Volume IV – Arco 13
Capítulo 117: Xeque Mate Pt.2
Na retaguarda do exército da aliança, os mirins assistiram à invasão dos Kuro. No caminho intermediário entre o topo da encosta e o rio logo abaixo, eles escutaram os gritos e batidas de espada entre os exércitos Kiiro e Kuro. Poucos minutos depois, os arcos dourados apareceram no céu.
— O que é aquilo? — apontou Nakama, com suas mãos enfaixadas.
— É tão… brilhante — os olhos de Katsuo brilhavam — poxa…
— Eu devia adivinhar — Masori se virava para Tomio — esse é o nosso sinal para dar o fora daqui
— Tô entendendo é nada. Qual o problema agora, Masori? — Emi puxou sua amiga pelo braço.
— Este é o Sol Reluzente. A arma secreta dos Kiiro.
— Arma secreta? — Katsuo perguntou — Acho que Yanaho já me disse algo sobre o que houve na vila dele.
— Sim, era para isso que fizeram o cerco que matou o pai do Yukirama… — a resposta de Masori silenciou os mirins.
— Sem desespero, mirins — dizia Tomio — Toda esta estratégia foi pensada. Não sabemos dos detalhes, mas temos nossas ordens para evacuar no momento certo. Da mesma forma, eles devem ter orientações para aguardar para que nenhum Aka seja pego no meio disso.
— Eu não entendo — Etsuko coçava a cabeça — Qual o lance? É só uma luz no céu.
— Energia Aka e Kiiro são diferentes — Kento explicava — A aura amarela concede controle sobre o Sol e seus efeitos, ao mesmo tempo que concede imunidade contra eles. Nós não temos a mesma sorte.
— Então, se a gente ficar aqui — Nakama olhava para o topo da encosta — Vai todo mundo morrer?
— Ninguém vai morrer — Usagi encostou em seu ombro — Ouviu o que o professor disse: vamos evacuar em breve.
A conversa dos jovens era intrometida por um tremor da terra, que fazia todos se segurarem onde podiam, e outros levarem as mãos e joelhos ao chão.
— Eu tô começando a achar que esse breve vai ter que ser agora — gritou Emi.
O cânion estremecia com mais força assim que duas auras negras se misturaram no interior do rio. Assim que o terremoto passou, os cavaleiros surgiram de todos os cantos para combater as duas súditas. Os Senshis mais adiantados fizeram seu retorno para onde os mirins estavam:
— Capitão Tomio, comandante Yato nos deu ordens para recuar.
— E as cordas para as encostas superiores? — perguntou o professor.
— Isso vem para recolher os que ficarem por último. Vocês vão cortar o cânion por dentro — fez sinal para as montarias voltarem — Descemos uns cavalos para facilitar. Não temos muito tempo.
— E o comandante? Vai ficar sem mais nem menos?
— Precisamos afastar a ameaça dos súditos o quanto antes. Subam logo antes que…
Os mirins subiram em duplas nos seus cavalos. A última montaria ficou para Etsuko, a qual Katsuo também subiu logo depois. A caravana iniciou sua fuga, liderada por Tomio. No meio do caminho, Katsuo viu uma das súditas fechar sua mão.
As paredes da encosta racharam de cima a baixo. Os cavalos protestaram de medo. Uma pedra caiu pelo caminho bem na frente da montaria de Katsuo que empinou-se para evitar ser esmagado. O próprio chão da passagem intermediária cedeu mais à frente. Etsuko deu pouca importância, galopando na direção do precipício crescente.
— Ficou maluco? — Katsuo gritava — Vai matar a gente, não vai dar tempo.
— A gente vai morrer se ficar!
O animal saltou no ar. Emi olhou para trás, Usagi ainda esticou sua mão para pegá-los, mas o animal saltou sem forças da passagem em decadência. Tanto ele quanto a dupla de mirins caíram no rio agitado pelo deslizamento que caía como uma chuva sobre as tropas aliadas.
— A gente tem que volt… — cogitou Nakama.
— Não parem! — gritava os Senshis fazendo a guarda com arcos.
— Mas nossos amigos — ameaçou voltar Usagi.
— Não até que vocês estejam a salvo — Tomio cortou a sugestão, pegando em seu ombro — Eles ainda tem as cordas. A princesa não destruirá este lugar com Senshis aqui dentro. Olhos na estrada, porque ela ainda pode desabar.
Os dois mirins despertaram em meio às águas, com outros Senshis ao redor. Pedaços das duas encostas caíram sobre o rio, criando uma barragem e destruindo o caminho da passagem intermediária que levava para a saída do cânion do lado dos Kiiro.
— Anda logo — Etsuko se agarrava nas paredes do rio — Eles vão jogar as cordas em breve.
— Espera… — Katsuo nadava até a parede, quando notou uma mudança na luz dos arcos.
Um par de Senshis agarrou Etsuko e Katsuo para fora do rio, os deixando no chão. Recuperando o fôlego, seus olhos repararam nos arcos no céu. Antes eles estavam conectando pontos não adjacentes, mas pararam de repente.
— O que… tá acontecendo? — balbuciou Etsuko.
— Alguém, chame o comandante — um Senshi olhava ao redor, vendo armaduras dos Kishis aquecerem — Atrasaram a ativação.
— Os kiiro estão nos dando mais tempo, como combinado. Desçam as cordas — outro gritou para o topo da encosta — Tirem-nos daqui!
Katsuo ficava de pé, abastecido pelo iro do grupo de Senshis que revitalizou a ele e Etsuko. As cordas do topo da encosta caíram sobre eles. Lá em cima, carruagens esperavam por eles.
— Venham todos vocês — ordenou um dos guerreiros, oferecendo uma das cordas.
Etsuko foi o primeiro a se agarrar numa delas, enquanto outros homens já escalaram, enquanto o outro mirim esperou sua vez para começar sua subida para vir logo atrás na mesma corda.
O primeiro lote de Senshis estava na metade do caminho, quando algo atingiu o paredão de pedra. Saindo do buraco, Raijin patinou para fora apenas para ser acertado de novo com uma pedra vinda de Nubi. Mayuri sobrevoou o cânion, descendo as carruagens na encosta:
— Por que estão indo embora tão cedo?
Alguns Senshis desceram de seus carros para lutar, mas eram rapidamente arremessados de volta ao rio. No paredão, os mirins viam a chuva de homens, gritando de desespero.
— Fiquem por aqui — ordenou o Senshi mais acima — Está perigoso.
— Ficar aqui também é! — protestou Etsuko.
— É uma ordem!
A segunda leva de Senshis atingiu o topo. Etsuko sentiu sua corda desfiar ao puxá-la. Ele se apoiou com as pernas na pedra, se preparando para saltar.
— Etsuko — gritou Katsuo — Obedece, poxa. Se está com medo salta para minha corda.
— Eles não tem a menor chance contra ela — outro impacto no paredão, vindo contra Raijin.
— Eu não vou deixar você ir para lá sozinho — se pôs a escalar antes mesmo do parceiro.
Um jato de chamas soprando para fora do cânion. A corda de Etsuko partiu, mas o mirim se agarrou na borda. Katsuo ainda escalava, suas cordas estavam prestes a partir.
— Finalmente. Vai acabar — Etsuko subia, ofegante — Ei, esperem por mim.
O topo que Etsuko encontrou tinha todos os Senshis caídos sobre Mayuri, cujos braços eram rodeados por labaredas. As carruagens estavam partindo sem eles, embora uma foi tombada ao ser atraída pela súdita.
A mera presença de Mayuri diante dele o congelou. Antes que pudesse sacar sua espada, Raijin surgia do paredão, se lançando contra ela. O mirim olhou para baixo e viu outros dois cavaleiros e Yato juntando ao redor da segunda súdita abaixo. Outro tremor atingiu o cânion. Uma voz chamou por ele.
— Etsuko! Me ajuda — gritou Katsuo.
— Droga, tampinha. Anda logo!
O mirim estava pendurado na borda. Os Senshis terminaram de aprontar a carruagem. Etsuko olhou para o grupo depois para seu companheiro, e tomou sua decisão:
— Esperem. Falta mais um de nós subir.
Indo até Katsuo, ele segurou em seu braço para puxá-lo, quando Raijin voou para fora da encosta. Os mirins sentiram uma força os repelindo da borda. Mayuri trouxe a carruagem para si e a despedaçou. A força rachou a borda, escorregando os pés de Etsuko, que puxava Katsuo. Ambos caíram no cânion, alcançando as cordas que sobraram na queda.
Mesmo assim, eles caíram no chão com força. Katsuo tentou apoiar uma das pernas no paredão, terminando com a calça e a perna rasgada.
A dupla olhou para o alto e viu a queda livre de outros Senshis e cavaleiros. Yato disparou chamas contra as inimigas, mas uma barreira de pedras a rodeou. Do que sobrou das passagens intermediárias, os Kishis eram pressionados pela Guarda Pacificadora.
— Impossível! — um dos homens caídos emergiu — aquelas duas não querem nos deixar fugir em paz!
— Agora estamos sem as cordas — outro comentou.
— O que faremos? — se intrometeu Etsuko — Vocês são Senshis, devem saber um jeito de sairmos dessa, né?!
— Fica calmo, mirim — apontou para o outro mirim — ajuda seu amigo aí, antes que ele se afogue.
Etsuko puxava Katsuo do fundo da água, gemendo de dor:
— Minha perna direita, não consigo senti-la.
— Deve ter só torcido. Juntos a gente dá um jeito de te colocar de pé quando subirmos.
De repente do alto um berro sinalizou o contingente de vermelhos que estavam sob as águas, a sombra do sujeito se projetava pelos raios amarelos que cercavam o céu:
— Ei! Atenção!
— Comandante Yato! — percebeu um deles, notando o homem ferido com as duas mãos sob a boca como um megafone.
— Nadem pelo curso do rio! Deem um fora da zona, depressa!
— Ele tem razão, a correnteza está ao nosso favor — percebeu um adulto — vocês são mirins, né? Fiquem conosco e tudo ficará bem.
Katsuo tentava nadar sozinho enquanto Etsuko, seguia junto aos outros Senshis que tomavam a dianteira no caminho correto do rio. O comandante percebia a fuga de seus homens do alto, logo voltando sua atenção aos oponentes.
— Já mandou os azarados seguirem pelo rio? — perguntou Riki, limpando o sangue da boca.
— Sim, vai demorar mais que o esperado — sangue escorria de sua testa — mas não temos outra alternativa com essas duas aqui, teremos que aguentar até que eles nadem para fora — brilhava em vermelho — Não tem problema para mim se eu for o único sacrificado.
Distraídos, os cavaleiros percebiam Nubi mirando suas mãos para além deles, Yato logo ouvia gritos. A correnteza agora estava contrária a direção desejada pelos Aka’s lá debaixo.
— Desgraçadas! — gritou Tsuruta.
— O que é que essa criança não pode fazer? — disse Raijin mergulhando na areia em direção a Nubi.
A garota saltou para trás sendo capturada pela órbita ao redor de Mayuri, que liberou pedregulhos na direção dos cavaleiros novamente. Foi então que um portal verde pairou bem ao lado das duas súditas que cessaram seus ataques, enquanto os aliados se hipnotizaram com o homem de olhos verdes que surgia no campo de batalha, alertando:
— Está terminado Gama, chegou a hora.
O anúncio do sujeito, fez o céu rugir por um momento, os arcos antes dourados, brilharam em branco, enquanto invadiam as regiões inferiores do cânion.
— Isso é — engolia seco Raijin — por que a princesa…
— Não vou deixar vocês fugirem! — gritou Riki com a mão estendida para os três membros de capa negra.
O ataque do cavaleiro, no entanto, acertou apenas o ar, uma vez que um portal puxou Mayuri e Nubi para dentro. O calor cresceu.
— Mas a evacuação — coçou a cabeça Tsuruta.
— Tínhamos um acordo! — pegou um dos cavaleiros pelo colarinho — meus homens ainda estão nadando!
— Tá surdo é? — Riki separou os dois — aquele cara disse que está tudo terminado.
— Isso quer dizer que… — apontou para encosta da direita — a princesa foi comprometida?! A matriarca nunca…
— Se desfaçam das armas do império! — ordenou Riki, jogando sua arma rio abaixo — Os Kiiro são imunes ao calor mas não conseguem controlar o fulgur a temperaturas tão altas. Temos que proteger o máximo de Akas pudermos — pegou Yato pelo ombro — isso inclui você.
— Meus homens ainda… — olhou de cima, os Aka nadando distantes — não consigo avisá-los. Por favor, escapem… — socou o chão.
Yasukasa e Suzaki batiam seus punhos, entrelaçavam suas pernas nos arredores do Sol Reluzente até que o som e luz brilhante esbranquiçada, obrigou a matriarca a despejar uma onda de areia contra seu oponente.
— O que está havendo? — Sacou sua espada e saiu correndo — ativado tão cedo assim?
Antes que pudesse se afastar, uma espada voou por cima dela até aterrissar na sua frente. Era a lâmina de duas pontas de Zeta.
— Não sou amadora para perceber que está me enrolando — Yasukasa erguia uma redoma de areia ao redor de si — quer me manter aqui.
— Ninguém dá as costas para mim — era puxado até sua espada, ficando entre sua oponente e o combate à área limitada pelas bandeiras.
— O que estão fazendo?! Qual é o plano?!
— Todo esse poder — percebia Suzaki — e você ainda tem coragem de perguntar o que nós estamos fazendo? Não devia esperar menos vindo da filha pelo visto. Tudo igual a Vila da Providência.
— Eu não preciso dar explicações para você!
— Matriarca… — uma voz chamou por ela.
A areia por trás de Suzaki formou uma caixa, vedando o súdito antes de afundá-lo no chão. Mutaiyo saía de trás, correndo às pressas, na medida em que raios brotavam no chão.
— O que você faz aqui? Eu disse para…
— Me avisaram da sua partida, mas você não voltou como prometeu pela manhã — se juntava a sua aluna.
— Por que Hoshi ativou o…
— Não foi ela, a evacuação foi tumultuada, ainda tem vermelhos no cânion.
— Como assim não foi ela? Isso não está certo… — um raio lançou areia para o céu, interrompendo o raciocínio de Yasukasa.
Suzaki estava coberto por faíscas de sua aura, que salpicaram o chão com o calor da eletricidade em seu corpo. Ele preparou-se para arremessar sua espada, quando um portal apareceu ao seu lado.
— Acabou — Seth apareceu — Volte para nós.
— Você… não pode ser — Yasukasa correu.
— Espera, Yasu! — gritou Mutaiyo.
Todas as areias convergiram para a fenda como a boca de uma enorme fera prestes a engolir o feiticeiro e seu aliado. Quando a terra se amontoou, porém, não havia sobrado mais nada. Nenhum rastro dos dois.
— Como ousam! Verme, insolente, imbecil! — Yasukasa pisoteava a terra batida — estava ganhando tempo. Minha irmã está em perigo.
— Yasukasa… — Mutaiyo apontava — Tarde demais.
Os arcos cobriam o cânion inteiro, formando uma luz branca cegante. Yasukasa largou sua espada, caindo de joelhos:
— Meus Kishis… os Aka… Hoshi…
Uma grande explosão veio de dentro do rio. As águas arremessaram os Senshis contra as paredes. Mesmo feridos pelo impacto e queimaduras, eles continuaram a nada:
— Nós fomos abandonados?!
— Continuem a nadar rápido! Temos que confiar nas ordens!
A cada braçada, Katsuo era mais submerso pela água escaldante. Etsuko enfiou seus braços na água, colocando o mirim em seus ombros:
— Vem logo!
A água fazia suas peles coçarem e fios de cabelo descolarem do couro. A dupla prendeu a respiração, fechou os olhos e mergulhou na água para se proteger do calor do fora. Contudo, mesmo ali dentro, os Senshis cozinhavam ao ponto de precisarem voltar à superfície mais uma vez.
Bastou o contato com a superfície para sua pele começar a descascar, mais rápido que podiam curar-se entre si. Tentando tomar o ar que precisava, Etsuko tossiu sangue enquanto suas narinas queimaram:
— Tá quente, quente demais! Eu não quero morrer!
Em poucos segundos, seus pés tocaram o fundo do cânion. Espiando com os olhos semicerrados, Etsuko viu o rio evaporando em questão de minutos.
Sem a água, tudo que sobrou foram os cadáveres amontoados dos últimos três dias. Etsuko soltou um grito que ecoou pelo cânion.
“E se eu não deixasse aquele Senshi subir na corda na minha frente?”, Katsuo pensou. ”E se Etsuko eu não fossemos os últimos a subir nos cavalos? E se… eu não fosse para o internato.”
Um Katsuo ainda criança sentado na mesa de sua casa. O jantar servido era a única coisa que seus olhos tinham coragem de enxergar. De pé na frente dele estava um homem de braços cruzados:
— Você é o meu filho. Será a esperança da nossa família daqui para frente. Investi todos meus anos para que isso aconteça, e agora finalmente poderá ser um Senshi.
— Eu sei pai, poxa.
— Esse é meu garoto — vestia um chapéu, pegando em uma maleta — por que não aproveita para se exercitar hoje? — batia de leve nas costas do garoto — tudo para ficar longe daqueles pincéis de novo.
“Nossa família vinha de uma linhagem antiga de Senshis. Por isso temos sobrenome, dinheiro e uma casa. Fazia três gerações desde que não formamos nosso último Senshi. Devemos renovar o corpo militar depois de tanto tempo ou nossa vida estava ameaçada. Com o nosso negócio falido, meu pai escolheu trabalhar na capital, um dia inteiro de viagem, em serviços que os Senshis não podiam quando estavam longe em missões. Tudo para uma chance de tirar a gente dali. Eu seria a chave de tudo, se pudesse entrar como mirim.”
Uma mulher de avental, cabelos castanhos longos com uma pequena trança enfeitada, vagava por uma casa silenciosa, móveis empoeirados, nenhum sinal de vida, quando encontrou a porta do porão entreaberta. Descendo as escadas encontrou o garoto debruçado sobre uma tela, pincel de lado, mãos sujas de tinta.
Ao tocá-lo para despertar, ele acordou de sobressalto, mas relaxou ao reconhecer a mãe.
— Está lindo, só que essas coisas são minhas, poxa — recolheu o quadro — Isso não pode ficar aqui.
— Desculpa, é que eu achei e ninguém tava usando — inclinava sua cabeça — Juro que saí para me exercitar hoje, só fiquei aqui sem fazer nada e… Pode não contar nada para ele?
— Se você lavar as mãos… — levou a mão às bochechas do garoto — Será nosso segredinho, meu amor.
“Minha mãe sempre esteve comigo quando meu pai saía. Por curiosidade, acabei descobrindo um trabalho antigo dela. O problema era que meu pai acreditava que meu caminho deveria ser diferente do dela. Para pagar minha entrada no internato, foram três anos e um golpe de sorte…”
Entrando na casa, o pai de Katsuo sentou-se à mesa com sua mulher e filho e bateu na mesa:
— Eu finalmente consegui! Katsuo, meu filho, você será um Senshi!
— Sério? — coçava os olhos.
— Finalmente compensaram meus serviços prestados. Acredita que um dos mirins desistiu da vaga? Finalmente vão te dar uma chance. Ano que vem, você vai para o internato!
— Mas, poxa… E se eu não quiser ir — entrelaçou as pernas desviando o olhar.
Seu pai logo respirou fundo mudando sua expressão completamente, porém antes que começasse a falar teve seu braço alcançado pela mão gentil de sua esposa, que fazia um gesto com a cabeça.
— Muito bem Katsuo, você tem se preparado para isso. Combinamos isso há alguns meses, então por que abrir mão agora? Ou melhor… se você não vai para lá, o que pensa fazer da vida então?
— Eu tenho outros gostos. Coisas mais simples — respondeu.
De imediato o homem levantou da mesa dizendo:
— Me mostra.
— Mas eu não…
— Eu já sei. Mostra.
Emburrado, Katsuo abriu a porta do porão cabisbaixo, quando sua mãe o impediu, apontando para outro quarto na casa. Quando entrou, o lugar estava repleto de quadros que ele nunca tinha visto. As únicas exceções estavam na mesa nos fundos. Seus quadros.
— Estão ótimos — seu pai olhava um a um — você pegou esse talento todo com sua mãe.
A resposta positiva do pai ergueu a cabeça de Katsuo:
— Então eu…
— Mas — largou os quadros na mesa — sabe o quanto esse talento significa para as pessoas? Nada.
— Poxa — o garoto se recolheu.
— Sua mãe tinha o mesmo dom, mas tudo que temos hoje foi graças ao dinheiro de Senshis que morreram por nós décadas atrás. As pessoas não valorizam artistas, mas sim, guerreiros, sabe por quê? Porque um homem deve fazer o que for preciso, mesmo que custe a sua felicidade.
— Tá, desculpa — ameaçava subir as escadas.
— Nós só queremos que você não passe pelo que eu e sua mãe passamos. Você é um menino mole, se continuar dividido vai apenas sofrer lá — estendeu a mão — me dê seus materiais, agora.
— Deixa — sua mãe interrompeu — Eu já peguei tudo do porão. Desculpa, meu filho. Quando tudo isto acabar, pode tê-los de volta.
— Eu sei, mãe… Eu sei.
Anos depois, Katsuo tinha malas prontas, na porta de uma carruagem estacionada em sua rua. Seus pais seguravam um pergaminho nas mãos, enquanto ele explicava:
— Esse é um contrato de responsabilidade, em caso de algo ocorra comigo. Vocês precisam entregar ele assinado até a próxima semana.
— Nada acontecerá a você meu filho — agachou a altura do garoto — você carrega dentro de você a verdadeira força de pessoas comuns como eu e sua mãe. Só precisa trabalhar para atingi-la.
— Pode deixar, mas — disse Katsuo — Isso é mais um pedido dos Senshis do que meu.
Enquanto o homem assinava, sua mãe se aproximou:
— Acredite em si mesmo, faça amigos e — abraçou o filho, enfiando a mão em um de seus bolsos — divirta-se, meu amor.
Despedindo-se dos dois, Katsuo entrou na carruagem. No caminho, viu que nos seus bolsos tinha um frasco de tinta azul junto a um pequeno pincel.
“Se eu só tivesse sido sincero naquele dia”.
Katsuo abriu a porta do seu dormitório pela primeira vez. Ninguém estava ali ainda. O garoto sentou-se na cama, fez da sua própria mão um quadro e sacou seu pincel e a tinta. Não demorou muito para ouvir a porta bater:
— Opa, foi mal pensei que tava vazio — o rapaz abriu a porta — você deve ser meu colega de quarto — estendeu a mão direita — prazer, Yanaho… Aka, por enquanto.
— Sou… — cumprimentou com a mão contrária, escondendo a outra — Katsuo Yokujitsu.
— Então todo mundo aqui vem de uma família de Senshis né? O que tá escondendo aí? — o garoto de olhos vermelhos percebia uma gota cair de trás do sujeito.
— Poxa, tá, tá — mostrou a mão suja de tinta — por favor deixa isso só entre nós — pegou o frasco.
— Ah, tá tudo bem. Quem te ensinou?
— Foi a minha mãe. Não vai falar nada da cor? Aqui ninguém gosta de azul só por ser Aka.
— O azul? Nem. Quer saber, não tenho nada contra, só prefiro o vermelho do pôr do sol. É algo único e diferente.
— Então gosta de laranja? — sorriu Katsuo.
— Aquilo é vermelho — apontou o dedo.
— Também, mas daí mistura com o amarelo e…
— É vermelho e ponto final — elevou a voz — quer saber, esquece — tirava um papel amassado do bolso — Toma, se tá tão incomodado em alguém reparar, os professores vão ficar olhando suas mãos. Aproveita e lava elas logo. Por que tá rindo?
— Nada, é só que… Lembrei de uma coisa.
Seu companheiro de quarto foi contagiado pelo sorriso de Katsuo, que voltava sua cabeça para o desespero atual. Ele reconhecia a voz de Etsuko, gritando por ajuda e agarrando suas roupas com seus dedos fracos.
“É verdade. Se tivesse me tornado um artista que nem a minha mãe, eu não estaria queimando aqui. Mas aí, eu não teria conhecido alguém como você, Yanaho”, segurou Etsuko nos ombros. “E todas… todas as vezes que você não riu de mim. Todas as vezes que fez o que não queria sem reclamar. Eu teria fugido anos atrás se não fosse por você.”
Correndo com o amigo pendurado sobre ele, Katsuo gritou:
— Por isso, nunca vou me arrepender de ter chegado até aqui! Como um guerreiro, eu vou até o fim!
Tropeçando em um cadáver, Katsuo rolou no chão. Para encontrar Etsuko ele tentou abrir os olhos, que terminaram completamente queimados. A última imagem que viu foi um clarão que engoliu tudo.
No epicentro de onde se formou os arcos, os súditos assistiram os arcos se desfazerem no céu na companhia de seus líderes. Todos em completo silêncio, boquiabertos, enquanto cobriam seus olhos do clarão que enfraquecia. Junichi deu as costas para a cena, ouvindo apenas o balbuciar de Hoshizora que desabava no chão olhos ainda abertos, porém consciência longe do longo.
— Acabou, criança — Nobura retirava suas mãos dela.
— Lançaria mão de uma extensa fortuna para ver sua face agora, mesmo já imaginando qual seria sua expressão — Seth dizia, movendo o cavalo negro para encurralar o rei branco no tabuleiro — Xeque-Mate — derrubou a peça decisiva.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.