Volume V – Arco 15
Capítulo 155: APÊNDICE.II (Mais Forte)
DIA 2, CIDADELA RESTRITA
INÍCIO DA FRIA ESCURIDÃO (19h24)
Uma verdadeira cidade em ruínas era o ambiente encontrado pelas carruagens que estacionaram próximo a cabanas abandonadas. Os homens que desembarcaram notavam as casas com telhados afundados, cobertos por vegetação escorrendo até o que antes eram ruas.
Em uma das malas, uma mão enfaixada segurava na traseira do veículo, de dentro para fora. Logo ao pôr o primeiro pé para fora que um trovão pôde ser ouvido. De repente, a companhia das cargas parecia aconchegante para o viajante escondido, cuja hesitação sacudiu o transporte o suficiente para despertar a curiosidade dos condutores:
— Você sentiu isso? Parece que algo se mexeu dentro do carro.
— Na real, eu senti o solo todo tremendo com esse raio — desatou um dos nós da bagagem.
— Mesmo assim ainda é estranho, não existem tempestades na neve — comentou ajudando o companheiro.
Os dois tiravam a grande lona branca que cobria os pertences e suprimentos. O rapaz escondido já não estava mais ali. Retirando a carga uma a uma, checaram toda a bagagem, quando abriram uma das caixas:
— Espera aí, você não disse que tinha colocado quatro balões aqui?
— Achei que havia contado quatro — coçava a cabeça.
Encolhido atrás de um muro quebrado, Yanaho segurava o balão dobrado como uma jóia. Era teimoso o bastante para ir de encontro ao inimigo sozinho, mas não sem uma garantia de chamado.
—
Às margens do rio, o posto avançado dos Senshis na região era atormentado por nuvens carregadas. A neve começava a parar de cair, dando início a uma inquietude constante no corpo de Senshis. Quando outro rugido no céu indicou uma ameaça no horizonte, mas para a prisioneira catando as fezes dos cavalos no estábulo improvisado, era um chamado.
— Ei — um Senshi gritou por ela da entrada — A gente não tem o dia todo. Tem água para pegar antes que o tempo piore.
Kyoko respondeu com um grunhido. As cordas nos seus pulsos tornavam difícil manusear a pá. Ainda pior, elas ligavam-na ao supervisor rabugento cuja voz sarcástica parecia arranhar os ouvidos da garota. Mas as nuvens no céu não mentiam, se era obra da sorte ou do azar, sua punição de trabalhar no fim do mundo se transformou em chance. Uma que ela não podia perder.
Os estábulos eram uma casa decrépita sem teto com paredes frágeis. Os quartos serviam como baias para os cavalos sem sela. As tábuas nas paredes estavam carcomidas por cupins, um pequeno esforço e pronto, um pedaço de madeira pontiagudo.
— Ei, eu mandei acabar logo com isso — o supervisor impaciente puxou a corda do lado de fora.
Escondida nas baias, Kyoko aplicou a segunda etapa do seu plano. Um grande esforço e a estaca apodrecida estava no lombo do cavalo. Uma farpa tão imperceptível quanto dolorida. O animal protestou, porém Kyoko se apresentou ao supervisor imediatamente:
— É a primeira vez que faço esse tipo de trabalho — deu de ombros inocentemente.
— Você acabou irritando até mesmo ele pelo visto — apontou para dentro, onde o cavalo relinchou em protesto.
— Não vai ter que levar ele junto com a gente no rio?
— E quem disse que vai ser você que vai levá-lo? — empurrou a menina — Anda, vai na frente.
Eles se moveram para perto da correnteza, fora dos muros da base. Alguns Senshis já estavam do lado de fora, cortando madeiras e esfolando animais, quando o supervisor chegou com sua prisioneira.
— Então quer dizer que tempestades como essas também foram ouvidas por vocês em Nokyokai? — perguntou o esfolador, pendurando mais um coelho.
— Era pior, de estourar os ouvidos. A maioria que estava na frente não voltou pra contar história — descia o machado numa árvore seca.
— Pelo visto você voltou né — cortava a pele do animal.
— Tive sorte de não estar na linha de frente — ergueu o olhar para o acampamento, vendo uma caravana chegar — Acho que os reforços chegaram.
O momento de distração repentino dos Senshis deu a Kyoko uma pequena brecha. A corda que a ligava ao supervisor arrastava pelo chão. Ela agachou discretamente e enlaçou uma parte dela na pata do cavalo.
Na medida em que os Senshis voltavam ao trabalho, Kyoko disfarçou sua atitude pegando um balde da lateral da sela e se pondo a enchê-lo no rio. Na segunda vinda, ela caiu no chão.
— Ei — correu em sua direção — o que houve menina?
— Corpo mole — disse o supervisor — Ninguém cai nesse teatro, mocinha. Levanta.
— E-eu… estou fraca — colocava a mão na barriga — com fome.
— Seu povo não deu nada pra você comer? — o supervisor recolhia algo do balde do cavalo. — Uma cenoura, nada mais.
Kyoko terminou de trazer o balde, colocando no outro lado do cavalo. O animal continuava protestando com a ferida da madeira folgada com leves relinchos. A conversa dos Senshis com os recém chegados foi o bastante, para não verem novamente próxima ao cavalo.
Cerrando a mão com toda sua força, ela empurrou a estaca com toda a força. O cavalo gritou e se pôs a galopar para cima dos homens desavisados. A menina foi arrastada junto pela corda, assim como seu supervisor. O primeiro movimento derrubou o velho esfolador, cuja faca no chão permitiu que a garota se esticasse para pegar.
O cavalo derramava a água dos baldes, acertando os Senshis na debandada. Quando finalmente se livrou de um dos pesos, ele disparou galopando. Kyoko foi atirada no rio junto com o Senshi que a vigiava. Eles foram puxados pela correnteza até se entrelaçarem numa pedra.
— Droga… — o supervisor se enfurecia, lutando contra correnteza — Olha o que você fez, sua pestinha!
O elo que os unia era a única fonte de segurança para não serem levados rio abaixo. Porém era a oportunidade perfeita para a garota que pegava sua faca roubada, arregalando os olhos do Senshi:
— Não ouse fazer isso. Quando eu te pegar, você vai ver…
— Não preciso que você nem ninguém me dê nada! — respondeu cortando a corda.
Uma vez que o rompimento da corda terminou de lançá-los nos braços da incerteza. Assim os dois viajaram desgovernados para longe, se separando definitivamente.
Em suas últimas forças, Kyoko usou o pedaço de sua corda para enlaçar-se num galho. Ao puxar a si mesma para a terra firme, ela rastejou trêmula para retomar seu caminho para a tempestade no horizonte. O frio batia seu queixo quase tanto quanto o trovão arrepiava sua espinha, aguçando a sua mente para seu alvo em suas memórias:
— O Império separou famílias pela guerra e abandonou pessoas como você aqui. Seu irmão estaria orgulhoso da força que possui, Kyoko. — dizia Suzaki enfaixando seus ferimentos.
— Na verdade — respondia Kyoko emocionada — Você é forte. Salvou minha vó e nos ajudou mesmo não tendo nada para oferecer em troca — desviou o olhar para a janela, onde podia ver suas irmãs — você me mostrou que posso ser ainda mais forte.
— E se o que pensa de mim estiver errado? — a pergunta do príncipe lhe assustava — Ninguém cumpre sempre com as expectativas. Nem mesmo eu.
Sua admiração naquele dia rapidamente se transformou em horror quando via Suzaki prestes a enterrar sua espada em um alvo desacordado. As mãos gentis da garota puxavam o príncipe pelos ombros:
— Chega, Suzaki!
Desgovernado, o príncipe virava o braço contra Kyoko, acertando seu rosto. Ela caía no chão notando o olhar imerso em raiva do antigo aliado se esmaecendo na sua frente.
Foi o bastante pra toda fraqueza e frio ser ignorado, uma corrida na direção daquilo que não encontra desde aquele soco, ela pensava com os olhos afiados:
“Não importa o que aconteça, eu vou te encontrar, Suzaki!”
Toda a temperatura da água congelante foi aquecida pela adrenalina que pulsava em seu coração. Como se não houvesse amanhã, desiludida de tudo que havia em volta, ela só tinha olhos para a direção dos raios.
Sua ânsia não a fez perceber um soprar entre suas pernas levemente, que a fez tropeçar momentaneamente. Arrastando suas mãos e pernas no chão, ela evitou a queda prestes a retomá-la quando uma sombra passou por cima dela, uma capa vermelha pousou bem em sua frente tomando sua dianteira.
Antes que o responsável se virasse, ela correu para uma ofensiva com sua faca, assustando o garoto de olhos vermelhos que desviava. Mais rápido, Yanaho segurou seus braços frágeis, A garota tentou chutá-lo nos joelhos, cabecear o seu peito, tudo para escapar da sua pegada.
Impaciente, Yanaho girou o braço a jogando contra chão, como se fosse uma mosca inconveniente. A queda tirou a faca das suas mãos, mas ela rastejou até a arma, se levantando prontamente.
— Saia da minha frente! Sou eu que vou matá-lo. Eu! — apontou a faca — você não tem esse direito.
— É você mesmo, aquela garota de Doa — Yanaho levantou as mãos — Qual seu problema? Dá o fora daqui. Vai acabar se machucando.
Mesmo com o gesto pacífico do mirim, Kyoko se lançou novamente contra ele. Dessa vez mais atento, ele apenas desviou para o lado, batendo ombro a ombro com a garota, que rolava na neve.
— Você não devia estar aqui, né — virou as costas ameaçando seguir. — Sendo pega pelos Senshis ou seguindo em frente, não vai nem voltar para casa.
— Como se eu… tivesse uma!
Em outro ataque Kyoko mirou nas pernas com um corte na perna esquerda. Yanaho recuou o quadril, agarrando o braço da garota que passou seu ataque no vazio. Ela puxou o braço dos dois, girando junto com seu adversário até seu lado esquerdo. A espada em sua cintura estava ao alcance, então ela largou a faca e mergulhou no cabo. As mãos do mirim foram à disputa, porém ela levantou a cabeça no rosto dele, dando a oportunidade de puxar a lâmina para si.
O que a pobre indigente não esperava foi que no instante que sacou arma seu peso a jogaria para trás completamente. A espada se arrastava no chão como um arado em seus braços. Reunindo toda a sua força ela ergueu a arma para um golpe, deixando a gravidade fazer o resto. Yanaho só esperou, posicionando as abraçadeiras na direção do golpe, absorvendo o impacto.
— Isso não é — tomou a espada à força — brincadeira — chutou-a no chão.
Ele guardava a arma novamente, enquanto Kyoko se arrastou enchendo sua mão de terra. Ela se levantou fingindo um soco com a mão vazia, atirando a terra com a outra nos olhos do aprendiz de Onochi. Por sua vez, o rapaz cobriu-se com os cotovelos, mas isso permitiu que a garota rolasse até a faca abandonada.
Ela correu na direção dele, mas ele se recompôs rapidamente.
— Por que você acha que merece mais do que eu? — um corte passou no vazio. — Você perdeu um amigo, eu perdi tudo!
— Você está me fazendo perder tempo, garota — defendeu o próximo golpe.
— E eu já esperei tempo demais! Eu preciso vê-lo, e se insiste vou matar você pra isso também!
O último corte de Kyoko foi interrompido antes de chegar em Yanaho, com um empurrão de encontro com o movimento agressivo da garota. O mirim chegou a descer por cima dela, pressionando a mão armada da garota no chão.
— Não é só você que tem coisas a resolver com ele.
— Tem ideia do que eu tive que passar pra chegar até aqui?! Minha vó, irmã, minha casa, minha vila! O seu motivo não vale mais que o meu!
— Essa não é a questão.
— Todo mundo pode querer matar os outros pelos motivos mais… Mais burros e idiotas. Pisoteiam os outros sem pensar, sem dificuldade, sem culpa. Eu não sou como eles! Eu tenho um motivo! Eu quero justiça!
— Bom, então deixe-me te dizer uma coisa — Yanaho apertou o pulso dela, fazendo sua mão armada fraquejar — Ninguém liga para o seu motivo.
Outro trovão soava no céu, Kyoko gemia soltando a faca contra a vontade, Yanaho pegava a arma continuando a explicação:
— Você acha que por ter um motivo forte, que só o seu é válido? Que todos vão entender e abrir passagem para você fazer o que quiser? Por mais injusto que seja, não devia agir feito uma delinquente.
— Ainda não entendeu, eu não tenho mais motivo além desse, minha vida… minha esperança foi tudo morto — lágrimas escorriam — eu precisei matar um dos Heishis e abandonar minha única irmã para livrá-la de qualquer punição. Tudo para estar aqui, então… por que? Por que não deixa eu ir?
Yanaho apenas se levantou, Kyoko se acalmou pela primeira vez desarmada vendo o mirim guardar a faca afiada em um dos bolsos respondendo:
— Não basta ter um motivo, você é fraca e eu sou forte.
A garota imediatamente arregalou os olhos, lembrando de seu antigo irmão mais velho dizendo a frase que ela nunca esqueceria na vida:
“É por que sou o mais forte, quanto mais pudermos suportar, mais coisas podemos proteger”.
Kyoko permaneceu imóvel olhando para o céu enquanto uma chuva fina de neve começou a cair, Yanaho virou-se de costas concluindo sua fala:
— Não é nada pessoal, sei o quanto sofreu mas, o mundo é grande demais. E você ainda é muito pequena.
O mirim já se distanciava da garota que nem ao menos havia prestado atenção nas palavras de Yanaho. A mente da garota estava imersa na memória de seu falecido irmão que levava a mão na sua cabeça concluindo um pedido que passou a atormentá-la pelo resto da vida:
“Será que você pode ser a mais forte por aqui em casa enquanto eu estiver fora, Kyoko?”
Aquele início de noite escuro de repente foi começando a tomar um tom azulado, de repente um brilho irradiante chamou atenção de Yanaho antes mesmo de ele ouvir da garota que se levantava.
— Você ainda não entendeu o ódio que eu sinto — sua aura brilhava pela primeira vez — ele também é grande. Por isso eu vou ser forte, mesmo que eu precise morrer pra isso!
A aura se esvaiu pelo ambiente, ganhando vida nos cristais que caiam sobre eles. Yanaho esqueceu de respirar por um instante, lembrando-se da mesma aura em um momento distante.
Sua oponente recolhia toda a neve do local, sugando-a para as mãos como um imã, formando uma maça branca em direção ao mirim que levantou a defesa de última hora. O impacto o fez rolar pelo chão, se erguendo novamente com pouco dano. A aura de Kyoko piscava pela instabilidade. A neve escorria das suas mãos frágeis tão devagar quanto as lágrimas nos seus olhos.
“Sem praticidade, isso não vai durar muito”, pensou, sacando a espada.
A arma de neve nas duas mãos de Kyoko como era maior que seu torso. Necessitando da força dos dois braços atacar, ela começou a bater irregularmente, enchendo os pulmões de ar e gemendo com a força de cada golpe tão lento que Yanaho desviava em poucos passos.
Após o terceiro golpe fora do alvo, ela separou os braços, criando duas bolas menores em cada mão. Mais leve, ela começou a acertar seu oponente, que absorveu os choques com o braço, revidando com a espada. O primeiro contra-ataque cortou um gomo da bola de neve.
O segundo arrancou completamente a neve acumulada da mão direita. Ela tentou acumular mais, porém a luva que fazia ao redor dos dedos tinha um tamanho menor. Tentando reunir neve mais uma vez, sua aura se apagou completamente. O mirim guardou a espada, na medida em que a menina caía de joelhos.
— Você vai ter que achar um outro caminho, não importa se sozinha ou com sua irmã — disse Yanaho para a garota semiconsciente — Esse aqui é o meu. Ninguém além de mim, pode trilhar por ele.
Um trovão ressoou no céu. Suzaki o estava chamando, porém uma garota sem energia no meio de uma zona de guerra era um risco que Yanaho não queria correr. Levando-a para debaixo da copa de uma árvore, num lugar com vista para os pontos de vigia do posto avançado, ele a repousou delicadamente e antes de partir, soltou o balão.
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Em pouco tempo, o posto avançado de onde viera já era pequeno, ao passo que a tempestade na sua frente crescia de tamanho. Os pés do Yanaho conheciam o terreno muito bem, já que a cidadela foi sua segunda casa muito antes de se tornar um mirim.
Sob sua mente a cada vista, lembrava-se de um Kazedamu falho, até o primeiro sucesso, soprando a cesta de piquenique de seu mestre numa colina próxima. Se aproximando de um templo, percebia estátuas logo na entrada lembrando-se do risco que havia feito em uma delas, sendo corrigido por Onochi com o olhar de desaprovação.
Deslizando a mão pela ferida na estátua, bem do lado direito do rosto, o mirim pensava:
“Veio para cá por que também se lembra, Suzaki?”
Os dois cruzavam olhares pela primeira vez, o príncipe coberto por uma lona clara imunda se aproximava do camponês de blusa vermelha desbotada:
— Apesar de ser um viajante, reconheço um importante guerreiro quando encontro um — deu um passo adiante.
— Espera, melhor ficar bem aí se não…
— Se não? — o encapuzado em dois passos, aplicou uma rasteira que derrubava Yanaho, apontando sua arma pra ele — está mentindo pra mim.
— Ei! Com quem acha que está se metendo!?
— Quem você trouxe para me pegar?
— Do que está falando? Eu estou sozinho!
— Tem alguém vindo de sua direção, pare de mentir e responda. Quem é você de verdade?
— E-Eu sou Yanaho Aka!
De repente, vindo da escuridão um outro ser, mais alto, juntava suas mãos, liberando um sopro que afastou o encapuzado para a outra ponta do palco. O viajante se recompunha retirando seu capuz. Ao invocar sua aura azul, Suzaki abria bem os olhos.
— E-Ele é um azul? — disse Yanaho espantado.
Naquele mesmo dia Suzaki trocou golpes com Yanaho que mal conseguia erguer a espada, assustado era instruído pelo seu próprio adversário:
— Escute bem, isso não é um brinquedo! É uma arma que pode matar as pessoas. Esse comportamento apresenta um risco para você mesmo. Se quer passar no teste precisa aprender.
O camponês foi liberto dos braços dele, caindo ao chão de joelhos respirando com dificuldades, enquanto ele continuava:
— Seus pés. Fique de pé e posicione-se direito. Segure o cabo da espada mais firme, com as duas mãos. Tente assumir uma postura confortável onde possa mantê-la erguida. E agora respire fundo e tente um golpe. Distribua seu peso corretamente para atacar com força máxima. Vamos! De novo.
Os ensinamentos terminaram com Yanaho em exaustão vindo ao chão naquele fim de tarde. Estirado no gramado, notava Onochi cobrando a resposta dos dois:
— Basta. E então, quem venceu?
— Nós dois — respondeu Suzaki soltando sua arma e imitando o movimento do Yanaho.
Dias depois praticamente no mesmo lugar, admirados ao céu noturno recheado de estrelas os dois estavam novamente estirados sozinhos no ambiente:
— Somos mais parecidos do que imaginei, Yanaho.
— Hã?
— Eu também não conheci minha mãe, e meu pai bom… ele precisa de alguém melhor do que consigo ser para ajudá-lo. Eu penso nisso e tento todos os dias, mas estou tão distante.
— E pensa em desistir?
— Nunca. Se eu não fizer isso, o que resta para mim?
— Eu também não sei o que vai ser de mim se ficar naquela fazenda mais um minuto sem fazer nada a respeito. Mas… o que houve com sua mãe?
— Meu pai disse que ela morreu quando eu ainda era novo, disse também que ela sempre vai estar me protegendo de alguma forma.
— Meu pai diz que ela está me observando, lá de cima. Por isso costumo conversar com ela as noites. Você já viajou para os outros territórios, né, Suzaki?
— Já.
— E como é lá fora?
— Perigoso.
— Eu sempre quis saber como são os outros povos com outras cores. Os pretos, verdes, amarelos, e os azuis também. Só que meu pai sempre disse que não somos boa companhia pra eles.
— O meu também sempre disse o mesmo. Há um pouco de razão nessa fala. Por onde passei, já me julgaram apenas pela minha cor, mas eu vi pessoas diferentes também.
— É o que eu acho. Até porque como eu, você e Onochi conseguimos conversar?
— Quando encontrei essas pessoas, pensei que me ajudariam em troca de algo que tinha. No final de meu tempo com eles, não tinha nada que pudesse compensá-los de verdade. Eu não sei porque nunca cobraram.
— Pode ser que não tenha a ver com dinheiro ou coisas. Vermelho, azul, amarelo ou branco, todos somos humanos.
— Sim, podemos responder isso!
— É mesmo? A resposta está além da luta… Agora entendo o que é os dois vencerem a luta, porque não entendi bem da outra vez.
— E para onde vai agora?
— Pra casa, não posso ficar esperando esse gorducho.
— Espera. Foi um prazer te conhecer, Yanaho — estendeu a mão.
— É, meu também — apertavam as mãos — Um dia vou te apresentar para o meu pai para ele ver que tem boa companhia lá fora.
— É, talvez um…
Um enorme raio atingiu o solo estremecendo todas as estruturas do templo, trazendo Yanaho de volta para o momento presente.
Passando da entrada, qualquer vestígio do santuário havia sumido, restando apenas a fachada e suas escadarias, por onde um corpo se arrastava, com as pernas separadas de sua cintura. O garoto de capa vermelha congelou, engolindo seco ao ouvir as últimas palavras:
— Me-meus filhos eu pre…
O homem morria aos pés do mirim, que agora subia as escadas com sua aura crescente. Dezenas de Senshis pelo caminho, corpos multilados, queimados, estavam soterrados entre as rochas. Era o mesmo cheiro de carne e metal queimados, as mesmas poças de sangue só que mais fresco. Ao chegar no topo via o mesmo responsável, mas diferente da primeira ocasião, ele não havia partido. Aquele que procurava estava bem à vista numa cratera formada onde deveria estar o mesmo templo.
Yanaho reparava antes uma chuva esvaindo com nuvens carregadas que desapareciam aos poucos.
“Mas como isso é possível?!”, se espantou antes de guiar seus olhos para o buraco no solo.
No epicentro da explosão, via um sujeito sem sua habitual veste negra de quando havia o encontrado pela última vez, mas a espada de duas pontas não o deixava enganar de quem se tratava:
— Vai fugir de novo, Suzaki?
O príncipe renegado se virou para o mirim. Revelando seu rosto manchado de sangue e olhos brilhando em azul. Enquanto Yanaho tornava sua aura vermelha levemente esbranquiçada, ao tempo que juntava suas mãos.
— Agora somos só eu e você. Vou matá-lo aqui e agora, para garantir que nosso sonho seja realidade! — concluiu se lançando em direção ao algoz.
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