A1 – Vol.2
Capítulo 36: Um aviso incompreensível
Magda ficou alguns minutos segurando a mão de Juliana nos escombros. Ninguém ousava dizer uma palavra; não sabiam o que dizer. E enquanto isso, o fogo se espalhava pela casa, fazendo a madeira da residência estalar. Em breve, tudo desabaria, precisavam sair dali com urgência.
— Se quiser mesmo encontrá-la, temos que sair daqui primeiro, Maggie — disse Tera, colocando a pata felpuda sobre a mão da amiga. — Você não vai vingar ninguém se for soterrada aqui. Vamos.
— Eles eram as pessoas mais puras e gentis desse mundo. Me aceitaram e me acolheram quando tudo que eu desejava era a morte… e agora, eu os deixei morrer.
— Não foi sua culpa.
— Eu decidi vir aqui, mesmo sabendo que estavam nos perseguindo. Eu preferi correr esse risco, achando que poderia protegê-los caso algo acontecesse. E olha aonde chegamos. Não sei se vou aguentar essa vida por mais tempo, Tera.
Os olhos de Magda estavam arregalados, as lágrimas secavam em seu rosto inexpressivo e indecifrável.
A raposa suspirou e olhou para os outros, que observavam a cena, sem saber como ajudar. Nem Hilda, que, dos três, era a mais próxima, conseguiu se pronunciar.
— Podem nos deixar a sós? — disse Tera, olhando para os três.
— C-Claro. Vamos, crianças — Hilda respondeu, apreensiva.
— Mas… — Yohane reagiu, mesmo não tendo motivo para ela continuar ali; queria ajudar, mesmo sem saber como.
— Vamos, Yohane. Tera é a única que Magda vai ouvir nesse momento. — disse a rainha, quase de imediato, colocando a mão nas costas da ruiva e a guiando para fora da casa junto de Adam.
Quando os três saíram, a raposinha soltou um longo suspiro e encarou os olhos arregalados e profundos de Magda. Aquela mulher a fazia lembrar de uma época já esquecida pelos homens, quando se isolou em uma caverna por uma de suas várias intrigas com seu irmão, Susanoo.
Amaterasu era imatura, introvertida e se isolava das pessoas com facilidade. Quando irritada, transformava em cinzas todos ao redor, portanto ninguém ousava contrariá-la. Entretanto, quando a deusa saiu de sua caverna e viu que milhares de pessoas morreram e que o mundo quase fora destruído por sua infantilidade, o remorso a perseguiu, fazendo-a abandonar sua forma divina como autopunição.
— Eu entendo o que você está sentindo agora, Maggie, mais do que ninguém. A família de Juliana era como se fosse nossa, e eu também estou furiosa. Juro a você, como amiga e como deusa, que nós vamos vingá-los, só que, até lá, você deve permanecer forte… e viva. — O abalo na voz de Tera estava claro, também estava sofrendo pelo incidente, mas tinha que permanecer forte e ajudar sua amiga naquele momento. Afinal, ela era uma deusa. — A missão não acabou, ainda temos que encontrar Astrid, e não vamos conseguir sem você. Agora se levanta e me mostra que você ainda é aquela mulher a quem devo minha vida.
Magda respirou fundo e limpou as lágrimas, olhando para a raposa ao seu lado com os olhos brilhantes. Não disse nada, não estava habituada a agradecer. Por sorte, não precisou. Tera a conhecia bem, e aquele olhar valeu mais do que mil palavras.
— Tem razão. — A mulher se levantou e estendeu os braços, pedindo para que a raposa subisse. — Vamos.
A raposa pulou nos braços da amiga, e as duas saíram da casa em chamas. Ainda em luto, porém, guardando a dor para mais tarde. Tinham um trabalho a fazer, afinal.
Assim que pisaram para fora, o fogo aumentou consideravelmente, impedindo que qualquer coisa entrasse ou saísse dali. O calor trazia tristeza; as chamas, dor. Mas tinham que continuar.
— Magda… — Hilda tentou dizer algo, mas hesitou. Não sabia o que dizer para a mulher, não naquele momento.
— Eu vou ficar bem. E temos uma prioridade maior agora: Astrid.
— O que faremos? — perguntou Adam. — Já que os responsáveis foram bruxos, não temos mais motivo para ir até a cidade dos Elfos Negros, certo?
— Errado — retrucou Vernichter, rapidamente. — Os bruxos que nos atacaram na estrada estavam usando uma magia élfica que só pode ser ensinada por outro Elfo Negro. Nem Hilda conseguiria replicar sem a ajuda deles.
— Então, de um jeito ou de outro, eles estiveram envolvidos — completou o alemão.
— Exatamente. Em breve vai amanhecer, e ainda temos que pegar um barco até Tjornuvik. De lá, seguiremos a pé e confrontaremos o rei deles, Griec. Não vou perder a Astrid, também.
E ela seguiu em direção ao norte, enquanto o horizonte tomava um tom azulado lentamente. Todos a seguiram em silêncio, respeitando o espaço de Magda.
Cerca de uma hora depois, chegando em uma pequena doca, Magda percebeu que apenas um barco não conseguiria aguentar todo o grupo. Por sorte, havia dois botes a motor ali, suportando duas pessoas cada.
— Hm… Hilda, você sabe usar esses barcos, certo? — perguntou Vernichter.
— Sim, era nosso principal meio de transporte em Alfheim — respondeu a Rainha, encarando os botes.
— Ótimo. Yohane, você vai na frente com a Hilda, liderando o caminho. Adam e Tera vão comigo logo atrás, garantindo que não estamos sendo seguidos de novo.
Yohane encarou o rio gelado e escuro, não conseguindo ver o fundo. Ela engoliu seco e deu um passo pra trás, relutante.
— Err… não tem um caminho seco, seguro, e que eu possa sentir meus pés tocando o chão?
— É feita de açúcar, ruiva? — disse Adam, pulando no barco junto da raposa.
— Não, idiota. Eu só… Ah, esquece. Mas se tiver um tubarão aqui, vocês que lidem com ele. — Entrou no barco, hesitante. Hilda colocou a mão em seu ombro, confortando-a.
— Tubarões não gostam das águas frias de Faroe. E baleias e golfinhos sempre ficam além da baía. Pode ficar tranquila, querida.
Yohane concordou, respirando fundo e tentando se acalmar. Depois que Magda entrou no barco, ela e Hilda ligaram os motores e zarparam. Hilda era quem sabia o melhor caminho, por isso foi na frente; além disso, Magda queria conversar com Adam a sós. Ver a morte da família de Juliana a fez pensar sobre sua própria família, despedaçada há anos por um inimigo que ela nunca esqueceu.
Após alguns minutos nas águas geladas, ela tentava começar uma conversa. Era uma mulher introvertida e tímida, que só saia de casa para fazer compras ou trabalhar com suas caçadas. Sua lista de amigos era pequena, e a de amigos em que confiava, era menor ainda. Mas, mesmo assim, engoliu sua timidez para falar com aquele que pensava ser seu irmão.
— Adam, sobre o que eu disse no apartamento…
— Irmã mais velha, né? Honestamente, Magda, podemos estar nos ajudando agora, mas eu não confio em você. A possibilidade de você ser uma inimiga querendo me confundir não me sai da cabeça e, até onde eu sei, você pode até estar trabalhando com o Luxúria.
— Espera um pouco, você tá falando do Asmodeus? Por quê?!
— Isso não importa… Só que estou atrás dele há dois anos e não encontrei nada. Enfim, se você for mesmo minha irmã, vamos falar com meu pai assim que resolvermos toda aquela confusão em Londres, e vocês vão ter muito o que me explicar. Mas, Magda, se você estiver tentando me confundir com esse papo emocional, fingindo ser minha irmã — encarou a companheira com um olhar frio, o brilho de seus olhos mostrando a raiva em seu peito —, eu juro que mato você.
Adam deu as costas para a mulher, não tinha mais o que falar. Não confiava nela e queria deixar isso bem claro. Ele encarou o barco da rainha e avistou os cachos ruivos de Yohane ao vento, fazendo-o lembrar daquela que perdeu pelas mãos do Pecado da Luxúria.
— Foi Asmodeus que separou nossa família, Adam, há quinze anos. Foi ele que me deu isso — falou, apontando para a cicatriz em seu rosto. Adam se virou de imediato, não acreditando naquilo.
Se fosse verdade, Luxúria estava ligado com sua vida muito antes de todo o incidente de dois anos atrás. E isso o deixou furioso.
— Então — prosseguiu Magda —, eu entendo bem o seu ódio por ele, pois ele destruiu a minha vida também. Quando as coisas se acalmarem, vamos falar com nosso pai. Ele também me deve uma explicação do porquê de você não se lembrar de mim, nem da nossa mãe.
O silêncio reinou. Hoffman não sabia o que dizer, após ser apresentado a possibilidade de que, talvez, não apenas seu relacionamento com Eve tenha sido destruído por Asmodeus, mas toda sua família também. Magda realmente poderia ser a irmã que nunca conheceu, e Marko poderia ter mentido sobre tudo. A mãe que sempre pensou que tivera o abandonado, deixado-o para trás... talvez seu pai tenha o tirado dela. E, afinal, quem era sua mãe? Todo esse assunto o fez perceber que seu pai nunca tinha dito muita coisa sobre ela. Sabia que seu nome era Taise, que tinha cabelos castanhos e olhos verdes como os seus. Porém, além disso, a mulher era um mistério total. Adam fez menção de perguntar mais sobre ela para Magda, no entanto, fora interrompido por um comentário nada sutil da raposinha branca.
— Huh, você e a Yohane são namorados?
— O quê?! Não! Óbvio que não, a ruiva é só minha parceira. E tem momentos que eu acabo virando babá dela.
— Então tá, Hoffman — debochou Tera. — Ah, esses mortais, sempre optando por mentir para si mesmos em vez de aceitar as próprias emoções.
— Eu vou jogar essa vira-lata no rio. — Adam cerrou os olhos para a raposa, que pulou no ombro da dona e mostrou a língua para ele.
— Magda! Viu alguma coisa?! — Um grito, vindo de alguns metros à frente. Era Hilda, querendo confirmar a situação.
— Está tudo bem! Ainda falta muito para chegarmos?! — Magda gritou de volta.
— Talvez mais quarenta minutos até Haldarsvík! Atracaremos lá e seguiremos a pé para não chamar a atenção!
— Me diz, Hilda — disse, Yohane. — Qual é a história entre você e os elfos negros?
— Ah, querida, começou antes mesmo da minha avó pensar em nascer — disse, observando o ambiente com cuidado. — Antes do Ragnarok, eles habitavam Svartalfheim, um reino sombrio, sem luz ou calor. Por isso, invejavam o nosso paraíso em Alfheim, e sempre nos atacavam para tentar tomar nossa casa. Era uma guerra constante entre mundos, e os deuses se recusavam a intervir. Odin dizia que Asgard não poderia escolher um lado, então tínhamos que nos cuidar sozinhos. Eu nasci nessa guerra, vi meus pais morrerem nela… A verdade é que o sangue só deixou de ser derramado quando o antigo rei deles morreu no Ragnarok. E, se não fosse por Thor, as duas raças teriam perecido.
— O Thor era tipo seu namorado?
Hilda sorriu, envergonhada.
— Ah, não. Eu não poderia ter a honra de ser a parceira oficial dele. Sif ocupava esse cargo. Eu era o amor proibido dele.
Os olhos de Yohane se arregalaram, com uma teoria formando-se em sua mente.
— Então a princesa Astrid é filha de Thor?
— O quê? — Hilda deu uma risada com a confusão da garota. — Eu também não podia ter um aesir como parceiro. O pai de Astrid era um guerreiro nobre, capitão da minha guarda real. Ele se sacrificou junto com seus mais nobres homens para segurar os Jotun, enquanto Thor usava os últimos resquícios de energia da Bifrost para nos enviar à Midgard.
— Ah… Espera, mas porque ele enviaria os elfos negros juntos? Eles não eram seus maiores inimigos?
— Sim. — Sua expressão se tornou fria, sendo possível ver a raiva em seus olhos ametista. — Até hoje desconfio que isso foi obra de Astrid; Thor e ela sempre se deram bem, então é provável que ela tenha pedido isso a ele. O porquê permanece um mistério pra mim.
Yohane sentiu-se próxima e Astrid. Nunca a conhecera, mas se ela realmente fizera isso, pedir pra que o seu maior inimigo fosse salvo, a princesa era alguém honrada o suficiente para a ruiva querer conhecer.
— Talvez ela tivesse esperança.
— O quê? — A rainha ergueu uma sobrancelha.
— Você disse que o antigo rei morreu, certo? Talvez Astrid tivesse esperança que, um dia, os elfos negros tivessem um líder bondoso, e que essa guerra entre os dois povos pudesse acabar.
— Nossa… você fala igual a ela. — Hilda estava impressionada. — Como consegue ver o lado positivo das coisas dessa forma?
— Ah, não sei. Acho que eu sou uma daquelas pessoas que veem o copo meio cheio, sabe?
A ruiva olhou para a elfa com um sorriso desengonçado. Seus cachos estavam desgrenhados pela noite, o que dava um ar jovial pra garota. Hilda viu a própria filha em Pride e sorriu de volta.
Momentos depois, o barco de Magda se aproximou, ficando lado a lado com o de Hilda. Vernichter estava nervosa, enquanto Adam parecia procurar por algo no rio, igualmente nervoso.
— O que foi, gente? — perguntou a ruiva.
Magda levantou o polegar na frente dos lábios pedindo silêncio e apontou para o rio logo atrás, em seguida.
Todos olharam, e Yohane quase caiu do barco com o que viu. Uma sombra sob a água, com dois fracos brilhos vermelhos, formando olhos assustadores, que encaravam as pequenas embarcações. A jovem de sardas começou a suar frio, enquanto Hilda a abraçava, tentando acalmá-la.
— Leviatã — falou Magda, numa voz baixa, porém audível.
— Como é possível? Ele não nada tão raso assim desde o Ness. E nunca apareceu em minhas águas — Hilda falou, assustada, enquanto os olhos continuavam a encarar.
— Águas dele, Hilda. Todas as águas desse planeta são dele. Mas você tem razão, ele não tem costume de sair das profundezas. Por via das dúvidas, vamos continuar, com calma.
— Não vamos enfrentá-lo? É o Inveja, porra! — exclamou Adam, irritado.
— O Pecado da Inveja… Um rei do inferno, Adam — retrucou Vernichter. — Quer mesmo enfrentar o Leviatã estando na água? Se ele quisesse, já teria nos devorado de uma só vez.
A água tremeu, balançando os barcos. Um som assustador, colossal e imponente foi ouvido, deixando todos em guarda.
— Não façam nada! — exclamou Magda.
A forma como o som chegava aos ouvidos, fazia-o parecer uma frase. Como se Leviatã quisesse dizer algo. Não era possível discernir, no entanto, para eles era apenas barulho. Um barulho alto, desconhecido e aterrorizante.
De repente, o brilho vermelho dos olhos desapareceu, à medida que a água ficava mais calma. Yohane estava hiperventilando, com o rosto completamente suado.
— Puta merda… — Adam sentou no barco bruscamente e olhou para a parceira no outro barco. — Ruiva, você tá bem?
— E-Eu… Eu falei pra irmos a pé! O que teria acontecido se aquele bicho tivesse atacado a gente?! — Yohane gritou, recuperando o fôlego.
— Estaríamos sendo digeridos em suco gástrico de peixe. E o Adam ainda queria atacar. — Tera encarou o alemão, lambendo a pata felpuda. — Ele parecia querer dizer algo.
— Eu também percebi, mas pensamos nisso depois. Temos que continuar. — Magda religou o motor e seguiu em velocidade baixa, deixando Hilda fazer o mesmo e ultrapassá-la. Todos seguiram o curso, tentando se acalmar.
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