Volume 1
A Generosidade do Anjo
Como Amane tinha previsto, ele e Mahiru voltaram a ser nada mais do que duas pessoas que frequentavam a mesma escola.
Ele estava se sentindo muito melhor no dia seguinte, e por acaso tinha se deparado com Mahiru quando ele saiu para fazer compras na loja de conveniência, mas eles não falaram muito um com o outro.
Também nada mudou na escola na segunda-feira seguinte. Os dois voltaram a ser estranhos. A única pequena diferença era que agora, sempre que eles se encontravam um ao outro no caminho da escola, ela o comprimentava com uma rápida reverência. Isso foi tudo.
“Oh, Amane, você está se sentindo melhor?”
“Estou bem, obrigado.”
Parecia que Itsuki também estava preocupado com Amane. Ele estava bastante mal na última sexta-feira, afinal de contas. A condição do Amane foi a primeira coisa que Itsuki perguntou quando os dois se viram fora do edifício da escola. Itsuki tinha enviado para Amane uma mensagem durante o fim de semana: “Você não está morto, certo?”
Amane havia enviado de volta uma mensagem de que estava bem, mas parecia que Itsuki estava só meio convencido, porque soltou um um profundo suspiro de alívio ao ver pessoalmente como seu amigo estava se sentindo muito melhor.
“Sim, bem, quando eu vi você tão mal, até eu comecei a ficar preocupado, cara! Está tudo bem agora que você está melhor. Você deve cuidar melhor de si mesmo. Começar por arrumar seu quarto ou algo do tipo.”
“Você soa como outra pessoa que eu conheço,” Amane respondeu.
“Huh?”
“Nada. Uma coisa que aconteceu esse fim de semana que abriu meus olhos. Eu irei limpar meu apartamento dentro de alguns dias.”
Itsuki não deixou para trás. “Não, cara, você tem que se resolver agora!”
Amane virou-se de costas de vez. Provavelmente levaria mais do que meio dia para limpar toda aquela bagunça.
Parecendo exasperado, Itsuki recuou um pouco, dizendo, “Eu quero dizer, você pode viver da forma que quiser, você sabe. Mas, apenas abra um caminho para eu realmente andar na próxima vez que eu for lá.
“...Eu vou cuidar disso.”
Fazendo uma cara azeda o tempo todo, Amane calçou seus uwabakis e dirigiu-se para a sua sala de aula. Uma sala extremamente barulhenta chamou sua atenção enquanto caminhava por um corredor, no entanto, ele não pôde deixar de dar uma olhadinha.
De relance por uma janela do corredor, Amane viu a Mahiru, tão linda quanto ela jamais foi, rodeada por seus colegas de classe.
Sempre que alguém falava com ela, ela se voltava para eles com um sorriso tranquilo. Tudo sobre sua personalidade parecia totalmente diferente da Mahiru que ele tinha visto no outro dia. Amane de repente abriu um sorriso.
Notando o olhar de seu amigo, os olhos de Itsuki seguiram o mesmo caminho. Ele viu a Mahiru e imediatamente entendeu.
“Shiina, huh? popular como sempre. Não é surpresa, dada o quão bonita ela é.”
“Bem, você sabe o que eles dizem. Ela é um anjo. E você, Itsuki? Acha ela fofa?” Amane perguntou.
“Sim, eu acho. Mas, eu tenho a Chi, então apenas em uma espécie de apreciação estética.” Itsuki respondeu.
"Pare já de falar sobre sua namorada.”
Itsuki tinha uma namorada chamada de Chi, embora fosse apenas um apelido. Seu nome completo era Chitose Shirakawa.
Eles eram um casal extremamente unido, loucamente apaixonados um pelo outro, isso dava azia à Amane sempre que ele os via juntos.
Embora Amane tenha descartado rapidamente o assunto sobre namorada, Itsuki não parecia particularmente ofendido. Amane frequentemente falava coisas desse tipo, então Itsuki apenas ria. “Você é insensível. Então deixe-me te perguntar: Você acha ela fofa, Amane?”
“Definitivamente ela é bonita, mas isso é tudo,” Respondeu Amane.
“Que seco,” Itsuki comentou.
“Ela é como uma flor em um pico alto, que minha mão nunca poderia alcançar. Eu não tenho nada a fazer com ela. Olhar é o suficiente.”
“Razoável.”
Alguns caprichos do destino podem ter reunido Amane e Mahiru naquele outro dia, mas certamente eles estavam destinados a viverem em mundos diferentes.
A ideia de que Amane, um perdedor sem esperança assumido, e Mahiru, a bela super estudante que poderia fazer qualquer coisa, poderia um dia ter qualquer tipo de relação, muito menos uma relação romântica, era claramente ridícula. Era uma verdadeira impossibilidade.
Está tudo bem, Amane pensou. Não há mais necessidade de eu me preocupar com ela.
- - - - - -
“...O que você está comendo?”
A teoria de que os dois nunca mais se interagiriam foi rapidamente refutada. Amane estava chupando um pouco de geléia nutricional em sua varanda enquanto olhava para o céu quando a Mahiru o chamou.
Teria sido um incômodo demais até mesmo para ir até a loja de conveniência, então ele estava contentando-se com um saquinho de geléia que tinha em casa enquanto tomava um pouco de ar, quando a Mahiru inesperadamente saiu para sua própria varanda.
Ela se inclinou ligeiramente sobre o corrimão, olhou para o saquinho de geléia nutricional que estava dentro da boca do Amane, e franziu a testa.
Por um momento, Amane ficou congelado; Ele pensou que ela tinha acabado com ele.
“Não consegue ver? É uma geléia de reposição de energia de dez segundos,” Ele finalmente respondeu.
“...Não me diga que isso é o que você está chamando de jantar?” Mahiru respondeu, incrédula.
“É claro que é.”
“É só isso que você está comendo? Um garoto do ensino médio com um apetite saudável?”
“Isso não é da sua conta.”
Normalmente, Amane teria comido uma refeição em caixa da loja de conveniência ou alguma coisa pré-fabricadas no supermercado, mas hoje, ele se esqueceu de pegar algo para o jantar, e não se usufruiu de um ramen instantâneo, então isso era tudo que ele tinha. Provavelmente não seria o suficiente, então ele planejou fazer um lanche mais tarde também.
“...Eu acho que não preciso perguntar se você pode cozinhar para si mesmo. Definitivamente parece que você não pode, pelo menos. E mesmo assim, você está vivendo por conta própria, mesmo que não possa cozinhar ou limpar…” A observação da Mahiru era cruelmente honesta.
“Cala a boca. Isso não é da sua conta,” Amane rebateu de volta, embora ele soubesse que não poderia argumentar com a verdade. Ele franziu a testa e acabou com o restante de sua geléia.
Ele sabia sobre a limpeza de sua casa alguns dias atrás e certamente estava planejando fazer algo sobre isso em breve. Pensando sobre a repreensão da Mahiru, só parecia fazer o Amane querer menos fazer isso, no entanto. Isso também o fez se perguntar do porquê dela estar fazendo tanto alarde sobre ele em primeiro lugar.
Mahiru apenas olhou para Amane, então soltou um suspiro suave “...Espere aqui,” Ela instruiu antes de desaparecer de volta em seu próprio apartamento.
“O que foi agora?” Amane resmungou enquanto ouviu o barulho do fechamento da porta de vidro atrás dela.
Foi pedido para ele esperar, mas ele não sabia para quê. Olhando de forma confusa para o apartamento da Mahiru, Amane ficou lá obedientemente. Mas não houve nenhuma resposta imediata.
Está começando a ficar frio aqui fora; Eu gostaria de entrar, mas…
Ele tinha sido informado para permanecer ali, então era o que ele faria. A noite de outono estava mais fria do que o esperado, e as roupas casuais de Amane, estavam ajudando um pouco para ajudá-lo a se esquentar.
Enquanto Amane esperava, observando suas respirações profundas saírem brancas no frio, ele ouviu a campainha eletrônica tocar na sua porta da frente, anunciando um visitante. Era bastante óbvio quem era.
Realmente intrigado, Amane seguiu em direção à porta principal, esquivando-se de roupas espalhadas e revistas no chão.
Ele sabia quem era sem sequer olhar através do buraco de vigia, então ele enfiou os pés em um par de chinelos, tirou a corrente da porta e abriu. Como esperado, ele estava de cara a cara com ondas de cabelos loiros e arenosos.
“...O que você está fazendo?” Amane perguntou.
“Eu não pude suportar o quanto você estava negligenciando sua saúde. Isso são apenas algumas sobras que eu tinha, mas, por favor, pegue-as.” Mahiru afirmou claramente quando ela colocou abruptamente uma mão na frente dela. Em sua delicada palma, um pouco menor do que a do Amane, estava um recipiente de plástico. Ele podia ver vagamente algum tipo de prato ensopado através da tampa semitransparente. Ele não podia dizer exatamente o que aquilo era, no entanto, como o recipiente havia se enchido de vapor com o calor da comida.
Mahiru parecia entender os olhos confusos do Amane enquanto ele estava lá piscando. Ela soltou um suspiro profundo. “Você não está comendo apropriadamente. Suplementos nutricionais são apenas suplementações. Você não pode viver só com eles.”
“Quem é você? minha mãe?” Amane zombou.
“Eu acredito que o que eu disse é um senso comum. Além disso, você não deveria ter arrumado seu quarto até agora? Ainda não há espaço para andar.”
Mahiru estreitou os olhos em um óbvio desapontamento enquanto olhava para o cômodo por trás de Amane, e as palavras de Amane emperraram em sua garganta.
“...Eu arrumei, um pouco.”
“Não, você não arrumou. Normalmente, as pessoas não largam as suas roupas no chão.
“Aquelas só…caíram ali.”
“Isso não aconteceria se você lavasse, secasse, dobrasse e as guardasse corretamente. Além disso, você deve empacotar suas revistas depois de terminar de lê-las. Dessa forma você não irá escorregar em uma e cair.”
Não era que ele não conseguisse sentir as pequenas farpas nas palavras dela, mas ele entendia que a Mahiru estava, por alguma razão, genuinamente preocupada com ele, então ele não podia ignorar tudo que ela estava dizendo. Afinal de contas, ele quase tinha tropeçado nas duas revistas apenas na outra noite. Ela tinha um ponto.
Amane não tinha nenhuma refutação. Ele franziu a sua testa, apertou bem sua boca, e carrancudo pegou o recipiente da mão da Mahiru.
A comida encheu sua palma com um calor de boas-vindas, especialmente depois de todo o tempo gasto parado em sua varanda fria.
“Então, eu posso comer isso?” Amane perguntou.
“Se você não precisa disso, eu posso jogá-lo fora,” Mahiru respondeu sem hesitar.
“Não, eu estou grato por isso. não costumo comer a comida caseira de um anjo.”
“...Pare de me chamar assim, sério.”
Usar o apelido da escola era uma espécie de vingança mesquinha e instigante por seus comentários críticos. Seus sentimentos estavam claramente escritos em suas bochechas pálidas quando ficaram vermelhas.
Não existiam dúvidas quanto a isso, ela odiava ser chamada de anjo. Se ele estivesse no mesmo lugar, Amane tinha certeza de que ele também odiaria. Isso dificilmente precisava ser dito.
Apesar de entender a posição da Mahiru, Amane não pôde deixar de sorrir quando viu ela olhando para ele com as bochechas coradas e minúsculas, lágrimas amargas se formando.
“Eu não vou pedir desculpas,” Ele declarou.
Estava claro que qualquer outra provocação com certeza acabaria com a pouca boa vontade que ela tinha por ele, por isso, Amane achou prudente dar um tempo.
Não estamos nem perto disso.
Mahiru também parecia não querer mais ouvir nada, e ela enfatizou isso limpando sua garganta com força enquanto se recompunha.
Suas bochechas ainda estavam tingidas de vermelho, porém, ela não parecia ter mudado muito.
“Bom, obrigado por isso. Mas, você não precisa se preocupar comigo pelo o que aconteceu antes,” Amane disse.
“Eu não me preocupo, eu considerei essa dívida quitada. Isso é pela minha própria auto-satisfação…eu vi que você não estava cuidando de si mesmo, e eu estava preocupada; isso é tudo.”
É claro. Mahiru teve pena dele; foi só isso. Não havia como se esconder, ela deu uma boa olhada para como ele viveu na outra noite. Mesmo agora, ela podia ver o lixo empilhado no corredor atrás dele.
“Você precisa pelo menos começar a comer as refeições adequadas e…recompor a sua vida!” Ela repreendeu.
“Sim, mãe.” Amane respondeu sarcasticamente. Ele estava começando a ficar um pouco cansado de ouvir as reclamações da Mahiru.
Amane agitadamente carregou as refeições que Mahiru lhe havia trazido para dentro de seu apartamento. Ele pegou um par de pauzinhos descartáveis que comprou no supermercado e sentou-se no sofá da sala, ansioso para provar os sabores da sua culinária.
Ele lembra de ter apreciado o mingau de arroz que ela o havia trazido antes, apesar de seu paladar ter sido entorpecido pela doença. O mingau cozido tinha um sabor rico e reconfortante, que tinha sido suave em seu estômago. Se isso fosse algum tipo de indicação, a comida da Mahiru era sem dúvidas, muito boa, mas agora era hora de ter certeza.
Ao abrir apressadamente a tampa do recipiente, o cheiro apetitoso do ensopado subia suavemente para ele. Vários vegetais de raiz haviam sido cozidos junto com alguns frangos. O molho de cor clara destacou os tons vibrantes de cenoura e feijão verde, todos haviam sido cortados em pedaços pequenos.
O estômago de Amane roncou, lembrando-lhe que a única coisa que ele comeu foi um pouco de geléia nutricional. Ele separou apressadamente seu par de hashi e levou um pedaço de rabanete daikon para sua boca.
“Yum.”
A boca do Amane foi recebida com um sabor complexo.
Como é típico da Mahiru, que se preocupa com a saúde, o prato estava apenas levemente temperado, temperado principalmente com estoque de dashi. Ficou bem óbvio que ela não havia usado usado dashi granulado comprado de uma loja. Em vez disso, ela mesma preparou usando um peixe bonito e alga kombu. A diferença no sabor foi da noite para o dia.
Quando ele mastigou, o sabor dos dashi e do outros temperos, bem como o sabor dos vegetais, espalharam-se suavemente por sua boca. Amane nunca foi um fã de vegetais. Geralmente, ele se esforçava para evitá-los, mas nesse prato, a essência de cada ingrediente se uniu em perfeita harmonia, e Amane alegremente saboreou todas eles.
Não havia muito frango. A Mahiru talvez tenha feito isso de propósito, como se quisesse lhe dizer para que ele comesse mais vegetais. A pouco carne que havia sido cozida estava bem carnuda e suculenta. Não tinha do que reclamar sobre isso, Amane pensou, além da quantidade. Para algo feito por uma colegial, os ingredientes eram um pouco simples, mas sua habilidade compensou isso mais do que tudo. O fato do Amane ter gostado tanto da comida era o suficiente para provar esse fato.
Teria sido ainda melhor com um pouco de arroz, e talvez uma sopa de missô, ou um caldo, mas Amane não tinha nenhum preparado. Ele estava sem arroz de qualquer maneira, portanto, aquele modesto desejo não estava destinado a ser realizado naquela noite. Agora era tarde demais, mas ele se arrependeu por não ter comprado nenhum pacote de arroz instantâneo antes.
“Aquele anjo é incrível,” Amane disse para si mesmo enquanto ele devorava os legumes perfeitamente temperados, com os hashi sem parar por um segundo.
E pensar que ela é ótima na escola, nos esportes e em todos os tipos de tarefas domésticas.
Se a Mahiru estivesse ali para ouvir os elogios do Amane, ela teria odiado isso.
“Aqui, pegue de volta. A comida estava boa.”
Na noite seguinte, Amane devolveu o recipiente emprestado para o apartamento da Mahiru.
O garoto com certeza era ruim nas tarefas domésticas, mas não tão ruim ao ponto que não pudesse lavar algo antes de devolver. Em sua mão, ele segurava uma caixinha cuidadosamente limpa, tendo uma boa consciência de que era de boa educação devolvê-la somente depois de ter sido completamente lavada e seca.
Mahiru apareceu no momento em que ele tocou a campainha, sem nem mesmo verificar quem era, como se estivesse esperando por ele.
Ela estava vestindo um vestido de tricô de cor vinho e, quando viu o visitante, seus olhos estreitaram-se suavemente. Ela rapidamente checou o recipiente e disse, “Você o lavou e secou, huh? olhe só para você.”
Amane franziu ligeiramente a testa quando ela o elogiou como uma criança.
“Bom, obrigada por se dar o trabalho,” Mahiru continuou. “Agora pegue isso.” Ela pressionou um recipiente novo e quente na mão do Amane.
Pelo o que ele pôde perceber, havia carne de porco refogada e berinjela dentro. O recipiente parecia ter esfriado o suficiente para que a tampa não embaçasse, pois Amane podia ver claramente a cor da berinjela, a carne de porco grelhada e sementes de polvilhadas no topo através da tampa. Pela cor, ele adivinhou que o molho provavelmente tinha sabor de missô. A visão da berinjela com leves marcas de queimadura, e a carne de porco lustrosa definitivamente despertaram seu apetite.
Ninguém negaria que parecia delicioso, mas Amane não conseguia entender o porquê do jantar ter sido entregue novamente para ele.
“Não, um, eu só vim devolver o recipiente,” Ele tentou explicar.
“Esse é o jantar de hoje,” Mahiru respondeu com frieza.
“Sim, eu entendi, mas…”
“Eu apenas queria perguntar: Você não tem nenhuma alergia, tem? Não entenda mal, no entanto. Eu não estarei atendendo seus gostos ou alguma coisa do tipo.”
“Eu não tenho, mas…eu quero dizer, eu não posso aceitar sua comida de novo.”
Pegar uma porção do jantar de uma garota pela segunda vez consecutiva parecia errado para o Amane. Seu corpo desnutrido estava grato pela comida, e a Mahiru era claramente uma cozinheira melhor do que as outras garotas de sua idade, e a refeição que ele estava segurando com certeza seria deliciosa, mas também representava um grande perigo.
Se alguém da escola visse esses dois se encontrando dessa forma, isso poderia se tornar um desastre enorme. Isso seria o fim da vida escolar pacífica do Amane de vez.
Estes apartamentos foram feitos para ocupação individual, mas o aluguel era bem alto devido à localização do edifício e às comodidades. Amane nunca tinha visto nenhum outro estudante de sua escola no edifício exceto a Mahiru, então estava óbvio que ele estava se preocupando por nada. Mesmo com esse leve consolo, seus breves encontros com o anjo o deixava cauteloso.
“Eu fiz muito, então estou feliz por me livrar disso,” Mahiru explicou.
“...Nesse caso, estou feliz por pegá-lo. Mas, alguém pode entender mal, já que geralmente as pessoas fazem isso para alguém que elas gostam…,” Amane disse, envergonhado.
“E você entendeu mal?”
“Uh, acho que não.”
Um olhar para a expressão da Mahiru foi o suficiente para esclarecer qualquer equívoco sobre seus sentimentos em relação à Amane.
Não havia como uma garota linda e talentosa como a Mahiru se apaixonar por um desleixado como o Amane. Claro, uma vizinha fofinha que lhe trazia comida para ele parecia algo saído de uma comédia romântica, mas não havia românce aqui, e certamente nenhuma comédia. A situação era tão escassa desses elementos, quanto o apartamento do Amane escasso de arroz.
A bondade que existia nas palavras ásperas do anjo havia nascido apenas da piedade.
“Bom, sem nenhum problema, certo? De qualquer maneira, parecia que você estava sobrevivendo com refeições de lojas de conveniência e acompanhamentos do supermercado,” Afirmou Mahiru.
“Como você poderia saber?” Amane perguntou.
“Não é difícil ver que sua cozinha mal tem sido usada, e você tem uma tonelada de hashi descartáveis da loja de conveniência e do supermercado em sua mesa. Além disso, posso só olhar para você. Sua pele não é saudável.”
A expressão do Amane congelou. Mahiru percebeu tudo isso apenas por ter visitado o apartamento dele uma vez. Tudo que ela disse estava certo; ele não tinha base para argumentar.
“...Certo, eu estou indo.”
Mahiru fez uma reverência e voltou para dentro de seu apartamento, depois de ter dito o que queria dizer, e dado o que queria dar.
Amane olhou para o recipiente em suas mãos enquanto ouvia o som da corrente deslizar para o lugar na porta da frente da Mahiru. O calor da comida estava começando a esquentar as palmas de suas mãos. Ele soltou um suspiro e voltou para seu apartamento.
Como esperado, a berinjela e a carne de porco fritas com gergelim e miso estavam deliciosas. Amane se pegou desejando ainda mais do que ontem ter comprado um pouco de arroz.
Com o passar do tempo, Amane começou a trocar um recipiente vazio por um cheio todos os dias, e sua dieta melhorou drasticamente.
A comida da Mahiru era sempre leve e saudável, e como cada prato lhe dava vontade de querer arroz, Amane começou a preparar pacotes de micro-ondas em cada refeição. O anjo tinha uma variedade de pratos em seu repertório: japonesa, chinesa e até ocidental. Cada dia era trazido algo novo, mas cada refeição era deliciosa, e Amane desenvolveu um apetite como nunca antes.
Como um animal selvagem engordando com esmolas, Amane rapidamente passou a contar com a caridade da Mahiru. Mesmo enquanto ele continuava aceitando refeições pós refeições, ele sabia que era presunçoso esperar um prato todos os dias. Ainda assim, ele alegremente, e com fome, esperava ansiosamente.
“...Você ultimamente parece ótimo. Você arrumou sua dieta ou algo do tipo?”
Itsuki deu uma boa e longa olhada em Amane um dia durante o almoço. Aparentemente, sua pele tinha melhorado. Provavelmente, porque ele estava finalmente abastecendo seu corpo com muita nutrição.
Amane sabia que seu amigo era perspicaz, e sentiu um pouco de suor frio, enquanto comia o macarrão que tinha pedido para a merenda escolar.
“Itsuki, você me assusta,” Ele disse.
“Por que? Quer dizer que eu estou certo?”
“Uh, bem, pode se dizer que eu não tive escolha a não ser ajustar meu estilo de vida recentemente.”
Sempre que o Amane passava pela Mahiru perto de seus apartamentos, ela o repreendia gentilmente para que ele se cuidasse. E também, ela regularmente compartilhava seu jantar com ele. Era natural que sua vida tivesse melhorado. Por um lado, ele queria chamá-la de seu anjo da guarda, mas uma pequena parte dele também sentia que ela estava se intrometendo onde não era da conta dela.
Amane indiretamente confirmou as suspeitas de Itsuki ao se esquivar da pergunta, e Itsuki deu uma gargalhada com prazer “Sim, eu sabia. Você sempre pareceu pouco saudável, porque o jeito que você vivia era tão ruim.”
“Cala a boca.”
“Mas, o que que fez você 'ajustar o seu estilo de vida’?”
“Eu acho que fui forçado a isso.”
“Ah, a sua mãe descobriu?”
“...Você não está certo, mas também não está longe.”
Mahiru realmente se parecia com a mãe do Amane algumas vezes. Ela era muito jovem e muito fofa para ser mãe, no entanto. Ainda assim, a maneira como a garota se esforçou tanto para cuidar do Amane tornou difícil para ele recusá-la.
“Diga, Itsuki? Eu realmente não pareço estar saudável?”
“Hmm…bom, para começar, você é muito pálido. Eu acho você alto o suficiente, mas você é desajeitado. Além disso, você sempre está andando de um lado para o outro, apático, parecendo um zumbi.”
“Mas é assim que eu sou…”
“Você acha que eu não sei disso? Tente parecer um dos vivos, para variar.”
“Não seja ridículo…Espera, sério mesmo?...um zumbi?”
Amane não tinha muita certeza, porque quase nunca se preocupou em verificar mais de perto o seu próprio rosto no espelho, mas aparentemente, ele deu aos outros a impressão de que ele mal estava vivendo. Se ele parecia um morto-vivo mesmo em um bom dia, isso explicaria porque a Mahiru estava tão preocupada com ele antes.
“Você deve prestar mais atenção em como as pessoas ao redor vêem você, Amane. Você sempre está curvado, olhando para o chão. Isso torna difícil se aproximar de você, e também não é como se você se esforçasse para se aproximar de alguém. Se eu não o conhecesse melhor, eu diria que você é a própria definição de um adolescente mal-humorado.”
“Você com certeza sabe como manter a casualidade quando está insultando alguém.”
“Ora, ora, eu não vou pegar leve, então. Você parece um cadáver e sua vida está uma bagunça.” Itsuki continuou provocando seu amigo, insistindo que ele deveria aproveitar esta oportunidade para prestar mais atenção em sua aparência e comportamento, sem falar da sua saúde.
Virando-se bruscamente, Amane respondeu sarcasticamente: “Obrigado por sua preocupação.”