Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume V – Arco 14

Capítulo 130: Prodígios

A carruagem rangia pela trilha de cascalho nas montanhas debaixo da intensa chuva. Nos assentos dos passageiros, um jovem com túnicas azuladas era acompanhado por outra garota, de braços cruzados e sobrancelhas anguladas para baixo. 

— Vai ficar com essa cara a viagem toda mesmo? — indagou Doku — pensei que estava com pressa de se mover logo. 

— Claro, ajudar Aka era tudo que queria — respondeu Kyoko — libertar pessoas que não se importam com nossa dor. Pior, elas causaram. 

— A vida não é tão preto no branco como você imagina. Isto é uma missão importante. O imperador vai recompensá-la, se colaborar. 

— Minha irmã é o mínimo que ele teria que me oferecer — virou-se a janela, notando a chuva se intensificando — Quem eu quero está lá fora… 

— Tem saudade de ser uma indigente? — respondeu cruzando os braços — se acha que vai encontrar Suzaki para se vingar mais facilmente assim, posso deixá-la na estrada aqui mesmo.

— Não quero vingança, quero justiça. 

Já em Komukai, os enviados de Satoru encontraram as portas da base Heishi tomadas pelos Senshis em um debate acalorado com as autoridades locais. 

— Eles foram movidos para as celas superiores — o Heishi empurrou o Senshi — Estão recebendo um tratamento melhor que muitos criminosos.

— Se está sugerindo que nossos mirins são alguma espécie de homicidas… — Takuma se interrompeu —  Por favor, eu só peço uma audiência com o responsável por…

— O Tenente Torigami não vai atendê-los no momento e isso é final. Dispersem.

Do outro lado da rua, Doku olhou para a situação depois para Kyoko com um sorriso de canto.

— Está vendo? Eles são como você, não olham para além das diferenças. Nosso trabalho é encontrar uma oportunidade nisso — disse se aproximando.

Em uma cela separada para os três, Aiko dormia e Umi tinha a cabeça virada para a parede, na parte mais escura, lendo um papel nas mãos. Yukirama estava no meio, abraçando seus joelhos que reparou estarem machucados. Uma memória passou pela sua cabeça. 

— Eu avisei para ter cuidado quando for brincar! 

Ainda no chão, um pequeno Yukirama abaixava a cabeça deixando escapar lágrimas.

Tá doendo, papai.

Não vai ser o primeiro machucado que vai ter na vida parou na frente dele, mas ainda não estendeu a mão Precisa aprender a aguentar um pouco. Consegue se levantar?

O garoto se apoiou para subir, porém continuou a protestar com a dor.

Vamos, vai ficar no chão a vida toda até eu vir te ajudar? Você não é assim.

Quando ficou de pé, a perna esticada amplificou sua dor. Yukirama prendia a respiração, mas a sua dor vazava pelas lágrimas. Foi então que Yuri agachou na sua frente, colocou a mão sobre seu joelho. A ferida se fechou e a dor sumiu.

Parte de aprender também é sentir a dor que causou. No futuro, você vai precisar ser forte. Esse foi o seu primeiro passo.

Yukirama retribuiu o gesto, saltando sobre o pai num abraço. 

— Estou orgulhoso de você, filho. Vamos para casa.

De volta ao presente, Yukirama repetia o gesto do pai em si mesmo. Um falatório se iniciou nos corredores, até que as portas da cela se escancararam. As meninas acordaram de supetão, principalmente Umi que escondeu as mãos nos bolsos. O carcereiro apresentou o rapaz que veio visitá-los: 

— São vocês os tais “mirins”? 

— Qual é dessa vez? — Questionou Umi.

— Sou Doku Chisei, seu libertador — virou-se de costas — venham comigo. 

Enquanto saíam da cela, Yukirama olhou de canto para o carcereiro. Sem reação alguma. Prestes a partirem, o grupo foi parado na virada para o corredor de saída. Era Torigami frente a frente com Doku. 

— Você deve estar se sentindo grande por fazer isso, mas nunca terá o tamanho de seus pais. 

— Está me confundindo com uma criança — jogou o Heishi para o lado com o braço — sou o enviado do Imperador. Sugiro que observe como se deve lidar com essas coisas. Talvez aprenda comigo.

— Se eu vir esses moleques na próxima vez, não haverá cartas de aviso para o regente.

Os mirins saíram pelos fundos da prisão. Havia somente chuva e um céu escurecido por nuvens para recebê-los. Esperando por eles, estava Kyoko, cujo olhar desviou de Doku no instante em que viu os mirins. 

— Esta é Kyoko. Ela vai nos acompanhar — apontou — Podem desamarrar os cavalos da nossa carruagem para partirmos.

— Se forem nos levar para outra prisão… — questionou Umi impedindo os outros dois mirins de obedecerem.

— Deviam estar agradecidos de que ainda estão vivos — indagou Kyoko, fazendo os mirins darem passos para trás. 

— O que ela quer dizer é que apesar de terem sido libertos pelo Imperador, vocês devem serviços a ele — tranquilizou Doku — Mas se preferem apodrecer aqui, garanto que uma hora os Senshis esqueceram de vocês. 

Yukirama foi o primeiro a desamarrar seu cavalo. 

— Que bom que chegamos a um acordo — concluiu Doku.

Aiko assim que deu um passo à frente, cambaleou para os braços de Umi: 

— Estou bem, só fraca. 

Os três mirins entraram na carruagem, ao passo que Kyoko subiu no assento do condutor junto com Doku. Os Heishis que os conduziram haviam sido dispensados, eles estavam por conta própria.

A viagem deles continuou montanha abaixo, onde um vale esperava por eles no fundo. Os mirins não trocaram palavras entre si, Doku retirava um cachimbo do bolso acendendo logo depois, quebrando o silêncio após a primeira fumaça expelida:

— Vocês não se apresentaram. 

— Sou Yukirama, e essas são Aiko e Umi — recuaram com o cheiro. 

— Muito bem, mirins — cruzou os braços ainda fumando — o silêncio de vocês não ajudará agora, o imperador já sabe de suas reais intenções. 

— Deve haver algum engano — indagou Aiko rindo de nervoso — nós só estávamos… 

— Estavam espionando as ações dos Heishis, isso é óbvio — interrompeu Doku — Para sorte de vocês, essa também é uma tarefa minha.

— Como se a gente soubesse de algo que vocês já não soubessem — respondeu Umi.

— O que quer com Uchida? — perguntou Yukirama.

— Uchida é um parente distante meu. Como um Chisei, ele sabe fazer a política certa a seu favor. Nos chamar até aqui foi uma distração, um jeito de tirar o Imperador de seu encalço. Fomos enviados para acabar com a brincadeira. 

Aiko respirou aliviada. Os outros dois não se sentiram tão confortáveis. 

— Uchida espera pela gente no final dessa rota. 

— A essa altura, Uchida já deve ter deixado a Forja — voltava a acelerar o par de cavalos — é para lá que vamos. Ficamos sabendo que eles puseram as mãos em um mineral que consideramos esgotado, mas como tudo foi um grande mal entendido, vocês não saberiam de nada…

Após ponderarem no silêncio, Yukirama respondeu:

— Quando fomos emboscados, foi às margens de uma estrada abandonada. O deslizamento de terra foi todo destrinchado, com lascas de alguma pedra luminosas à mostra.

— Fulgur — concluiu Doku — é o metal de que estão falando. Não é tão difícil quando trabalhamos juntos. Agora se comportem, vocês serão meus convidados nesta próxima parada. 

Encostada no pé de uma montanha no vale, protegida por paliçadas e um muro feito de troncos pontiagudos, estava a Forja. Os sentinelas liberaram os portões para Doku assim que o viram. O som do choque de marretas vindas da chaminé principal ecoava pela pequena vila militar, agora em reconstrução. 

A cada pedido de orientação de Doku, a resposta dos Heishis e moradores apontavam para dentro da montanha, onde uma abertura na rocha servia de escape para a fumaça negra que subia ao céu.

Na última cabana antes da subida, atrás dela havia uma passagem que levava para dentro do próprio morro. Ao acenderem as tochas pelo caminho, ouviram a primeira queixa do anfitrião. 

— “Tetsuhi preciso de mais armas. Por que está demorando tanto” — dizia com uma voz fanhosa — Já disse para não me atrapalharem! 

Os visitantes entraram na caverna abafada. O calor penetrava seus pulmões e a fumaça ardia seus olhos, mas pior que isso era a agressividade da voz de Tetsuhi, tão estridente quanto seu martelo.

— Mais crias deste império? — reconheceu Doku, tirando a lâmina incandescente da bigorna — Quando seu pai me enquadrou pela primeira vez, era apenas um garotinho. “Ninguém faz armas como você, Tetsuhi. O imperador vai te pagar bem”. Eu até hoje não vi o dinheiro daquela…

— Não estamos aqui pra falar do meu passado — se aproximou — Ouvi dizer que escapou do palácio imperial. 

— Quando se faz o que eu faço, eles não têm outra escolha. Até porque não sobrou muita coisa do meu chefe anterior, né? Ele botou vocês para correr e sumiu — ria entre tosses, mergulhando o pedaço de ferro brilhante num caldeirão — Que garoto maluco.

— Eu reconheço este metal. Achei que não havia mais fulgur nas minas.

— É o passado que explica o presente — tomava uma garrafa d’água — a propósito, esquece a piadinha sobre o garoto. O Céu limpo deve ter sido pesado para você, ainda mais usando a minha arma. Quando ele me tirou do palácio não pensei que…

— Céu Limpo? — questionou Yukirama.

— Quem são seus convidados? — vislumbrou os mirins e Kyoko por cima dos ombros de Doku.

— Testemunhas de uma escavação numa estrada perto daqui. Adivinha o que eles encontraram? 

— Eu não quero confusão — voltou para o caldeirão, retirando a barra de ferro dali — Muita gente já morreu.

— Se você sentisse algum remorso, teria parado de trabalhar há muito tempo…— olhava para os caixotes no canto da sala — Você gosta do que faz, por isso ainda fica aqui. Recebeu mais do que fulgur, eles compraram aço. Pode fazer as armas dos seus sonhos e para quê? 

— Estamos em guerra, se você ainda não percebeu. 

— Não desvie o assunto — perdeu a paciência Kyoko — seja específico. 

Tetsuhi grunhiu com o protesto da garota. Doku apenas deu de ombros.

— Estamos comprometidos — explicou o ferreiro — É questão de tempo até os Kuro aparecerem, mas Uchida ainda tem trabalho a fazer nestas montanhas. Ele pediu um carregamento especial para tentar pegar o tal prodígio. 

— Está falando de Keiko, o filho do Duque?

— Esse Império está cheio de joias a serem lapidadas, quase sempre pelas mãos erradas — caminhou até uns ganchos presos nas paredes onde repousavam armas e pegou uma lança — tenho certeza que Suzaki se sentia assim. 

— Não repita esse nome! — apontou Kyoko sendo contida por Doku. 

— Pode deixar que mais nenhuma palavra sairá da minha boca mais — jogou a lança aos pés de Doku — É o que tenho a oferecer. Dê o fora.

— Sabe, Tetsuhi, houve uma mudança de planos. O prodígio está encarregado a nós — pegou a lança — Uchida está sem tempo para cuidar de um assunto tão trivial. Por isso o imperador me enviou. 

— Se isso é um pedido de ajuda — tirou dessa vez uma espada do gancho e a jogou nas mãos de Doku — Poderia pelo menos dizer um ‘por favor’.

— Vou dizer obrigado — jogou a lâmina para Yukirama, que a segurou prontamente — Quero que avise ele: vamos lidar com Keiko, na condição de que toda a carga será transportada para Komukai ainda nesta noite.

— Impossível terminar de produzir todo o fulgur e aço que recebi.

— Então traga o minério também. Pode continuar a trabalhar em outro lugar.

— Vocês que mandam — deu de ombros — Mas vou precisar de um comprovante.

— Os Kuro aparecerem na porta desta base será prova o bastante.

Tetsuhi riu, logo se prontificando a apagar as chamas da forja.

O grupo subiu as montanhas para uma floresta densa e enlamaçada pela chuva. Já era de noite quando o céu parou de castigá-los com água e decidiu acariciar suas cabeças com neve. 

— De onde vem essa neve? Não estamos no inverno — se espantou Aiko tremendo.

— Isso tem a ver com o nosso alvo — disse Doku, soltando vapor pela boca — estamos perto.

— Aquele ferreiro tinha chamado ele de “prodígio do Gelo” — Umi reparava nas árvores salpicadas de neve — quer dizer que esse cara está controlando o clima ao redor dele?!

— Em Nokyokai aconteceu algo parecido — comentou Yukirama — aquele cara que eu e Yanaho enfrentamos controlava a tempestade. 

— Tempestades? — parou Doku de repente — quem diria que você teria o enfrentado.

— Era dele que o ferreiro estava falando, né? Quando citou aquele tal de Céu limpo — questionou Yukirama.

— Chega disso — interrompeu Kyoko parando diante de um muro tomado por vinhas — já chegamos. 

— Ela tem razão — seguiu Doku, os mirins o seguiam. 

Ao pular para o outro lado, encontraram o pátio tomado por uma natureza transbordante. Onde deveria estar o portão, descansava um pinheiro cortado como barricada. A principal decoração, no entanto, eram cristais altos espalhados pelo terreno. Cada um com um formato diferente, como bonecos vivos. Aiko se aproximou de um deles, limpando a umidez da superfície gelada e encontrando um homem.

— Como… — ela caiu para trás — Quem…

— São Heishis — Kyoko puxou a mirim para trás — Todos aqui são pelo visto.

— Antigos ataques de Uchida, presumo — concluiu Doku, seguindo até a casa — estes foram seus destinos.

A fachada do prédio estava selada por espessas paredes de gelo, tanto nas janelas quanto nas portas. Doku colocava uma mão na cintura se apoiando a lança de fulgur se aproximando de Yukirama. 

— Me mostre a espada que eu te dei — ordenou.

— A que o ferreiro deu no caso — desembainhou a lâmina.

— Ela não deve ser feita do mesmo material que vimos nas montanhas — disse Umi — Não brilha.

— Fulgur perde o brilho na forja, exceto — a aura de Doku brotou de seu corpo, iluminando a ponta da sua lança — Em contato com iro.

— A espada de duas pontas daquele cara em Nokyokai — lembrou-se Yukirama, iluminando sua espada com o vermelho de seu iro — Por isso Tetsuhi o conhecia.

— E é por isso que estão aqui. Os Aka manipulam fogo, correto? O Fulgur tem o poder de expandir a capacidade elementar a um nível maior, com isso você pode conseguir abrir caminho para nós — apontou a lança para o mirim — o que me diz?

— Afastem-se — pediu Yukirama, retirando uma faca da cintura.

Somente Yukirama ficou de frente para a entrada. Os outros assistiram distantes o risco da faca gerando a faísca sob o metal que acendeu a espada com fogo.

“Isso é como… a espada de fogo do Supremo?!”, pensou Umi observando. 

Junto ao seu iro, ele golpeou o ar, lançando uma labareda cortante contra a entrada. Não havia sobrado nada da barreira exceto uma longa poça de água. O grupo prosseguiu para entrar no casarão.

— Que poder é esse — se espantava Yukirama, notando seus dedos um pouco queimados. 

— Não temos tempo pra falar disso — avisou Kyoko — agora estamos no território dele, Keiko não deve ser subestimado, se atentem! 

— Acha que ele sabe que chegamos? — Yukirama perguntava, quando uma estalactite caiu sobre ele.

Saltando para o lado, a formação se espatifou no chão, na medida em que outras começaram a cair.

— Foi só você falar — provocou Umi.

O grupo subiu as escadas para o segundo andar, sob uma chuva mortal. Nas costas deles, uma densa parede de gelo foi erigida para bloquear a porta aberta. Enquanto corriam pelo corredor central, espinhos de gelo brotavam do piso. Kyoko trepidou, perdendo a passada.

— Me solta! — protestou ao ser puxada por Aiko.

As portas de quartos e salas dos corredores se escancararam. Mais gelo rastejava pelas paredes, pelo chão, os tornozelos e pés dos mirins até que saltaram do corredor que se fechava atrás deles para entrar em uma espaçosa cozinha. Todos, exceto um.

— Alguém me ajuda! — protestou Aiko, com parte da perna presa pelo gelo.

Kyoko estava diante da garota, mas não moveu um músculo para ajuda-la, até que seus companheiros se moveram em sua direção:

— Temos que esquentar o gelo, talvez com uma…

— Anda logo — interrompeu Umi — Não temos tempo até…

O teto se rompeu com uma enorme estalactite que, após romper as estruturas da cozinha, desabrochou, revelando seu criador. Um menino em sua adolescência, com inocentes olhos azuis quase brancos, inchados ao redor, rosto rosado, cabelo esbranquiçado com fios pretos vestindo um largo e aconchegante roupão azul marinho de pele, embora descalço.

— Saiam da minha… casa! — sua exclamação entregava sua voz fina e chorosa.

As fornalhas cuspiram finas lâminas de cristal. Aiko se espremeu na parede. Yukirama e Umi buscaram refúgio atrás de um balcão. Doku as costas da sua armadura para se proteger, trazendo Kyoko para perto de si.

— Nós não queremos visitas! — conjurou do ar uma adaga de gelo.

— Nós? — Doku sacou sua espada — Keiko, sua família se foi! 

— Pare de dizer isso — tapou os ouvidos com os dedos — Pilantras, querem me tirar da minha família? Vou destruir vocês!

Saltando sobre o balcão, Yukirama riscou suas lâminas, desta vez envolvendo as chamas ao redor da sua lâmina de fulgur, que cintilava em vermelho. 

— Sem tempo para conversa de criança — disse o mirim, balançando a espada contra o menino.

O impacto das duas armas soprou um vento gélido pela sala. O fogo na espada de Yukirama, apesar disso, continuava vivo.

— Assim como você mantém seu gelo sem derreter — concluiu Yukirama — Posso fazer o fogo não esfriar.

Doku e as outras duas meninas se prepararam para investir sobre o alvo, quando uma crosta de gelo mordeu seus pés. Yukirama olhou para si, e se encontrou preso até a cintura pelo rápido congelamento do ar.

— Consegue proteger seu fogo, mas não a si mesmo — respondeu Keiko — Até nunca mais.

Estalactites brotaram do teto novamente. As maiores que eles já haviam visto. Tão rápido foram geradas, elas precipitaram sobre o grupo. O chão cedeu, exceto ao redor de Keiko e Aiko, ainda presa. Um esgoto passava por debaixo do castelo, a água levou eles embora. 

Na medida em que Yukirama era varrido pelas águas, suas mãos seguravam sua espada e seus ouvidos os gritos de sua equipe. Por reflexo, ele fincou a lâmina de fulgur nas paredes até encontrar uma fenda que o segurasse. Umi vinha logo atrás dele, segurando sua perna. 

A mureta em que encontrou seu refúgio era baixa. A aura de Yukirama rompeu a escuridão do túnel enquanto fechava as feridas da queda, tudo ao mesmo tempo que empurrava o corpo para colocar seu braço do outro lado. Umi já conseguia colocar o seu na beirada, assim que o rapaz conseguiu escalar seu caminho para fora. 

— A Aiko ficou — Umi tossia água — será que ela…

— Ela ainda deve estar lá — cambaleou para as paredes, procurando apoio — A gente tem que voltar.

— Não fale como se fosse resolver isso tudo, é tudo culpa sua!  — encurralou Yukirama contra a parede — Por que a gente tá fazendo isso?

— Se a gente conseguir a confiança do Uchida, podemos descobrir quem… — afastou os braços de Umi.

— Para de mentir — ela revidou segurando os dele — Fala a verdade.

— Não sei do que está falando.

— Desde que leu aquela carta você acha que pode resolver tudo de uma hora pra outra — seu grito ecoou pelo lugar.

Até então os olhos de Yukirama estavam mortos e sua respiração fraca. Mas naquele momento, seu rosto se fechou, seus músculos tencionaram, respondendo à confissão com força. Um leve empurrão jogou Umi para a beirada da corrente de água. 

— É, eu peguei do seu bolso na noite passada — ela exibiu o papel — Você tá querendo voltar logo, e tá matando a gente para fazer isso.

— Me dá isso aqui — tomou das mãos dela — Eles são inimigos do Uchida, podemos…

— Essa é a Masori falando por você. Se eu soubesse que tinha tanto medo de ficar longe dela, eu teria te falado para…

— Quer mesmo falar de medo?! — respondeu Yukirama, cujo eco igualmente silenciou aquele túnel — Podíamos ter visitado os mensageiros semanas atrás e fugido da base a mais tempo ainda. E você escolheu apodrecer nas montanhas porque queria fugir da sua família. Por qual outro motivo ia deixar o seu pai daquele jeito nas mãos do Jin que você nunca confiou?

— Essa luta só vai terminar de matar a gente! — ficou de pé — foi isso que aquela garota quis dizer, viemos aqui para sermos mortos! 

— Mas não estamos — deu as costas. 

— O melhor a se fazer era arrumarmos uma brecha e dar o fora. A gente só precisa pegar a Aiko. Aquele garoto é muito acima da gente. 

— Esse gelo dele é iro, manipulação elemental — continuou andando corredor adentro — Ele é novo, não deve ter muita praticidade. Uma hora vai esgotar.

— Ah é? — Umi o seguiu — E você acha que conseguimos durar horas e horas lutando contra e… — Yukirama a empurrou para parede, fazendo sinal de silêncio.

— Esfriou — disse, soltando vapor pela boca — Estamos perto da casa.

Vagando cautelosamente, eles encontraram uma porta selada por uma tranca de madeira. Abrindo as portas, eles encontraram uma adega e outra estátua de gelo entre os barris. Era um homem, bebendo em uma taça vazia com vinho congelado no ar saindo de dentro. Umi chegou perto:

— Que estranho — sussurrou.

— É só mais um Heishi congelado. Esquece isso.

— Não. Aquilo eram cadáveres em blocos de gelo, isso aqui é uma pessoa esculpida. 

— E porque isso seria importante? — perguntou Yukirama, ignorando a escultura. 

— A questão é: pra quem ela é importante? — uma voz veio da entrada da adega, vinda dos túneis de esgoto.

Aparecendo na adega, Doku e Kyoko estavam ensopados, porém vivos, enquanto o líder concluía: 

— Essa estátua foi feita por Keiko, pelo vinho acredito que seja Matsuda Chisei, um antigo amigo de meu pai. 

— Por que ele faria uma estátua em homenagem ao amigo de seu pai? 

— Porque era o tio dele.

— Isso é maluquice — Umi encostava na estrutura, admirando sua perfeição — Isso não é só poder… É um dom também. No que você colocou a gente?

— A idade de Keiko não reflete os anos de experiência de combate que a sua família colocou nele desde mais novo — forçou a porta de saída da adega para fora — Apesar do corpo ter evoluído rapidamente, ele ainda é uma criança. 

Uma escada os levou para o primeiro andar da mansão novamente. Estavam na sala de jantar. Com todos os assentos ocupados por esculturas de gelo exceto um, entre um homem e uma mulher. Um jantar parado no tempo.

— Ele… — Kyoko cobria a boca aberta — ainda sente falta deles.

— Quem poderia ter feito isso? — Umi olhou para Doku, de punhos cerrados.

— Todos foram mortos no Céu Limpo.


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

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