Volume V – Arco 14
Capítulo 131: Luto Gélido
Keiko era o único filho do Duque do Vale do Trovão. Sua mãe tinha uma idade avançada, portanto engravidar não era fácil. Seu nascimento quase milagroso deu início a uma festa que durou três noites. Essa euforia rapidamente virou medo de perder o único herdeiro. Eu pude ver uma parte disso em uma de minhas poucas visitas.
Sentado naquela mesa de jantar ao lado de seu pai, Doku relembrava o filho do Duque a algumas cadeiras de distância. A criança aguardava seus amos comendo e bebendo toda sua refeição antes dele para garantir sua segurança. O que não podiam fazer por ele, infelizmente, era usar os seus talheres.
— Mamãe! — chorou, exibindo a ponta dos dedos riscada pela faca — Tá doendo!
O pai sinalizou aos servos na porta que foram ao socorro do menino. Ele correu para o outro lado da mesa para abraçá-lo e beijá-lo junto da mãe. Na medida em que era silenciado, os servos cobriam a ferida com um curativo.
— Vai ficar tudo bem — sussurrava a mãe.
— Estamos aqui, filho — dizia o pai.
Com os cotovelos na mesa, Tadashi desviava o rosto enojado, mas Aotaka insistiu que abrisse a boca com um olhar desaprovador.
— A seleção para Heishi Celestial se aproxima — dizia Tadashi — Sabe muito bem que investimos muito em seu filho. O mínimo que nos deve é uma ajuda para nos livrar do Koji.
— Eu fiquei sabendo do que acontece com o vencedor — o duque acariciava os cabelos do filho — Por quanto tempo achou que iriam esconder o fato de que meu filho seria enviado para o mundo por três anos? Que tipo de pai faria uma coisa dessas?
— Seu filho tem tantos talentos quanto o atual príncipe — Aotaka complementou — Com a experiência do mundo real, ele será imbatí…
— General Tadashi também treinou o príncipe, certo? Ele não pode se candidatar? O aluno com certeza é inferior ao mestre. Deixe a minha família em paz.
Mais jovem eu via aquele menino mimado no colo dos pais, e pensava: “O que ele tem que eu não tenho?”. Estava furioso, porque se eu tivesse uma chance, iria disputar com o príncipe sem pensar duas vezes. Mas alguns nascem com dons, e a corte tem preferência por essas pessoas. Eu só não era uma delas. Estava fadado a ser mais um na mesa de jantar dos adultos.
Doku parava no assento que havia tomado anos atrás. Outro adulto estava em seu lugar na escultura.
— Esse príncipe de quem falou — indagou Yukirama — Suzaki, né?
— Era — respondeu Kyoko, tomando uma maçã feita de gelo da mesa — Antes de destruir tudo.
— Isso tem a ver com o Céu Limpo que o ferreiro mencionou? — insistiu Yukirama.
— Aqui dentro não estava tão frio quando chegamos — interrompeu Kyoko, se abraçando para suportar o frio — O que está havendo Doku?
— Ele está procurando por nós. Temos que enfrentá-lo, só assim podemos escapar — concluiu Doku, revistando os bolsos — ainda tenho um último recurso para ele.
O jovem do gelo passava entre as portas do castelo até um largo estúdio. Sentado na mesa estava outra escultura, cujas mãos tinham instrumentos para esculpir.
— Vou precisar pegá-los emprestados, tia — disse Keiko, tomando os objetos da estátua.
Enquanto cravava uma imagem no bloco, Keiko ouviu batidas nas paredes. Sangue subiu à sua cabeça. A parede atrás de sua tia foi rasgada por um paredão de gelo erguido pelo menino:
— Me deixa em paz!
Não havia ninguém no corredor. Apoiado entre as paredes e o teto, Doku desceu sobre Keiko, se entrelaçando nele até arremessá-lo contra a escultura da escultura de sua parente no estúdio.
— Tia — reparou na cabeça estilhaçada na sua frente — Você vai pagar!
— Seus pais não podem te manter neste casulo mais.
— Você não vai me tirar deles! — acumulava gelo nas mãos, formando manoplas.
Uma rajada flamejante soprou contra ele vindo de trás, era Yukirama. Com uma das manoplas, Keiko se protegeu. Durante o conflito entre os três, Umi e Kyoko encontrarem o corpo de Aiko envolto de gelo.
— Não, não, não — tateava o gelo procurando por alguma falha — Aiko, eu vou te tirar daí.
— Já era — disse Kyoko — é como os Heishis do gramado. Não dá para desfazer.
Os olhos de Umi se encheram de água, mas não havia tempo. O anfitrião percebeu que estavam mexendo em sua vítima.
— Ninguém mandou tocarem nas minhas coisas — Keiko gerou um pedregulho de gelo arremessando contra Umi.
A aura vermelha dela irradiou no momento que rangia seus dentes, fincando sua espada no mesmo cubo de gelo, firmou nele como um espeto arremessando de volta a seu criador:
— Pirralho desgraçado!
A fúria de Umi surpreendeu Keiko que desviou por pouco. Yukirama estava a poucos passos dele, golpeando com a espada o prodígio defendeu com outra manopla de água sólida.
— Todo esse poder — disse Yukirama, bloqueando os socos com a própria espada — e tudo que faz é se esconder aqui como um covarde.
— Quem é você para dizer que tenho que sair de casa?! — acertou um soco no estômago que o lançou para fora da janela.
Junto com Yukirama a escultura de Aiko também foi lançada para o gramado abaixo. Apesar do impacto tanto o mirim quanto o bloco estavam inteiros. Umi e Kyoko saltaram na direção da mirim congelada. Por sua vez, Keiko foi impedido de segui-los por Doku, que entrelaçou o braço em seu pescoço.
— Agora somos eu e você. Sem Heishis, sem estátuas, sem choro. Uma hora vai ter que encarar a realidade, moleque. Eles se foram.
— Cala a boca, eu não vou te ouvir — espalhava gelo para o corpo de Doku, tomando seus braços e ombros.
— Não foi uma doença ou um desastre. Seus pais foram assassinados por alguém que ainda está por aí.
— Mentira — jogava as costas nas paredes para acertar Doku — Eles ainda estão aqui.
Doku chutou as costas de Keiko. Com os braços quase paralisados pelo frio, ele puxou dos bolsos um casal de cabeças esculpidas e jogou aos pés do seu oponente.
— Mamãe… Papai… — ele pegava as cabeças nas mãos.
— Nem mesmo a imagem que criou dos seus pais está mais na terra dos vivos, moleque. Acorda para vida ou alguém muito pior vai te acordar.
Keiko trincou os dentes, sua voz vacilou em um grito estridente que assustou os mirins do lado de fora. Doku foi lançado da janela. Seu oponente desceu logo em seguida.
— Só uma criança para cair num truque desse — Doku apontou com o braço, já que seus dedos mal se moviam — está carregando sua ruína.
— Eu já disse que…
O prodígio do gelo olhou para a cabeça translúcida de seu pai e viu uma bola enfiada por uma abertura no pescoço. A bomba explodiu, jorrando um líquido negro que pintou o rosto e as roupas do menino. Ele caiu de joelhos tossindo. De repente, as esculturas de gelo passaram a derreter. A neve cessava ao passo que Doku se erguia do chão para chutar seu oponente debilitado.
— Sentiu o gosto? Eu poderia te matar agora. Se vou fazer isso ou não, depende de você.
Umi e Kyoko permaneceram ao redor da escultura de Aiko, que havia começado a derreter como as outras.
— Ela está congelada, para de tentar…
— Eu ainda sinto ela… Eu ainda… — ergueu a vista para chamar Yukirama.
Criando uma pequena faísca, o mirim atacou a prisão gelada de sua companheira. O degelo era lento e gradual, ao passo que Keiko ainda estava bem consciente sob os pés de Doku.
— O efeito vai durar a noite toda, moleque. Você escolhe quando a dor vai parar!
Das mãos de Keiko um pequeno filete pontiagudo de gelo foi conjurado do ar frio remanescente. Ele furou a sola de Doku e partiu para sua garganta enquanto estava vulnerável. Mesmo parcialmente congelado, as mãos de Doku o seguraram. Vendo tudo, Kyoko deixou os Aka indo em direção aos dois:
— Você não é o único que perdeu algo aqui — ela gritou — a gente quer a mesma coisa!
— Só querem me arrastar para tomarem tudo de mim — Keiko resistiu, fazendo outro filete de gelo para furar o antebraço de Kyoko.
— Já tomaram tudo de você — ela recuava, para estancar o sangramento — E de mim! Quer ficar aqui ou pegar o responsável?
— Eu quero que vocês morram — empurrava Doku no chão, de onde a neve rastejou até suas pernas subindo até sua cintura.
A neve enterrava Doku incrédulo com o fraco efeito da seiva da noite. Foi então que reparou que a substância no rosto de Keiko estava descascando em pedaços sólidos.
— Impossível, congelou a seiva… Droga! Você é mesmo tudo que dizem.
Arrancado a lâmina de gelo de seu braço, Kyoko partiu para atacá-lo, mas uma gaiola de gelo se ergueu ao redor dela.
— Droga ele pegou eles — percebia Yukirama — sem deter ele a Aiko não vai…
— Você consegue fazer isso sem mim, né? — Umi se levantou.
— Espera, o que você vai…
Das pernas até o abdômen, o corpo de Doku estava congelado. O primeiro golpe de Umi foi defendido pelo par de adagas de gelo de Keiko. O foco no combate permitiu que o gelo parasse de avançar sobre o filho de Tadashi.
O próximo corte de Umi, estilhaçou as finas armas de Keiko. Dos pedaços, ele uniu tudo desta vez em uma lança, com a qual golpeou o rosto dela com o cabo e preparou para perfurá-la, quando um corte flamejante o arremessou alguns metros para longe.
— Nunca mais faça isso — avisou Yukirama, passando na frente da amiga.
— Você conseguiu tirar…
— Se não pararmos esse garoto, nem Aiko nem a gente vai sair daqui. Então concentre-se!
— Eu dei todas as chances — Keiko se ergueu usando a lança como apoio — é só vocês irem embora.
Arremessando a lança contra Yukirama, ao fazer contato com a espada de fulgur, o gelo envolveu completamente a arma. Criando outra lança, Keiko dessa vez arremessou mirando o chão, espalhando gelo que prenderam os pés dos mirins. Com uma terceira, ele correu para atacar Yukirama.
Puxando a própria perna esquerda ele a tirou do gelo, deslocando-se para o lado, evitando um golpe fatal. Ainda assim, a lança atravessou seu lado, apesar de agora ter conseguido pôr as mãos no menino.
— A gente tem que voltar para nossa também — Yukirama dizia, segurando Keiko.
— Deviam ter voltado antes — livrou-se dos braços — eu cansei de brincar! — tomou distância.
Um vórtice nascia ao redor de Keiko, na medida em que suas mãos brilhavam em azul.
— Saiam da frente disso! — gritou Doku desesperado.
De repente, no olho do furacão, Keiko foi derrubado. A visibilidade permitiu somente que eles vissem a sombra de quem caiu sobre ele por trás. Quando o tornado se dissipou, Doku viu aquilo que os dois mirins já haviam sentido antes.
— Aiko?!
A garota estremecia com o frio, encharcada graças ao bloco derretido, mas seu corpo pressionava um frágil Keiko que havia batida a cabeça, contra o solo com o joelho.
— Sai — Keiko se debatia grogue — Eu não quero.
A armadilha nas pernas de Umi e Yukirama se desfazia. Aiko já vacilava na sua contenção, quando ambos se aproximaram para nocautear o garoto com chute na nuca.
— Acabou — respirou aliviada Umi, puxando Aiko para um abraço — Eu achei que tinha perdido você.
— Foi… foi por pouco — retribuia, suspirando fundo —mas eu consegui.
Doku levantou cambaleando, aproveitando a deixa para amarrar as mãos do algoz.
— Estamos atrasados. Deixem esse reencontro para depois — colocou Keiko nos ombros.
As esculturas derreteram, inundando o jardim e mansão junto com as chuvas da temporada, agora desimpedidas de agir com o fim de nevasca.
Keiko acordou de frente para um teto de pedra. Braços e pernas amarrados, rodeado por seus antigos oponentes e a carruagem que os trouxe até ali. Estavam refugiados da chuva por uma pequena entrada numa montanha.
— O que estão olhando?
— Os Heishis no gramado derreteram depois que você desacordou. Isso me leva a pensar que um pouco da seiva foi absorvida pela sua pele antes de você congelar — disse Doku.
— Seu enfraquecimento deu tempo para Aiko continuar viva — Umi colocava um cobertor por cima da amiga.
— Esses aí são vermelhos — Keiko encarou os três mirins — Como vieram parar aqui? Por que está junto com eles?
— Você não nos deixou escolha — continuou Doku — Eles manipulam fogo, o que já ajudou a passar do gramado, mais do que qualquer Heishi antes de nós. Eu só não sabia que controlavam água também — olhou para Aiko.
Yukirama e Umi olharam para Doku com suspeita. Até que Keiko se espantou com a garota ainda respirando:
— Ninguém nunca saiu vivo de meu congelamento antes!
— E-eu — Aiko ameaçou falar — tenho treinado com isso desde que ficamos aqui. Nosso corpo é abundante em água, treinamos a controlar o nosso sangue para resistir ao frio, foi só uma questão de unir as duas coisas para me manter viva no casulo. Mesmo assim, eu no máximo iria durar algumas horas.
— Eu não quero saber! Me soltem! Eu exijo, agora! Eu não fiz nada para receber isso.
— Mas esse é o problema — disse Kyoko — com tudo o que pode fazer, você só fica aqui fazendo nada.
— Você… eu lembro de você — dizia Keiko, encarando Doku — seu pai vinha aqui, deixava meus pais tristes e ia embora. Por que vocês são sempre assim?
— Você é novo, então vou perdoar a sua ignorância — apontou Doku — Sua família entendia que certos compromissos não podem ser evitados. E a sua vez chegou.
— Você realmente não pensa em quem causou todo seu sofrimento? — se levantou Kyoko.
— Estão me fazendo sofrer agora! Eu estava em paz com minha família na…
— Todos eles estão mortos — Doku sentou-se ao lado dele — ou se prefere… estão derretidos agora. Da mesma forma que você não estava lá para protegê-los, agora não está na mansão para mantê-los em pé.
— Cala essa boca! — engolia o choro.
— Não me entenda mal — levantou Doku cruzando os braços — eu também não estava lá para proteger os meus. Perdemos nossas famílias no mesmo incidente, mortos pela mesma pessoa: Suzaki Sora, o antigo príncipe e Heishi Celestial.
— Espera Doku — percebia Yukirama — seus pais também?
— Seu pai matou a minha família, tirando eles de casa — Keiko virou o rosto para longe deles — Era só terem ficado em casa, comigo.
— Um príncipe deve ser julgado pela corte pelos seus crimes. Todos devem estar presentes. Suzaki nos traiu diversas vezes, porém uma coisa que nossos pais não perceberam é que o mais forte obedece às regras por capricho. Naquele momento, Suzaki abandonou aquele capricho.
— No caminho, ele matou muito mais — contou Kyoko, abaixando a cabeça.
— Toda uma corte massacrada da noite para o dia. E ainda trouxe uma guerra para a nossa casa. Quem sabe, se você tivesse lutado com ele naquele dia, nada disso teria acontecido….
— Esse foi o Céu Limpo — reagiu Aiko — Que horror, como alguém seria capaz de destruir a própria família?
— Eu vi Suzaki nas montanhas — complementou Yukirama — Ele é capaz de tudo.
— Eu nem sei quem é esse cara — Keiko dizia entre soluços — Por que ele mataria eles? O que ele tem contra mim?
— Suzaki deixou uma crise que está corroendo o império até hoje. Servos foram despejados, porque não havia a quem servir, menos trabalho, mais indigentes — Kyoko cerrava seu punho — Ele quer o império só para ele, do jeito dele, e não vai parar.
— Sobraram poucos de nós Keiko — Doku sacou uma faca — No final das contas, a escolha é sua. Pode sair conosco e descobrir que ainda há uma família que vale a pena proteger, e vingar. Sua casa ainda estará aqui quando tudo acabar. Mas se ficar só aqui, eu repito: Não vai demorar até outros chegarem para te fazer sofrer de verdade.
— E… onde este Suzaki está agora? — uma lágrima escapou de seus olhos.
— Com o inimigo — cortou a corda nos pés de Keiko — acreditamos que Suzaki tenha feito uma parceria com os Kuro, que o Céu Limpo tenha sido um teste da sua lealdade para com eles.
— Meus pais nunca quiseram nada com o imperador, ou a corte, ou esses Kuro — chorava Keiko — isso não é justo.
— Deixe-me dizer — vinha de trás Yukirama — Quando eu era criança, eu perdi o meu pai em batalha. Eu fiquei esperando por ele por longas semanas, até que me levaram até o túmulo. Mas uma hora tive que aceitar que aquela lápide não era mais ele. Eu tinha que seguir em frente.
— Foi algo parecido com a gente também — Umi disse, levantando Aiko.
— Keiko, se você voltar sabe que terá que refazer todas as esculturas de gelo — explicava Doku — e isso por si só já diz tudo: Você jamais terá aquilo de novo.
— Por culpa dele — sussurrou Kyoko.
— Percebe agora? — tirava as amarras dos braços de Keiko — não somos nós que te causamos sofrimento. Ele começou muito antes de pisarmos aqui.
— Suzaki Sora… — Keiko ficou de pé com as sobrancelhas franzidas — quero que me leve até ele.
— Muito bem, será um caminho longo até lá — pegava no ombro do garoto — o imperador certamente ficará satisfeito com sua decisão.
— De volta para Komukai? — perguntou Umi.
— Espero que sim, mas antes — oferecia frasco para os demais membros — usem a Seiva da Noite no entorno de seus olhos, se não quiserem ficar cegos.
— Eu não, foi o que usaram em mim — percebeu Keiko.
— Tem usos bons e ruins para ela. Eu explico no caminho.
Com Keiko adicionado aos seus números, o grupo liderado por Doku desceu a montanha, quando encontraram um pequeno grupo de Heishis na beira da estrada, estirados sobre suas próprias poças de sangue.
— Assaltantes Kuro — Doku desceu para confortá-los — Para onde estavam indo?
— O vale… Os Kuro chegaram antes da hora — o Heishi tossia sangue — A Forja está comprometida.
A mão de Doku foi abandonada pelo Heishi moribundo, cujos olhos perderam completamente o brilho.
— Temos que voltar.
— Se está assim aqui, imagina em Komukai — disse Umi — Temos que voltar agora.
— Fulgur é muito importante — ponderou Yukirama — Se voltarmos como estamos, vamos fazer pouca diferença, mesmo com o garoto.
— Viu? Vocês Aka conseguem pensar com algum pragmatismo — provocou Doku, reparando no rosto de desaprovação de Umi.
O caminho revelou um vale, outrora ocupado por pequenas vilas e postos comerciais, preenchido por bloqueios. O prodígio do gelo abriu caminho para a carruagem em velocidade total ao único lugar que poderia ser de interesse aos inimigos.
A Forja estava com seus portões escancarados, mas bloqueados por uma barricada inimiga. Foi então que os trabalhadores mantidos reféns e os Heishis encurralados viram todo aquele entulho congelar até um bloco de gelo antes de explodir violentamente com uma cortante labareda de fogo. A carruagem conduzida por Doku e Kyoko cruzou a passagem logo depois. Yukirama e Keiko vinham no teto de pé.
Vindo dos telhados das casas, os Kuro saltaram em cima da carruagem.
— Saiam de perto de mim — Keiko congelou seus corpos e os chutou para fora — Esse Suzaki está aqui?
— A essa altura, ele pode estar em qualquer lugar que o inimigo esteja — respondeu Doku, fazendo uma curva fechada que expulsou mais um inimigo do seu transporte — Mas não tenha tanta expectativa, se ele está em algum lugar é em Komukai.
— Temos que matá-lo. Ele e quem se atrever a entrar no meu caminho!
Pelo caminho, o transporte de Doku sofreu ataques à distância e estrepes nas rodas. Quando encontraram a caravana dos Heishis no meio do complexo, uma combinação de cavaleiros montados e carruagens carregadas de equipamentos cercada por inimigos, eles buscaram refúgio atrás dos outros transportes.
— Eu mandei partirem horas atrás — interrogou Doku.
— As cidades estavam tomadas muito antes — um dos Heishis respondeu — Enviamos tropas para abrir caminho, nenhuma voltou. Uchida também não.
— Estão em Komukai na melhor das hipóteses. Temos que levar vocês até lá — fez sinal para Keiko.
— Como? Estamos cercados a menos que — via Keiko saindo da cobertura — O que aquele menino pensa que está fazendo?
— Ele vai nos levar para onde temos que ir. Coloque seus homens de volta nas rédeas.
Em pouco tempo, muralhas de gelo brotaram ao redor do caminho até o portão, se fechando em um túnel cristalino. Keiko cambaleou um pouco, mas Aiko o pegou nos ombros antes de cair.
— Ainda estou fraco — balbuciou Keiko semiconsciente.
— Você fez bem.
— Não me toque — se embaraçou com os Aka no seu encalço, tropeçando em uma pedra e caindo.
— Isso que é prodígio hein — caçoou Umi enquanto Aiko ameaçou rir.
Yukirama reergueu o garoto do gelo. O túnel os protegeu da artilharia inimiga até a saída. Do vale até a subida da montanha para Komukai, porém, eles foram seguidos.
Na cauda da formação, os inimigos estavam emparelhados com a última carruagem. Saltando de dentro dela para os veículos inimigos, Umi se pendurou do lado da carruagem, enfiando sua lâmina entre as rodas e pulando em cima de um dos Heishis a cavalo que passava por ali.
Ao capotar, a carruagem inimiga acertou o comboio azul, arrancando a roda de um dos veículos, que trepidava às margens de um precipício.
— Temos que voltar — pediu Umi — Tem gente ali dentro.
— O inimigo não pode ter o fulgur — respondeu o Heishi, acelerando o cavalo para ultrapassar a carruagem vacilante.
— Ficou maluco?! Vai deixar eles morrerem assim? São o seu próprio…
Umi sequer completou a frase, quando um trovão ensurdecedor precedeu um raio na estrada. A montanha estremeceu, a estrada exibiu rachaduras, que foram cedendo a cada transporte que passava, levando os perseguidores e o transporte debilitado dos Ao para a escuridão eterna.
Em Komukai, o conflito já havia começado. A única ponte de acesso à cidade se tornou um campo de batalha sangrento entre Senshis e a Guarda Pacificadora. De um lado, os Kuro agrediam a passagem, enquanto uma catapulta castigava os muros externos da cidade.
Takuma e seus homens só podiam defender em terra, formando uma linha de escudos para segurar os inimigos. Atrás dela, um quinteto preparava uma enorme bola de fogo.
— Segurem a linha — Takuma dizia, olhando repetidas vezes para trás — Só mais um pouco.
— E a droga dos azuis? — praguejou um dos Senshis — Cadê a artilharia que prometeram?
— Afastem-se — ordenou Takuma — está pronto!
O paredão de escudos partiu em dois, abrindo caminho para a esfera incandescente varrer as tropas inimigas ainda na ponte. Olhando para trás, os Heishis brotaram das muralhas armados com flechas em canhões.
— Rápido, ou eles vão atirar — gritou Torigami.
Uma chuva de flechas desceu sobre os reforços. Como resposta, a catapulta, posicionada em uma colina, escondida entre árvores, fora do alcance de qualquer ataque direto, disparou contra a muralha. Mesmo com a cobertura, o projétil abriu um rombo na muralha de pedra. Outro tiro estava sendo preparado.
De repente, Doku surgiu nas costas do inimigo, liderando a investida contra a ponte, em sua carruagem. Antes que a Guarda Pacificadora reparasse que os transportes não eram seus, eles foram atropelados, cortados e até queimados pelos esforços contínuos de mirins e Heishis.
Os mirins desceram do transporte no meio da ponte, junto com um pequeno número de homens, no meio dos Senshis.
— Onde vocês estavam? — reclamou Takuma — Deserção é proibido!
— Nós fomos recrutados para uma missão, comandante — explicou Aiko — Não tivemos escolha.
— E essa missão — Umi apontou para a catapulta — vai salvar a gente do inimigo.
A luz das chamas do projétil sumia naquela noite. Mesmo à distância, era possível ver as estruturas serem tomadas por fragmentos de gelo.
— Eu sei que cometemos nossos erros, comandante — Yukirama admirava o trabalho de Keiko ao lado de Takuma — Mas agora estamos aqui para ajudar. Estamos ao seu dispor.
— Primeiro — reparou na seiva da noite escorrendo pelos olhos do trio graças à chuva — tirem essa tinta dos olhos. Nossos núcleos estão ativos e protegidos nos muros de pedra.
Com um sorriso nos lábios, os jovens limparam seus olhos e suas auras clarearam na presença dos outros Senshis. Uma nova horda se preparava para atacar a ponte.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.
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