Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume V – Arco 15

Capítulo 154: APÊNDICE.I (Imperdoável)

DIA 2, FRONTEIRA COM ACESSO A CIDADELA RESTRITA 

FIM DO CREPUSCULO OCULTO (17h52)

Cordas eram carregadas por diversos homens, enquanto outro grupo comportava um enorme tecido naquele fim de tarde gelado. As estacas eram cravadas na terra com golpes secos, enquanto a lona grossa era esticada, pesada como aço molhado.

Na puxada das cordas para erguer a maior estande do acampamento, o mais novo entre os adultos reparava em suas mãos ásperas, com a direita contendo uma cicatriz selada, e a esquerda coberta de faixas que ameaçavam desatar, mostrando sua pele ainda queimada. 

— Está nevando, mas o céu me parece limpo — um dos homens encarava o céu.

— Então é aqui onde os comandantes vão ficar? — o garoto prestava atenção na conversa. 

— Sim, é o que me contaram pelo menos — um sujeito de roupas simples respondia — acredito que estamos bem longe da linha de frente. 

— Se os inimigos aparecerem nesta floresta fronteiriça, estarão a um passo de nossa vila. 

— Ah, então você também é da Vila da Providência? Que coincidência. 

— Está aqui para pagar as dívidas também? 

— Não, só quero ganhar uns trocados mesmo, tenho uma filha em casa. 

A cada palavra, o garoto entristecia mais sua face, se afastando dos dois voluntários como se estivesse tampando seus ouvidos involuntariamente. Se isolando dos demais, o garoto de olhos vermelhos reparou na movimentação de Senshis, que colocavam suprimentos na bagagem de uma carroça, ao tempo que escoltavam alguém para dentro do veículo. 

Hipnotizado pelo movimento ele inclinou sua cabeça para além de uma barricada, quando teve sua visão bloqueada de repente fazendo-o se assustar, quase caindo ao chão:

— Assustado? Faz muito tempo que não pisa aqui.

— Tio Kenichi — percebeu Yanaho — óbvio que estaria aqui, é o Titular da região. 

— Sim — cruzou os braços — dá pra dizer que foi aqui que tudo começou pra você, certo?

— Errado, aqui é só a fronteira — olhou para além dos ombros do tio — a Cidadela em si é mais adiante — perdia os Senshis de vista. 

— Depois do que fez em Doa, me perguntei o que justificaria você ser mantido na retaguarda — balançou a cabeça negativamente — quem diria que iria cometer um desacato depois do que fez. 

— Fiz o certo a ser feito — encarou o Tio. 

— Certo? Está anulando seu erro? Isso me parece bem familiar.

— Como se você entendesse — cerrou as sobrancelhas. 

— Eu entendo perfeitamente, que apesar de mais velho continua imaturo — apontou seu dedo — você já devia ter percebido que não é por que acha algo injusto que tem que agir feito um delinquente.

— Você não tem noção do que tive que passar pra agradar aquele Ancião, e mesmo assim ele pisou na nossa…

— Você não é nem mesmo mais um cidadão, Yanaho — interrompeu levando suas mãos ao ombro dele — É um futuro Senshi. Sendo assim, não pode continuar repetindo os mesmos erros.

— Não sou só eu que continua errado — se soltou dos braços do tio — se for assim terá que dar um sermão no mundo também!

— E vai ser você que vai mudar isso? Negando sua responsabilidade?

— Eu quis negar ela mesmo, se soubesse o que perdi… entenderia o por que quase desisti depois da primeira batalha.

— Então por que voltou para a guerra?

A pergunrta do tio, gerou um passo para trás do mirim que logo se tornou uma corrida para mais distante, engatilhando um último chamado de Kenichi:

— Ei garoto, volte aqui! 

Ignorado, o Senshi Titular da área logo foi abordado por demais homens que apontavam para grande lona erguida para tenda dos comandantes que ali já estavam. Yanaho por sua vez, agachou para tomar fôlego com as mãos nos joelhos. Foi então que um relampejar chamou sua atenção.

Depois de arregalar os olhos, o garoto trincou seus dentes e seguiu caminho, se aproximando dos outros acampamentos improvisados menores, entrando onde havia se hospedado. Usou de uma sacola para reunir suprimentos. rações, ervas, flechas e até cordas eram postas na bolsa pelo mirim. 

Ao terminar, Yanaho reparou em sua espada suja de sangue já seco, quando mais uma trovoada era ouvida próxima dali. Olhando para seu reflexo na arma a pergunta de seu tio reverberou em sua mente junto ao estrondo do trovão:

“Então por que voltou para…” 

— Então você tá aí — a garota entrava no quarto, interrompendo o transe do amigo — Sua espada tá no limite. 

— Umi — reconheceu Yanaho — Também cometeu algum delito para ficar pra trás? — escondeu sua bolsa em suas costas.

— Na verdade não, Aiko estava ferida e precisou de companhia já que Usagi foi convocado para outro fronte. Devo minha vida a ela, já que salvou eu e Yukirama nos azuis. A propósito, eu fiquei sabendo o que houve com você em Doa. 

— Quer saber, esquece isso — arremessou a sacola na direção de outras — falando em Usagi, fico pensando como os outros estão se virando.

— Pra falar a verdade, eu queria estar lá para saber. 

— Fala isso pelos nossos companheiros, ou por aquele cara de Nokyokai? — apoiou a arma enquanto vestia sua capa vermelha.

— Não venha me dar sermão você também. É por eles e pela minha vingança — jogou os braços — não me importa se isso é moralmente errado, só eu sei o que aquele monstro me causou.

— É, quer saber, também queria estar lá —  disse Yanaho guardando a espada na bainha — eu entendo como se sente Umi, por que tenho percebido que existem coisas que são imperdoáveis.

Devidamente vestido como mirim, Yanaho abandonou Umi no acampamento, notando que seu companheiro deixou a sacola que antes estava em sua mão, ela apenas seguiu com os olhos o trajeto do menino da capa vermelha no início daquela noite. 

O momento da janta chegava para todos que ali estavam, a neve dava uma trégua, permitindo que lareiras e até fogueiras fossem acesas naquela noite escura, sem qualquer alcance lunar. Yanaho observava as filas de longe, seu coração batia como se estivesse sob um campo de batalha interno. 

“Então por que voltou para a guerra?”, a pergunta do tio não saia de sua mente.

“Se ele estava lá, por tudo que Katsuo representou para mim, não posso perdoá-lo”, lembrou Yanaho de suas próprias palavras. 

Bastou um último raio, mais potente que os passados, para Yanaho espremer o centro de sua testa como nunca antes, se encaminhando entre as matas e arbustos, localizou outros veículos além das barricadas prontos para partir nas próximas horas. Ele engolia seco antes de reparar nas lonas que cobriam os suprimentos nas costas do veículo, Para enfim, desatar as amarras que prendiam o tecido à bagagem.   

---

Na movimentação das tropas e voluntários na retaguarda, uma tropa de Heishis guardava um importante membro de uma das famílias originais do império, no qual se aproximava da maior tenda erguida no acampamento improvisado. O comandante das tropas do império adentrou o local buscando explicações:

— Quem está no comando aqui?

— É ele — apontou Kenichi, cochichando para um homem de costas. 

Ao se virar, o homem revelou suas vestes longas escuras e rebuscadas, combinando com suas luvas de couro tendo também uma bolsa do mesmo material amarrada ao seu cinto, foi na direção do recém chegado retirando uma luva para comprimentá-lo: 

— Você deve ser Doku Chisei. 

— Nos conhecemos?

— Este é Honda Sato, nosso médico especialista e Senshi Principal — explicou Kenichi. 

— Masaki me falou de você, não vai apertar minha mão? — insistiu — ele me disse que era confiável. 

O jovem apertava a mão do médico, que logo depois colocou sua luva novamente, enquanto o filho de Tadashi prosseguiu:

— Agora vamos direto ao ponto, qual é a situação atual?

— A região está controlada até então — explicava Kenichi — sem notícias de ataques ou ameaças. 

— E vão esperar acontecer? O que estamos fazendo aqui afinal?

— Calma jovem — tirou a maleta de uma mesa, um mapa estava exposto com três marcações, onde Honda apontou uma lente que tirou do bolso, concluindo:

 — Esses três pontos são postos estratégicos recheados de nossos homens. O mais a fundo no território Shiro é a principal região da Cidadela, uma antiga academia recheada de Senshis, tem centenas deles lá para facilitar a comunicação de qualquer indício de ataque. 

— Dessa forma não somos pegos de surpresa nos outros dois postos — apontou Kenichi — o segundo é onde ficam as ruínas dos templos do antigo povoado. 

— E por último mas não menos importante, o posto que fica mais próximo daqui da fronteira, o antigo vilarejo. Nossos homens já estão ocupando os prédios maiores, estão partindo veículos nossos de hora em hora.

— Vejo que você é mais esperto que o do Martelo — brincou Doku — mas isso não explica como pretendem lidar com aqueles tais Súditos do Caos, eles não apareceram em Doa. 

— Não conseguimos medir o alcance deles ainda, mas prevejo que estejam ocupados com as outras batalhas — levava a mão ao queixo — pelos ferimentos de Masaki achei até que um deles estivesse em Doa. Falando nisso, ele citou algo sobre uma prisioneira. 

— Pode se despreocupar, como forma de mostrar nosso comprometimento com o sucesso das operações, ela foi enviada para ajudar os Senshis em um dos postos mais adiante.

— Não sei se isso realmente era necessário — disse Honda balançando a cabeça negativamente. 

— Encare como um pedido de desculpas, afinal é uma prisioneira. Não irá demorar muito para nos reunirmos com… 

De repente uma luz cortava o céu, clareando e sumindo instantaneamente, a luz chegou mais rápida que o som do trovão que evidenciou a distância do rugir do céu, apesar de mesmo assim estremecer o local. 

— Nunca vi trovoadas nas neves —  estranhou o médico, segurando os seus equipamentos que tremiam na mesa. 

— Não é só neve… isso só pode ser… Suzaki? — sussurrou para si mesmo. 

— Desculpe o que disse?

— Temos que nos preparar para o pior, agora! — berrou Doku. 

---

A neve havia parado de cair na Cidadela. Distante da base principal, um grupo de Senshis ocupava um dos templos ainda de pé na região apodrecida pelo tempo. Do lado de fora, eles abriam caminho pela neve, fincando sinos para alarmes, bandeiras de referência e arqueiros. Por dentro do templo, os únicos sons eram de passos calmos, uma ronda despreocupada por um lugar onde ninguém visitava há muito tempo. 

 

Um rio transcorreu por uma passagem estreita, costurando o pátio externo e descendo até os salões inferiores. Mesmo com o frio, a água seguia seu curso. De frente para o templo havia algumas casas, onde um alarme foi posicionado no teto menos deteriorado. 

 

O arqueiro, que foi posto ali para soar o sino em caso de invasão, tinha seus olhos fixos no pequeno portão por onde o rio chegava. Alguma coisa parecia se mexer, a própria água estava ganhando vida diante dos seus olhos, o volume crescia aos poucos até começar a transbordar nas ruas.


O Senshi tinha um balão que alçou ao céu para avisar do fenômeno estranho. Mesmo assim, tão rápido a água subiu de volume, ela voltou ao normal apenas para crescer mais à frente dentro do templo. A água infiltrava nas paredes para a surpresa dos que patrulhavam ali. Foi então que o arqueiro do lado de fora avistou um Senshi encapuzado por sua capa vermelha caminhando para dentro do templo. 

 

— Ei, você, melhor se afastar vamos evacuar o lugar em breve por conta dessa infiltração — ele continuou subindo as escadas — Está me escutando?

 

Suas palavras não o atingiam, porém algo chamou sua atenção: as pegadas da bota esopada do Senshi misterioso estavam marcando os degraus de mármore. Mesmo com o soar do alarme após isso, a figura continuou caminhando para dentro do templo como se nada estivesse acontecendo.

 

Todos os homens de proximidade convergiram até ele na porta, no corredor o sujeito misterioso com rosto e torso cobertos de vermelho, era cercado por Senshis experientes, onde o arqueiro o mirava de longe:

 

— Nem mais um passo.

 

— Se revele!

 

A resposta foi imediata, abrindo a túnica vermelha revelou sua espada azul marinho com pontas douradas pertencentes a um só nome: Suzaki. Em um piscar de olhos, o trio de Senshis que o abordou caiu das escadas, pintando-as de vermelho. Ainda coberto pelo capuz, o sujeito apenas ergueu a vista, seus olhos brilhando em azul encontrando com os do arqueiro que o delatou. Depois disso, ele entrou para o templo. 

 

Do lado de dentro, uma linha de cinco Senshis estava entre ele e o corredor. Pelas aberturas no teto, dava para ver a água escorrendo para dentro. Suzaki esperou o riscar das espadas dos homens, antes de golpear a parede com sua arma. As rachaduras convidaram o rio para dentro. 

 

O volume de água cedeu parte da estrutura, mas principalmente o defendeu do ataque inicial. Ao mesmo tempo, ele surfou pelas ondas, antes que o fogo evaporasse aquela água, subindo até o teto e descendo nas costas da formação.

 

O segundo time de Senshis o encontrou no altar no primeiro andar subterrâneo, seguindo o rastro da água. As paredes já pareciam cachoeiras, o teto parecia prestes a colapsar, implodindo o prédio. De qualquer maneira, ali estava ele admirando as estátuas como se já tivesse as visto. Agora eram uma dezena de inimigos cercando o súdito na sala.


A primeira coisa que o súdito fez ao se virar para eles foi atirar sua espada. Enquanto sua lâmina de duas pontas rodopiava pelas paredes, abrindo as rachaduras já crescentes, ele foi de encontro ao grupo de mãos vazias. Saltando nas costas do primeiro para estrangulá-lo, tomando sua faca menor da cintura para atirar no olho do segundo. 

 

Com a espada maior, ele desceu das costas do Senshi, desviou do ataque de um terceiro, estocando ele por uma das aberturas na placa da armadura em seu ombro. Um quarto e um quinto vinham para atacá-lo, mas sua lâmina de duas pontas passou como uma hélice por eles decepando suas mãos. Finalmente, tal como fez com o terceiro, Suzaki tomou suas espadas e enterrou-as no peito de cada um.

 

Quando os cinco restantes vieram atacá-lo, os corpos dos cinco primeiros estavam alinhados com uma arma em cada um como um pára-raios. A espada de duas pontas voltou para a mão de Suzaki, quando um novo ataque de fogo veio. Ele apenas bateu sua lâmina no chão, descarregando uma eletricidade que saltitou entre os cadáveres até atingir o grupo que foi eletrocutado instantaneamente.

 

Às chamas da técnica conjunta se dissipou após os raios de Suzaki terminarem de colapsar o chão do altar, gerando um verdadeiro alagamento que havia se construído nas fundações do prédio, gerando cada vez mais vapor. 

 

Os Senshis que conseguiram descer tão fundo no templo para encontrar o invasor agora eram cerca de cinquenta homens. Tudo que havia sobrado daquele porão eram as colunas, alguns púlpitos suspensos e os andaimes do teto que ainda não havia desabado completamente da luta acima. 

 

Suzaki permaneceu na defensiva, desviando das bolas de fogo, flechas e ocasionalmente se defendendo numa luta de espadas a curta distância. A temperatura subia ali dentro ao ponto da própria água diminuir de volume.

 

A movimentação de Zeta faziam os ataques acertarem os púlpitos que serviam de plataformas para os Senshis, que ao verem a água se tornando cada vez mais rasa, escolheram descer ainda mais. Foi então que o antigo Heishi Celestial ergueu sua mão ao céu, fechando os olhos, deixando sua aura crescer.

 

Todo o vapor se aglutinava entre si, condensando-se em nuvens que permeavam o topo da sala, de dentro do edifício a nuvem acendia em trovoadas, como se estivesse sido carregada há dias. As gotículas de água se condensam em relâmpagos, fazendo os homens experientes que estavam abaixo engolirem seco, tremerem de medo, enquanto uns corriam outros largavam até mesmo suas espadas, aceitando a morte certa. 

 

A visão do principe renegado do desespero dos homens, o levou para semanas antes:

 

Uma igreja crescia diante dele, na medida em que subia a rampa até ela, ainda não havia sido visitada pelo súdito desde o fim da campanha no deserto.

 

Tão cedo se fez notar na capela, uma mulher com cabelo ruivo amarrado, estava à sua espera no altar, sentada em uma das cadeiras sem se importar com seus subordinados que corriam ao redor do complexo com caixas, artefatos e poções. Seus olhos tinham endereço certo para Suzaki assim como seu sorriso cativante e decorado por uma pinta acima do lábio. 

 

Imediatamente Pandora erguia as chaves para o porão enroladas no dedo dela, Suzaki a seguiu até o elevador onde a cientista quebrou o silêncio:

 

— Presumo que tenha encontrado a experiência que refutou sua hipótese.

 

— Dá última vez me contou que fez uma minhoca engolir uma maçã — abaixou a cabeça — Nunca me contou o que daria a um leão.

 

— Nada como o temor da extinção — o elevador parou — para obrigar as espécies a evoluir.

 

— A única coisa que será extinta serão meus inimigos.  

 

— Pois eu lamento — Pandora dizia — O que quer está fora do meu alcance.

 

— Como é que é? — Suzaki abria a porta.

 

Pandora andou adiante, seguida pelo súdito. Ela pegou do armário próximo da entrada duas jarras lacradas antes de seguir andando. Os muitos prisioneiros novamente clamavam socorro, sendo ignorado pelos dois nos corredores. Suzaki entrou no laboratório encontrando Pandora ao lado de uma cama com tiras de couro para serem amarradas, continuando sua insatisfação:

 

— Não vou me agradecer por me fazer perder tempo. 

 

— Quando eu estudava animais, um dos experimentos que fiz envolveu criação de macacos filhotes em cativeiro.

 

Suzaki percebia a mulher desatando agulhas que prendiam seus cabelos, enquanto prosseguia oferecendo o leito a ele:

 

— A ideia era deixar o pequeno primata sem comida por um tempo, para então dá-lo o poder de escolha. Montei dois bonecos que pareciam vagamente com uma fêmea. O primeiro boneco era áspero, repleto de espinhos e arame, mas com a comida no topo. A segunda, um boneco macio e reconfortante, mas sem uma gota do leite materno que realmente precisava.

 

— E o que ele escolheu? — sentou-se na cama.

 

— Não é óbvio para você? — puxou da gaveta da escrivaninha ao lado dela um par de luvas. 

 

— Sem a comida ele morreria de fome.

 

— Exato — vestiu as luvas — e mesmo escolheu ficar com o boneco macio, abraçou ele como se fosse sua progenitora. 

 

— Levou o primata ao limite. 

 

— E ele me deu exatamente o que queria. Tire sua túnica e sua camisa.

 

Relutante, ele obedeceu. O corpo de Suzaki estava repleto de queimaduras. Em seu ombro, uma cicatriz de um corte profundo. Pandora analisou sua cobaia sem nem sequer pôr as mãos nele.

 

— O que ele te deu? — questionou Suzaki.

 

— A resposta. Animais como aquele filhote vão crescer para esquartejar um ao outro se preciso for, porém na necessidade podem ser dóceis até ao custo de si mesmos. Para nós é contraditório, mas para a natureza é apenas um cálculo de sobrevivência em relação ao conforto. Ele não podia ter a mamãe biológica dele para amamentar — subitamente colocou a mão na cicatriz em seu ombro, forçando com os dedos contra ela — assim preferiu fazer de conta que tinha uma, do que sobreviver — levou as mãos para túnica negra deixada de lado no pé da cama.

 

— Eu não quero nenhuma mãe, quero mais. 

 

— Mais do que causou no… como chamam mesmo? — estalou os dedos para lembrar — Céu limpo. O que poderia tornar indefeso a criatura que causou aquilo? — Pandora cruzou as pernas.

 

— Eu tive dificuldade porque o deserto não tinha nuvens. Mais que isso, o fogo me obriga a usar vento, mas isso não vem ao caso — segurava um braço com o outro — você disse que podia me deixar mais forte! 

 

— Para quem? — jogou a túnica de lado e o encarou nos olhos — Nosso amigo mascarado ou você?

 

Um silêncio se instaurou na sala antes da resposta direta e seca de Suzaki:

 

— Para mim.

 

Um sorriso cínico foi esboçado pela especialista, antes dela guiar o rapaz para se deitar. Ao mesmo tempo que amarrava seus pés e mãos, questionou:

 

— Passou tanto tempo na chuva para dominar as tempestades, porém seu domínio de água é inexistente?

 

— Técnicas elementais nos Ao são restritas à família. Os Chisei me ensinaram a lutar, porém nunca emprestariam sua manipulação elemental para um Sora. Só me ensinaram o básico.

 

— Entendi — ela pegava os óculos na escrivaninha, e preparava a seringa — Graças ao seu corpo mais evoluído, imagino que no máximo leve um dia inteiro para se adaptar completamente à nova praticidade. Eu diria que com suas reservas de energia por conta do Genkai, estará  manipulando água num nível bastante avançado.

 

— É isso que vai me dar? Manipulação elemental de água?

 

— Eu menti para você — enfiou uma agulha no braço de Suzaki — Um leão não precisa engolir algo maior como uma minhoca precisa. Só preciso fornecer um ajuste, pois ele já tem tudo que precisa internamente. 

 

Retornando a si, Suzaki acumulava o vapor em gotículas de água. Ele sentia seu iro se tornando um com a nuvem que havia formado. A nuvem acessa virarava um sol de cor azul, já fazendo relâmpagos atingirem aos poucos o solo. As palavras finais de Pandora enquanto apagava da anestesia ecoaram por ele:

 

“Consciência é a sua prisão. Você quer enxergar o animal que caça sua presa para comer, ao mesmo tempo que reconhece que ele também pode ser aquele filho que escolhe o conforto em vez da comida. Não sabe se está matando o monstro ou o pobre coitado. Essa dúvida só existe na cabeça dos humanos. Da perspectiva da nuvem que desce o relâmpago, eu te pergunto: As pessoas abaixo são tão diferentes das formigas que você pisa todo dia?”

 

Olhando para os Senshis desesperados para subir em meio àquela armadilha, Suzaki desceu o relâmpago concluindo:

 

“Não, os dois são iguais.”

 

Um único estalo ensurdecedor fez a estrutura do lugar explodir de dentro para fora, incendiando tudo num piscar de olhos. O edifício antes em ruínas agora não existia mais, assim como os homens de Chaul que nem ao menos terão um enterro digno. 


Restando apenas uma cratera de onde Suzaki saltou para fora com sua espada em mãos. Os Senshis que não haviam entrado estavam no chão pela onda de choque, se erguendo para ir em direção a Zeta agora desprovido de do manto vermelho consumido pela energia de seu poder.

 

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