Volume 3
Contato com o Anjo e Reação dos Outros
Após Mahiru declarar sua intenção de ter contato mais frequente com Amane, ela cumpriu sua promessa e começou a se aproximar dele com mais frequência. Inicialmente, isso se resumia a nada mais do que saudações e conversas casuais, para não chamar atenção desnecessária ou dar motivos para alguém pensar que ele poderia ser mais do que um amigo de um amigo. Mahiru estava claramente tomando muito cuidado para evitar qualquer interrupção súbita na vida diária de Amane.
Quando discutiam seus estudos, como frequentemente faziam os colegas de classe, eles não recebiam olhares de ciúme - em vez disso, os outros estudantes os olhavam com admiração. Nessas horas, Amane ficava grato por ser bom em estudar. Honestamente, era difícil acompanhar Mahiru, já que ela geralmente fazia o trabalho escolar do ano inteiro com antecedência, mas Mahiru era gentil o suficiente para ajustar a conversa ao nível de entendimento de Amane, para que pudessem desempenhar o papel de colegas comuns sem nenhum problema. Também ajudava que Chitose, Itsuki e, às vezes, até Yuuta, geralmente estavam com eles.
Da mesma forma que todas as pessoas se adaptam a mudanças graduais, Amane se acostumou a ter conversas leves com Mahiru sobre a vida diária, amigos em comum ou aulas, e quaisquer olhares de ciúme que poderiam ter sido dirigidos a ele por outros meninos desapareceram no fundo. Apenas os meninos que estavam apaixonados por Mahiru continuaram lançando olhares afiados para ele.
"Por que o Fujimiya...?"
Amane estava em sua carteira na sala de aula, olhando para seus livros didáticos, quando ouviu alguns meninos sentados perto dele cochichando com tom ressentido.
Até um momento atrás, Amane estava discutindo a lição de casa da aula anterior com Mahiru, e aparentemente os meninos os tinham visto.
Quanto ao motivo pelo qual Mahiru escolheu ter essa discussão com Amane, era porque simplesmente não havia muitas pessoas que pudessem acompanhá-la neste tópico. Chitose, sua amiga mais próxima, nunca se preparava para a aula, então não havia como ela realmente entender tudo o que deveriam estar aprendendo agora. Seu namorado, Itsuki, era o mesmo.
Portanto, quando se tratava de tópicos acadêmicos, era mais fácil conversar com Amane. Ele sempre se saiu bem nos estudos, e agora, com a orientação de Mahiru, ele se tornou um aluno ainda melhor do que antes. Este era o poder de Mahiru, o anjo.
"O que você quer dizer, 'por que eu'?", respondeu Amane em voz alta. "Eu, por acaso, sou capaz de acompanhar o que ela está dizendo. Não é como se estivéssemos tendo uma conversa intensa e apaixonada aqui."
Quanto às interações com Mahiru na escola, ocasionalmente havia pequenas conversas, mas a maioria delas era sobre seus estudos.
Mahiru parecia estar se aproximando dele gradualmente, para que ninguém suspeitasse de nada, e estava cuidadosa para não falar sobre nada que não compartilhassem colegas de classe normais. Eles estavam tendo conversas condizentes com estudantes exemplares, conversas sérias que não deixavam margem para dúvidas.
"Eu acho que provavelmente é verdade, mas..."
"Se você tem um problema com isso, vocês deveriam estudar e se juntar à discussão", continuou Amane. "Ter vocês me olhando com ciúmes é um grande incômodo. Estamos aqui para estudar."
"Hein, de jeito nenhum... Eu não entendo essas coisas... Eu já não tenho ideia do que vocês dois estavam falando..."
"Apenas leia o livro didático", repreendeu Amane. "Tudo o que estamos fazendo é olhar adiante no material que estamos aprendendo agora. Se isso é impossível para você, então não sei o que dizer, a não ser desistir agora."
"Isso é cruel..."
"Não me culpe pelo estado lamentável dos seus estudos. E, de qualquer forma, não sei o que vocês estão pensando, mas eu não sou tão próximo da Shiina."
Amane respondeu impassivelmente, e os meninos rangiam os dentes de frustração. Ele não era particularmente amigo de nenhum deles - na verdade, os via todos como inimigos que poderiam descobrir seu relacionamento com Mahiru - então não sentia obrigação de ser excessivamente complacente.
Mahiru estava começando com conversas leves e casuais como uma maneira de gradualmente se tornar amiga dele abertamente na escola. Isso significava que falavam muito sobre os estudos, mas mesmo que esses outros meninos estivessem no topo das notas, ele duvidava que ela fosse se tornar amiga de qualquer um deles.
Amane fez o seu melhor para parecer completamente desinteressado, mas os dois meninos que estavam falando com ele o olharam com suspeita.
"Você... você não parece incomodado pelo fato de você e a Shiina só falarem de coisas da escola..."
"Você não tem interesse no anjo, Fujimiya?"
"Não, no Anjo não."
Amane não havia se apaixonado pelo "Anjo". Isso não era mentira.
Aquela que ele amava não era o “Anjo”— era a verdadeira Mahiru, o lado que só era permitido a ele ver. Ele amava Mahiru, que podia ser irritantemente teimosa e sarcástica, mas também sensível e tímida, que tendia a perdoá-lo, que tinha uma tendência a se sentir sozinha e que às vezes parecia tão frágil que ele temia que ela pudesse se quebrar em um milhão de pedaços.
Segundo Mahiru, a persona do Anjo era como um uniforme de combate que ela vestia para sair, uma armadura que usava para proteger seu interior vulnerável. E não era como se ele amasse a armadura. Claro, depois de tudo, isso não mudava o fato de que ele gostava de Mahiru, mas era por mais do que apenas sua fachada pública.
Os dois meninos agora pareciam suspeitos de quão prontamente Amane havia encerrado essa linha de questionamento. Ele rejeitou sem hesitação a ideia de que estava interessado no Anjo, e eles o olharam incrédulos.
"...Você está me dizendo que você não acha que ela é fofa, Fujimiya?"
"Sinto desapontá-los, mas também não tenho interesse em meninos. Olha, eu tenho olhos. Não é que eu não ache ela fofa - quero dizer, ela é obviamente muito bonita e tem uma boa personalidade. Mas isso não significa que eu tenha que me apaixonar por ela ou algo do tipo."
"Então do que você gosta, Fujimiya?!"
Os meninos fizeram barulho insatisfeito, fazendo com que seus colegas olhassem para eles, o que foi ligeiramente constrangedor.
Deixando de lado o fato de que ele estava realmente apaixonado por Mahiru, Amane não entendia o raciocínio de que só porque havia uma garota bonita, gentil e perfeita por perto, ele, como membro do sexo oposto, deveria estar apaixonado por ela. Se isso fosse verdade, não seria todo garoto da escola que estaria apaixonado?
Apenas olhando ao redor da sala de aula, era claro que nem todos os meninos estavam loucamente apaixonados por Mahiru. Havia pessoas que a apreciavam como se aprecia uma obra de arte, e havia muitos meninos que estavam apaixonados por outras garotas. Claro, isso não mudava o fato de que ela era extremamente fácil de idolatrar.
"Deixa eu perguntar: o que vocês gostam no Anjo?", murmurou Amane com alguma exasperação, e as expressões dos dois meninos ficaram animadas, como se finalmente estivessem interessados.
"Ela é super fofa, e legal com todo mundo, e tão arrumada e delicada, e ela pode fazer qualquer coisa! Não seria incrível tê-la como sua namorada?"
"Hum... é...," Amane murmurou. Ele sabia o que eles estavam tentando dizer, mas deu a eles um olhar cético, questionando se essas eram razões suficientes para amá-la.
"Ela é realmente linda, e sua figura é ideal também. Como um anjo de um devaneio diurno ou algo assim. Quer dizer, ela é um anjo, mas..."
"Não é apenas que ela é fofa e tem uma boa personalidade; sério, ela pode fazer qualquer coisa que tente. Até a sua figura é extraordinária. Embora normalmente seus atributos estejam escondidos sob o uniforme... Mas acredite em mim, ela fica incrível com seu uniforme de ginástica. Impressionante."
"Isso... é loucura mesmo", murmurou Amane.
"Eu gosto de garotas planas como a Shirakawa também, mas cara, você sabe, garotas com peitos grandes são as melhores. É o sonho de todo cara."
"Vocês estão sendo rudes. Acho que seria melhor se todos vocês se calassem agora, pelo bem de todos."
Amane de repente estava em um péssimo humor.
Ele podia sentir os olhares afiados direcionados em sua direção de todos os cantos da sala, e mesmo sabendo que não estavam exatamente focados nele, era o suficiente para fazer seu sangue gelar. Amane não precisava olhar para saber quem estava lhe dando os olhares mais furiosos. Ele não estava ansioso para lidar com isso mais tarde.
A última coisa que Amane queria era que as pessoas o incluíssem nesse grupo com esses dois imbecis, então ele fez questão de voltar sua atenção para o livro didático. Deixando seus olhos deslizarem sobre o material do curso que ele havia discutido com Mahiru anteriormente, ele suspirou suavemente para os dois tolos ao seu lado, que haviam começado uma conversa particularmente vulgar, mesmo para garotos do ensino médio.
"...Você sabe, eu realmente não acho que a Shiina vai dar uma segunda olhada em você se continuar falando sem parar sobre seus desejos em público."
Amane achava que a maioria das garotas provavelmente não apreciava um cara que participava desse tipo de conversa suja. Ainda mais se elas tivessem plenos dotes.
Além disso, ele sabia que Mahiru não apreciava quando alguém se aproximava dela apenas por sua aparência física. Na verdade, era provável que a afastasse se suspeitasse que estavam interessados apenas em seu corpo.
Quando Amane olhou para onde Mahiru estava sentada, ele sabia que as garotas devem ter ouvido, porque Mahiru estava acalmando o braço de Chitose, tentando acalmar a raiva de sua amiga.
Itsuki às vezes provocava Chitose em particular, mas isso era entre os dois. Se algum estranho começasse a falar casualmente sobre o corpo dela, ela tinha todas as razões para ficar furiosa.
A expressão angelical de Mahiru nunca vacilou enquanto ela confortava sua amiga, mas Amane sentiu de alguma forma que ela também parecia zangada.
Eu não disse nada, porém...
Em sua mente, Amane ofereceu essa explicação a Mahiru, então afastou a conversa de seus dois chatos colegas do sexo masculino ao focar em seu livro.
O par parecia não se importar com os olhares sujos que estavam recebendo, e Amane não sentiu a obrigação de interferir. Ou, mais precisamente, ele já havia tentado impedi-los e eles continuavam mesmo assim.
Amane soltou silenciosamente outro suspiro pesado quando os garotos começaram a falar sobre o quão incrível a anjinha era.
O Anjo provavelmente só é o Anjo porque caras como vocês agem assim.
Ele não expressou o pensamento. As palavras apenas rolaram em sua boca e desapareceram sem nunca sair.
"...Um, Senhorita Shiina?"
Naquela noite, Mahiru foi até o apartamento de Amane como de costume, mas ela estava usando uma expressão tempestuosa. Ela estava agindo de maneira tão diferente que ele a chamou involuntariamente pelo sobrenome.
"O que foi?"
A resposta dela foi curta. Ela estava definitivamente chateada com alguma coisa.
Ver Mahiru, que era fundamentalmente gentil e tolerante, tão incomodada, deu a Amane um pouco de dor de estômago.
"O que te deixou de mau humor?"
"Não estou de mau humor."
"...Não, com certeza você está."
"Não estou."
Mahiru estava sentada ao lado dele no sofá, sua expressão inalterada. Não era exatamente óbvio que ela estava com raiva, mais como se estivesse exalando desprazer. Talvez fosse mais preciso dizer que o ambiente ao redor dela parecia áspero.
Amane lutou para pensar no que poderia estar a irritando e, em seguida, lembrou-se de que ela o viu conversando com seus colegas de classe mais cedo naquele dia.
"...Ah, talvez você ache que eu me juntei àqueles caras discutindo sobre sua figura?"
Se Mahiru achasse isso, ele poderia entender por que ela estaria chateada. Provavelmente não era muito agradável imaginar a pessoa com quem você está sentada babando sobre seu corpo.
Mahiru tinha ficado tensa com as palavras de Amane, então sua conjectura provavelmente estava correta.
"Você nos ouviu, não é?"
"Sim, bem, eu... ouvi aquela parte da conversa, mas..."
"Desculpe. Isso deve ter sido terrível para você ter que ouvir."
"Não, eu, hum... estou acostumada a ouvir comentários sobre minha aparência, e não é a primeira vez que alguém fez comentários diretos sobre a minha figura, então foi mais como 'Ah, entendi'."
Mahiru estava se comportando como o Anjo por muitos anos, e sua declaração era típica de uma garota que nunca deixava de se esforçar para manter sua boa aparência.
No entanto, pela maneira como Mahiru disse isso, Amane pôde perceber que ela já tinha sido vítima de assédio antes, e ele se sentiu envergonhado de pertencer ao mesmo gênero que alguém que seria tão grosseiro.
"Bem, fiquei chocado que eles tiveram a audácia de dizer essas coisas em um lugar com garotas por perto. Quero dizer, as preferências deles são problema deles, mas se eles tivessem que ficar tão excitados assim, você pensaria que teriam a decência de pelo menos fazer isso em algum lugar privado. Não consigo nem imaginar dizer esse tipo de coisa na frente de todas aquelas pessoas."
"Com toda a certeza."
Os rapazes deveriam ter pensado sobre o momento e o lugar, mas claramente não o fizeram. Foi inapropriado para eles terem uma conversa desse tipo onde outras pessoas pudessem ouvir. Na verdade, no que diz respeito a Amane, era indecente falar sobre esse tipo de coisa de qualquer maneira.
"Notei que você ficou incomodado com o que eles disseram, Amane, e pude ouvir que você não se juntou a eles. As outras garotas também ficaram impressionadas."
"Ufa, que alívio... Você sabe que eu não quero me envolver com isso."
"... Contrariamente, isso me deixou um pouco preocupada. Talvez você se concentre um pouco demais em ser sempre um cavalheiro... e não o suficiente em se lembrar de que você é um homem."
"Não é um pouco duro?"
Ele se sentiu irritado porque seus colegas de classe, e até Mahiru, duvidavam de sua masculinidade.
"É a verdade", ela disse, virando-se. Ela ainda dava sinais de estar um pouco chateada com algo, e quando percebeu que Amane estava franzindo a testa, abraçou uma almofada nos joelhos. "... Aparentemente você não me considera muito atraente, o que prejudica minha confiança."
"E o que, exatamente, a levou a essa conclusão?"
Ela deve ter ouvido ele dizer que não tinha interesse no "Anjo".
"Espere, o que eu disse foi que não tenho interesse no 'Anjo'. O 'Anjo' é o personagem que você interpreta na escola, certo? O que eu quis dizer é que, mesmo que eu tenha interesse em Mahiru, eu não tenho muito interesse em Mahiru fingindo ser o 'Anjo'. Acho que parece ser um papel difícil; é só isso."
"... Então você me acha atraente?"
"Eu teria que ser cego para pensar o contrário. Você é incrivelmente bonita. Como a pessoa que está mais frequentemente ao seu lado, posso assegurar isso."
Amane não conseguia imaginar como alguém poderia ver isso de outra forma. Depois de passar tanto tempo com Mahiru, ele conheceu muitas facetas diferentes de sua personalidade e passou a ter grande afeição por ela. Seu amor por ela só aumentava e nunca diminuía. Isso por si só era prova de que ela era atraente.
Enquanto Amane falava, Mahiru começou a beliscar nervosamente o tecido da almofada que estava segurando. Ela não conseguia olhar nos olhos dele.
"S-se for verdade, então está tudo bem, mas..."
Mahiru se contorcia e acenava como se estivesse hesitando em dizer algo, e depois enterrou o rosto na almofada. Suas orelhas estavam vermelhas, espreitando por baixo do cabelo loiro, e era muito óbvio que ela estava envergonhada.
Quando ela ficava assim, ele sabia que a única coisa a fazer era dar-lhe algum espaço, então Amane se virou, apoiando-se no braço do sofá.
Ele sabia que, se não se acalmasse, Mahiru com certeza veria isso em seu rosto quando se recuperasse.
... Se isso a envergonha tanto, ela poderia simplesmente não dizer nada.
À medida que os dois consideravam suas palavras, Amane deixou escapar um suspiro, tão silencioso que Mahiru não podia ouvir.