Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume IV – Arco 13

Capítulo 112: Promoção

Longe da sua pequena mesa de xadrez, Hoshizora perambulava por sua pequena fortaleza, na cauda da formação aliada no topo da encosta mais à direita do rio. De ambos os lados da encosta, seus homens não avançaram para além das bandeiras plantadas no topo. E abaixo, nas passagens mais perto do rio, os que não recuaram, terminaram nas profundezas do rio. 

Mesmo horas depois do fim da batalha, quando a Guarda Pacificadora já havia recuado, Hoshizora afastou seu olhar das manchas de sangue e pedaços de armadura boiando no rio, no momento em que o cavaleiro pessoal de sua irmã retornou a ela.

— Princesa — Kotaru trazia um papel nas mãos — os exploradores voltaram. A Guarda Pacificadora cessou seu ataque, porém estão entocados há duas milhas de nós. 

— Impossível avançar a noite — Hoshizora voltou sua atenção ao seu tabuleiro, jogando todas as peças para os extremos do tabuleiro — Eles têm sorte de terem voltado com vida. 

— Disseram que mantiveram distância, mas tiveram que saltar na água para escapar dos arqueiros.

— Pensei termos destruído todos com o imbróglio dos portais — suas mãos tremularam segurando o bispo negro — Eles sempre tem uma surpresa.

— E agora? Estamos a sua ordens.

— Agora — olhou para o pôr do sol por um instante — terminar de construir as tendas médicas nos fundos da formação e mobilizar nossos doutores. Faça acima do rio, para que não seja necessário subir até aqui para…

— Nós dois sabemos que os feridos não são o maior dos problemas — Kotaru encarou o tabuleiro dividido.

— Oh, claro — Hoshizora jogou as costas para trás, levando a peça consigo — Passamos tanto tempo planejando esta luta, para um rio que nem deveria estar aqui levar quase um terço de nossas forças embora.

— Sobrevivemos. O exército deles é débil. Se a campanha de Nokyokai foi vitoriosa, imagino que tenha sido apenas graças a estes “súditos do caos”.

— Nosso objetivo primário está além de sobreviver — martelava o bispo preto no joelho — Alguém como aquela mulher vai retornar, ou até mesmo mais forte que ela. 

— Nós também vamos nos fortalecer, princesa, se nos der uma nova oportunidade de provar nosso valor.

— Tudo bem. Vocês esperam ouvir meu comando, não minhas inseguranças — guardou o bispo preto ao lado do tabuleiro e pegou um segundo — Meu palpite é que um novo “súdito” aparecerá esta noite. Assim como Nokyokai, eles costumam trabalhar em pares, alternadamente. 

— Devem atacar primeiro para depois virem as tropas.

— Exatamente — distribuía as peças brancas entre os cantos do tabuleiro — Faremos reconhecimento a cada hora. Três grupos compostos por Senshis, Kishis e um cavaleiro pessoal. Afastados, agrupando caso a ameaça não seja contida. 

— Vou dar a ordem — se curvou Kotaru, antes de se virar — E você deve saber: sua irmã nos fará uma visita esta noite.

Sozinha com seu tabuleiro, a irmã mais nova da Matriarca não tirava seus olhos da peça à parte do tabuleiro. O bispo preto ardia na sua mente como uma ferida aberta, ecoando com as palavras de um dia distante. O mesmo dia em que havia desenhado a estratégia desta batalha:

— Nossos homens foram treinados para identificar inimigos pela proximidade e intensidade do calor de seus corpos, então o poder ocular não será um problema. Com o acréscimo do fulgur nosso iro e metais serão um só.

— Mesmo que os Kuro sejam invencíveis como dizem — complementou Yasukasa — Eles são vulneráveis ao poder do sol como qualquer um que não possui sangue dourado. 

— Com todos esses recursos e a mobilização de dois cavaleiros pessoais de minha irmã, tenho total confiança de que vamos afastar essa ameaça.

— Afastar não é a palavra correta — rebateu o Rei Chaul — Ainda que consigam a vitória, seria temporária e a um custo alto imagino.

— Eu não sei se entendo o seu raciocínio, majestade. Estes são inimigos formidáveis, cujas forças ainda não compreendemos totalmente — cruzou os braços Ryoma — Seria arrogante da nossa parte garantir uma morte.

— Nosso objetivo é ganhar território para defendê-lo. Matar vem depois.

— E o seu inimigo? Matar vem depois para ele? Mesmo que vença, ele voltará depois ou um segundo destes “especiais” — apontou o dedo, Chaul.

— Nós Aka — Ryoma tomava um cavalo e três peões brancos do tabuleiro — Quando estamos juntos regeneramos qualquer ferimento, compensamos qualquer deficiência. Mas não é como se os seus homens pudessem fazer isso. 

— Seus homens não são seus servos Matriarca. No campo de batalha, eles são sua família — concluiu o rei.

Voltando a si, Hoshizora limpou a lágrima que escorria pela sua bochecha. A noite terminava de cair sobre o cânion. Ela elevou os olhos ao céu estrelado, guiando eles pelo rastro de luz claro que cortava o domo, pensando:

“Pai, receba as almas daqueles que deram suas vidas nessa batalha. Eu peço perdão por não ter impedido essas perdas, mas… faremos de tudo para que nada disso seja em vão! Olhem por nós aí de cima.”

As passagens acima do rio eram conectadas por pontes de areia, largas o suficiente para os exércitos de lados opostos se deslocarem. Juntos o grupo construiu tendas, formando um acampamento improvisado. Quatro mirins se deslocavam para a outra extremidade, liderados por Tomio, que os levou a uma das áreas cobertas.

Os Senshis ainda terminaram de plantar as estacas, porém um dos leitos já estava ocupado. Etsuko deitava sobre uma esteira estendida por uma mesa de madeira, com sua cabeça enfaixada. Masori sentava ao lado dele:

— Não deviam estar do outro lado?

— Por conta dos feridos — Tomio deixava os mirins tomarem as cadeiras dispostas do lado de dentro — decidimos agrupar as nossas forças pelo menos por essa noite. 

— Um daqueles deslizamentos de terra acertou ele? — perguntou Usagi, recusando uma das cadeiras oferecidas a ele.

— Foi um susto, ele está bem — segurou no ombro do mirim mais velho — Agora que estão todos aqui, eu vou me reunir com nosso comandante. Fique de olho neles.

Tomio fechava a abertura da tenda. Depois que os Senshis terminaram de fixar as estacas, Emi deixou a cadeira de lado e se sentou no chão, esticando as pernas.

— Que dia! — deitava suspirando — e infelizmente amanhã tem mais.

— Ele deu sorte — Kento encostava em Etsuko — Iro cura as feridas até certo ponto, mas afogamento é outra história.

— Só podia ter sido você para se meter a catar ele na água, Masori — Nakama, virava a cadeira, se debruçando sobre o encosto.

— Eu não fiz nada — Masori olhou ao redor da tenda — Alguém viu Katsuo no caminho para cá?

— Vi ele pegando uma corda para o topo. Tomio disse que ele merecia um descanso pelo… — Effei espiava para fora da tenda e logo recuando a cabeça para desviar de uma água que caía morta no chão — Vocês viram isso?

— O inimigo está usando as aves para fazer aqueles portais — Usagi explicou — Os arqueiros estão trabalhando desde o final da tarde.

Os mirins trocaram olhares entre si. Emi quebrou o silêncio:

— É sério que o garoto realmente salvou um dos nossos. É mais difícil acreditar que todo esse lance das aves.

— Tá vendo? Todo mundo pode ajudar, o internato é uma coisa, a vida real é outra  — Nakama ria — Cheguei a ver uns Senshis se enrolando em cordas para mergulhar. Foi assim?

— É, só que eles fizeram depois dele. Estávamos paralisados, sem saber o que fazer — contava Masori — ele nem ao menos hesitou, antes que pudesse sugerir qualquer coisa, ele pulou na água.

— Com o fim da batalha, eles tiraram a barreira de areia para fazer as pontes para transportar os feridos para retaguarda. Demorou um pouco mas a água acalmou — Kento tirava o pulso de Etsuko — Agora o que sobrou lá dentro na pior das hipóteses afogaram.

— A gente teve sorte que os capitães Kiiro vieram para o nosso lado — Masori cerrou os punhos — E vocês?

— Meu punho rubi no solo deu uma ajuda para recuar alguns inimigos durante a chegada dos reforços deles — Usagi massageava o punho — Mas só ganhou tempo mesmo. Quem entrou para resolver foi um tal de Raijin.

— Devia ter visto — Emi ergueu os dois braços e depois socava o chão — Ele entrava e saía do chão assim. Os caras nem sabiam por onde ele vinha.

De repente, alguém abriu a tenda. No instante que reconheceu todos ali dentro, o garoto abaixou a cabeça e segurou a tela em suas mãos mais próximo do peito como se tentasse esconder o que estava fazendo: 

— Desculpe. Sabe, eu consegui terminar,mesmo com um pincel improvisado e…

— Olha só quem está aí, Katsuo — Usagi batia nas costas dele — se não é o herói. 

— Eu fiz o que pude… — suas bochechas ficaram rosas.

— Não todos podem fazer o que você fez — caçoou Emi apontando para o lado — Nakama mesmo não sabe nadar direito. 

— Se jogassem você naquela água garota, nem o Usagi iria querer pular — respondeu o insultado. 

— Como conseguiu pintar assim? — Masori pediu o quadro — Nessa escuridão não vejo nem meus pés direito sem tochas.

— A minha aura ajuda a enxergar — coçou a cabeça — e a minha mãe me ensinou a fazer o resto.

Katsuo pediu espaço a Kento, que o deixou repousar a tela no pé da cama de Etsuko.  

— A mesma mãe que te ensinou isso achou melhor te mandar para cá? — Masori perguntou.

— Minha mãe já tentou fazer dinheiro pintando, mas algumas coisas são melhores passatempos que ganha-pão. É o que meu pai dizia para ela, e me ensinou posteriormente. 

— E aí quando percebeu você indo pelo mesmo caminho — Nakama completava — Te mandou para cá. Se alguém me tirasse do que eu queria, teria desistido na hora. Agora um monte de gente voltou para casa e você aqui, nesse deserto.

— No começo era o que pretendia, fracassar de propósito. Quando pinto um quadro, sinto uma emoção saindo. Ser um Senshi é o oposto disso, é como se eu perdesse a mim mesmo.

— Seu pai querendo ou não estava pensando em seu futuro, assim como os meus, nos Aka é assim que funciona — cruzou os braços Kento — querendo ou não, a partir da vida militar, dinheiro deixa de se tornar um problema. Principalmente para uma família que nunca teve um Senshi, ou estou errado?

Katsuo acenou positivamente com a cabeça.

— Eu não consigo imaginar a pressão — comentou Usagi — E eu acho que nem seus pais poderiam prever que estaria aqui hoje, pro bem ou pro mal. 

— Antes isso era apenas um desejo de meu pai. Só que as coisas mudaram — ergueu a cabeça — se eu for forte, posso ajudar a resolver os conflitos do mundo. E com tudo resolvido, vou poder visitar todas as belezas e paisagens lá fora e gravar cada uma delas em minhas telas! Kiiro, Aka, Ao, as possibilidades são infinitas. Quando penso nisso, tenho vontade de dar tudo de mim, mesmo que para isso tenha que ser um Senshi

O entusiasmo do mirim atraiu os olhos de seus companheiros para si, tirando as palavras das suas bocas. Logo em seguida, um gemido veio da cama. Etsuko se sentava na cama:

— Logo notei que estava mais barulhento que o normal. 

— Etsuko! — todos o cercaram.

— Fiquem quietos! Esse falatório de vocês tá me dando uma enxaqueca — passava a mão na cabeça, sentindo as faixas — O que aconteceu comigo?

— Relaxa  — dizia Usagi, pegando no ombro do garoto — acho que Katsuo pode te contar melhor sobre.

Circulando pela terra de ninguém entre os exércitos rivais, um grupo das forças aliadas Aka e Kiiro cavalgava pelo topo da encosta à esquerda do rio. Por muito tempo, suas únicas companhias eram pedras e grãos de areia soprados pelo vento gélido daquela noite, além da luz da lua no céu noturno. Porém tudo mudou, quando avistaram pessoas vagando por aquelas areias. 

Eram homens magros até os ossos, com os braços enrolados entre si para se guardarem do frio, lutando para dar um mísero passo adiante. O líder dos guardas acenou para deixarem os cavalos e assim eles se aproximaram a pé.

— São inimigos — Riki sacou a espada — Podem não ter armaduras, mas seus corpos lembram os guardas que enfrentamos.

Eles cercaram um grupo de no máximo cinco indigentes. Um deles caiu no chão.

— Nos ajudem! Está muito frio — se aproximaram para prestar socorro —  Eles nos jogaram aqui, não sabemos onde estamos. 

— O que fazem aqui? Que ordens receberam? — um Senshi o interrogou.

— Por favor, eu só quero ir para casa… — o homem sacudiu a cabeça, gemendo de dor — Casa… não há casa dividida. Traidores, vou matar todos e então Kuro será um só!

Uma aura negra emergiu do homem em pânico, seguido de seus parceiros. As areias debaixo dos pés deles se moviam circularmente, um redemoinho com o centro naquela figura decrépita. Aos poucos toda aquela terra cobriu seu corpo, atraindo até mesmo os próprios homens de Riki. 

Toda aquela massa formava uma esfera maciça ao redor dos inimigos, até que o capitão impôs as mãos sobre aquela superfície, aquecendo-a. Os outros Kishis colocaram as mãos no chão, erigindo cilindro aberto de areia que direcionou a implosão para o alto.

Quando a chuva de terra se encerrou os homens ainda estavam vivos, com olhos brilhando na escuridão.

— Isso ainda não acabou — os Senshis se colocaram à frente de Riki — O que são essas… coisas?

De repente, outras explosões ressoavam pelo cânion. A primeira um pouco atrás, perto do rio, jorrando sua água para cima. Já a segunda, no topo da encosta do outro lado, soprou um fogo que iluminou o céu por poucos instantes. Riki engoliu seco:

“Três explosões nas três equipes. Este foi um ataque coordenado? Um daqueles súditos está no comando? Tsuruta, Raijin… Boa sorte”

Na retaguarda, onde Hoshizora desfrutava da companhia de sua irmã, as explosões também causaram uma impressão.

— O especial da noite deve estar dando as caras — Hoshizora se levantava do chão — Yasu, você tem que…

— Eu preciso de um cavalo.

— Vamos cuidar daqui. Yasu — a puxou pelo braço — tenha cuidado… Por favor.

Sua irmã havia partido há poucos minutos, quando Hoshizora notou uma onda d’água atingindo às margens do rio. Rastejando próximos às tendas médicas, os invasores traziam consigo machadinhas, facas e foices menores além de suas auras e avançaram loucamente contra a primeira linha de defesa. 

As ondas não paravam de bater, varrendo Senshis e trazendo mais deles.

— Um ataque coordenado — Kotaru olhava ao redor — com esses homens?

— Eles manipulam iro e mesmo assim estão fora de controle. Se chegarem às tendas… — olhou para o tabuleiro —  vamos jogá-los de volta para a água. 

— Princesa, eu me pergunto o que se passa na sua cabeça.

Iro esgota as energias, até mesmo para eles — moveu peões pretos para frente — Se estiverem lutando pela sobrevivência e não contra nós, vão se desgastar mais rapidamente.

— Se fosse o caso, por que vieram do rio para início de conversa? A única hipótese seria…

— Os portais. Mesmo à noite, nadadores não passariam despercebidos pela equipe de reconhecimento. O que me leva a pergunta, como eles sabem nossa estratégia mesmo depois de termos matado os pássaros?

Do outro lado, na saída do cânion pelo lado dos Kuro um pequeno portal abria caminho para um lagarto do deserto vagar até as mãos estendidas de Seth. O feiticeiro o ergueu do chão, impôs as mãos em seus olhos e o devolveu à terra, onde entrou por outro portal.

— Não gosta de levar o crédito pelas coisas? — dizia Junichi — Basta um dos seus, Nobura, e essa luta estaria decidida.

— Os experimentos de Pandora são um risco para si mesmos e nossas forças. Este é apenas um teste — o mascarado respondia, vagando por uma fila de homens debilitados — Como estão as coisas, Seth?

— Nossos principais antagonistas estão dispersos. O plano se desenvolveu bem — abriu um portal na descida da encosta na direção do rio.

Com um aceno de Nobura, Mayuri manteve aquela tropa de homens intacta na beirada do portal que brilhava. 

— Animem-se — avisou Junichi — Esta será a primeira e única vez em que serão úteis para sua nação e seu Cônsul. Seus corpos já nos pertencem!

Entre os inúmeros prisioneiros, um se contorcia tentando se libertar da imposição da súdita. De trás outro companheiro com cicatrizes, tocou em seu ombro com sua mão com dedos faltando, enquanto o desesperado desabafava: 

— Não consigo me soltar, eu não sei lutar Nagajiyu! 

— Não adianta tentar fugir, ela está usando um poder divino para não andarmos para trás. Se continuar com medo, vão te matar aqui mesmo. 

— Medo? — o sujeito socou a mão do outro — Pensa que um devoto seguidor de Itoshi como eu tem medo dos covardes que preferem nos ver presos a vida inteira em muralhas?

— Do que você está falando? — Nagajiyu se espantou  — Você não é um…

— Um continente? — perguntou Junichi.

— Um reino! — sussurrou Nagajiyu levando as mãos à cabeça, seguido pelos outros prisioneiros em voz alta.

— Um povo? — o general perguntou novamente.

— Um destino?! — as palavras escapuliram da boca de Nagajiyu — Como isso é possível? — uma dor aguda atingiu a cabeça do gêmeo. 

Subitamente, o campo de Mayuri se desfez e todos foram empurrados para o portal caindo em queda livre. Quando a  passagem fechou, eles se viram no meio do acampamento inimigo, nadando sobre as águas escuras do rio.

Na tenda onde Etsuko repousava, seus companheiros terminaram de contar o ocorrido daquela tarde, despertando a ira do mirim ferido:

— Tá certo, agora me fala a versão verdadeira. Katsuo me salvou?! Olha pra ele! 

— Você não tem um pingo de vergonha — Masori cruzou os braços.

— Está tudo bem, pessoal. O que importa é que ele está bem — Katsuo se afastou da cama — Pode pelo menos cuidar do meu quadro? Vou deixar aqui até o fim da ronda noturna.

Etsuko encarou o garoto de cabelos lisos com as mãos sujas de tintas, até que os sinos no topo da encosta estouraram no acampamento. O solo estremecia abaixo deles. Com exceção do ferido, todos saíram da tenda às pressas, sendo recebidos por fumaça, surgindo no rio próximo dali. 

Uma onda acertou a encosta do lado deles, Masori correu para a beirada:

— Esse lugar vai ceder se continuar assim.

— Temos problemas piores — Usagi apontou para inimigos subindo pelo rio — Fiquem atrás de mim. Os Senshis logo vão…

— Abre espaço, eu posso lidar com eles — Masori preparou o arco. 

— Uma coisa de cada vez — Usagi a puxou pelo braço, a salvando da beirada que cedia. 

Os invasores marchavam como mortos-vivos, arrastando suas maças pelo chão não por escolha, mas porque seus ossos estalavam ao menor sinal de força. O inimigo mais adiantado então caiu de joelhos. gemendo de dor e sacudindo a cabeça. Masori preparou seu tiro, três flechas de uma vez, um disparo à queima-roupa. A saraivada derrubou o homem de joelhos e mais dois que se aproximavam, porém somente o primeiro permaneceu no chão.

O restante se ergueu, espumando pela boca. A flecha escorria de seus corpos, junto com uma camada de água que os circundava.

— Eu treino todo dia para um cara desse fazer isso? — Emi apontou aos gritos — Nunca vi nem Senshi fazer uma coisa dessas. Diz que eu tô mentindo, Masori.

— Eles não estão saudáveis — Kento puxava os outros mirins para trás — Melhor recuar e levar Etsuko com a gente.

Os fluidos que vazaram dos corpos dos invasores rastejou pela terra, se enroscando nos tornozelos dos mirins na retaguarda. Seus pés pregados no chão, os tornaram apenas espectadores de Masori e Usagi bem a frente deles.

— Me dá sua espada! — gritou Nakama — E o restante se abaixa! 

Reconhecendo o movimento, Usagi e Masori obedeceram. Os experimentos aceleraram o passo, porém o mirim teve tempo o bastante de sacar sua própria arma e riscar os dois metais. A faísca daquela fricção cresceu, os atingindo em cheio com as labaredas.

Quando as fagulhas se apagaram, os corpos no chão emitindo vapor, ao passo que suas peles estavam claras como antes. Nakama gritou de dor, segurando seu braço avermelhado. Masori viu sua capa em chamas e logo a jogou no rio:

— Se quisesse nos matar era só dizer.

— Toma — Usagi deu sua capa para Nakama cobrir o braço — Isso iria me atrapalhar durante a luta mesmo. Bom trabalho. Pode fazer outra vez?

— Sem chance. Fazer essa técnica com Yachi já foi um risco. A não ser que eu queira terminar de queimar o meu braço.

— Kento cuide dele. Precisamos recarregá-lo para mais uma — Emi e Katsuo, tirem Etsuko da tenda. Não vai doer se ajudarem com um pouco de energia também.

A segunda leva de invasores correu balançando suas maças. Usagi logo defendeu com sua espada, pegando um pelo braço e o balançando contra os outros até que outra onda surgiu do mar, o jogando contra a parede com o impacto.

“Outra onda. Não posso socar o chão, senão tudo aqui pode desmoronar. Para ganhar espaço, só devolvendo esses caras de onde vieram”, concluiu.

Masori pulou em cima de um inimigo, arco no pescoço. O sujeito perdeu o equilíbrio, dando a Usagi a chance de chutá-lo no rio logo depois de puxar sua companheira para perto. Sem precisar de nenhuma palavra, a arqueira entendeu o que devia ser feito.

Juntos, eles atravessaram pelos inimigos, chutando e arremessando o que viam. Seus corpos eram frágeis, de perto ofereciam pouca resistência, até o chão sobre eles ceder com mais uma onda. Masori saltou para o lado onde o restante da equipe estava. Já Usagi aterrissou no outro, cercado.

Uma parede de terra foi erigida para esmagá-lo, porém com as próprias mãos o mirim pegou uma delas e arremessou contra todos.

Saindo da tenda, Katsuo carregava Etsuko nos braços em meio a protestos: 

— Que droga, essa dor. Não consigo nem mesmo pensar em nada! 

— Vai demorar muito?! — Emi gritou para Kento — Eu vou é dar o fora daqui. Os Senshis já estão ocupados demais com o outro lado. 

— Eu tenho um pouco do óleo de mais cedo — Effei puxou um saco do bolso — Se a gente gerar fogo o bastante, o Nakama não precisa se esforçar muito.

— Boa sorte acendendo qualquer coisa neste frio — dizia Emi. puxando Katsuo consigo — Anda vamos embora. 

— Se você fizer outro ataque desses — Kento puxou Nakama pelo traje — Pode dar adeus pro seu braço pelo resto da noite! Nenhum médico vai fazer milagres.

— Melhor irmos ajudar Usagi lutando — Katsuo afastou o braço da companheira.

— A decisão que for — Masori recuou para perto deles atirando — Decidam logo!

Katsuo fez o gesto de entregar Etsuko para Emi, mas antes que ela pudesse aceitar, Nakama tirou seu braço das mãos de Kento.

— Já chega — tomou a bolsa de óleo das mãos de Effei — Quem agiu, agiu. Todo mundo corre para trás.

— Sem burrices — Masori mergulhou suas duas últimas flechas na bolsa — Você fica. Todo o resto dá o fora.

— Espera — interviu Katsuo — mas Usagi não está ciente disso, e se… 

— Ele vai perceber, burro — interrompeu Etsuko — afinal, ele é o melhor entre nós. 

— Tô pronta — mirava o arco 

Etsuko terminou de gastar o resto do óleo nas duas espadas que tinha nas mãos. 

— Vamos lá — alinhou as espadas — Usagi!

Seu berro ecoou pelo cânion. O chamado chegou aos ouvidos dele, porém foi o clarão do fogo que o fez virar a cabeça em alerta em meio a uma disputa de força. Primeiro eram duas flechas. Uma se alojou no peito do inimigo mais próximo e a outra no que vinha logo em seguida. A chama brilhava mais forte atrás dele, foi então que Usagi correu para a borda e saltou. 

Contudo, ele não alcançou a borda. Obrigado a segurar no paredão, tudo que ele viu foi o jato de fogo cruzar o vão da passagem, seguido pelos inimigos caindo no rio. Chegando no topo, Usagi encontrou Masori e Nakama, recebendo cuidados dos Senshis que chegavam do topo da encosta através das cordas. 

Aproximando-se dos mirins, chegou Raijin acenando para o grupo:

— Foi uma emboscada do lado de fora para nos isolar, mas agora estamos de volta. Vocês são a tropa alojada nas tendas Aka, certo? Ainda bem que são Senshis experientes, nos poupou o tempo de resgate.

— Na verdade… somos mirins — disse Katsuo, voltando para encontrá-los — Etsuko está bem. Estamos recuando, vocês podem andar?

— Um momento — Nakama gemia com as dores no braço, se livrando da capa de Usagi — Desculpa pela capa.

— Tudo bem — o mais velho se erguia, se voltando para o cavaleiro — se não lembra de mim, eu me lembro bem de você, Raijin né? 

— Jovem e cheio de energia nos punhos — deu um tapa em suas costas — Claro que lembro. Seu trabalho por aqui se encerrou. Vamos acabar com isso.


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

 



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