Volume V – Arco 14
Capítulo 139: Uma Chance
Com o portão de Doa escancarado, a Guarda Pacificadora avançou sobre o lar das lideranças Aka. Contudo, o que foi encontrado pelas tropas lideradas por Hidetaka foi uma cidade fantasma. Apesar do saque e da pilhagem, os Kuro enfrentaram a resistência Akaem ruas desertas, recuando e evacuando os cidadãos distrito a distrito todos os dias.
A população era reunida em castelos e bases espalhadas pela cidade. Em uma semana, o pelotão liderado por Masaki reunia a última leva de moradores em um pequeno castelo com vista para a fortaleza central.
Enquanto os Senshis protegiam as barricadas para afastar os inimigos, os mirins batiam de casa em casa. Há algumas quadras, havia a porta levadiça baixada para a entrada do castelo.
— Por que temos que deixar nossas casas?! Como a guerra bateu à nossa porta tão rápido?! — questionava um morador com seu filho no colo.
— É para sua própria segurança — insistia Usagi.
— Segurança uma ova, são pagos com nossos impostos para nos proteger!
Yanaho observava a discussão entre os adultos e cidadãos, reparando em outra criança tentando afastar seu próprio pai furioso, quando uma mão alcançou seu ombro:
— Distraído? Esses riquinhos daqui são um pé no saco.
— Ninguém gosta de ser tirado de casa assim, Ren. Principalmente quando não sabe se vai voltar para ela — respondeu, virando as costas para o companheiro.
— Ei, ei, espera aí! Qual foi? Tá tudo bem? — agarrou o mirim pela nuca — você salvou a gente daquela enrascada com aquele seu… vento mas antes daquilo estava com esse mesmo olhar de cachorro abandonado.
— Estamos fugindo há dias, a ajuda não chega. Quanto tempo ainda temos?
— Bem, eu tô com fome mesmo.
Os dois continuaram ajudando outros moradores na organização para saída do distrito. Aquela rua era a última, o restante já havia entrado para dentro das muralhas estreitas do refúgio, quando explosões foram ouvidas. Nos muros, Masaki, acompanhado de Kyoko como sua sombra, viu seus Senshis recuarem abaixo:
— Qual a situação?
— Pretorianos, as barricadas foram rompidas!
— É a primeira vez desde o bosque — perguntou Doku, olhando para Masaki — Qual o elemento desta equipe?
— Fogo — respondeu o Senshi — Chamas brotaram do chão de repente, senhor.
— Dependendo do volume do avanço isso pode acabar conosco — sugeriu Doku.
— É, mas ainda temos mirins com a última leva de moradores. Vão encontrar o último time de evacuação— ordenou Masaki estalando os punhos — eu até pediria pra você ficar de olho na garota — apontou para Doku — mas preciso que venha comigo.
— Sem o rio não sou de muita utilidade. Os Heishis estão no perímetro da cidade há semanas porque você não deixou ninguém além de meia dúzia dos meus homens entrarem…
— Só confia em mim.
— Kyoko — se virou para a garota — se reúna os Heishis lá em cima, coordene eles para o fechamento da porta, quando todos tiverem passado — ordenou Doku, antes dos dois partirem.
O estrondo do rompimento da barricada chegou nos ouvidos de Yanaho, Ren e dos outros mirins. As ordens do grupo de Masaki que passou por eles na direção contrária foi para acelerarem. Eles partiram sem olhar para trás, debaixo de uma chuva de destroços, pedaços de casas em chamas, cortesia dos pretorianos.
Kyoko assistiu à debandada debaixo da artilharia inimiga. Um telhado desabou na rua, Ren caiu. Yanaho o ergueu, colocando o rapaz nos ombros de novo. O grupo de moradores atingiu a porta, mas a dupla do mirim com o Senshi por dívida estava desgarrada, atrasada do resto.
De repente, os Heishis levaram as mãos as cordas enquanto ainda havia Senshis no caminho.
— Ei, espera! — Ren via de longe.
— Quem ordenou isso?! — Yanaho tomou a frente.
Alguns Senshis saltaram para dentro, outros ficaram pelo caminho gritando com os responsáveis. Yanaho finalmente se uniu ao restante do grupo:
— O que aconteceu? Por que ainda estamos aqui?
— Pergunta para mim? Droga, pelo menos Jin e Usagi chegaram do outro lado — Tsuneo falava indignado — Droga, qual o problema deles?
A Guarda Pacificadora surgiu na rua, em pleno combate com os Senshis. O avanço deles, porém foi interrompido por rachaduras nas canaletas da rua, que brotaram água o bastante para uma bolha se formar ao redor deles.
Afogando no próprio esgoto que ganhava vida, eles viram seus companheiros tentar espadas para furar a bolha do lado de fora apenas para uma torre na esquina cair sobre eles. Os Senshis voltaram a ganhar a terreno e a porta começou a finalmente descer. Saindo de cima dos destroços, estava Masaki. Doku saía dos esgotos pouco tempo depois.
— Eu disse que ainda tinha água — Masaki deu de ombros.
— Ela é imunda — protestou Doku, chacoalhando as mãos da sujeira — Mas é o que esses animais merecem. Sorte que os pretorianos só furaram a barreira. Estaríamos encrencados se tivéssemos que lidar com eles.
— Tem alguém que ainda quer encrenca — comentou Masaki, olhando para o castelo — e está do outro do muro.
Masaki e Doku foram os últimos a voltar para o castelo. Em pouco tempo, eles foram recebidos com as mesmas brigas de antes:
— Como se atrevem?! Vocês só tinham que levantar a porta na hora correta! — ameaçou Takuma.
— A ordem foi dada, apenas seguimos — respondeu um homem de armadura indiferente.
— Quem ordenou?!
— A garota — respondeu Masaki, encarando Doku.
Kyoko, que antes parecia apenas mais uma na multidão, virou o centro da atenção de todos que enxergavam ali:
— O correto era levantar o portão o quanto antes.
— Mentirosa! — gritou Yanaho indo em sua direção, sendo segurado por Yukirama e os demais mirins — Era para deixar todo mundo passar. Como você não viu a gente atrasando?
— Não são vocês os guerreiros aqui? Achei que lutariam por esses moradores.
— Chega — interrompeu Masaki puxando-a pelo braço — você está presa pelo crime de traição. Doku, dispense seus homens, eu quero só você aqui.
— De acordo — respondeu Doku.
Os olhos de Kyoko cresceram para cima de Doku. Antes que pudesse alcançá-lo, o Principal a puxou para perto de novo. Sua próxima vítima foi Yanaho, ainda encarando toda a confusão estarrecido.
— Dane-se — esticou o pescoço e cuspiu nos pés do mirim — vocês me traíram primeiro!
Ela era levada, ao passo que os Heishis se retiravam ao comando de Doku. Yanaho permaneceu ali, sem nem sacudir a saliva da garota de seus sapatos.
— Desculpa perguntar — se aproximou Ren — mas qual o problema dela contigo?
— Ela sabem quem eu sou. E isso só pode ser por conta do… — cerrou os punhos contendo o nome.
— Do…? — cresceu os olhos Ren, mas permaneceu sem resposta.
— Suzaki — sussurrou Yukirama completando — eu fiquei sabendo também. Seu amigo deixou uma marca e tanto.
— Está ruim lá? — perguntou Yanaho.
— Pior do que pode imaginar.
— Heishis comandam territórios praticamente sem lei — comentou Umi — não tem muito dos tais ‘nobres’ sobrando depois do tal massacre.
— E daí? O que isso tem a ver com a gente, afinal? — perguntou Ren.
— Tem a ver comigo — tomou a frente Yanaho — Eu preciso ir até ela.
— O ressentimento dela é com Suzaki — Yukirama segurou o ombro dele — você no máximo faz ela lembrar dele. Não precisa ir se não quiser.
— Esses caras são malucos, Yanaho — insistiu Tsuneo — Deixa essa louca para lá. Você só vai estar dando mais brechas.
— Me desculpa — se soltou das mãos do companheiro — eu preciso saber. E além do mais, o que ela vai fazer comigo? Cuspir atrás das grades?
— Vai lá — Ren bateu nas costas dele — A gente te cobre — olhou para os mirins se dispersando — né?
Sozinho, Yanaho desceu para as profundezas do castelo com a permissão dos Senshis em guarda. O calabouço era completamente escuro. A escuridão era absorvida pelos de Yanaho, na medida em que se guiava pela reverberação dos protestos da única prisioneira ali:
— Seu, desgraçado! Está fazendo tudo o que esses vermes querem! Espera só até… — Kyoko se aproximou das grades — Quem está aí?
Sacando uma faca com sua espada, Yanaho riscou as duas lâminas, acendendo a tocha na parede oposta à cela. A visão do mirim a fez recuar.
— Sai daqui!
— Eu saio, é só preciso saber de uma coisa — se aproximou da cela — Ele traiu você também?
— Seu amigo de longa data?
— Ele não é meu companheiro, pelo menos não mais.
— Tá se comparando comigo? — empurrou as grades com os braços — Acha que isso nos faz aliados? Faz ideia do que ele… O que Suzaki tirou de você, afinal?!
Yanaho olhou para sua cicatriz na palma da mão por um instante:
— Suzaki e eu fizemos uma promessa há muito tempo atrás, só que desde então o garoto caladão e gentil que conheci desapareceu. Pior, ele também… Quer saber, você não foi a única pessoa que perdeu alguém.
— Oh que peninha — o encarou de canto — seu amigo nunca existiu? Ele era mais do que isso para muita gente para no final ser mais um que usou e descartou a gente. Deve ter aprendido com vocês.
— Então é verdade que Suzaki falou de mim para vocês. Isso tudo foi parte do Rito? Era tudo uma mentira?
— Ele fez mais do que só falar dos vermelhos.
— Do que você tá…
— Ele falou de você para mim, tá? Feliz? Mas olhando de perto — mediu Yanaho de com os olhos — Deve ter sido mais uma das mentiras dele. “O garoto que sempre se levanta” implorando pela aprovação dele. Isso porque não são mais amigos…
— Não sabe nada sobre mim.
— E você sabe de mim? Já acordou um dia sem saber o que vai comer? Como vai manter sua família viva? Pode vestir essa roupa de guerreiro, mas você ainda é uma criança sem responsabilidade nenhuma, correndo atrás do amiguinho perdido — deu as costas — Eu nunca precisei de ninguém para nada e eu não preciso da sua pena agora.
— Ele me ajudou também.
Kyoko não respondeu. O mirim prosseguiu:
— Isso era tudo parte de alguma missão? Foi assim para você também?
— Eu estava desesperada por remédios — abraçou a si mesma — viajei dias para encontrar só para um Heishi tomar de mim. Ele apareceu foi bem convincente comigo.
— Na última batalha no deserto, Suzaki ajudou a matar meu amigo — Yanaho se apoiou na grade — eu nem posso enterrá-lo. Antes disso, a gente quase matou um ao outro. Eu não sei quem foi o cara que eu conheci. O que ele tirou de você?
— Quando Suzaki chegou em minha vida, eu comecei a acreditar que eu era importante para alguém. Que se eu ficasse do lado dele as coisas poderiam mudar, assim como mudou a situação da minha família. Ele era forte, fazia de tudo, vencia de qualquer um. Eu acho que… ele conseguiu o que queria da gente.
— E o que era? Quando isso mudou?
Kyoko levava a mão ao lado esquerdo de sua face. Antes de se virar, enxugou suas lágrimas:
— Quando os Heishis vieram atrás dele na minha casa! Muitos amigos morreram, mas ele não deu a mínima. Tudo que queria era fazer os Heishis sofrerem. Eu vi ele espancar o próprio irmão bem na minha frente.
— Suzaki nunca me disse que tinha um irmão. Algo deve ter acontecido.
— Você acha? Então por que eu nunca mais vi ele depois disso? Ele voltou para te ver, foi?
— Não, mas eu também não tava na condição de… — Yanaho abaixou a cabeça.
— Pela primeira vez, eu te entendo garoto — se aproximou da grade — Se não fosse tudo culpa de vocês. Eu teria atépena.
— Espera — ergueu a cabeça — Foi na invasão dos Heishis que perdeu a sua família? Que Aka estava lá?
— Para de se fazer de idiota — socou a grade — está achando que sou uma palhaça?!
— Eu não sei do que está falando. Como a sua família morrer foi culpa dos Aka? Me fala.
— Eu perdi tudo até aquele dia porque eu era fraca, mas agora eu não admito mais isso! — bateu de novo na grade — Serei forte por mim mesmo, para buscar vingança por elas! Contra ele e contra vocês!
— Você está maluca.
— Não, não — levou as mãos a cabeça — eu nunca vi as coisas com tanta clareza, eu vou te contar. Seja lá o que pensa de Suzaki, era tudo um plano para dominar os azuis e ele usou os mais fracos, como você, para isso. Quando viu que não ia conseguir, fugiu deixando a pulsação como último ato de vingança
— Pulsação… — arregalou os olhos, Yanaho — O que foi que disse?
— Nada, vai embora! — Kyoko afastou-se das grades.
— Repete! — bateu na grade Yanaho, Kyoko caiu no chão de susto.
— Kyoko, está na hora de comer! Quem acendeu o corredor? — Uma voz surgiu nas sombras pelas costas, o passo apressado revelou o comandante Doku com uma tocha em mãos — Yanaho, você não devia estar aqui, vá embora!
— Deixa — encarou Kyoko nos olhos — Quer saber, já tava saindo mesmo.
Os dois enviados do imperador aguardaram até a última subida na escada do garoto para se certificar de que estavam a sós.
— Vai me deixar apodrecer aqui nesta cela por quanto tempo? — indagou Kyoko.
— Depende de você. Acho que já estragou planos o suficiente por hoje. Mais uma palavra e ele saberia sobre a pulsação. Está sabotando o Imperador?
— Eu? Eles me prendem aqui, e você só ficou do lado deles até então! — voltou a se levantar — pensei que queria a cabeça do Suzaki. Pensei que os vermelhos não passavam de vermes.
— Temos papéis a desempenhar, criança — se virou — precisamos da confiança deles. E se você se recusa a isso, vou torná-la parte da minha fachada. Eu não ligo, no final a escolha é sua. Quem está esperando por você é sua irmã. Por quanto tempo ela consegue?
Kyoko chutou as barras de ferro em raiva com a partida do filho de Tadashi. Ao notar que estava sozinha, se recolheu a um canto da cela, abraçando seus joelhos.
As ruas ao redor da base Senshi foram poupadas de ataques pelo resto da tarde. A poeira dos conflitos sucessivos abaixou, revelando uma visita nos portões de onde Masaki havia se enfiado. Novamente desarmado, Makoto acenou aos sentinelas que baixaram a porta.
No instante em que pôs os pés nos corredores do lugar, Makoto devolveu uma caixa caída para as mãos de um Senshi que trazia consigo uma pilha delas. Outro agarrou sua perna, suplicando por ajuda, seu tornozelo esquerdo putrefato, exposto para todos verem. Ele o carregou nos ombros, enquanto outros imploraram pelo mesmo tratamento. Infelizmente, o assistente de Naohito era um só e a fila para atendimento virando o corredor guardava muitos.
— Você fica aqui — escorou o homem na parede, no fim da fila.
— M-Mas como eu vou… — questionou até sentir um influxo de energia pelo seu corpo. De repente, ele conseguia se erguer ainda de um pé só — O-Obrigado.
— Onde posso encontrar o comandante?
— O do martelo? — riu de si mesmo — Ele nem usa mais, né? Desde a última luta ele não para quieto num lugar.
— Desculpa ter perguntado — virou de costa.
— Não — o homem segurou seu braço — Ele sempre vai checar os cidadãos. Vai lá e vai encontrá-lo. A maioria fica enfiada nos santuários.
O lugar mencionado pelo Senshi ficava em um prédio adjacente ao castelo. Makoto encontrou a capela profanada. O mármore para oferendas do lado de fora foi trazido para dentro para servir de mesa, onde serviam comida. E lá estava Masaki, enchendo os pratos para outro Senshi distribuir.
Assim que o viu, Masaki dispensou seu subordinado para que sua visita se prestasse a ajudá-lo.
— Eu te chamei ontem, garotão — disse Masaki, enchendo a concha com sopa.
— Decidi que era mais apropriado eu entrar por esse portão de pé, do que ter meu cadáver levado até você recolhido das ruas — Makoto ofereceu uma tigela vazia.
— Os pretorianos foram uma surpresa hoje. A semana toda nenhum sinal — encheu a tigela — Eles estão se preparando para o golpe final.
— Com as ruas liberadas, Doa vai virar uma zona de guerra — entregou a comida a uma criança — Seus homens estão prontos para lutar de um lado enquanto alimenta o outro?
— Eu vou para a fortaleza esta noite — estendeu a concha cheia novamente — para fazer a defesa do Rei Chaul.
Makoto hesitou em oferecer outra tigela vazia.
— O que te fez mudar de opinião?
— A fuga não é mais uma opção para os anciãos — Masaki puxou a tigela das mãos de Makoto e a encheu — Para mais ninguém.
— E-Eu não entendo… Temos túneis que ligam a fortaleza diretamente com a saída norte. Em poucas horas eles estariam…
— Estamos suspensos acima da terra — entregou a tigela ao próximo da fila.
— Então porque fazer alguma coisa agora?! — Makoto ergueu a voz — Se ninguém vai escapar…
— Porque agora vocês terão que jogar pelas minhas regras e sair do meu caminho.
Makoto parou de dar tigelas. Os moradores na fila protestaram, mas Masaki logo os serviu sem ajuda.
— Pretende enviar os anciãos numa fuga de mentira só usar a fortaleza como uma armadilha contra os inimigos.
— Eu não era o cara certo para vir, garotão. Vou ter que dar meu jeito para nos tirar dessa.
— Com uma equipe de Senshis dedicada, talvez possamos protegê-los. Escondê-los por alguns dias até que os reforços cheguem.
— Os reforços não chegaram há uma semana. Isto aqui — olhou para a panela — É só água com que os mirins rasparam do fundo do barril de comida que acabou há três dias atrás. Estamos sem tempo. Nossa última chance de atacá-los de igual para igual é agora.
— Você só queria se certificar que os cidadãos estivessem seguros — olhou para as pessoas.
— Com a população dividida entre as bases da cidade, alguns vão sobreviver. Tudo vai depender de quantos vamos levar junto conosco.
— Espera, está mesmo considerando o fim? Você é melhor que isso não é possível que…
— Em momento algum você negou meu plano. Está considerando mentir para os anciãos para termos uma chance de vitória?
— Se eles ficarem, eles estão mortos. Fugindo, eles ainda terão uma chance — Makoto reparava num sorriso se abrindo no rosto de Masaki — O que foi?
— É assim que se fala, garotão — deu um tapa nas suas costas — É assim que se fala.
Quando a lua já estava no céu, as portas da base desceram novamente para um verdadeiro pelotão percorrer pelas ruas de Doa, liderado por Masaki a cavalo. Ao chegarem na fortaleza central, o lugar estava cheio de Senshis, mas nenhum ancião à vista. O Senshi do martelo foi o primeiro a descer da montaria, Makoto correu para o seu lado. Tatsu recebeu o Principal com um aperto de mãos:
— Fico feliz por ter reunido a coragem para aparecer, Principal. Reuniu tantos de nós para esta sessão e nenhum Heishi o acompanha? Estou decepcionado. Onde está o martelo?
— Gosto de guardá-lo para lutas realmente importantes. E a Câmara Carmesim?
— Em preparação para sua presença — deu um passo para o lado, apontando o caminho — Por favor espere o alarme para chamá-lo.
Makoto passou pelo responsável pela sessão da Câmara sem dar uma palavra. Os Senshis de cada base espalhada pela cidade se reuniam ao longo daquela hora na fortaleza, mas nenhum sinal das tropas imperiais azuis. Masaki assistia a entrada de seus homens pela janela dos corredores no prédio principal da fortaleza, quando ouviu passos se aproximando dele, no ritmo da batida de uma bengala.
— Estou velho, mas não tanto para começar a delirar. Cadê seu martelo?
— Por que precisaria dele agora?
— Está desviando da pergunta — mancou até Masaki — pelo seu olhar, já sei o que foi. Já é um homem para depender de seu professor para te dar armas novas, vai ter que pagar por outra.
— Eu vou só tomá-la de volta.
— Tomá-la de… — o velho se indignou — É pior do que pensei. Que vergonha! Se arrependimento matasse, estaria morto aqui mesmo.
— Martelo era o instrumento de trabalho da minha família por gerações. Eu não aprendi a usá-lo graças a você.
— Ah é? Foi por isso que quando você pisou no internato ainda usava uma espada? Admita, garoto, eu tinha um bom olhar para as coisas. Você era bom em destruir, precisava de uma arma do seu tamanho.
— Era bom?
— Era! E se perder hoje, nunca mais vai ser bom em nada.
Os dois pararam um na frente do outro, com expressões fechadas, antes de cair em risadas.
— Não mudou nada com a idade, professor.
— Sua paciência permanece intacta, mas professor… Tá aí um nome que esperava nunca ouvir de novo. Engraçado como as coisas são, você acha que serve para uma coisa daí se vê em outra.
— A forma como você faz uma coisa, é a mesma forma que você faz todas as outras — Masaki se voltou para janela, onde os Senshis faziam fila para entrar na Câmara — É simples assim.
— Mas ser bom em algo não te torna bom em outra coisa. Olha para esses homens, eles sabem disso. Escolhem você para decidir as ações no campo de batalha, porém vão escolher a mim para decidir quais campos de batalha irão.
— Estou representando o Supremo e o Rei, não a mim mesmo.
— Enquanto trabalha por fora para o Oda? Os Principais têm privilégios demais. Eu vou mudar isso. Você sempre foi aquilo que precisavam no momento. E agora, eu preciso que você falhe lá dentro e tenha sucesso lá fora pelo bem de todos nós.
— Quando a votação terminar, uma tropa estará aguardando os anciãos na Mansão dos Lírios para levá-los aos túneis — saiu andando dali — Esteja lá.
A Câmara estava finalmente lotada. Nem mesmo os mirins tinham espaço para entrar, ficando relegados a ouvir do lado de fora junto com os Senshis por dívida e os sentinelas das muralhas. Masaki subiu ao palco central, todos se calaram. Tatsu, Makoto e Naohito sentavam-se atrás dele na mesa com a urna para votação, ao passo que os Titulares o cercavam nos púlpitos abaixo.
— Vocês me queriam, aqui estou — Masaki abria sua fala — Todo Senshi deveria entender o sentimento que tenho agora: o de precisar estar em um lugar, porém ser necessário em outro. Infelizmente somos apenas homens de carne e osso. Por isso erramos, mas isso não deveria tirar nossa confiança um no outro. Isso vale ainda mais para a guerra que temos nas mãos. Eu espero poder relembrá-los de que o Rei Chaul e seu Supremo merecem tal confiança.
— Falar é fácil, Principal — um Titular respondeu — Mas confiança é construída e destruída por ações, ou melhor omissões. Nokyokai e o deserto foram a gota d’água.
— Se os Principais estivessem em qualquer um dos dois conflitos, mesmo que divididos, teríamos resultados drasticamente diferentes. Muitos de nós ainda estariam vivos — a fala de um segundo Titular, fez Tomio ajeitar-se no seu assento durante a sessão.
— A decisão de preservar os Principais tem o intuito de salvar vidas, preservando nossa maior força para quando tivermos pleno conhecimento do inimigo — explicou Masaki — A operação em Oásis foi um sucesso porque aprendemos com os erros das duas batalhas anteriores. Até mesmo os Kiiro entenderam isso, apesar de nossa omissão possivelmente ter custado a vida do último Patriarca. Ao mesmo tempo, quantos Principais teriam morrido para impedir os invasores? Quantos não poderiam ter nos feito falta em Oásis um ano depois?
— Está sugerindo que as vidas dos Principais valem mais do que a dos Senshis comuns?
A Câmara irrompeu em uma tempestade de vozes. Tatsu gritou por ordem até que todos silenciaram.
— Aos olhos individuais, a vida de Senshi vale a mesma coisa independente da patente: menos do que a do homem ou mulher ao seu lado que não pode se defender. Aos olhos de um comandante, porém, é um cálculo diferente. E os Principais… nós… Somos diferentes.
— Não negamos o potencial da equipe de Oda — um terceiro Titular acrescentou — A minha dúvida é porque em Oásis e não aqui? O que faz do deserto mais valioso que nosso povo? Nossos próprios anciãos? Alguns deles sacrificaram suas vidas por nós no passado.
— Como eu disse, aos olhos de um comandante o cálculo é diferente. O Reino Aka não é uma ilha isolada. É um pedaço de um continente, com fronteiras por todos os lados. Proteger essas fronteiras é nossa responsabilidade agora.
Os Titulares ainda trocaram olhares de dúvida. Alguns balançaram a cabeça em reprovação.
— No final das contas, nada disso importa — Masaki prosseguiu — Ganhando ou perdendo, quando passar da porta de saída, todos voltarão a ser meus irmãos, pelos quais darei a minha vida. Os Principais e o Supremo são armas. Se seremos empunhados por outra mão que não somente a do Rei, nosso trabalho é nos fortalecer para não rachar no momento em que somos mais necessários.
Ao descer do palco, Masaki viu cada Titular formando fila para votar com suas cédulas. Somente uma meia dúzia parou para discutir com os Senshis de seus distritos por mais alguns minutos. Faltavam alguns poucos para lançarem seu voto, quando o alarme soou novamente.
— Eles chegaram — Makoto levantou da mesa de supetão, descendo para encontrar o Principal do Martelo — Masaki, já vai partir?
— Fiz a minha parte — olhou para a porta antes de pôr a mão no ombro de Makoto — Seu pai nunca censurou nenhuma atitude sua e ele não me pediu nada a respeito de você para esta ocasião, mas eu estou te dando uma ordem pensando nele: junte-se a equipe de evacuação. Fuja dessa luta. A coisa vai ficar feia por aqui.
— Disse que todos morreríamos de um jeito ou de outro.
— Seu pai vai mandar ajuda. Fugindo, você ainda terá uma chance.
Makoto apenas sorriu e acenou positivamente com a cabeça antes de voltar para o palco, chamando Naohito consigo. Enquanto ao Principal do Martelo, ele saiu da Câmara para preparar a recepção de seus inimigos.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.
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