Volume 1

Um Encontro Casual

“Ah.”

Amane ouviu uma bela voz soar como um sino atrás dele.

Recentemente, ele havia se acostumado a ouvir essa voz, mas somente em torno de seu apartamento. Agora, ele a ouviu enquanto estava no corredor de doces do supermercado do bairro.

Amane nunca esperou que a Mahiru o reconhecesse em público, então ele se virou com alguma perplexidade ao vê-la parada ali, com os olhos arregalados.

Uma cesta de supermercado estava pendurada em seu braço, e dentro havia um rabanete daikon e alguns tofus, além de um pacote de coxas de frango e uma caixa de leite. Eles provavelmente eram os ingredientes para seu jantar essa noite. 

Isso não foi nada de especial. Amane havia parado coincidentemente no corredor de doces na mesma hora. Apenas isso.

“Só para você saber, isso é uma mera coincidência,” Amane afirmou. “Não é como se eu estivesse te stalkeando ou algo do tipo.”

“Eu sei, eu sei.” Mahiru assentiu. “Nós dois estamos aqui porque esse é o supermercado mais próximo.” Antes que Amane tivesse a chance de concordar, ele ouviu a garota murmurar, “Sério, no entanto, essa é a primeira coisa que me veio à mente…?” Ela olhou para um caderno que ela estava carregando.

Era típico da meticulosa Mahiru registrar obedientemente tudo o que ela precisava. Ignorando o Amane em favor de seu caderno com padrão de flores, Mahiru passou pelos doces e começou a procurar os condimentos expostos no próximo corredor.

Algo sobre a Mahiru procurando nas prateleiras pelos produtos básicos da cozinha e murmurando coisas como molho de soja e mirin em sua voz adorável parecem fofas para Amane. Estava claro que a garota estava com um humor estranho, no entanto.

“Mirin está bem aqui, olhe,” Amane disse, apontando para o condimento.

“Ah, não é isso, estou procurando pelo tipo com baixo teor de álcool. Eu não posso comprar esse, já que sou menor de idade,” Mahiru respondeu.

“Isso é considerado álcool?”

“Afinal, mirin é um vinho de arroz doce. Os que são específicos para cozinhar ainda têm álcool, mas eles adicionam sal para torná-lo nojento para beber, então até menores de idade podem comprar isto.”

Amane estava prestes a entregar a ela uma garrafa de mirin quando, de repente, ela a recusou, balançou a cabeça e, em vez disso, colocou a alternativa de baixo teor alcoólico na cesta.

“Aprenda alguma coisa todos os dias…” Tudo isso era novidade para o Amane, que fazia tão pouco trabalho doméstico que até mesmo esses simples detalhes pareciam reveladores. Ele observou a Mahiru enquanto ela se movia rapidamente pelo corredor, parando em frente a uma prateleira cheia de molho de soja.

Mahiru franziu a testa, como se tivesse acabado de reparar nas etiquetas de preço. “...Preço de barganha, limite de uma garrafa por pessoa…” Ela aparentemente pretendia comprar um sobressalente. Mahiru resmungou em desapontamento e virou-se para olhar para o Amane.

“Talvez…eu possa comprar um, também?” Amane rapidamente percebeu o que a Mahiru estava tentando transmitir com os olhos e com um sorriso irônico, ele pegou uma garrafa de molho de soja. Quando ele fez isso, os lábios dela formaram um arco satisfeito.

“É útil ter alguém que entenda,” Ela disse.

“...Você é mais econômica do que eu esperava,” Amane comentou.

“Bom, não vejo o porquê que não devo achar os melhores preços quando eu posso. Reduzir despesas desnecessárias, certo?”

“Eu me pergunto se isso é o que chamam de mentalidade econômica. Bom, contanto que você esteja vivendo uma mesada de seus pais, acho que é o melhor.”

Amane pode ter morado tecnicamente sozinho, mas, na realidade, seus pais ainda o sustentavam. Sua família era bastante rica, e eles pagavam o aluguel de seu apartamento limpo e seguro, pagavam suas mensalidades escolares e lhes davam uma mesada mais do que justa. Amane nunca teve que se preocupar com suas despesas, mas ele estava grato por tudo que seus pais fizeram por ele, então ele tentou não desperdiçar dinheiro.

“...É isso mesmo. Nós dependemos do suporte deles, por isso é importante sermos econômicos,” Mahiru respondeu com naturalidade, analisando os conteúdos da sua cesta. A voz dela estava fria, como se algo tivesse roubado seu calor.

Amane encolheu-se com o tom monótono da Mahiru, mas quando ela olhou para cima de suas compras, sua expressão havia voltado ao normal. Os olhos sombrios que ele tinha visto naquele breve momento já haviam desaparecido.

“...De qualquer forma, você realmente está comprando isso?” Mahiru perguntou, como se quisesse mudar de assunto, olhando os pacotes de arroz instantâneo e o recipiente de salada de batata que estavam na cesta que o Amane estava segurando.

As refeições que a Mahiru estava dividindo com ele eram, é claro, deliciosas, mas não eram o suficiente por conta própria. Para compensar, Amane pegou um alimento básico e salada, como ele tinha feito hoje.

“Isso é o jantar,” Amane explicou.

“Não é saudável,” Mahiru rebateu.

“Você é muito exigente. Eu estou comprando salada, não estou?”

“Uma salada de batata… Como o seu corpo ainda está funcionando?”

“Cuide da sua vida.”

Mahiru o pressionou sem palavras, examinando-o com olhos que o reprovavam, e disse-lhe para comer mais vegetais. Amane afastou-se e deixou a Mahiru ir na sua frente.

Conversando sobre isso e aquilo, os dois compraram suas respectivas coisas. Amane tinha começado a colocar suas compras em uma sacola plástica, mas a Mahiru pegou uma sacola reutilizável que ela trouxe e rapidamente colocou tudo nela.

Ela era realmente um anjo consciente em relação ao meio ambiente.

No entanto, Mahiru havia trazido apenas uma sacola, e o Amane estava um pouco preocupado com o fato da quantidade de mantimentos fosse muito grande para a sacola.

Com o leite, o molho de soja e o mirin de baixo teor, eram quatro litros de líquido, e, se eles passassem algo como água, isso significaria quatro litros. Ainda havia o rabanete daikon e os outros ingredientes a considerar, também. A bolsa tinha que estar seriamente pesada. Tudo estava bem embalado, mas, mesmo assim, certamente seria um trabalho árduo carregá-lo até o prédio do Amane e Mahiru.

Ela está cozinhando para mim, então ela deve estar usando mais temperos e ingredientes do que ela normalmente faz.

Ela deve estar fazendo muito para poder dividir os pratos comigo. A quantidade que ela me dá sempre vale quase uma refeição inteira. Mahiru diz que tudo é só um extra, mas ela deve estar fazendo muita comida de propósito.

Depois da Mahiru ter se esforçado tanto para cuidar do Amane, feriria seu orgulho se ele não fizesse nada para ajudá-la agora.

Assim que a Mahiru terminou de embalar a sacola reutilizável, o Amane segurou as alças e a levantou. Não era tão pesado para ele, é claro, mas ele sabia que definitivamente seria difícil para ela carregá-lo por muito tempo.

Mahiru pode ter sido muito boa em esportes, mas a pura força do braço era uma questão totalmente diferente. Com certeza, Amane pensou, seus olhos traçando uma figura esbelta sob a roupa, certamente não havia como seus braços finos não tinham a força necessária para levantar aquelas compras pesadas.

Os olhos de cor caramelo piscaram rapidamente. Mahiru pareceu surpresa, ou talvez um pouco preocupada.

“...Eu não estou roubando ou alguma coisa do tipo,” Amane disse em sua defesa.

“Eu não estou preocupada com isso,” Mahiru respondeu. “É só que… Eu posso carregar minhas próprias coisas, sabe?”

“Seria mais encantador se você ficasse quieta e me deixasse cuidar de você para variar,” Amane brincou.

“Isso basicamente quer dizer que não sou encantadora,” Mahiru respondeu categoricamente.

“Bom, pense em como você age na escola, e depois compare com a maneira que você age comigo.”

Mahiru deu um passo para trás. Talvez, Amane tenha, sem saber, atingido um ponto sensível. A versão de si mesma que ela mostrava na escola; a garota gentil, e modesta que todos conheciam, essa não era a pessoa que o Amane conhecia. Sim, a Mahiru sempre foi gentil com ele, mas também ela era muito mais direta. Ela nunca pegou leve ou escondeu-se atrás de sutilezas. Tudo o que ela lhe disse foi breve e franco.

Amane aproveitou o silêncio atordoado da Mahiru e caminhou rapidamente em direção à saída do supermercado, segurando sua mochila em uma mão, e a sacola reutilizável cheia de mantimentos na outra. Ele estava deixando ela para trás, mas ele não se importou. Despreocupado, ele continuou enquanto a distância entre eles aumentava. Ele não diminuiu a velocidade, e nem deu chance de alcançá-lo.

Afinal, eles já estavam um ao lado do outro no supermercado. Se eles caminhassem lado a lado no caminho para casa e alguém os visse, isso poderia dar início a rumores.

Então, na verdade, esse tipo de distância era o melhor para os dois.

Amane se apressou com seu fardo pesado enquanto fingia não estar ciente da Mahiru.

Enquanto caminhava, ele pensou ter ouvido alguém murmurar “Obrigada” atrás dele.



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