assustadora quanto a cena presenciada anteriormente. O homem sorriu friamente enquanto segurava a ponta de sua lâmina contra a garganta da jovem.

— Vem comigo. Em silêncio, tá bom?

Que escolha tinha, além de concordar calada e torcer para não ser a próxima vítima daquele assassino? Foi isso que fez. Assentiu com a cabeça e tentou conter ao máximo a tremedeira que se espalhava por seu corpo.



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