Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume V – Arco 15

Capítulo 149: OPERAÇÃO ECO.2 (Campo Minado)

DIA 2, CAPITAL NOVO CAMINHO — MEIA NOITE.

A explosão cortou as luzes do distrito, levando todos ali à escuridão nebulosa da nevasca novamente. Abaixo deles, as cobaias de Pandora terminaram de içar as pontes ao redor das tropas aliadas. Ilhados no terço final de Novo Caminho, eles se preparavam para a chegada da Guarda Pacificadora, marchando em um som ensurdecedor. 

Aos ouvidos deles, pareciam centenas de milhares, porém outra coisa havia chamado atenção dos Senshis.

— Este cheiro — Yato se voltou para sua comandante — O gás está vazando. Não podemos usar fogo aqui.

— Vocês são inúteis sem fogo? Peguem suas espadas e lutem — protestou um Heishi — Ou esqueceram isso também?

— Que eu saiba não fomos nós que perdemos a guerra — disse Tomoe, pegando um espelho de suas vestes — mas não se preocupem covardes, eu vou na dianteira, a ameaça é menor do que aparenta ser. 

— Como ousa dizer isso? E onde está o seu Shiro? Sumiu desde a explosão!

— A minha decisão é final. Avancem pelos lados, exceto pelo rapazinho. Eu quero ele perto de mim.

Os Heishis se voltaram para Keiko confusos e raivosos com a ordem de Tomoe, mas o prodígio fez pouco caso. Na medida em que a aliança avançava, ela puxou deu seu espelho ao garoto determinando:

— Assopra.

Ao obedecer, Keiko viu seu reflexo borrar com o vapor condensado da sua expiração.

— Entendeu? — perguntou Tomoe, notando o aceno positivo do garoto — Ótimo, eu vou abrir o caminho para você, quero que faça o com o vazamento de gás — ela abaixou a sua altura sorrindo com os olhos fechados — consegue?

— Tá… bom — estranhou Keiko dando um passo para trás. 

— Certo — mudou sua expressão abruptamente, guardando seu espelho e puxando sua espada plenamente afiada das costas — vamos!

Com os olhos, o prodígio seguiu Tomoe, que dançava pelo campo de batalha, costurando os inimigos um após o outro. Seus inimigos mal lhe arrancavam um fio de cabelo.

A explosão havia incendiado uma rua inteira após a ponte. Keiko saltou por cima de uma ponte de gelo que se materializou ao seu comando, surfando por cima do rio. O gás vazava do subterrâneo, por uma cratera aberta pelo estouro de mais cedo. Os Heishis por outro lado avançaram às margens do rio, puxando parte daquela água para inundar a retaguarda Kuro

A onda engoliu algumas dezenas de homens, permitindo que os aliados pressionassem o inimigo dos dois lados. Debaixo do rio, Keiko pôde ver um grande número de cobaias raquíticas, sujas e fracas, rastejando para fora, com seus corpos emanando uma aura com raios azuis.

A eletricidade dos experimentos estavam em rota de colisão com a água. Keiko fez sua ponte de gelo angular para baixo, deslizando na direção da tragédia iminente. As faíscas tomaram conta da água, mas o prodígio aterrissou no caminho, congelando o rio e erigindo um paredão de gelo. Ainda assim, sua muralha foi rachada com o ataque, permitindo que parte do ataque penetrasse, atingindo alguns Heishis que caíram no chão com espasmos.

Com um chute, o garoto empurrou seu muro cristalino por um piso gelado sem aderência, acertando várias das criaturas que emergiram do rio. Na margem do rio, os Heishis pularam em plataformas de gelo, de onde puxaram toda a água daquela passagem rasa. 

O paredão líquido translúcido podia ser visto mesmo há algumas centenas de metros de distância. Keiko se lançou ao ar de novo, dessa vez tomando o lençol d’água para si o tornando sólido. 

A partir daquilo, ele cobriu a rua do outro lado da ponte em uma redoma de gelo onde ficou no topo para fornecê-la sua energia. Vendo de longe a escultura montada pelo prodígio, Tomoe sorria sussurrando: 

— Vamos lá, rapazinho.

Do lado de dentro, o gás que vazava era contido dentro das paredes da prisão confeccionada por Keiko. Os experimentos mudaram de direção, atacando as plataformas de gelo.

Foi então que Keiko sentiu alguma coisa partir sua redoma, como uma bala de canhão. Enquanto fechava o buraco, preservando a temperatura para liquefazer o gás ali dentro, ele viu o borrão branco rasgando a multidão de cobaias, aterrissando do outro lado com um delas na mão, Imichi anunciava seu retorno suspirando fundo:

— Foi por pouco, se eu não conhecesse essa cidade como a palma da minha mão, seria explodido. 

Assim que se aproximou de um dos experimentos derrotados, o Shiro ouviu ao invés de súplicas um aviso:

— Nosso encontro está marcado, Shiro — a cobaia balbuciou ao corredor branco  — Guarde minhas palavras.

Reparando nos olhos escurecidos da cobaia, Imichi fechou sua expressão.

— Vou querer uma audiência com o seu Cônsul. De você só quero que abra mão dessas pessoas. 

— Como queira.

Imichi foi obrigado a soltá-lo assim que ele eletrocutou a si mesmo, convulsionando até a morte em poucos segundos. 

— Eu sabia, toda aquela barulheira era falsa, alguém está produzindo os sons.  — se aproximou Tomoe do Shiro —  Graças ao garoto do gelo vamos poder esquentar as coisas de novo por aqui, ele é um talento nato — reparou na cobaia morta aos pés do Shiro — algum problema?

— Essas cobaias eram pessoas normais. Ouvi falar desse uso no deserto, mas essa é a primeira vez que vejo um de perto.

— Perto demais para o meu gosto — tapava o nariz com os dedos — vejo que esse aí acabou tomando um choque. 

— Ele se matou, mas a expressão dele… era serena — percebia Imichi — estão sendo controlados. 

— Como o que aconteceu com os Kishis no deserto — ajeitava seu cabelo — é, a presença daquele mascarado explica tudo.

— Nobura — Imichi fechava os olhos do cádaver aos seus pés com os dedos — Eles estão vindo com tudo. Eu preciso ter uma audiência com o líder deles o quanto antes!

Imichi avançou como um raio branco, a ponte voltava a abaixar. O restante das cobaias era derrotada pouco a pouco,  a Guarda Pacificadora atravessava a ponte lutando para se afastar dos Senshis e Heishis de todos os lados, que dominavam a região. 

A aliança estabeleceu o controle da segunda ilha de Novo Caminho debaixo de forte nevasca. O reconhecimento levou horas, principalmente durante a transição de homens e suprimentos pela ponte levadiça.

Quando a neve enfraqueceu, o dia já estava claro. O comando geral da expedição se reagrupou em uma praça, no pé da redoma de gelo, aproveitando a ausência de prédios ao redor para avistar qualquer sinal no céu. Foi então que Tomoe reconheceu um balão branco subir ao céu, depois outro a oeste. Eram os sinais de seus Senshis:

“Dois bairros com o gás selado. Fica difícil senti-los no subterrâneo, mesmo assim Yato e o rapazinho estão sendo bem rápidos. Mas está quieto demais, o inimigo não está vendo isso? Ou estão apenas nos deixando avançar?”

Enquanto isso, nas profundezas de Novo Caminho, Usagi via seu balão alçar voo pela abertura estreita do túnel: 

— Aqui também! 

Yato e seus Senshis vieram ao seu encontro para continuar a expedição. Cada um estava preso por uma corda, que levava até a entrada. Pelo caminho, o mirim puxou sua corda, alertando os ratos que rastejavam sobre ela. Keiko, que estava na frente de todos, deu um sobressalto com a aparição súbita dos pequenos roedores.

— Desculpa — disse Usagi.

— Qual o problema moleque? — provocou Yato — Nunca saiu de casa? 

— Sem graça — o menino emburrou a cara. 

— Vamos, está quase acabando — Yato ordenou com todos seguindo. 

Eles caminharam mais dez minutos para tapar mais um cano que corria pela catacumba, corroído pelo tempo. Antes de selar o buraco, outra ratazana pulou para fora do cano, grunhindo para o prodígio que vislumbrou por um instante um brilho esverdeado nos olhos da criatura, segundos antes de ser pisoteada por Yato.

Ao avistar o terceiro e último balão, Tomoe enviou uma segunda divisão para ocupar uma velha biblioteca. Na medida em que chacoalhava a poeira das altas prateleiras, os Heishis sentiram um cheiro diferente do mofo habitual. Imichi, que fazia rondas frequentes na região, escutou gritos: 

— Esse cheiro, o gás! 

— Querem nos matar?! — gritou um Heishi, apontando para o céu — o balão estava aqui! 

— Eu vou saber?! — respondeu Tsuyuki erguendo o punho — acha que eu queria matar eu e meu irmãozinho também?! 

— Irmão se acalma! — pediu Tsuneo, tentando puxá-lo. 

— Provavelmente foi um erro da equipe dos canos — explicou Yukirama entrando entre eles. 

— Erro de vocês! — reverberou o Heishi se afastando.

— Eu ouvi a comandante designar aquele cara do gelo — comentou Kento — deviam pensar melhor em quem estão criticando. 

— Basta, vocês deviam se apressar — apartou Imichi, aparecendo no meio deles — evacuem a área agora.

Disparando na direção da praça, Imichi pensava com os olhos no balão do céu:

“Se o balão está aqui então…”, ele desacelerava frente à comandante, esvoaçando seus cabelos: 

— Que bom que veio, vamos avançar para a terceira ilh…

— Conhece Seth? Um dos súditos. 

— O Midori dos portais. Qual o problema? 

— Ele trocou balões de lugar e está atraindo alguns dos grupos para áreas ainda inflamáveis — explicou Imichi — Preciso ficar de olho caso outro apareça. Se for o caso eu poderia atravessar o portal e alcançá-los.

— Estava demorando para eles voltarem — ajeitou o cabelo Tomoe — Foque nos portais, eu me encontro com Tsuyuki.

Imichi escalou uma torre do sino, acompanhando os balões com os olhos. Por sua vez, Tomoe levou suas tropas da praça para próximo da redoma de gelo, quando viu um rato escalando de volta à superfície por uma fenda na calçada.

“Então o inimigo estava de olho esse tempo todo. De onde?”, ela o seguiu, até que chamaram por ela.

— Comandante, estamos bem, por hora. Algum problema? — Tsuyuki se aproximava dela.

O cheiro de gás aumentava gradativamente a cada minuto, quando um portal surgiu nos telhados das casas. trazendo homens de uniformes negros, com faixas vermelhas nos braços. Tomoe virou para seus homens:

— Droga, corram! Dêem o fora daqui! 

A primeira ordem de recuada da principal era desordenada, mas eficaz, já que o ataque a seguir foi uma rajada flamejante que em segundos tomou o ar inflamável, estourando a ilha central de Novo Caminho em grandes destroços. Apesar do ataque à queima roupa, a redoma de gelo resistiu sem rachaduras. 

Ainda da torre do sino, Imichi avistou o primeiro movimento do inimigo em horror, quando um brilho verde chamou sua atenção pelo canto do olho: duas fendas prestes a engolir os balões lançados mais cedo. Entre saltos e piruetas ele deixou o portal escapar por um triz, caindo num telhado com dores leves. Não havia tempo para reclamar, ele correu para a ponte onde as tropas da biblioteca voltavam para a ilha central:

— A comandante foi emboscada. Busquem abrigo na primeira ilha, eu volto para salvar quem sobrou. Mais alguém ficou pelo caminho?

Outros feridos passaram por Imichi, sendo Yukirama um deles, nos braços de Kento, batendo a chamas das suas vestes.

— Foi tudo tão rápido — disse Tsuyuki com a espada em mãos — não dá para gente recuar tanto. Se essa redoma romper, o gás concentrado vai fazer um estrago difícil de escapar para qualquer um de nós. 

— Só vai — ordenou o homem da capa branca — E prepare-se para o pior. Eles virão atrás de vocês.

Assim que Imichi retornou, o bairro havia se tornado um pequeno inferno. Tomoe isolava as chamas junto com seus homens, utilizando das bolas de fogo que faziam para atacar soldados uniformizados, enquanto protegiam os Heishis

— Estão brincando conosco. 

— Jura? — ela suspirava fundo — Eu podia jurar que isso aqui era uma coisa bem séria. O relatório do deserto não falava de uma águia no céu? 

— Yato pressupunha que tivessem observando as tropas através delas. Por quê? 

— Eu acho que nosso problema agora é debaixo da terra. Temos uma infestação de ratos. Eles navegam aqui e em baixo pelas fendas das ruas. É a perspectiva perfeita.

— Ainda não explica o gás.

— Se os portais conectam dois pontos no espaço, com certeza podem conectar o que está dentro dos canos o que lado de fora — apontava a espada para os pretorianos que se reergueram — Anda, liga os pontos. Não dá para eu pensar por você enquanto luto. 

— Se isso for verdade, então a equipe do subterrâneo está… 

— Precisamos acabar com eles aqui, e se reagrupar imediatamente — interrompeu Tomoe. 

Liderados por Yato, as tropas Senshis se assustaram com a explosão que ecoou do lado de fora pelo subterrâneo de Novo Caminho. Quando a batalha eclodiu acima, a som ouvido por eles não parou de soar como um alarme pelos dutos:

— Mas o que é isso? — levou a mão aos ouvidos. 

— Como essa explosão aconteceu? — perguntou Usagi. 

— Venham! — gritou Yato, com sua voz ecoando. 

A medida que o som do estouro parou, eles se aproximaram de uma das camadas de gelo feitas por Keiko, a criança arregalava seus olhos para um portal de pontas verdes, dando passagem para o outro lado, como se a abertura nunca tivesse se fechado:

— Impossível! 

A reação do prodígio gerou um eco pelos dutos, que ganhou mais altura a cada repetição, como se um loop sonoro tivesse se instaurado de repente:

— Impossível! Impossível! Impossível! 

A voz fina de Keiko se transformou em algo fantasmagórico, como se um gigante estivesse à espreita da equipe do subterrâneo. 

— Que bizarrice é essa! — clamou um deles. 

Um estalo estridente reverberou pelas paredes secas. Aos ouvidos de Yato parecia que o impacto ocorreu bem ao seu lado. Eles correram até a origem, quando escutaram passos, ritmados por um tilintar de metal, semelhante a pequenos sinos.

Saindo da esquina, chutando o sangue dos sapatos, com um chicote enrolado nos braços, veio uma garota. Pele escura, coberta por uma capa preta, cantarolava para si mesma até se deparar com o vice-comandante. De repente, sua voz aguda se tornou grave como a de um senhor de idade:

— Um novo mundo, brilhante, colorido e feliz para vocês! Aos homens e mulheres de bem que herdaram o legado de união do povo lendário.

— As roupas — Yato sussurrava a Keiko — É uma súdita.

— Mas para vocês, divisores ingratos e beligerantes, tudo o que sobra é provar do seu próprio veneno. Uma casa contra si mesma, lavando seus pecados com o próprio sangue — ela continuava rodopiando de um lado para o outro até que voltou para sua voz original — Ó grande Adamu, que dobra até a mais forte das vontades, conceda a essa serva inútil um fim digno e indolor.

— Os Senshis da retaguarda — Usagi temia pelo pior, ao ver o rastro de sangue de onde a súdita vinha — Essa não.

— Entregue a mim, seguidora daquele que herda a sua vontade — ela desenrolava o chicote — a força para me entregar a ele não apenas em mente, não apenas em coração, mas em corpo. Sim! Que o meu corpo seja um veículo para a morte!

Com uma batida da sua arma, uma onda rasgou o ar. Keiko se antecipou, erigindo um muro de gelo que se estilhaçou ao menor contato com o golpe. Usagi olhou para trás, a batida ainda assim atravessou alguns homens, cujas armaduras explodiram, alguns tinham seus membros separados do corpo.

— Essa garota com voz de homem, eu nunca vi alguém manipular ar assim.

— Não me parece ser só ar — disse Yato, enquanto Keiko subia outra barreira.

Yato gritou para seus homens virarem a esquina, antes da segunda chicotada romper a barreira de Keiko, acertando o vice-comandante de raspão no braço esquerdo.

— Senhor — Usagi o apoiava na parede — Eu posso convocá-los para incendiar o…

— Não. Ainda sinto o cheiro de gás aqui. Qualquer fagulha e esse lugar vai pelos ares — de repente um vulto gélido passou pelo comandante — ei, espere garoto!

Por sua vez, o prodígio do gelo ignorou, não esperandopor permissão, patinando pelas paredes em trajetória circular até chegar na sua oponente. Do ar, ele materializou uma placa fina de gelo e mirou no pescoço. A garota entrelaçou sua longa arma ao redor da lâmina, de modo que um giro de seu pulso partiu o gelo. Do som agudo daquele estilhaço, uma pequena onda se propagou na direção de Keiko, abrindo um corte em seu pescoço.

O garoto agarrou o membro que despejava sangue o assustando, tentando puxar ar na medida que suas mãos trêmulas e arroxeadas pressionavam a ferida enquanto congelava suas veias escancaradas. Usagi e Yato testemunharam o garoto se encolher em seu casulo de cristal para absorver a próxima chicotada da sua adversária, cujo impacto já deixava rachaduras profundas. 

— Ataquem, não podemos perdê-lo — Yato dispensou a ajuda de Usagi, e avançou.

Pareados pelo ombro e se protegendo por escudos, os Senshis liderados por Yato avançaram como um muro contra a súdita, que precisou direcionar sua próxima chicotada à ameaça iminente. O centro da formação teve suas proteções destruídas, mas as pontas continuaram com seus escudos. Yato pediu um deles e o arremessou, obrigando a garota a escapar por um dos túneis. 

— O que deu em você? — Usagi se aproximava do casulo de gelo — Está ferido!

Pela fenda aberta pelo ataque da súdita, o mirim via Keiko com uma respiração fraca, sangue espirrado pelas paredes translúcidas. Aos poucos o rapaz ficava de pé, afrouxando os dedos ao redor da garganta selada por uma camada de gelo antes de abrir sua concha e apontar para o ouvido.

— Escutar? — perguntou Usagi — O que isso tem a ver?

Keiko apontou para súdita depois para o ouvido, depois bateu uma palma e apontou para seu pescoço, suturado com gelo.

— Ela controla o som? — Usagi procurou afirmação de seu vice-comandante — por que não disse logo?

— Uns dois centímetros para dentro e ele estaria morto, imagino que ele não consiga falar, deve ter perdido as cordas vocais — disse Yato a frente dos dois, empunhando sua espada.

— Mas como a gente para alguém que controla o som?! — exclamou Usagi.

Novamente, Keiko gesticulou chicotada com o braço.

— Ele tem razão, o som da chicoteada são os ataques dela, mas até parece que vai ser fácil tirar eles das mãos dela — reconheceu Yato — porque todos eles sempre são aberrações?

— Aberrações, eles diziam — uma voz adulta e idosa como antes ecoava pelos corredores — Como você ousa almejar mais do que a comida dos ratos? Eu vos digo, a sua insolência será a sua ruína! 

— Feche os corredores com vazamento de gás, moleque — ordenou Yato, enquanto acenava para os Senshis se aproximarem — Precisamos das nossas melhores armas.

O vice-comandante seguiu os sons até a origem. Na medida em que o sermão se intensificava, o cheiro do gás se esvaiu. Os Senshis finalmente sacaram suas espadas e facas, preparando para lançar suas faíscas. A voz do sermão continuava fora de contexto:

— Você é a maior de todas as aberrações, Shunara! Isso, não adianta se esconder. Eu te pergunto, por que ainda visitas este lugar sagrado? Apenas para semear discórdia? Fazer-nos duvidar da nossa fé? Nos privar do nosso glorioso destino?

— De onde essa maluca tá tirando isso? — Yato murmurou a si mesmo — Ela está perto. O som está crescendo.

— Pois eu te digo — ela continuou na voz de outro — Se gosta tanto desta vida, vou te dar uma demonstração do que ele é capaz — o som de um estalo de chicote — Quem sabe você aprende nossos meios, pela dor já que o amor não bastou.

O próximo estalo desabou uma parte dos túneis bem à frente das tropas de Yato. O segundo colocou o restante da passagem abaixo. De um dos túneis de gás selados o prodígio foi lançado pela sua própria barreira, reencontrando o Yato. Tão rápido foi derrubado, o menino congelou o chão abaixo da súdita, amortecendo seu chicote no momento do seu impacto. O som gerado sequer teve forças para rasgar as paredes como antes.

— Droga, é melhor isso valer a pena! — Yato entrou no túnel para ajudar Keiko.

— O que vai fazer? — questionou Usagi, tentando puxar seu superior — Senhor!

Keiko foi logo atrás do Senshi. Depois do chão, ele envolveu as paredes com gelo. Shunara continuou a chicotear a superfície de gelo, arremessando os estilhaços no escudo de Yato. A segunda estalada de seu chicote foi nas paredes, mas dessa vez o gelo resistiu ao golpe, criando um som oco que mal conteve o avanço dos dois lutadores. 

Antes que pudesse dar um terceiro, Keiko arremessou estrelas cortantes de gelo, dos quais ela precisou se defender. Yato estava mais a frente e aproveitou a oportunidade para pressionar a súdita contra a parede com o escudo. 

— O desespero de vocês — ela dizia com sua voz natural — é tão excitante!

— Isso é por todos que matou, sua maluca! — Yato mirou a ponta do escudo no pescoço da súdita.

Sacando uma faca do bolso, Shunara riscou o gelo atrás dela, fazendo um som cortante que atordoou Yato. Então ela entrelaçou seu chicote no pescoço do vice-comandante, até ser congelada nos pés por Keiko.

— Você é o próximo — ela respondeu olhando diretamente para o garoto, dessa vez com a voz fantasmagórica. 

Shunara desistiu do pescoço de Yato, que caía no chão puxando ar, para bater novamente nas paredes. O espaço fechado fez as ondas reverberarem pela camada de gelo, lascando a formação até ela poder liberar sua perna. 

— Rápido — Usagi entrava no túnel — senão o lugar vai…

Os Senshis do lado de fora do túnel tentaram segui-lo, mas o ataque de Shunara desabou a passagem.

— Não era para você ter vindo — exclamou Yato.

— Eu tenho que ajudar!

— Isso, mais cordeiros para o sacrifício — gritou Shunara, preparando outro estalo.

Quando ergueu o braço, Keiko se lançou contra ela, disputando pela arma. 

— Um azul. Quer ouvir uma história? — a súdita comentava entre risadas — Eu acho que você vai gostar dessa.

As mãos de Keiko congelaram o braço de Shunara, que abriu mão de seu chicote, mas usou o outro braço com a faca, passando perto de acertar o jovem Ao no pescoço. O garoto protegeu sua ferida, recuando, mas Yato veio logo em seguida para tomar o chicote. 

Pegando pedaços da parede de gelo, Usagi também atirou tudo que tinha na súdita. Um dos pedaços perfurou seu ombro, arrancando dela um grito de dor tão forte que o som novamente virou uma arma nas suas mãos, decimando o que sobrou das paredes de gelo. 

Os pedaços cortantes caíram sobre todos, o mirim se encolheu num canto, com os membros superiores dormentes com o sangramento. Yato também deixou o chicote em sua posse escapar pelas feridas, quando Shunara foi diretamente até Keiko, emitindo da garganta gritos de terror e súplicas por ajuda em meio a uma tempestade. Uma sinfonia de morte vinda diretamente do massacre orquestrado por Suzaki.

— O príncipe Suzaki, enlouqueceu! Socorro!

O rosto de Keiko se avermelhou com raiva. Yato podia sentir, mas quando tentou chegar até ele uma nova parede de gelo foi erguida, separando os dois dos Aka no mesmo corredor. 

— O que está fazendo, moleque? — Yato batia no muro.

— Quem você perdeu? Me conta, foi esse — Shunara imitava uma voz — Ou essa aqui? — tentou outra — podemos testar até você encontrar a pessoa certa. 

Pela parede translúcida Yato pôde ver o garoto rastejando pelo chão até que encontrou um par de espadas.

— Ele vai fazer o que eu tô pensando? — perguntou Usagi.

— Moleque — Yato bateu na parede de gelo — Não faz isso! Isso vai acabar matando…

— Isso, anda — a súdita atiçava o garoto acuado.

Quando Shunara escutou os dois metais na mão de Keiko colidirem, já era tarde. Com apenas uma faísca, a explosão rompeu o bloqueio de gelo, as paredes laterais e até mesmo o teto das catacumbas.

As forças aliadas nas ruas viram o chão se abrir com violência, cuspindo fogo e destroços para o céu. Tomoe viu seus companheiros recuando na medida em que os prédios de bairros próximos desabaram sobre a ruína dos túneis ao ponto de chegar no edifício de Keiko. Dessa vez, a superfície rachou de cima a baixo.

— O que aconteceu lá embaixo? — ela perguntou a si mesma, antes de chamar seus homens — Protejam-se, os pretorianos virão com tudo!

Sem perder tempo, os pretorianos lançaram bolas de fogo que terminaram destruir a redoma de gelo. As chamas do ataque se misturaram com o vazamento de gás iniciando uma enorme explosão que iluminou o céu em um pilar de chamas, visível até mesmo nos arredores da cidade. 

Os reforços que estavam no final de sua viagem, apressaram seus cavalos com a visão e a onda de choque do que acabara de acontecer.

— Tão vendo o que a lerdeza de vocês fez? — gritou um sujeito de tapa olho, disparando na frente — Eu não vou perder, pela preguiça de um bando de mulherzinha! 

— Chegar sozinho seria morte certa de qualquer forma, principal — disse Riki, tentando acompanhá-lo — Temos que chegar juntos.

— Tomoe, é melhor você deixar a diversão para mim — concluiu Date. 

 

 

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