Volume V – Arco 14
Capítulo 138: Plano Paralelo
Dentro da fortaleza, Makoto acompanhava um senhor pelo jardim no fundo da Mansão dos Lírios. Era um homem de cabelos brancos, rosto enrugado, com túnicas largas e sandálias frouxas. Ele vagava cabisbaixo pelo caminho, carregando um regador, quando ergueu a cabeça para um pequeno canteiro de lírios brancos, rodeado por outros da cor vermelha.
— Está me ouvindo? — perguntou Makoto.
— Claro, meu jovem — disse regando as flores — Elas são muito bonitas.
— Uma grande parte dos Titulares deixou a Câmara para ajudar na batalha. Conversei com Wahiro, ele também concordou em usar os túneis para uma evacuação de emergência dos anciãos, se a batalha se prolongar mais.
— Todo ano eu perco uma dúzia desses lírios. — cambaleou de repente, derramando o regador no chão — Acho que essa será a última primavera que vou vê-los.
Makoto segurou o ancião nos braços e reparou na podridão da água que caiu do regador. Na beirada do canteiro, ele vomitou antes de ser levado de volta ao seu quarto da mansão. Ainda assim, o mirim ficou à beira da cama.
— Deseja mais alguma coisa? — um servo apareceu na porta.
— Livre-se dos suprimentos de água — Makoto respondeu sem se virar — Evitem os poços pelos próximos dias.
— Os Shiro sabiam cuidar deles melhor que eu — balbuciava o senhor, olhando para o jardim da janela.
— Isso não é culpa sua, senhor Isuka — Makoto segurou nas suas mãos — Mas podemos tirá-lo daqui, com seu apoio posso convencer Naohito a…
— Seu chefe é um homem bom. Seja um bom menino e faça o que ele quer — fechou os olhos e suspirou — Estou… cansado.
— Mas… — retirou a mão — Droga.
Uma bengala estalando nas tábuas do chão fez Makoto se levantar imediatamente. Ele já sabia quem havia chegado na porta.
— Aí está você, Makoto — disse Naohito — Não voltou para Câmara desde a sua visita às muralhas. O que aconteceu?
— Ontem foi um dia longo — socou a parede do quarto com o lado da mão — E agora isso, eles querem nos matar aos poucos.
— Sabe, Wahiro me contou que veio para cá. Por que está falando com os outros anciãos e não comigo?
— Este não é o melhor momento, senhor.
— Já entendi — sua voz esfriou — Masaki disse não.
— Eles não vão segurar o inimigo por muito tempo. A luta vai se alastrar pela cidade — apontou para o ancião de cama — pessoas vão morrer. Quer mesmo ter sangue nas mãos?
— Você dá importância demais para nós, velhos. Já vamos morrer mesmo. Agora, os cidadãos de Doa, nossos inimigos é que vão matá-los, não eu. Isso se os Senshis falharem em protegê-los. Seu julgamento é invertido, como o do seu pai.
— Isso não tem nada a ver com ele — Makoto subiu a voz.
— Você fica aí parado, usando o sobrenome dele, fingindo normalidade — apontou a bengala no peito do rapaz — Até quando vai continuar com essa máscara?
— Eu não sou quem você pensa — saiu do quarto pela porta sem encarar o ancião — Sinto muito pela minha intromissão. Melhor voltarmos para Câmara, somos necessários lá.
— Foram os Heishis que mataram ele, Makoto — disse Naohito, enquanto o garoto se afastava — Jamais esqueça disso.
Pressionados contra a muralha coberta de chamas e a barreira dos pretorianos cada vez mais perto, os mirins aguardavam a equipe de busca enquanto juntavam baldes da água reservada para ajudar a apagar os incêndios. Jin enfiou as mãos na água para lavar o rosto por um instante, lavando a fuligem do rosto:
— Acha que o professor Tomio vai achar o Senhor Masaki?
— Você viu o que aconteceu — Tsuneo enfaixava sua perna — tinha alguém comemorando com o martelo dele nas mãos. O professor provavelmente só quer recuperar os corpos.
— Foi tudo muito rápido — levantou com o balde na mão — Será que se a gente se concentrasse não dava para sentir o iro do senhor…
— Não deu para fazer nada de novo — socou a grama, ainda ajoelhado no chão — será que toda a batalha vai ser assim?!
A conversa da dupla logo cessou assim que os Heishis vieram coletar os baldes:
— O que foi moleques? Viram algum fantasma?
— Isso aqui é pro incêndio. Não para usar nos feridos — comentou outro Heishi, se apossando do balde — Saiam daqui antes que eu…
A ordem foi atendida pelos mirins, que saíram correndo sem nem olhar para atrás. Mesmo assim, dois Heishis estavam nas costas deles.
— Juvenis! Qual é a pressa hein?!
— Esse garoto pode correr? Ele não estava com a perna machucada — apontou para Tsuneo.
— Mentiu para ganhar uma folguinha extra com certeza.
Os Heishis voltaram a encurralar os dois mirins que começavam a suar frio, ao tempo que Jin tomou a frente:
— Somos Aka, conseguimos nos curar se o ferimento for leve.
— Vamos ver se conseguem mesmo — um Heishi estalou os dedos.
De repente uma voz feminina mais rouca que o normal surgiu de cima deles. Parecia vir de cima nas árvores:
— Algum problema por aqui?
— U-Umi — Jin ergueu a visão.
— Só estávamos brincando. Achei que seus amiguinhos gostassem de uma descontração de vez em quando.
— É melhor que ninguém saiba — Umi subia a voz, chamando a atenção de Senshis próximos — que os Heishis estão de brincadeira com os mais jovens, quando deviam apagar os incêndios. Vamos fingir que nada aconteceu.
Envergonhados, os Heishis se retiraram levando os baldes consigo. Umi desceu da árvore, puxando seus colegas mirins pelo braço para fora dali
— Valeu Umi — indagou Tsuneo — essa corja só serve pra arrumar problema, não importa onde vão.
— Vocês deveriam ficar mais tranquilos na presença deles — os dois olharam pra ela subitamente — se nós Aka percebemos que ficam nervosos quando estão por perto, imagina eles! Por isso, já suspeitam de vocês.
— Suspeitam de que exatamente? — questionou Jin.
— Suspeitam que são dois medrosos que não sabem onde se meteram, se aproveitam disso para ridicularizar vocês — se virou para encará-los — esqueçam o que aconteceu em Nokyokai. Isso já vai ser resolvido mesmo, então não piorem as coisas.
— Você não entende Umi — Jin puxou seu braço de volta — Que papo é esse de resolvido? Como pode saber disso?
— O que eu não entendo? — apontou o dedo para o meio irmão — Ou melhor… porque eu não entenderia? Você nem deveria estar aqui, sabe disso.
— Espera — Tsuneo interrompeu — Como assim, já está tudo resolvido?
— Só parem de chamar atenção.
Jin permaneceu calado, sendo consolado por Tsuneo que deixou Umi ir embora sem qualquer protesto. Os Heishis uniam a água fornecida em jatos concentrados para apagar as chamas do último bombardeio às muralhas. Doku supervisionava da sombra das árvores ao lado de Yukirama:
— Eu devo admitir, vendo de perto, estou decepcionado com a sua laia. Todas as histórias que meu pai e meu povo contava da guerra do sangue.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre vocês depois do Nokyokai — Yukirama riu desdenhosamente — Apesar do que, dessa vez foi você que salvou nossa pele.
— Confunde apoio estratégico com amizade. Daqui você é um dos poucos homens de qualidade, precisamos do máximo disso — cruzou os braços — pelo menos até este cerco acabar e os reforços chegarem.
— Está a centenas de metros do chão? Espera sentado.
— Parece que se refere aos seus Senshis, mas não estava falando deles — os dois trocaram olhares.
— Os Aka sabem de mais Heishis vindo? — Yukirama se levantou — O que está tramando agora, Doku?
— Dependendo de quem você perguntar, eles sabem. Senshis devem ter sido enviados para contato direto, mas ao que tudo indica eles bateram as botas. Já deviam ter chegado a essa altura. Meus homens não se sentem seguros, e sinceramente, não posso culpá-los.
— Como se os seus homens pudessem fazer algo melhor.
— Olha seu tom! As tropas do Uchida foram designadas para dar um apoio menos direto, devem chegar em alguns dias. Seu Supremo sabe que não dá para colocar todos os ovos na mesma cesta.
— O Principal Masaki carregou tudo nas costas até agora, você sabe que sem ele já teríamos perdido há muito tempo — sacou a carta do bolso — eu iria entregar as informações confidenciais a ele por que…
— Quer um conselho? Guarde isso e não toque no assunto até tudo isso acabar — ordenou Doku — os Kuro são a prioridade. Quando tudo acabar, veremos o que pode ser feito.
— Como pode confiar tanto em seus reforços? Esse tal Uchida foi o sujeito que fracassou em Nokyokai.
— Keiko está com eles — Doku esboçou um leve sorriso confiante.
— Você é um desgraçado — Yukirama balançou a cabeça, guardando a carta — e se um de nós morrer?
— Então confiar a carta a você foi um erro desde o começo — respondia andando, sem nem olhar para trás.
Com a retirada do membro da família Chisei, Yukirama foi puxado pelo braço pra trás de um tronco bruscamente, na tentativa de revidar pelo susto pegou no braço gentil de Masori que o encarava:
— Mas o que você…
— Não confio nesse cara — comentou ela — me surpreendi você dando trela para um povo rival depois de tudo.
— Não confunda apoio estratégico com amizade — se soltou dos braços da amiga, seguindo em frente.
Retornando ao muro de terra recém erguido pelos pretorianos, Tomio se aproximou do último lugar onde Masaki foi visto. Era um pedaço de terra coberto por rachaduras, como uma ferida que acabara de cicatrizar. Não havia de qualquer Senshi, todos engolidos pelo chão que ainda subia fumaça das profundezas.
Foi então que Tomio sentiu alguma coisa. Uma energia se movendo debaixo da terra. Ele sorriu:
— Está aqui!
O grupo começou a cavar a região, porém o próprio homem ergueu sua mão debaixo do solo. O Principal estava coberto de terra, roupas completamente rasgadas e queimadas.
— Obrigado por me orientarem — Masaki tirava a sujeira do rosto — Depois do muro, não sabia em que direção ir.
— Incrível, ainda está consciente — se impressionou Tomio.
— Aquele desgraçado — cambaleava — pegou meu marte…
O resgatado puxava ar como se tivesse passado um dia inteiro sem respirar. Todas suas unhas estavam quebradas, porém seus outros ferimentos eram leves. Os Senshis logo o colocaram nos ombros. Foram necessários dois em cada braço para carregá-lo.
Na chegada, um grande alívio abafou a tensão entre os dois exércitos. Masaki mesmo com dificuldades para respirar, foi colocado em um assento improvisado com duas caixas para falar ao grupo:
— Só posso estar olhando para um fantasma — Kenichi se aproximava, hesitando colocar a mão no Principal — Como?
— Um truque que aprendi. Se juntar bastante terra, dá para criar um clone meu ou algo muito parecido que pode enganar o inimigo — olhava sua mão sem unhas — depois disso me enterrei vivo debaixo daquilo tudo, tive que cavar pela terra para o lado para escapar dos entulhos. Tive sorte que vieram até mim, estava perdendo fôlego.
— Não esperava menos de você — disse Tomio, batendo nas suas costas.
— Com você aqui, ainda temos uma chance — afirmou Doku — Por mais remota que seja.
— Tivemos algumas baixas — continuou Kenichi — Não temos outra alternativa fora recuar agora.
— A responsabilidade é minha. Estratégia sempre foi coisa do Oda ou do Kusonoki, não minha. Mas olha pelo lado bom, estão levando a ameaça a sério agora, não é? Eu tô vendo muita gente com rosto de poucos amigos. Todos nós estamos sofrendo um grande risco de vida.
— Aquele que roubou seu martelo — perguntou Tomio — é o súdito que esperava?
— Ele não me parece ser como aqueles. Nenhum poder divino — levava a mão ao queixo — apesar disso tinha manipulação elemental avançada, é um conquistador. Chamou a si mesmo de: Hidetaka o Líder Pretoriano.
— Líder Pretoriano? — Doku olhou para trás, buscando confirmação do nome entre suas tropas — Esse é o sujeito que controla os quatro elementos, certo?
— Mais que isso, ele coordena tropas que se dividem entre esses elementos, os tais pretorianos provavelmente — explicava Masaki — a Guarda Pacificadora são inimigos fortes, mas esses times elementais… Entendo porque nenhum súdito deu as caras ainda.
— Takuma está cuidando da evacuação de uma quadra da cidade — explicou Kenichi — Acha que será o suficiente para lutar com eles?
— Vai ter que ser ou todos os cidadãos estarão em perigo — respondeu Masaki, descendo dos caixotes.
Uma risada sarcástica tomou o silêncio das tropas. Todos procuraram a origem, encontrando Kyoko, que logo teve seu braço puxado pela manga por Doku:
— Algum problema? — Kenichi questionou.
— Sinto muito, minha companheira só está sob muita pressão — interviu Doku.
— Pode deixar, eu só achei engraçado — respondeu Kyoko tomando à frente — anos e anos colocando todos para debaixo de suas botas vermelhas, tudo isso pra agora não terem nem o que beber ou comer, implorar migalhas e só ver recuadas e recuadas como solução. O grande e poderoso exército Aka reduzido a um bando de indigentes.
A garota apontava para os Senshis por dívidas. Yanaho observou tudo prestes a rasgar as mangas de seu traje com os próprios dedos, enquanto mantinha o olhar afiado na direção dela:
“Qual é o problema daquela garota! Primeiro quando o Principal sumiu e agora quando apareceu. Ela só quer plantar discórdia de propósito! Alguém precisa fazer alguma coisa”
Yanaho caminhou para o meio dos Heishis na tentativa de alcançá-la, quando sentiu uma mão segurá-lo.
— Fica quieto! — sussurrou Kenichi.
— Você… concorda com isso?!
— É isso que ela quer — acenou com a cabeça Masaki se aproximando dela — você está indo melhor do que esperava até agora, deixe isso pras autoridades.
— Você ficará comigo de agora em diante — disse Masaki calmamente — O restante, esteja pronto para entrar na cidade assim que Takuma retornar.
Doku não resistiu. Entregando sua companheira ao Principal imediatamente, ele viu o rosto de desdém de Kyoko rapidamente se transformar em raiva com a traição. No entanto, naquela altura, nenhum Heishi desafiaria a decisão de Masaki.
Era meio-dia quando os Heishis comandados por Uchida chegaram nos arredores de Doa. Mesmo a quilômetros de distância, era possível ver as torres do muro principal e o telhado da Câmara Carmesim. Porém a principal sombra projetada pela cidade dos anciãos é a água que a cerca, inundando a planície por onde os olhos alcançam.
O trote dos cavalos sacudiam a água ao passar por aquele pântano, rumo a um destino diferente: um moinho, brotando entre as árvores da mata que se fechava. Uchida desceu do cavalo junto com seus homens.
Enquanto os adultos arrastavam os pés na lama, cobertos de água até o joelho, Keiko estava enfiado no meio deles, andando por cima da inundação, congelando a água debaixo das solas a cada passo.
— Olha só para isso — Torigami ergueu a canela exibindo a bota enlameada — que honra estar servindo.
— Trabalhar em terras inundadas pela chuva aqui ou nas montanhas — Uchida sacou um mapa, círculos concêntricos desenhados ao redor de Doa — faz pouca diferença.
— Exceto que estamos fazendo o trabalho para aquele homem cujo nome prefiro até mesmo evitar – arrastava os pés por baixo d’água.
— Só estamos ajudando o Supremo, e os Aka por conveniência, porque o imperador mandou.
— Eu não estava falando do Supremo.
Keiko cerrou os punhos, que tornaram-se esbranquiçados com o gelo se formando entre os dedos. Uchida dobrou o mapa e se voltou para seu tenente:
— Esta é a pior hora possível.
— Você sabe que ele é indigno. Falta-lhe a hombridade do Koji. Droga, ele me faz pensar que o traidor fosse uma melhor opção. Como nós terminamos aqui? Nós governávamos as montanhas.
Espinhos brotavam do punho de Keiko. Seus olhos fixados em Torigami e seu general.
— E vamos governar novamente, na hora certa — olhou por cima de Torigami, encontrando Keiko — Não é mesmo?
Despertado do transe, Keiko relaxou as mãos:
— Sim, senhor. Em que posso ser necessário?
Uchida abriu um sorriso convencido, oferecendo um frasco de seiva da noite para o menino. O moinho estava parado, porém a Guarda Pacificadora ali postada circulava pelo terreno com estandartes, espadas na cintura e maças empunhadas.
Um trio de arqueiros nas janelas dispostas em espiral na torre vigiavam três cantos distintos. As nuvens sobre eles obscureceram o Sol, porém em vez de chuva desceu neve.
— Os Kuro de novo? — um arqueiro protestou para um homem abaixo, que apenas deu de ombros.
O clima esfriou paulatinamente. Quando a neve terminou de cobrir as árvores, os Heishis avançaram sobre a base inimiga a cavalo. Um grupo enlaçou alguns Kuro, que congelavam pelo caminho, se transformando em pedras de gelo para atingir os outros antes de se estilhaçarem por completo.
Os arqueiros apontaram suas flechas para os cavaleiros, porém uma lança cristalina foi atirada da mata direto no peito de um deles, que caiu para dentro da torre sufocado no próprio sangue. O segundo atirador teve seu corpo enclausurado em um bloco de gelo, quando Keiko chegou por trás. O terceiro, que estava no andar mais inferior, havia compartilhado do mesmo destino.
O garoto jogou o bloco sem vida para o lado, tendo um bom visual do ataque imperial abaixo dele. Ele tomou o arco que caíra no chão, criou desta vez uma flecha de gelo e apontou-a para o campo de batalha até encontrá-lo. Uchida estava a pé, duelando com os Kuro graças aos seus olhos protegidos pela seiva da noite. Ele enterrava sua espada em um inimigo, quando o braço de Keiko estressou a corda do arco, a flecha apontada na sua direção.
“Por que não posso matá-lo?”, sua dúvida ecoava na cabeça, embora a resposta de Satoru reverberou ainda mais forte:
— Não quer se vingar?
— Quero matar ele.
— Não. Você quer vê-lo fraco, implorando pela vida. Eu vou te dar isso, mas primeiro precisa dar a ele a ilusão de poder. Tem que convencê-lo de que você é o brinquedo dele.
A conversa terminou na sua cabeça no instante em que soltou o fio do arco. A flecha triscou o rosto de Uchida, alojando-se no Kuro bem nas suas costas. Em poucos minutos, os Heishis arrasaram o acampamento inimigo. Keiko foi para o topo da torre e removeu os freios do mecanismo, restaurando a drenagem do moinho.
Assim que as velas começaram a girar, Uchida sacou seu mapa e riscou um de quatro pontos espalhados ao longo dos círculos concêntricos.
— Acabou, Keiko — gritou para o topo da torre — Essa neve pode parar ou vai alertar os inimigos.
— Senhor — Torigami se aproximava, com sua espada suja de sangue — dê alguns dias e a água será drenada ao redor da cidade. Acabou.
— Da mesma forma que um lago não se cria da noite pro dia — puxou um giz de cor diferente para riscar o mapa — Eles estão distribuídos como se conhecessem estas terras, mesmo nunca tendo vindo para cá.
Os Heishis se reuniram ao redor do general, que traçava setas e conexões entre os pontos ao longo do rio que cortava Doa.
— Lembra da Guerra do Sangue, tenente? Quando precisávamos enganar as forças inimigas o que fazíamos?
— Criávamos bloqueios. Se possível, cercávamos cidades. Levava vários homens, mas reféns obrigavam o inimigo a negociar em nossos termos, enquanto estávamos livres para circundar o território que realmente queríamos.
— Isso é familiar para vocês? — exibiu o mapa — Algum de vocês?
Todas as bases estavam ao longo do terreno, formando um ferrolho ao redor da fronteira com os Shiro. Torigami prendeu a respiração.
— Bloqueios podem ser feitos com água em vez de pessoas. Cercos também — declarou Uchida — qual é o plano desses Kuro afinal?
— Quem se importa, eles já estão lá dentro — suspirou Torigami — Isso é problema dos Aka. Nossa parte acabou por aqui!
— Os Aka pediram quatro moinhos. O quarto está na conexão entre os dois rios, nos Shiro.
Os Heishis trocaram olhares entre eles. Keiko havia acabado de descer da torre, abrindo a porta de saída que dava de frente para a reunião dos oficiais com o general local.
— Já pode parar com a neve, criança — ordenou Torigami.
— Eu gosto assim — respondeu Keiko.
— Deixe — Uchida cortou seu tenente — Se minha aposta for certa, vamos precisar da cobertura.
As tropas foram conduzidas ainda mais fundo pela fronteira entre Aka e Shiro. O que Uchida encontrou foi um lago que conectava dois rios. A ocupação da Guarda Pacificadora era do outro lado da margem, onde o moinho que deveria transferir a água ficava.
Keiko foi trazido para a margem do rio, com dois bonecos de gelo na mão. Uchida ajoelhou ao seu lado:
— Naquele dia, você derrubou uma ponte para nós. Agora preciso que construa uma.
O rapaz acenou com a cabeça e não disse mais nada. Em vez disso, ele esticou os dedos na superfície da água. Fractais de gelo brotaram de vários pontos, até finalmente uma camada espessa se formou no rio.
A cavalaria azul galopou pelo rio congelado na noite escura. Quando estavam próximos o bastante para reconhecer o ataque que vinha na sua direção, os Heishis já estavam em terra. Não havia arqueiros na torre.
Enquanto vagava, Keiko sentiu um brilho que parecia por um instante que o dia amanhecera. Chegando lá, encontrou os Heishis recuando diante de um homem uniformizado com fogo nas mãos.
Ele se preparou para atirar na cavalaria, quando Keiko apareceu na frente dos homens de Uchida, trazendo um ar frio que apagou suas chamas. Gelo envolveu os dedos do pretoriano mas logo derreteu com o calor controlado por seu iro ao atirar uma bola de fogo que lançou o garoto para o lago congelado.
Os Heishis ficaram na margem do rio. Um deles pensou em entrar, mas Uchida esticou a espada em seu caminho:
— Deixe-o. Ele vai lidar com isso. Torigami, aproveite para reativar o moinho.
Impondo as mãos sobre a grossa camada de gelo que encobria o lago, o pretoriano provocava falhas e rachaduras ao redor de Keiko com seu calor. O prodígio respondeu com um pisão que retornou à frieza ao chão onde pisava, preenchendo as rachaduras. Por fim, Keiko gerou uma lança de gelo nas mãos. Seu oponente permaneceu só com o fogo nas mãos.
Com um bater de palmas, o pretoriano lançou uma onda de fogo que foi absorvida por Keiko erguendo uma barreira de gelo do chão que fundiu imediatamente com o contato. Mesmo assim, ele pegou a água líquida e criou agulhas de gelo, atirando-as com os braços. Todos os projéteis evaporaram com a próxima batida de palma, sendo o último a meros centímetros do olho do pretoriano. O chão voltou a rachar, porém o garoto chegou mais perto.
Quando a terceira palma veio, ele se projetou para o alto com degraus de gelo, saltando antes que derretessem até finalmente saltar contra seu oponente. O pretoriano exibiu um sorriso convencido, preparando a quarta palma para acertar seu alvo.
Contudo, paredes de gelo cresceram ao seu redor, criando uma redoma de gelo que não apenas protegeu Keiko do ataque, como o concentrou numa pequena área. O chão debaixo do pretoriano cedeu com o calor, de modo que ele caía para seu afogamento assim que o prodígio fechou o chão com gelo.
— Bravo, bravo — batia palmas Uchida.
Os olhos afiados de Keiko se voltou para o general que sorriu como se o sucesso fosse dele, quando de repente estátuas de gelo cercaram o prodígio que sentava na ponte de água sólida criada por ele.
“Isso é tudo por vocês”, tocava nos famíliares de gelo.
— Senhor — Torigami retornava — O mecanismo de drenagem foi destruído. Provavelmente ficaram sabendo dos nossos avanços nos últimos dias.
— Isso explica esse Kuro de fogo — Uchida responde — O inimigo está incomodado.
— Mas e agora?
— Mesmo sem a capacidade de desviar a maior parte da água para o outro rio, vamos poder acessar Doa em breve, só vai levar mais dias.
— Acha que eles vão sobreviver até lá?
— Melhor que sim. Ou nós seremos os próxi…
Um som forte de marcha parecia vir de mais longe no território dos Shiro. O barulho de desespero fantasmagórico foi capaz de assustar até mesmo Keiko que seguiu com os homens de Uchida em uma recuada de volta às terras do Rei Chaul.
A cacofonia de barulhos, estampidos e gritos de guerra, no entanto, revelou-se com a aparição de uma figura encapuzada com uma longa veste negra no acampamento destruído pelos Heishis.
Assim que sua aura negra se apagou, os sons cessaram. Retirando o capuz a garota revelava seu enorme cabelo negro, com seus olhos de pupilas rosadas contrastando com seu largo sorriso estampado, mostrando todos os dentes enquanto saltitava:
— Mais inimigos, mais mortes a glória pelo grande Alfa!
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.
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