Volume 1
Passando o Natal com Todos
“Ei, Amane, podemos fazer uma festa de natal em seu apartamento?”
“Nope.”
A proposta foi imediatamente rejeitada, e a Chitose estufou as bochechas para deixar evidente sua decepção óbvia.
A véspera de natal estava se aproximando rapidamente, mas como o Amane vivia separado de sua família e era solitário por natureza, o feriado não tinha nenhum significado real. Ainda assim, Chitose e Itsuki pareciam interessados em passar o dia com ele e vieram perguntar se ele queria fazer uma pequena comemoração.
Chitose havia desviado de seu caminho para invadir a sala do Amane e Itsuki na hora do almoço com a ideia, e agora ela estava com as bochechas inchadas por causa da recusa quase instantânea do Amane.
“Vamos, Amane,” Itsuki se inclinou. “Você está sozinho de qualquer forma… ah, a menos que talvez haja uma namorada na cena?”
“Não, não há.”
“Bom, então, está tudo bem!” Chitose interveio. “Ou pode ser que secretamente você odeia a gente?”
“Bem, se o Amane nos odeia, então eu acho que também não precisamos dele,” Itsuki acrescentou.
Do seu próprio jeito, seus amigos provavelmente estavam expressando sua preocupação por ele. Havia também a possibilidade de que eles estivessem procurando um lugar onde pudessem relaxar e flertar. Amane se sentiu mal por recusá-los, mesmo quando eles fizeram uma cara de decepção exagerada para ele. Na verdade, eles não os odiava.
No entanto, isso não quer dizer que o Amane não tenha preocupações. Primeiro foi o pensamento de como os dois agiriam em um ambiente privado. Amane podia sentir o constrangimento tomando conta dele só de pensar na intimidade sem vergonha do Itsuki e da Chitose. Além disso, havia o fato de que ele teria que explicar as coisas para a Mahiru. Ela teria que ficar longe até que os amigos do Amane fossem embora, e ele teria que ter muito cuidado ao encobrir qualquer evidência de suas visitas frequentes.
“Tudo bem. Eu entendi, eu entendi. Dia 24, né? No entanto, eu tenho uma condição: Vocês tem que me liberar antes do anoitecer e ir a outro lugar juntos para terminar seus flertes. Irei lembrá-los de que o contato físico excessivo é proibido no meu apartamento.” Com a concessão do Amane às exigências do casal, o rosto da Chitose se iluminou com um sorriso.
“Acho que não há nada que possamos fazer com relação a essa regra. Tenho certeza de que podemos encontrar uma solução,” ela disse.
“Quem você pensa que é para dizer coisas tão arrogantes?” Amane rapidamente agarrou uma das bochechas da Chitose e beliscou.
“Ai! Ai! Ai!” ela balbuciou. “Itsukiii, o Amwane ewstá sendwo mwau comwigo”
“Ei, Amane, não maltrate a Chi! Apenas eu posso beliscar as bochechas dela,” Itsuki disse.
“Tudo bem, tudo bem; belisque-a muito bem para mim, então,” Amane respondeu.
“Deixe comigo.”
“Não se atreva!” Chitose chorou.
Amane confiou ao Itsuki a execução da sentença, mas, como era de se esperar, ele e a Chitose transformaram isso em mais uma desculpa para flertar. Em instantes, os dois começaram a brincar, beliscando o rosto um do outro de forma divertida.
Agora, a Chitose parecia realmente feliz por estar sendo beliscada.
Amane encolheu os ombros. “...Posso ir embora?”
Esta era a sala de aula do Amane, mas ele queria se distanciar um pouco do casal amoroso antes que eles ficassem ainda mais insuportáveis.
“De jeito nenhum! Temos que fazer planos adequados. Precisamos providenciar uma comida e um bolo!”
“Eu não estou fazendo nada.”
Não havia como o Amane preparar uma ceia de natal. Mahiru poderia lidar com isso, sem problemas, mas não havia absolutamente nenhuma maneira de conseguir a ajuda dela dessa vez. Por isso, o Amane rapidamente descartou a ideia, insistindo que seria impossível para ele cozinhar. No entanto, a Chitose não parecia convencida e estava olhando para ele de forma estranha.
“O quê?” Amane perguntou.
“Eu apenas estava pensando que você parece muito saudável para alguém que não sabe cozinhar,” Chitose disse.
“Então? Qual é o problema?”
“Bom, sabe, Chi, o Amane tem suas próprias razões para isso,” Itsuki comentou.
“Huh, bem, você não quer saber sobre eles também, Itsuki?”
“Eu vou fazer ele confessar mais tarde.”
“Eu não vou te contar nada.”
Amane olhou para o Itsuki como se dissesse a ele para não fazer promessas que não poderia cumprir, e ele riu alto, de forma forçada. Itsuki sabia quando deixar as coisas acontecerem, mas ele tinha um péssimo hábito de desenterrar coisas antigas em momentos bastante inoportunos.
“Vocês são realmente um saco…,” Amane murmurou. “Bem, para o jantar, não podemos pedir comida para viagem ou algo assim? Teremos que pedir o bolo, se quisermos um.” Tentando se afastar de seus próprios assuntos que o casal parecia tão ansioso para se intrometer, ele fez uma proposta pragmática.
Não havia como ele fazer um bolo ou preparar uma refeição sozinho, então, providenciar comida pronta parecia ser o caminho certo a seguir.
“Ah, tudo bem então, vamos comer pizza! Eu irei reservar um bolo no meu lugar de sempre; eles ainda estão recebendo pedidos!” Chitose declarou.
“Você não quer frango?” perguntou seu namorado.
“Você gosta mais de pizza, não é, Itsuki?”
“Verdade, verdade. Essa é a minha Chi; você me conhece melhor.”
“Eh-heh-heh…”
Embora os dois pombinhos tenham decidido o que comer sem discutir com o Amane, ele não se importou com a pizza. Algo assim fez com que parecesse mais uma festa de qualquer maneira. Pelo jeito que as coisas estavam indo, eles provavelmente pegariam algumas pizzas para viagem na loja que o Amane e o Itsuki visitavam com frequência.
No momento em que o Amane ouviu a palavra pizza, ele se lembrou da Mahiru— e de quando ela mordiscou a pizza como se fosse um animalzinho. Amane achou aquilo estranhamente encantador, provavelmente porque ele geralmente a via comendo com tanta elegância. Pensando bem, ele também tinha feito a Mahiru comer bolo no outro dia. As bochechas do Amane brilharam calorosamente quando ele se lembrou disso.
Eu não farei nada assim novamente, o Amane jurou a si mesmo.
Tinha sido tão embaraçoso alimentar um ao outro; não havia como o Amane suportar uma repetição disso. Mahiru e Amane não eram um casal afetuoso como o Itsuki e a Chitose, portanto, a oportunidade nunca deveria surgir novamente de qualquer maneira.
“...Ei, Amane, o que está acontecendo?”
“Oh, não, nada. Beleza, vamos deixar o pedido do bolo por sua conta.”
Amane havia mergulhado em algumas lembranças embaraçosas por um momento, e a Chitose começou a olhá-lo com uma expressão de preocupação, confusa. Em pânico, o Amane afastou os pensamentos agitados de sua mente e fez o possível para agir com naturalidade.
“Muito bem! Vamos fazer nosso pedido de pizza também!” ele disse, um pouco mais agitado que o normal.
Com a voz animada da Chitose ainda ecoando em seus ouvidos, o Amane voltou para casa e decidiu perguntar a Mahiru sobre seus planos para o natal.
“Planos para o natal? Eu realmente não tenho nenhum,” Mahiru respondeu rapidamente do seu lugar no sofá. Amane fez a pergunta depois de terminar de lavar a louça e se juntar a ela na sala de estar. Ele estava confiante de que a Mahiru iria a uma festa das garotas, mas, aparentemente, ela não tinha nada programado. Talvez a surpresa do Amane tenha transparecido, porque a Mahiru fez uma cara de irritada para ele.
“Basicamente, todas as garotas que conheço e a maioria das minhas colegas de classe têm namorados para sair. E eu sempre recuso todos os garotos que me convidam para sair, então minha agenda está totalmente aberta,” ela explicou.
“Quebrando todos os coração, não é?”
Sempre que ela estava em público, a Mahiru mantinha a guarda alta, e qualquer pretendente esperançoso com certeza acabaria se afogando em suas próprias lágrimas quando ao se deparar com as defesas inexpugnáveis do anjo.
Mesmo assim, o Amane tinha que respeitar quem tinha coragem de convidar a Mahiru para sair. Ninguém seria capaz de fazer uma coisa assim sem ter muita autoconfiança, e o Amane admirava esses tipos otimistas.
“...Por que será que os garotos querem tanto passar o natal comigo?” Mahiru se perguntou em voz alta.
“Eles provavelmente estão esperando conhecê-la melhor,” Amane explicou.
“Para quê?”
“Quero dizer, porque eles querem namorar você?”
“E por que eles gostariam de me namorar?”
“...Provavelmente para fazer todos os tipos de… coisas que as pessoas que namoram fazem.”
“Que obsceno.”
Amane fez uma oração silenciosa por todos os garotos que tinham acabado de ser descartados sem piedade. “Bom, eu não acho que todos eles são assim, então não seja tão desconfiada. Tenho certeza de que você entende que é o tipo de garota que atrai todos os olhares.”
“Você está certo. É improvável que todos eles estejam tendo pensamentos obscenos. Afinal, você não é assim, não é, Amane?”
“Alguma vez eu já a tratei dessa maneira?” Amane certamente achava a Mahiru fofa, ou tinha vontade de passar a mão na cabeça dela, mas nunca tinha chegado ao ponto de fantasiar uma intimidade com ela. Se algo desse tipo alguma vez passasse pela mente dele, o Amane tinha certeza de que a Mahiru provavelmente notaria e se afastaria dele.
Foi apenas porque a Mahiru viu o Amane como um cachorrinho inofensivo que ele pôde se sentar ao lado dela. Exibir sequer uma presa poderia ser o suficiente para fazê-la sair correndo. As necessidades do estômago do Amane eram mais importantes em sua mente do que outros apetites, então ele não tinha intenção de comprometer seu relacionamento com a Mahiru.
“Eu suponho que você está certo. Você nunca pareceu ter qualquer interesse em mim desde o início, Amane”
“Hum-hum.”
“É por isso que eu confio em você.”
“Bem, obrigado por isso.”
Como homem, o Amane não tinha certeza de como se sentia sobre os motivos da Mahiru confiar nele, mas por enquanto, ele decidiu que estava tudo bem em ser o “cara seguro.”
“...Então, Amane, você tinha algo em mente quando me perguntou sobre meus planos para o natal?” Mahiru perguntou.
“Hmm? Ah, na tarde do dia 24, o Itsuki e a Chitose virão para cá, então pensei em avisá-la que nosso jantar habitual talvez tenha que começar mais tarde.”
Depois de voltar ao assunto original da conversa, o Amane explicou cuidadosamente a situação, enquanto a Mahiru concordava com a cabeça.
“Eu entendi. Por favor, me chame assim que sua festa de natal terminar, e eu farei o jantar. Irei tentar cuidar da preparação antecipadamente,” Mahiru disse.
“Claro; me desculpe por tudo isso.”
“Está tudo bem. Se divirta.”
“...Você não vai se sentir sozinha?”
“Eu costumo passar o natal sozinha.”
“A atitude casual da Mahiru em relação a passar o feriado sozinha pareceu um tanto deprimente para o Amane. Talvez os pensamentos sobre o natal tenham lembrado a Mahiru de seus pais, porque uma pequena risada autodepreciativa escapou.
“...Ah, um, isso é realmente presunçoso da minha parte dizer, mas… mesmo que eu não possa passar a véspera de natal, que tal passarmos o dia de natal juntos?” Amane se sentiu extremamente desconfortável ao fazer esse tipo de sugestão. Ele não tinha nenhum motivo oculto em particular, mas o fato de duas pessoas se reunirem em um feriado geralmente trazia uma certa implicação.
Não há nenhum significado especial nisso, disse o Amane a si mesmo. Só que ele odiava quando a Mahiru parecia tão solitária; apenas isso.
Surpresa, a Mahiru piscou rapidamente diante da sugestão. “Juntos? Fazendo o quê?” ela perguntou.
“Huh? Ah, bem, eu realmente não tinha nada em mente. Desculpe.” Agora que era óbvio que ele não tinha um plano, o Amane achou que deveria abandonar o assunto. Havia também a consideração de que sair juntos significava correr o risco de serem flagrados por alguém da escola. Isso seria um grande problema para o Amane e a Mahiru.
A melhor opção seria passar o tempo no apartamento, mas provavelmente não havia nada no apartamento do Amane que pudesse interessar a Mahiru. Provavelmente, isso se resumiria a ficarem sentados um ao lado do outro, sem fazer nada, o que provavelmente seria incrivelmente estranho.
Se isso era tudo o que o Amane podia oferecer, ele suspeitava que provavelmente seria melhor passar o dia separados. Enquanto ele se preparava para retirar sua proposta, ele percebeu que a Mahiru o estava encarando em silêncio.
“...Certo. Eu gostaria de experimentar isto,” Foi inesperado, mas a Mahiru realmente parecia interessada.
Seu dedo fino estava apontando para a televisão. Para ser mais preciso, ela apontava para o console de jogos que ficava dentro do suporte da TV.
Recentemente, a Mahiru estava visitando o apartamento à noite, por isso o Amane não tinha ligado muito o sistema, mas parecia que a Mahiru estava curiosa sobre ele.
“Eu nunca usei uma dessas coisas…,” ela confessou em voz baixa.
Amane não tinha nenhuma razão concreta para recusar a Mahiru se ela quisesse jogar, mas a ideia de um garoto e uma garota que não estavam namorando nem nada passarem o dia de natal juntos jogando videogame era um tanto surreal. Mesmo que ele não estivesse esperando nada romântico, era normal que a ideia desse origem a uma mistura confusa de emoções.
“Oh, bom, tudo bem, mas… está tudo bem? Passar o dia jogando?” Amane perguntou.
“Há algo errado com isso?” Mahiru respondeu com sua própria pergunta.
“Eu acho que não, mas…”
“Bem, então vamos em frente com isso.”
“C-claro.”
Ótimo, eu acho que é isso que estamos fazendo…
Como era isso que a Mahiru queria, o Amane resolveu fazer tudo o que pudesse para garantir que tudo isso acontecesse. Ele queria pelo menos dar a ela esse modesto prazer. Mahiru estava sempre cuidando dele e quase nunca pedia nada, então ele a deixaria jogar o que quisesse, desde que tivesse em sua coleção. Não é como se ele tivesse algum plano para o dia de natal de qualquer forma, então esse era um pequeno preço a pagar pelas fantásticas habilidades culinárias da Mahiru.
“Tudo bem, podemos ter um dia descontraído que não tenha nada a ver com o natal ou o que quer que seja,” Amane declarou.
“Então está decidido,” Mahiru respondeu.
Amane achou difícil olhar diretamente para o rosto sorridente da Mahiru, então, em vez disso, ele acenou com a cabeça e se virou enquanto fazia o possível para parecer despreocupado.
“Feliz natal!”
A véspera de natal chegou antes que percebessem.
A escola já havia terminado para as férias de inverno e todos provavelmente estavam passando o dia se divertindo. Itsuki e Chitose apareceram no apartamento do Amane, com suprimentos para a festa em mãos, por volta da uma da tarde.
Na mesa, a pizza e o suco que eles haviam pedido para entrega já estavam dispostos. Na verdade, os três haviam planejado se encontrar um pouco mais cedo, mas as multidões de natal atrasaram tudo e colocaram todos em atraso. Felizmente, era apenas uma hora depois do meio-dia, e o Amane não estava esperando há muito tempo, então ninguém parecia tão incomodado.
“Sim, sim, feliz natal,” Amane respondeu.
“Amane, você não pareceu muito animado! Tente de novo,” Chitose instruiu.
“Feliz natal!”
“Você está dizendo as palavras muito bem, mas não está realmente no espírito, está?”
Amane não gostava de ser comparado a Chitose, que era muito agitada por natureza.
Percebendo que ela estava mais agitada do que o normal, o Itsuki fez o possível para acalmar a Chitose. Ele deu um sorriso irreverente, mas ainda caloroso, para a sua namorada.
“Vamos, não precisamos nos preocupar com isso. Vamos para a parte de comer, para a parte de se divertir e depois dormir,” Itsuki disse.
“Você não pode dormir aqui, idiota,” Amane exclamou.
“Caramba, apenas estou brincando. Além disso, se eu for dormir, vou para a casa da Chi.”
“Você vai ter que fazer isso quando os pais dela não estiverem por perto.”
“Huh, Amaneee! Que tipos de coisas pervertidas você está pensando?!” Chi gritou. Ela estava sorrindo, mas o Amane não respondeu. Em vez disso, ele foi até a cozinha pegar alguns copos e utensílios. Fazendo beicinho, a Chitose pareceu brevemente desapontada com essa falta de reação, mas logo o seguiu, gritando que iria ajudar.
A cozinha estava, naturalmente, limpa e arrumada, com tudo em ordem. Mahiru havia transformado o local em seu território ultimamente, de modo que todas as ferramentas e temperos estavam alinhados para facilitar o acesso.
“Uau, está mais limpo do que eu esperava,” Chitose comentou.
“Muito obrigado,” Amane respondeu de forma indiferente. Ele pegou pequenos pratos para porções individuais e alguns copos de um armário da cozinha. Quando ele tentou entregar metade para a Chitose, ele a encontrou olhando fixamente para o armário.
“...O que foi?” Amane perguntou.
“Nada!” ela respondeu apressadamente.
Amane sentiu algo desonesto por trás do sorriso malicioso da Chitose, e um arrepio percorreu suas costas. No entanto, o melhor a fazer, por enquanto, era ignorá-la completamente, então o Amane fez o possível para agir como se nada estivesse errado. Ele tinha a terrível pressentimento de que a Chitose estava preparando algum mal-entendido elaborado, mas como ela não tinha dito nada, o Amane não tinha certeza do que poderia ser.
Fazendo uma careta, o Amane e a Chitose voltaram para a sala de estar, onde o Itsuki estava esperando. Estava ficando muito claro que a Chitose estava com um humor ainda melhor do que quando chegou.
“Mas, falando sério, seu apartamento está super limpo. É tão grande e luxuoso,” Chitose murmurou. Os três amigos já tinham quase terminado de comer. Eles estavam ouvindo música natalina pelos alto-falantes da sala de estar.
Não havia muito o que o Amane poderia dizer em resposta ao comentário da Chitose. Ele estava morando em um bom apartamento porque seus pais estavam pagando por isso, e o lugar só era tão limpo porque a Mahiru o ajudava a mantê-lo assim. Depois de considerar isso, tudo o que o Amane pôde dizer foi “Sim, obrigado.”
“É impressionante como o lugar parece muito melhor agora que está limpo…,” Itsuki observou.
“Cale a boca…,” Amane rebateu.
“Sim, sim, eu sinto o cheiro de uma garota!” Chitose acrescentou.
“Como você conseguiu chegar a isso?” Amane não tinha ideia de como a Chitose havia feito a conexão entre seu apartamento limpo e uma presença feminina.
“Hmm? Chame isso de intuição feminina. Em termos de personalidade, a maneira como tudo está organizado é um pouco estranha para você. Há algo na maneira como os livros são alinhados e como os cordões são reunidos para evitar que fiquem emaranhados ou rasgados. Além disso, há todos os tipos de utensílios de cozinha na cozinha que parecem não pertencer a você, Amane.”
“...Eles são da minha mãe,” Amane mentiu.
“Hmm?”
Preventivamente, o Amane enfiou todas as coisas da Mahiru no fundo de um armário, mas a Chitose deve tê-las visto quando o Amane estava pegando os pratos.
Apenas os talheres do Amane não eram suficientes, então a Mahiru trouxe algumas coisas de seu apartamento, mas o Amane não esperava que a Chitose notasse. Para o bem ou para o mal, ela não era o tipo de pessoa que costumava prestar atenção a esses detalhes.
“Bom, não é como se importássemos muito, certo, Itsuki?” A resposta do Amane foi suspeitamente lenta. Sentindo um significado mais profundo nisso, a Chitose se inclinou para o Itsuki, sorrindo.
De maneira descontraída e sem hesitação, o Itsuki estendeu a mão e a apoiou entre os joelhos da Chitose enquanto a abraçava. Estava ficando extremamente difícil olhar diretamente para o casal.
“Ei, por que vocês dois não arranjam um quarto?!” Amane gritou.
“Oh, está com ciúmes, Amane?” Itsuki perguntou.
“Psh, sim, claro.”
Em vez de qualquer tipo de inveja, o Amane apenas queria que eles saíssem de sua vista. Ele gostaria que eles parassem, mas esse tipo de comportamento era normal para o casal. Repreendê-los por isso era um desperdício de energia a essa altura.
Parecendo muito satisfeita consigo mesma enquanto se agarrava ao Itsuki, a Chitose encostou no peito dele e olhou para o do Itsuki. “...Eu aposto que todo mundo está flertando em suas próprias festas agora.”
“Ei, não se esqueça que você tem um cara aqui chorando lágrimas amargas de solidão,” Amane disse.
Não é possível que todos estejam agindo como esses dois.
Algumas pessoas estavam passando o feriado com a família— e outras com os amigos. Certamente havia até mesmo alguns passando o feriado completamente sozinhos. Amane sentiu que a Chitose deveria escolher suas palavras com mais cuidado. Nem todo mundo teve a sorte de passar o natal com outras pessoas.
“Será que os garotos realmente querem namoradas tanto assim?” Chitose perguntou.
“Eu acho que não,” Amane respondeu de maneira direta. “Eu certamente não.”
“Sim, mas…,” Itsuki interveio, “Você é um caso isolado.”
“Cale a boca.”
“Bom, todo mundo fica inquieto antes do natal, sabe,” Chitose continuou. “Especialmente os solteiros. Outro dia, perguntei ao anjo sobre seus planos para o natal e descobri que ela havia rejeitado impiedosamente quase todos os garotos da escola. Ela os deixou de coração partido porque supostamente já tinha feito planos com outra pessoa.”
“Hã,” Itsuki disse.
Amane teve a sensação de que era ele. A ideia de que ele era pouco mais do que uma desculpa diplomática para recusar outros encontros não era agradável, mas ele sabia que era doloroso para a Mahiru ter que recusar alguém. Se ter planos com o Amane ajudava a aliviar a consciência da Mahiru, então ele supôs que não poderia se opor. Afinal, ela não estava revelando o nome dele, então não deveria haver nenhum problema.
“Todos aqueles pobres garotos pareciam tão arrasados. Foi rude, mas eu ri,” Chitose relembrou.
“Você não deveria rir!” Itsuki repreendeu de forma brincalhona.
“Quero dizer, usar um feriado como desculpa para tentar marcar um encontro com uma garota que você mal conhece é uma grande besteira, não é? Eles já começaram tarde porque não construíram nenhum tipo de relacionamento, então tentam pegar um atalho conveniente para chegar onde realmente querem estar. Além disso, aposto que esses caras são do tipo que dizem que estão a levando para uma festa com muitas pessoas, mas depois criam uma desculpa para ficarem sozinhos com ela. É uma coisa assustadora, para a garota.”
Chitose continuou dizendo que o anjo certamente não era o tipo de pessoa que participava desse tipo de brincadeira, em seguida, colocou a língua para fora e se agarrou ainda mais no Itsuki, como se tivesse tocado em uma lembrança desagradável. Moderna e bonita, a Chitose tinha um visual diferente da Mahiru. Não teria sido surpreendente saber que ela havia tido algumas experiências ruins com garotos no passado. As garotas populares certamente tinham seus problemas.
“Deve ser difícil para a Shiina lidar com todas essas propostas,” Amane disse de repente.
“...Você realmente não está interessado no anjo, não é, Amane?” Itsuki perguntou.
“Na verdade, não,” Amane respondeu categoricamente.
“Você já tem aquela vizinha angelical, hein?” Chitose provocou.
“Não pense que não vou expulsá-la do meu apartamento…”
“Não, não faça isso! Eu estou com tanto meeedo!” Chitose choramingou, se agarrando no Itsuki enquanto lançava um olhar brincalhão para o Amane. “Então você não está negando que sua vizinha tem cuidado de você, certo?”
As palavras do Amane ficaram presas em sua garganta, e a Chitose sorriu com satisfação, embora sua expressão tenha mudado rapidamente quando viu o rosto dele.
“Não me olhe assim! Desculpe, nossa…” Chitose se desculpou em um tom que continha muito pouco remorso. Quando o Amane estreitou os olhos para ela pela segunda vez, ela deu um gritinho fofo e se agarrou no Itsuki novamente. Então, por acaso, ela olhou pela janela atrás de seu namorado.
Algo lá fora foi surpreendente o suficiente para que ela ficasse encarando, então o Amane também seguiu seu olhar e olhou para a janela, imaginando o que estava acontecendo. Pequenas manchas brancas flutuavam do céu azul.
“...Ah, Itsuki, olhe! Neve!” Chitose gritou.
“Uau, um natal branco!”
A neve não era tão incomum no final de dezembro, mas era raro vê-la em um dia tão claro e parecia encantar os pombinhos.
Ainda estava de dia, e a temperatura só iria cair quando o sol começasse a se pôr. A véspera de natal provavelmente seria coberta de neve este ano. Os casais de toda a cidade provavelmente estavam se alegrando, e o casal no apartamento do Amane já havia saído para a varanda para ter uma visão melhor.
“Tenho certeza que vocês vão ficar curtindo ai por um tempo, então vou preparar algumas bebidas quentes para vocês,” Amane gritou enquanto observava o Itsuki e a Chitose irem para fora. Quando o Amane estava se levantando, um grito histérico de repente chamou sua atenção.
“Hã?! Po-por que você está aqui?”
“O que foi?”
“Ah.”
A última voz do grupo era uma que o Amane havia se acostumado a ouvir recentemente. O som foi claro e nítido
Amane sentiu seu estômago revirar.
Sabendo que o Itsuki e a Chitose estavam amontoados em sua varanda, o Amane saiu correndo em pânico e viu que a Mahiru também havia saído para sua própria varanda para ver a neve. Ao fazer isso, ela foi vista pelos amigos do Amane no momento em que se inclinou sobre a grade.
Amane olhou para a Mahiru, que agora estava sentada ao seu lado, e suspirou.
Frente ao terrível desastre de todos se encontrarem na varanda, o Amane não teve outra opção a não ser convidar a Mahiru para seu apartamento.
Não importa o que o Amane tentasse agora, seus dois amigos com certeza ficariam desconfiados. Nesse ponto, contar a eles toda a verdade era provavelmente a única maneira de evitar especulações e mal-entendidos desnecessários. As coisas iriam piorar se ele não pudesse manter o Itsuki e a Chitose calados sobre isso também.
“...Hum, Eu realmente sinto muito,” Mahiru disse gentilmente.
“Você não fez nada de errado.”
Foi um natal branco e também a primeira neve do ano. É claro que a Mahiru foi até a varanda para dar uma olhada. Ninguém poderia culpá-la.
Se o Amane tivesse ouvido o som dela abrindo a porta de vidro, ele poderia ter feito alguma coisa, mas como havia música tocando no apartamento, ele não havia notado. Provavelmente, a Mahiru estava tentando ficar quieta de qualquer forma.
Chitose estava olhando para o Amane e a Mahiru enquanto eles refletiam sobre sua falta de cuidado, e seus olhos brilharam quando ela se aproximou. “Então, a vizinha do Amane era o anjo esse tempo todo?!”
“Hum, por favor, não me chame assim…” Como era de se esperar, a Mahiru odiava ser chamada de anjo na sua frente e educadamente se opôs ao apelido, mas a Chitose estava sorrindo de orelha a orelha, e não estava claro se ela estava ouvindo.
Itsuki, enquanto isso, coçou a bochecha e olhou para frente e para trás entre o Amane e a Mahiru, as sobrancelhas levantadas. “Uau. Então… só para recapitular, a Shiina mora ao lado, e ela tem feito refeições para você o tempo todo. É isso mesmo?”
“...Sim,” Amane admitiu.
“B-bem… Hum, Eu tinha um favor a retribuir e, ao olhar para ele, percebi que o Fujimiya não estava comendo bem, e isso me incomodou, então…”
Os dois fizeram o possível para explicar como se conheceram e o porquê continuarem a se encontrar. Itsuki agiu como se tivesse entendido, mas ainda tinha uma expressão de quem não estava compreendendo muito bem.
Amane pensou que, se estivesse no lugar do Itsuki, provavelmente ele também não conseguiria entender toda a história. Quem acreditaria que uma garota incrível como a Mahiru decidiria tão casualmente começar a cuidar de um desleixado comum como o Amane.
“Hmm, então eu acho que entendo a situação, mas o que é realmente estranho em tudo isso é a ideia de que você não tem segundas intenções em relação ao Amane, Shiina. Basicamente, você está agindo como se fosse a esposa dele em meio período,” Itsuki disse.
“Guh!” Amane se surpreendeu.
Esposa?
Amane não teria escolhido essa palavra, mas teve que admitir que suas interações atuais se assemelham um pouco a esse tipo de relacionamento. Mahiru preparava o jantar para ele todas as noites e até o convidou para almoçar em um fim de semana recente. Além disso, ela também o ajudava com a limpeza. À primeira vista, isso não estava muito longe da vida de casado estereotipada. A distinção importante era que nem o Amane nem a Mahiru nutriam sentimentos românticos um pelo outro.
Os olhos da Mahiru também se arregalaram ligeiramente com a avaliação do Itsuki, mas ela se recuperou rapidamente do choque, e o Amane pôde vê-la voltar à sua personalidade cordial em público. “Eu posso lhe garantir que não tenho tais intenções.”
Amane percebeu que ela estava lidando com o Itsuki e a Chitose da mesma forma que lidava com todos os outros na escola. De repente, ele se sentiu extremamente constrangido.
“É perfeitamente inocente,” Amane acrescentou. “A Shiina está apenas me ajudando, ok?”
“Se você diz, Amane. É que… que dupla estranha. É realmente um pouco difícil de engolir que uma garota tão incrível esteja cozinhando para você… Ei, aquele bicho de pelúcia que você comprou, também era para ela?”
“...Talvez,” Amane admitiu.
“O quêêê?!” Chitose começou a gritar.
“Ah, fique quieta.”
“Mas eu não disse nada ainda?”
“Você está entregando tudo com sua expressão.”
“Grosso!”
O sorriso da Chitose era irritante. Até aquele momento, a conversa tinha ocorrido sem muitas provocações, e o Amane estava grato por isso. Ele certamente não precisava de nenhum estímulo desnecessário agora, e a Mahiru provavelmente também não ficaria animada com a ideia. Amane esperava que a Chitose ficasse de boca fechada.
“Vamos lá; se acalmem vocês dois.” Itsuki pôs um fim nas coisas antes que elas realmente saíssem do controle. Ele percebeu a mudança no comportamento do Amane e não era o tipo de pessoa que zombava de seu amigo como a Chitose fazia. Itsuki era o tipo de pessoa que se sensibilizava com o que as pessoas sentiam. Claro, o Amane desejava que ele tivesse parado de se intrometer desde o início, mas isso já era passado.
Depois de repreender o Amane e a Chitose, o Itsuki se voltou para a Mahiru, que estava sentada rigidamente à margem, e curvou a cabeça. “...Hum, Shiina, obrigado por tomar conta do nosso Amane.”
“Desde quando eu virei uma criança?”
“Eu deveria estar agradecendo a vocês, por serem amigos queridos do Fujimiya,” Mahiru respondeu graciosamente.
“Qual é, você também não! Você está me fazendo parecer um idiota inútil.”
“Mas você meio que é,” Itsuki comentou.
“Ei, vai se lascar.”
Ele já tinha ouvido o Itsuki dizer coisas como essa para ele antes, mas o Amane não estava de bom humor agora. Mahiru poderia ter participado da brincadeira, mas, sabiamente, ficou em silêncio e sorriu, contente em observar a troca de palavras entre os dois garotos. Ela não estava sendo tão expressiva como costumava ser quando estava sozinha com o Amane, mas aquele sorriso vislumbre de sua verdadeira personalidade, mesmo que apenas um pouco. Talvez percebendo, o Itsuki pareceu perplexo.
Amane fez uma piada sobre o Itsuki estar flertando com ela mesmo estando comprometido, e a Chitose começou a fazer bico e criticar o Amane ainda mais. Foi meio engraçado, mas a Mahiru estava com a cabeça inclinada, demonstrando confusão, então o Amane minimizou sua diversão e assumiu uma postura mais relaxada.
“...Tudo bem, vejam. Não temos um relacionamento doce e meloso como o de vocês, mas eu preciso que ambos entendam que isso pode ficar muito complicado se a notícia for espalhada,” Amane disse.
“Saquei; dizer nada a ninguém.” Claramente percebendo as tentativas de seu amigo de apontar o perigo potencial, o Itsuki assentiu rapidamente em compreensão, o que surpreendeu o Amane.
“Você também, Chitose,” Amane acrescentou.
“Eu não sou muito tagarela, sabe. Além disso, ninguém acreditaria que uma garota tão bonita está preparando o jantar e outras coisas para você.”
“Bom, me desculpe por ser tão indigno…,” Amane murmurou.
“Nossa, eu não quis dizer isso!”
Amane sabia muito bem que o que a Chitose estava dizendo era verdade. Era difícil acreditar que a estrela da escola estivesse cuidando de um idiota comum como ele. Se alguém acreditasse na história, provavelmente amaldiçoaria o próprio nome do Amane por não merecer a atenção angelical da Mahiru. Amane tinha uma imaginação especialmente fértil quando se tratava de visualizar aquela última parte, por isso ele realmente não queria que a verdade sobre o relacionamento deles se espalhasse. Ele poderia passar sem toda essa confusão.
Chitose riu da humildade repentina do Amane. Em seguida, seu olhar se desviou para a Mahiru, como se tivesse sido atraída por algo. Chitose soltou um suspiro pesado enquanto olhava ansiosamente para a outra garota. Mahiru rapidamente ficou desconfortável, como se não tivesse certeza do que fazer.
“Hum, o que é isso?” ela perguntou.
“...Isso me impressionou novamente. Shiina, você é ridiculamente fofa, não é?”
“Hã? Muito obrigada..?”
Depois de elogiar a Mahiru bem na frente dela, a Chitose continuou olhando, examinando cada detalhe dela.
“É a primeira vez que eu a vejo tão de perto, mas, com certeza, você é realmente linda como um anjo, não é? Seu rosto tem um formato bonito, e sua pele é linda e cremosa. Além disso, seus cílios são longos, seu cabelo é macio e você é magra, mas ainda assim curvilínea!”
“Uh, hum…?” Mahiru conseguiu dizer, envergonhada.
Amane suspirou profundamente. Ele não conseguia lidar com a Chitose quando ela ficava assim. Embora a garota definitivamente tivesse seus méritos, com certeza havia algumas coisas que ele não suportava nela. Ele não suportava a personalidade enérgica dela nem o fato de ela estar sempre se metendo nos assuntos dos outros.
Amane tinha um apreço especial pela dificuldade que ela poderia ter, porque ele tinha alguém semelhante em sua familía. Eram todas as maneiras pelas quais a Chitose o lembrava de sua mãe que realmente o deixavam louco. Inegavelmente, a Chitose parecia com a mãe do Amane em termos de gosto e disposição; ela era obcecada por coisas fofas.
“Uau, sério, olhando de perto, você é uma beleza incrível— e tão fofa! Ei, ei, eu posso tocar seu cabelo? Quero dizer, você tem um segredo para deixar seu cabelo tão macio e brilhante? Que shampoo e condicionador você usa?” Chitose pressionou.
“Espera, ah, hum… tão repentinamente…,” Mahiru gaguejou.
“Sua pele também é muito macia. Que tipo de regime você segue para mantê-lo assim?”
Chitose, que parecia estar entre o desejo de compartilhar segredos de beleza e a vontade de cutucar a bela garota, estendeu a mão para a Mahiru enquanto a bombardeava com perguntas.
Amane sentiu pena da Mahiru, que, apesar de seu desconforto, estava impotente diante do ataque. Amaldiçoando baixinho, o Amane deu uma leve pancada na cabeça da Chitose. Foi apenas um toque, já que o objetivo era apenas fazer a Chitose se acalmar, mas aparentemente ela foi pega de surpresa ao gritar “Aahh!” e afastou sua mão da Mahiru. Quanto à Mahiru, ela parecia aliviada com a intercessão do Amane. Ela havia se esquecido disso porque ela estava se comportando com seu habitual equilíbrio angelical, mas a Mahiru era exatamente cautelosa com pessoas com as quais não estava acostumada. Como a Chitose era uma garota, a Mahiru não estava tão cautelosa quanto estava com o Amane, mas seu medo de estranhos ainda era bastante evidente.
“Eu não acredito que você fez isso!” Chitose reclamou.
“Ela é tímida, e você acabou de conhecê-la, então pare de tentar tocá-la,” Amane repreendeu.
“Eu posso tocá-la quando nos conhecermos melhor?”
“Você precisa perguntar isso à Shiina. Seja respeitosa.”
Mahiru obviamente estava se preparando para fugir. Foi bom que ele tenha interferido. Até mesmo a Chitose pareceu entender o porquê que ela deveria parar quando viu como a Mahiru estava claramente abalada.
“Me desculpe; Eu fiquei muito empolgada e quase fiz algo sem pedir,” Chitose pediu desculpas.
“Ah, mm-hmm…” Mahiru ainda parecia chateada com a situação, e olhou para o Amane como se não soubesse o que fazer, com seus olhos pedindo ajuda.
“Uh, Shiina, Chitose pode ser um pouco difícil, mas ela não é uma pessoa ruim… eu acho,” Amane explicou.
“Isso é para ser um elogio?” disse a garota agitada.
“Veja como você estava agindo. Você pode realmente argumentar?”
“Nope!”
Chitose, tendo acabado de negar abertamente suas próprias ações, olhou para a Mahiru por um momento e, mais uma vez, estendeu a mão para ela, com uma expressão séria.
“Nesse caso, é um prazer conhecê-la!” Desta vez, no entanto, ela estendeu a mão aberta para a Mahiru.
“Hã? S-sim, prazer em conhecê-la…” Mahiru aceitou o aperto de mão com hesitação.
Quando a Chitose se afeiçoava a alguém, o Amane sabia que ela estava determinada a ser amiga da pessoa, quer ela quisesse ou não. Algo dizia ao Amane que a Mahiru seria convencida pela persistência da Chitose. Na verdade, desde que ela não fizesse nada muito estranho em sua busca pela amizade da Mahiru, o Amane não se importava. Um relacionamento comum e discreto era o melhor.
“As primeiras impressões são muito importantes para nos tornarmos bons amigos, sabe! Você provavelmente já sabe quem eu sou, e tenho certeza de que já ouviu meu nome do Amane, mas eu me chamo Chitose Shirakawa. Eu sou a namorada do Itsuki. Acho que você pode chamá-lo de… melhor amigo do Amane?”
“Ah, meu deus, estou corando! melhor amigo, uau,” Itsuki provocou.
“Não se sinta tão lisonjeado, Itsuki; é estranho,” Amane rebateu.
“Lá vem você de novo… Ei, Amane, existe um nome para pessoas como você, sabe… doce e azedo!”
“Sério, eu vou te expulsar.”
“Nos forçando a sair na neve? Ah, que crueldade!”
“Não tente se esquivar dessa.”
Itsuki gargalhou e o Amane ficou ainda mais irritado. Os olhos da Mahiru se arregalaram ao ver a troca de palavras.
“Ah, nós sempre agimos assim,” Itsuki informou enquanto sorria alegremente. “Enfim, eu me chamo Itsuki Akazawa. Eu sou o melhor amigo daquele idiota ali. Se o Amane fizer algo estúpido ou estranho, você pode vir falar comigo a qualquer momento.”
“Isso é jeito de falar sobre seu melhor amigo?” Amane disse.
“...Bom, Fujimiya não parece ter nenhum interesse em mim,” Mahiru disse. “Ele não pode ter nenhuma habilidade básica para a vida, mas é um cara comum, então não estou esperando nenhum problema.”
“Obrigado, eu acho… mas você poderia ter deixado de fora a parte sobre eu ser incompetente.” Amane poderia ter passado sem esse comentário específico, mas ele ficou feliz em saber que a Mahiru de fato o via como uma pessoa em que ela podia confiar.
Itsuki se aproximou e sussurrou no ouvido do Amane, “Você se aproximou muito da Shiina para alguém que diz não estar interessado.”
Amane estaria mentindo se dissesse que não estava nem um pouco interessado, mas ele realmente não estava tentando conduzir o relacionamento deles nessa direção. Ele tinha certeza que a Mahiru queria apenas um amigo íntimo, não um parceiro romântico. Os dois estavam felizes em passar o tempo juntos como antes.
Olhando de relance para a Mahiru, o Amane viu que ela estava novamente nervosa. Chitose havia começado outra rodada de interrogatório, tendo decidido que sua conversa com o Amane tinha acabado.
No entanto, a Mahiru não parecia odiar a atenção e o Amane esperava que, quando ela ficasse mais à vontade, ela pudesse relaxar um pouco.
Por mais desnorteada que estivesse, a Mahiru respondeu à enxurrada de perguntas com um pequeno sorriso. Foi um grande alívio para o Amane saber que as duas garotas estavam se conhecendo sem nenhum problema.
“Eu realmente sinto muito.”
Após a noite cair e Itsuki e Chitose terem ido para casa, o Amane pediu desculpas a Mahiru, que parecia mais do que um pouco cansada.
Era óbvio que a Mahiru tinha ficado exausta e confusa depois de lidar com dois estranhos que tinham acabado de descobrir seu segredo. Essa conversa parecia uma repetição exata da que eles tiveram após a visita surpresa da Shihoko.
“Não, meu próprio descuido foi o que causou isso, afinal de contas,” Mahiru refutou.
“Eles certamente fizeram muito barulho.”
“Eles são… pessoas animadas.”
“Você pode ser honesta; os dois são tagarelas.”
“Eles foram um pouco assertivos, mas são interessantes.”
“Um pouco’ está sendo muito generosa… Bom, desde que você não tenha se importado, eu acho que está tudo bem.”
Amane estava convencido de que o comportamento de seus amigos havia ultrapassado os limites para a Mahiru, mas a garota de temperamento tranquilo estava levando tudo na boa. Ele estava feliz por ela não tê-los achado muito problemáticos, mas não tinha certeza se era bom que ela e a Chitose estivessem aparentemente se tornando amigas.
Chitose é um tipo de garota totalmente diferente da Mahiru. Muito… energética? O que é bom, eu suponho. Ele confiava que a Chitose não faria nada malicioso, mas ele precisaria ficar de olho nela para ter certeza de que ela daria o espaço suficiente para a Mahiru.
“Eu não tenho pessoas assim em minha vida, então foi meio divertido.”
“Certo, eu imagino que você não tenha ninguém como a Chitose em seu círculo… Se ela for muito persistente, você pode dar um tapa nela, ok?”
“Eu n-nunca recorreria à violência, então farei o possível para mantê-la sob controle com minhas palavras.”
Chitose tinha um excesso de energia e muitas vezes se deixava levar pelo entusiasmo. Amane tinha certeza de que, eventualmente, seu conselho seria necessário. Enquanto ele fixava em sua mente um juramento de advertir a Chitose diretamente na próxima vez que a visse, o Amane se virou para a janela e observou a neve caindo.
Se não fosse por este clima, nunca teríamos sido descobertos, pensou ele. No entanto, os flocos de neve deveriam trazer boas notícias para os amantes em todos os lugares, então o Amane não achou certo amaldiçoá-los por seus problemas.
Mahiru também parecia gostar de observar a neve porque, quando percebeu o que o Amane estava olhando, ela ficou olhando para fora da janela exatamente da mesma forma.
Como era inverno, o sol havia se posto cedo. O céu estava escuro e a neve estava pálida, e ele mal conseguia ver os flocos caindo na luz que vinha dos prédios de apartamento ao redor.
“Um natal branco, hein?” Mahiru disse.
“É, acho que sim,” Amane respondeu. “No entanto, essas coisas sentimentais não têm muito a ver conosco.”
“Ainda assim, é muito bonito. Isso não é o suficiente?”
Passar um romântico natal branco juntos não significava nada para eles, já que não eram um casal, mas…De qualquer forma, a Mahiru parecia estar gostando da vista, então a neve não podia ser tão ruim assim.
Os flocos de neve dançavam levemente, cobrindo suavemente os arredores e deixando o mundo escuro revestido por uma brancura em pó. No ritmo em que estavam caindo, a chance de a neve realmente se acumular não parecia muito alta.
“No entanto, se a neve estiver muito pesada, o transporte público será fechado, então espero que seja apenas uma neve leve,” Mahiru comentou.
“Isso é muito pragmático da sua parte,” Amane observou.
“As pessoas não podem sobreviver apenas com o romance,” Mahiru respondeu.
“Você está exatamente certa.”
Embora de forma incomum, a neve os aproximou, afinal.
Os dois sorriram levemente, e a Mahiru se levantou.
“Tudo bem, então, irei trazer o jantar.”
“Hã? Trazê-lo para cá?”
“Eu fiz um ensopado de carne em meu apartamento mais cedo. Eu tinha certeza de que, se eu assasse um peru inteiro, nós dois não conseguiríamos terminar de comê-lo...”
“Nunca teria me ocorrido assar um peru.”
“Você só é ruim na cozinha, Amane. Para o almoço de amanhã, eu estava pensando que poderíamos fazer omeletes com ensopado de carne por cima.”
“Isso parece tão delicioso…” A mente do Amane já havia ultrapassado o jantar de hoje e começava a ansiar pelo almoço de amanhã. “Eu gosto dos meus ovos bem cozidos.”
“Que coincidência; eu também sempre os preferi dessa forma. Certo, vou trazer a panela de ensopado.”
Mahiru saiu do apartamento do Amane e voltou para o seu próprio por um momento. Em silêncio, o Amane a observou enquanto ela saía, refletindo sobre o dia turbulento.
Ele realmente não esperava ser descoberto. Seus amigos poderiam ter suspeitado que algo estava acontecendo, e o Amane previu que eles ficariam curiosos, mas ele nunca teria esperado que a Mahiru simplesmente entrasse no centro do palco.
Parte dele desejava que o relacionamento deles pudesse ter permanecido em segredo por mais algum tempo.
O que eu estou pensando? Amane se perguntou. Era melhor assim. Ele não precisava mais esconder tudo do Itsuki e da Chitose, o que tornava sua vida muito mais fácil. Então por que ele se sentiu um pouco triste? De onde vinha essa sensação estranha? Embora tudo tenha ocorrido bem, uma parte do Amane ainda estava agitada e ele precisava relaxar.
“Aconteceu alguma coisa?” Mahiru havia retornado, segurando a panela de ensopado, e inclinou a cabeça interrogativamente enquanto olhava para o Amane com um olhar confuso.
“...Não é nada.” Amane endireitou sua expressão, mas a Mahiru ainda pareceu intrigada por um tempo com a expressão que havia visto em seu rosto.
“...Ufa, isso estava muito bom.”
Como era de se esperar, a comida da Mahiru estava deliciosa. Como era natal, ela preparou pratos ainda mais elaborados do que o normal. Ela transformou o restante do ensopado de carne cuidadosamente cozido em uma torta, que ela e o Amane compartilharam.
Abrir a torta e comer a crosta crocante e texturizada junto com o molho rico do ensopado de carne só poderia ser descrito como um momento de felicidade sublime.
Mahiru aparentemente preparou a massa da torta especialmente para isso. Realmente impressionado com as proezas culinárias dela, o Amane soltou um suspiro de contentamento enquanto acabava de comer sua segunda massa do dia, mais um produto das mãos habilidosas da Mahiru.
Enquanto fazia a massa para a torta, a Mahiru aparentemente aproveitou a oportunidade para preparar outro tipo de massa doce ao mesmo tempo. Ela o usou para fazer mil-folhas artesanais para a sobremesa. Essa garota já estava trabalhando em nível profissional.
“Eu fico feliz que você tenha gostado… com certeza você comeu bastante,” Mahiru observou.
“Mm. Porque estava delicioso,” Amane respondeu.
“Obrigada por dizer isso.”
Amane já havia se acostumado a ver o sorriso fraco e aliviado que surgia no rosto da Mahiru sempre que ele elogiava a comida dela. Ele tinha como missão diária ver essa expressão, pois era muito mais suave do que o semblante reservado de costume dela. Apesar de ser um pensamento embaraçoso, o Amane gostava de pensar nisso como um tipo especial de sorriso reservado apenas para ele.
“...Então, amanhã vamos comer omeletes com arroz, hein…? Eu estou realmente ansioso para isso.”
“Você realmente gosta de ovos, não é? Você devorou aquelas omeletes de dashi enroladas com um entusiasmo incrível.”
“Elas estavam deliciosas; eu não pude evitar.”
Embora os ovos fossem um de seus alimentos favoritos, o Amane não os suportava se estivessem mal cozidos. O fato de tê-los devorado era apenas mais uma prova da excelente preparação da Mahiru.
Embora o Amane reconhecesse que era muito egoísta ficar com a comida dela apenas para si, ele não estava disposto a compartilhar com mais ninguém. O plano era continuar aproveitando o máximo possível.
“...Amane, você parece muito feliz quando está comendo, sabe?” Mahiru disse.
“Claro, porque sua comida é muito boa,” ele respondeu.
“Eu fico lisonjeada, mas… na verdade, não é nada tão especial.”
“Não, isso definitivamente é… Você precisa ter uma noção melhor de seu próprio valor…”
Essa era a comida caseira de um anjo; havia mais do que alguns garotos que fariam qualquer coisa para comer um pouco.
“Mas para mim, isso é apenas o que eu faço todos os dias.”
“Eu sou um cara de sorte.”
“...Por que isso?”
“Porque as coisas que você faz todos os dias são tão deliciosas.”
Amane era um garoto governado pelo estômago, e poder desfrutar de refeições deliciosas e feitas na hora com tanta regularidade era, para ele, a maior felicidade.
“Como você se tornou tão boa em cozinhar?” Amane perguntou.
“Alguém importante para mim disse uma vez: ‘Certifique-se de agarrar quem te faz feliz pelo estômago’, e eu levei essas palavras a sério,” Mahiru respondeu.
“Desculpe, mas você acabou me agarrando.”
“Eu estou pensando nisso como um ensaio.” A fraqueza da Mahiru pegou o Amane de surpresa. Um pequeno sorriso se espalhou pelos lábios dela.
“...Mas, falando sério, quem quer que tenha te ensinado deve ter sido incrível.”
“É verdade; ele era um cozinheiro incrível. Ainda não sou párea para ele. A comida dele tinha gosto de pura felicidade.” Mahiru assumiu um olhar distante com um sorriso gentil. A expressão parecia reconfortante para o Amane.
Pela maneira como a Mahiru descreveu, a pessoa em questão obviamente a amava muito, e o Amane percebeu que a Mahiru também o idolatrava. Ela deve ter sido muito sortuda por ter alguém assim em sua vida.
“Eu aposto que foi muito bom,” Amane disse, acenando com a cabeça. “Mas sabe… para mim, sua comida é o que tem gosto de felicidade.”
Deixando a mãe dele de lado, o pai do Amane era um bom cozinheiro, mas os pratos da Mahiru eram mais adequados ao gosto do Amane. A comida da Mahiru era reconfortante e ao mesmo tempo empolgante, com um sabor relaxante do qual ele achava que não se cansaria, mesmo que a comesse três vezes por dia pelo resto da vida. Não importava o quanto ele comesse, ele só queria mais e mais.
Mas, é claro, ele nunca poderia dizer isso. Isso sobrecarregaria demais a Mahiru.
De repente, a garota se enrijeceu. Ela parecia ter sido atacada em um momento de guarda baixa. Ela encarava o Amane com uma expressão inocente e um tanto vazia.
“...Mahiru?” Amane perguntou.
“Ah… não é nada.” Voltando a si, Mahiru sacudiu a cabeça rapidamente e olhou para o chão. Abraçando com força sua almofada favorita, ela soltou um leve suspiro. Algo nela havia mudado completamente nos últimos segundos. Era estranhamente cativante.
“Está tudo bem?” Amane perguntou.
“...É só que— pensar que alguém como eu poderia fazer algo ter gosto de felicidade…”
“Eu não sei o porquê de você estar se rebaixando, mas sua comida é tão boa que eu quero comê-la todos os dias.”
“Obr-obrigada.” Mahiru olhou para o Amane com um olhar um pouco tímido e com um pequeno sorriso. Ao ver isso, o Amane teve vontade de esconder o rosto.
Esse tipo de expressão era raro para a Mahiru, mas inevitavelmente fazia o coração do Amane disparar em seus peito, embora ele sempre dissesse a si mesmo que não estava interessado nela dessa forma. Ver o rosto sorridente da Mahiru sem a máscara de pedra de sempre o fez sentir calor de repente, e o Amane se preocupou com a possibilidade de ela perceber e ficar envergonhada.
“Diga, hum, Mahiru?”
“Sim?”
“Amanhã nos encontramos na hora do almoço, certo?”
Incapaz de suportar a atmosfera por mais tempo, o Amane forçou uma mudança de assunto. No entanto, a Mahiru não pareceu prestar muita atenção e ficou pensando no que o Amane havia perguntado.
“Sim, esse é o plano, não é? Faremos o almoço e depois jogaremos como prometemos… era isso, certo?”
“É.”
“A menos que… você não queira?”
“Não, eu estava apenas confirmando. Realmente, apesar de termos passado a véspera de natal juntos, tem certeza de que não há problema em passar o dia seguinte comigo também?”
“Se eu odiasse a ideia, não teria sugerido… Estou ansiosa por isso.” Outro pequeno sorriso apareceu na curva suave dos lábios da Mahiru.
“S-sim,” Amane murmurou. Foi tudo o que ele podia fazer para se afastar e esconder seu crescente constrangimento.