Volume IV – Arco 13
Capítulo 111: Cravadas
No topo de uma das encostas, Yasukasa vislumbrou uma explosão vinda do rio seco. Uma nuvem negra de fumaça tomou a linha de frente, sendo pontuada por outras pequenas explosões em alguns pontos isolados da passagem acima do rio.
— Tsuruta e Riki estão lá.
— Seus cavaleiros definitivamente são bem preparados, mas — respondeu Yato — o inimigo também é.
— Preciso que cuide deste lado da encosta — chegou perto da beirada, onde havia uma estaca com uma corda pendurada.
— Faça o que for preciso. Eu cuido daqui.
Foi então que outra onda de choque sacudiu o cânion. Yasukasa se segurou na corda, evitando descer. Ela observa partes da passagem intermediária vacilar, incluindo uma caverna dentro da encosta, onde os Senshis do seu lado estavam entocados.
Lá dentro, o teto desabava sobre eles. Os Senshis abriram um corredor de saída por onde passaram primeiro os mirins, que logo foram recebidos no lado de fora por rochas desabando.
— Professor Tomio, nós… — Etsuko ficou pelo caminho, chamando pelo professor ainda na caverna.
— Corram! — ele saía, empurrando o aluno para junto dos outro mirins.
Do lado de fora, um ponto marcado pelo reflexo do sol no mastro de uma das bandeiras no topo da encosta servia de referência um lugar seguro afastado das tropas inimigas. Todos os que escaparam da caverna foram por aquele caminho, com Katsuo correndo na frente dos mirins apenas para tropeçar no caminho e ser atropelado pelos Senshis apressados.
Uma pedra se descolava da encosta bem acima dele. Prestes a amassá-lo contra a terra, o medo paralisou o mirim, quando outro mirim o tomou nos ombros. Eles deram poucos passos juntos, antes de seu próprio salvador o colocar para correr por si.
— Olha só moleque — gritou Etsuko — Eu não sou Usagi, Kazuya ou Yanaho pra ficar te carregando nas costas não.
— D-Desculpa — Katsuo arfava — E o-obriga…
— Andem, estamos quase lá — Tomio olhou para trás — Esse parece ter sido o fim deste tremor.
— A situação só piora — suspirou fundo Masori — e mal começou.
Quando a fumaça abaixou no rio, tudo que os mirins ouviram foram os gemidos dos feridos. Uma fileira inteira de Kishis no nível mais baixo se não estava amassada pelo deslizamento, foi pulverizada pela onda de calor, não sobrou sequer suas armaduras.
Atrás deles, um grito de dor de um Senshi, prensado entre uma pedra e o paredão, com as pernas esmagadas, fez Tomio entrar na frente para proteger seus olhos:
— O que eu disse sobre estarmos quase lá? Andem logo.
Katsuo caminhava com uma mão segurando seu enjoo. Além dos feridos pelo deslizamento, os mirins passavam por Kishis espatifados no chão, caídos do topo da encosta. Um amontoado dos dois exércitos agora juntos, vulneráveis e muito perto do centro.
Longe dali, Seth retirava a mão de seus olhos, se virando para Nobura:
— Está feito. Podemos seguir para a próxima etapa.
Suzaki guardou sua espada e deu as costas para o grupo.
— Que ironia — Junichi segurava o estômago com as duas mãos — Eles queimaram minha artilharia e agora derretemos boa parte dos homens deles.
— Quando Beta retornar — Nobura ficou de pé — prepare-se para chamar a segunda brigada, Junichi.
— Quer acumular méritos para sua seita, por isso me deixou cercado de incompetentes — afirmou o general, vendo Seth abrir um portal para sair — sinto-lhe dizer, mas essa batalha será terminada ainda sob meu comando — se encaminhou até as tropas — Preparem-se!
A Guarda Pacificadora correspondeu aos urros. O feiticeiro cruzou a fenda, chegando ao topo da represa erguida pelos escravos meses atrás. Não havia ninguém por todas as direções, exceto uma jovem de pé na beirada da barragem, vestindo as mesmas túnicas pretas que o feiticeiro. Ao vê-lo, ela ergueu suas mãos brilhando em negro ao seu redor, sua aura cercou as águas que se agitaram.
O controle da criança sob o lago artificial, fez suas pernas fraquejarem e seu corpo tremer.
— Fique por perto, criança — Seth abriu sua capa para que ela entrasse no meio — E seja breve.
Os dedos de Nubi se contorcem, seus dentes trincaram e sua garganta emitiu um gemido baixo que cresceu para um grito acompanhado pelo rompimento de toda a estrutura ao redor deles. A água, agitada somente pelos ventos, ficou furiosa. Quando o chão finalmente cedeu, uma bolha verde os suspendeu acima de tudo. A represa rompeu, jorrando água por um campo devastado e seco. No caminho um portal maior se abriu, por onde o maremoto entrou, saindo direto na corrente do rio seco.
Ao terminar sua descida, Yasukasa sentiu outro tremor. Contudo, em vez de Mayuri, o que surgiu foi um portal, jorrando água pelo caminho que cortava o cânion. O rio agrediu as encostas como um tsunami, varrendo até mesmo a pilha de destroços erguida por Mayuri. Por onde os olhos pudessem ver, todas as tropas no nível mais baixo estavam sendo submergidas.
Yasukasa olhou ao redor e viu seus Kishis paralisados, buscando por orientação. Ela colocou as mãos no chão, aura emanando do corpo, e berrou:
— Não fiquem parados aí! Usem seu poder comigo, agora!
Antes que a água atravessasse por completo a formação Kiiro, o iro coletivo da Matriarca e de seus subordinados erigiram uma barreira de areia no caminho. Uma forte onda se chocou contra ela, rachando a superfície. Mais água vinha pelo portal, anunciando mais um impacto contra a barreira, quando seus homens apontaram para frente.
— Alteza, aquela mulher está…
Um redemoinho brotou no meio do rio, mais a frente onde a súdita foi vista pela última vez.
— Ignorem e continuem! — ordenou ela.
O segundo choque arrancou um pedaço da muralha. Uma pequena corrente vazava pelos lados.
“Não temos homens o bastante para sustentar uma formação deste tamanho”, pensou Yasukasa. “Se ao menos tivesse mais um…”
O esforço arrancou gritos de Yasukasa cuja barreira descascava a cada onda que se chocava, até que uma camada mais grossa cobriu as falhas. Ela sentia suas forças voltando, mais uma energia foi adicionada ao grupo. A abertura foi fechada e a largura da barreira se tornou grande o suficiente para conectar os dois lados opostos do rio.
— Eles vão precisar de você lá na frente — Mutaiyo aparecia ao seu lado — deixe isso para a velha de guerra aqui.
As duas trocaram um aceno positivo, se despedindo. Yasukasa agora corria na direção da origem do redemoinho, onde Mayuri preparava-se para ressurgir.
Arrastando-se para fora da água, Tsuruta buscava o paredão da encosta para se apoiar enquanto tossia a água para fora de seus pulmões. Sua armadura havia se perdido nas águas e a água do rio deixou um rastro de sangue que escorria de sua cabeça.
Os Kishis ofereceram ajuda, mas ele negou apontando para o rio, onde um buraco acabara de abrir. Uma bola de ar, dividia o rio no meio da correnteza, com Mayuri no centro. A súdita disparou para fora como um tiro de canhão, aterrissando na frente das tropas.
O rio voltava ao seu curso, ao passo que o campo ao redor dela trazia consigo pedaços do cânion, rente ao seu corpo.
— Cadê aquele outro? — Mayuri olhou para Tsuruta, depois para o rio — Vai me dizer que aquele ataque foi o bastante para acabar com ele?
Tsuruta apenas puxou sua espada e investiu aos gritos. As pedras acumularam no lado de onde o primeiro ataque veio, mas o corte atravessou as defesas como se nem estivessem ali. Num reflexo, Mayuri expandiu seu campo, atraindo um par de Kishis que se amontoaram em Tsuruta, que deixou sua espada escapar das mãos.
Mayuri tomou a arma e pegou Tsuruta pelo pescoço.
— Já vi uma arma dessas — reparava no metal esquentando com o calor — Mas como tudo de vocês, esta é uma versão pior, nas mãos de gente mais fraca.
Ela preparou a estocada, quando o calor da lâmina se esvaiu. Tsuruta abriu um sorriso ao sentir uma sombra pairando sobre ele. Saltando do rio, com os punhos brilhando em branco Riki desceu com um soco sobre Mayuri. A explosão do impacto levantou poeira e água para os lados
Tsuruta se viu apoiado em três membros no chão, vendo Mayuri segurar o antebraço de Riki, agora desprovido de seu brilho.
— Melhor tentar de novo — provocou Mayuri.
Seus dedos começaram a queimar, arrancando gritos. Riki com sua armadura quebrada e roupas rasgadas, exibia seu corpo ardendo com o calor emanado por seu corpo. A queimação pelo mero toque, obrigou Mayuri a dar passos para trás. Ele atacou com sua própria espada, agora carregada com calor vindo do seu corpo. Assim que a espada de Tsuruta, usada pela sua adversária colidiu com a do cavaleiro, todo o calor se transferiu para a arma inimiga, a explodindo.
Dessa vez o impacto mais tímido apenas a arrastou alguns metros para longe da linha de frente de Kishis. Da lâmina roubada sobrou apenas estilhaços, enquanto Tsuruta surgia com Riki da fumaça com sua espada intacta.
— Não importa quantas vezes tentem. Quando tudo acabar, vou derreter vocês com o próprio calor! — Mayuri gritou, apontando para a barragem de areia na distância — logo depois de destruir aquela porcaria, e quem a ergueu.
— Por que demorou tanto? — Tsuruta ficava de pé.
— De nada por te proteger da explosão. Eu queria ver você precisar de mim. Acha que eu não vi a sua risada?
— E foi assim que usou todo aquele calor que absorveu? — Tsuruta cruzou os braços — Dois ataques ruins e minha espada quebrada? Não é à toa que a Matriarca me escolheu.
— Eu escolhi quatro, não um — uma voz veio de trás dos Kishis — exatamente para esses momentos.
Os capitães se viraram boquiabertos com a voz que reconheceram logo nas primeiras palavras. A areia sob seus pés abria caminho para a chegada dela, assim como os Kishis. Yasukasa entrou no meio deles, estendendo a mão para Riki:
— Sua espada.
— Matriarca — Tsuruta falava, enquanto Riki abria mão da arma — Eu nunca cometeria tamanha irresponsabilidade de quebrar a minha…
— Silêncio — deu um passo à frente — Olhe para vocês, têm sorte de estarem vivos mesmo com todo o planejamento. Esta mulher não é qualquer uma.
— Pelo visto você também não, matriarca — Mayuri marchava na direção deles — mas ainda é uma mulher. Por isso sua liderança é frágil, com um planejamento que levará a vida de muitos — erguia as mãos.
Uma densa camada de areia engoliu Mayuri, se transformando em uma pequena onda que atingiu a água. O campo ao seu redor lutava para se desfazer da areia, a jogando para trás dela, porém os grãos não paravam de vir. Yasukasa apoiou-se com as duas mãos no chão, fortalecendo seu ataque.
— Um minuto para me contarem o que sabem — ordenou Yasukasa.
— Ela é como eu, mas ao contrário — Riki colocou uma mão sobre a outra — Preciso de um mínimo de calor absorvido para usar. Mas ela tem um limite do quanto ela absorve, não é apenas o iro, também é a técnica.
— Isso, como eu bem observei no último ataque antes da inundação — Tsuruta apontou para o rio — O campo dela se tornou amarelado pouco antes do ataque, deve ser o sinal de que atingiu seu limite.
— Mas ela não é Kiiro — retrucou Yasukasa, arrancando acenos positivos dos Kishis — A energia solar deve afetá-la de algum jeito.
— Eu estou muito perto, Matriarca — Riki implorou — A gente só sobreviveu porque eu aguentei o ataque dela lá embaixo. Se carregarmos ela mais uma vez, sabendo disso…
— Besteira — Tsuruta o empurrou com o ombro — Nunca vamos vencer sem o poder do sol.
— Riki espera aqui — Yasukasa apontou para trás de si — Tsuruta, comigo. Já sabem o que fazer.
As areias e a água foram atiradas para o céu, seguidas por Mayuri que escapava da tumba que Yasukasa criara para ela. Os detritos se acumulavam ao redor dela como plataformas, suspendendo-a acima do rio. Na borda de seu campo, Yasukasa passou sua nova lâmina de fulgur por uma nuvem de areia, impregnando o metal com os grãos.
Subindo em uma plataforma, a aura da Matriarca cresceu, tornando a plataforma sua. Tsuruta, logo atrás dela, se apossou de um acúmulo de detritos. Enquanto Yasukasa usava o construto para se surfar pela órbita de Mayuri, seu cavaleiro projetava sua aura para fora, acumulando cada grão em uma grande massa arenosa.
De todas as plataformas circulando a orla exterior do campo, apenas a de Yasukasa não havia se unido à técnica de Tsuruta. O que sobrou foi uma esfera maciça de areia que foi atraída ainda mais para Mayuri, bem no centro.
A súdita apenas estendeu seu braço na direção de Yasukasa, atraindo-a para si. Na trajetória havia uma rocha no caminho, contra a qual a Matriarca controlou as areias de sua espada formando uma pequena marreta. Em um golpe a rocha foi despedaçada, a espada voltou a assumir uma forma afiada, porém a massa de areia que era atraída para Mayuri acertou ambas.
Tudo o que era suspenso pelos poderes de Mayuri colapsaram no rio junto com ela e sua oponente. Contudo, enquanto Yasukasa caía na água, a súdita aterrissou de pé, planando sobre as águas.
— Matriarca — gritou Tsuruta — você está bem?
— Me esquece — Yasukasa juntava as areias por perto para erguê-la acima da correnteza — Temos que pegá-la logo senão…
Antes de completar sua frase, Yasukasa sentiu-se atraída fortemente na direção de Mayuri, assim como todos os Kishis ao redor. Em poucos segundos, inúmeros deles caíram no rio. Riki e Tsuruta se agarraram na beirada, ao passo que o campo se expandia para atingir as tropas mais recuadas.
Os efeitos do último ataque se espalhou para as tropas do exército vermelho. O puxão arrastou Senshis para água e quase teria levado Katsuo, se Tomio não o tivesse segurado no último instante. Todos assistiam à distância, Mayuri andando sobre as águas, enquanto se apoiavam em pedras, beiradas ou qualquer coisa que resistisse aquela forte atração.
— Essas coisas não morrem — protestou Etsuko, abraçado em uma rocha presa no chão.
Algumas formações por onde os Senshis se agarravam eram puxadas pelos poderes de Mayuri, os arremessando no rio. Tomio, antecipando isso, projetou Katsuo para trás com toda sua força antes de seu apoio ceder e fincou sua espada no chão.
— Cuidado, fiquem atrás de mim! — gritou Tomio para os mirins.
Sua lâmina rasgou o chão na medida em que era arrastado. Katsuo rolou pelo chão até ser obrigado a se apoiar na beirada para não cair. Masori e Etsuko rastejaram até ele, segurando um no braço do outro.
— Professor, segura! — gritou Masori, oferecendo o arco estendido como apoio.
De repente, a atração enfraqueceu, permitindo que Katsuo fosse puxado, quando a borda sob os pés de Etsuko falhou. Em um escorregão, ele se agarrou no meio do paredão entre os rios, mas suas mãos deslizaram.
— Etsuko, me dê a mão! — Tomio chegava para alcançá-lo.
— Droga! — gritou Etsuko encolhia as pernas e esticou a mão.
Foi então que a força atratora retornou com um único puxão, o disparando para fora do paredão em direção a água, exceto que dessa vez, seu corpo foi batendo na parede oposta do rio. Desacordado durante a queda, o rastro de sangue coloriu as rochas e depois o próprio rio quando ele caiu. O mirim não emergiu das águas.
— Etsuko! — chamou Katsuo na beirada, sendo puxado imediatamente por Masori.
— Se não quiser morrer também, fica perto.
— Ele bateu a cabeça, precisa de nós! — se debateu Katsuo.
— A correnteza leva para a barragem que construíram lá na frente. As circunstâncias não são as melhores, nossa melhor chance é esperar que os Kiiro o resgatem quando atingir aquele ponto — Tomio ajudava a contê-lo.
— Aquilo é… — apontou Katsuo com os olhos arregalados.
Outro portal verde se abriu nas passagens acima do rio, despejando dezenas de homens com armaduras escuras, com escudos erguidos, prontos para pressionarem os soldados entre as paredes rochosas e a queda até o rio.
— Para trás — Tomio tomava a frente dos mirins, junto com os Senshis que restaram — Eu não vou deixar que termine deste jeito!
O campo de Mayuri arrancou Yasukasa da balsa de areia que sustentava seus pés, a enviando na sua direção. Ainda havia grãos do ataque de Tsuruta na superfície da água, então ela os controlou durante a trajetória para colocar o chão debaixo dos pés, por onde ela deslizou e outra construção de areia que envolveu sua adversária por alguns segundos.
Naquela pequena janela de tempo, Mayuri desativou seu campo para afastar as areias. Tsuruta e Riki voltaram para a plataforma, ouvindo somente um grito de ordem de sua líder:
— Agora, Tsuruta!
No mesmo instante toda a areia do rio construiu uma plataforma sobre a água, envolvendo Yasukasa e Mayuri. A construção era sustentada por alicerces apoiados nas passagens intermediárias. Tsuruta logo buscou uma delas, depositando sua aura ali, bombeando energia solar para toda a estrutura.
Mayuri estendeu a mão para Tsuruta, porém seu campo no máximo se prolongava para os limites da plataforma suspensa. Braços de areia se ergueram ao redor dela para envolvê-la, até acertarem numa barreira invisível.
— Como se isso importasse — Mayuri batia a areia que salpicou do ataque para fora de seu ombro — Mesmo limitada, enquanto eu tiver isso, você não pode me acertar. E aqui dentro, também não pode fugir de mim.
A força de atração de Mayuri arrastou Yasukasa para si. Antecipando o movimento, a chefe dos Kiiro balançou sua espada, que parou entre as palmas de sua oponente. Tsuruta reparou em outra pedra circulando as duas, com endereço certo para a cabeça de sua líder até que ela agachou, abrindo mão de sua espada.
— Acabou! — Mayuri tomava posse da espada.
Ela se preparou para descer a espada sobre uma Yasukasa desarmada, quando a areia ao redor do metal rastejou para suas mãos. Imobilizada, Mayuri viu sua espada escorregar entre os dedos, caindo nas mãos de sua oponente, quando uma descarga de calor jogou ambas para extremos da plataforma.
Tsuruta olhou para Riki, acenando com a cabeça para plataforma, mas o cavaleiro se conteve:
— Agora não.
Enquanto Yasukasa se recompunha, Mayuri caminhava até ela. O corpo da súdita esquentava. Veias saltavam de seus braços avermelhados e sua aura negra diminuía de tamanho, se tornando rente ao seu corpo. Passando a mão em sua cabeça, ela viu na palma da mão fios de seu cabelo. A Matriarca riu:
— Para toda essa conversa de serem superiores, a única coisa que te impede de aguentar a energia nestas areias é a cor de seu iro. Pode absorver o quanto quiser, não vai fazer diferença.
— E você — Mayuri cerrou as mãos, reunindo forças — é imune ao calor ou vai derreter como os outros?
— Pode tentar — chamou com o gesto das mãos.
O campo de Mayuri se tornou amarelado. Riki sem pensar duas vezes, tomou impulso e saltou para a plataforma suspensa, nas costas da súdita. Ao liberar seu ataque, Mayuri sentiu o calor intenso que corria pelo seu corpo impulsionar seus braços em um jato escaldante. Em poucos segundos, todo o calor que ela sentia, converteu-se em frio. Seu calor havia sido sugado, ao passo que uma aura amarela brilhava nas costas.
— Você… — Mayuri tentou se virar, mas a areia abaixo dela engoliu seus pés até o tornozelo.
Riki impôs as mãos ao chão, transferindo todo o calor do ataque da súdita para a plataforma. O calor arrancou gemidos de Mayuri, enquanto a areia se convertia em vidro, e quanto mais ela lutava para escapar, mais rachaduras criava.
— Com o efeito da radiação você não tem mais forças, muito menos concentração para criar outro campo quando cair no rio. Terá o mesmo destino de seu plano patético — disse Yasukasa, erguendo seu calcanhar — espero que saiba nadar, sua fraca.
Com um pisão, a Matriarca terminou de comprometer a estrutura que sustentava o trio acima do rio. Rapidamente, ela e seu cavaleiro saltaram para a terra firme. Já Mayuri, caiu no rio junto com os cacos, sendo levada pela correnteza por poucos instantes até que foi engolida por um portal.
Ela surgiu nas costas de Seth, cuspindo água e cortada por vidros. Socando o chão, a súdita gritou:
— Eu ainda não terminei, me manda de volta, Beta!
— Na verdade o seu papel já foi cumprido — respondeu Seth — liberamos o rio. Mesmo com a barreira, eles não vão resistir por muito tempo.
— É dessa forma que pretende ganhar regalias para seus súditos? — apontou para Mayuri no chão — serei testemunha deste fracasso para nosso Cônsul — dizia o general.
— No final, vimos tudo que podíamos deles — ignorou Nobura — por enquanto.
— Que seja — bocejou Junichi — deixe aqueles idiotas e guarde o restante para noite e o melhor para os próximos dias.
A Guarda Pacificadora batia contra a fileira de escudos dos Senshis, obrigados a segurar a linha para proteger a barragem que continha o rio. Após alguns golpes da linha de frente Kuro, os escudos revidaram, colocando suas espadas para fora, porém os números não diminuíram até que eles viram um brilho amarelo surgir da passagem do outro lado.
Os inimigos de lá foram varridos da passagem, caindo no rio ou sendo batidos contra a parede, onde os Senshis fizeram rápido serviço para finalizá-los. Pouco depois, a mesma figura saltou por cima do rio, caindo no meio deles.
O professor dos mirins espiou para fora da falange, percebendo o homem saindo e entrando no solo repetidas vezes em uma grande velocidade. A cada vez que surgia, as armas e armaduras do inimigo eram trituradas em inúmeros pedaços. Os Senshis aproveitaram para avançar.
Quando os Kuro ofereceram uma brecha, o sujeito se virou para os Senshis.
— Saudações. Sou Raijin, cavaleiro pessoal da Matriarca. Estou sob ordens para cobrir a linha de frente. Dividam-se e foquem em salvar o máximo de vidas que puderem.
Tomio logo aproveitou o convite e foi com os mirins para o grupo designado a recuar. Junto com os mirins, eles correram pela orla procurando por Etsuko. Eles estavam próximos da barragem, quando o rastro de sangue se misturou com os outros homens caídos e arrastados pela enchente.
— Professor, precisamos fazer alguma coisa— afirmou Masori.
— Ainda temos tempo — disse Tomio, puxando estacas presas no cinto — Encontrem um ponto e prendam cordas, os afogados podem escalar para o topo.
— Etsuko nem sequer deu as caras na água — desenrolava uma corda presa em sua cintura — mesmo se a gente fosse deixar isso aqui, que garantia ele teria de subir?
— Independente de quem seja, temos que salvar o máximo de vida que pudermos — Tomio explicou — Não precisa ser nós, um Kishi pode achá-los.
— Um Kishi salvando um Aka desse jeito? Conta outra… — Masori olhou para o lado e viu Katsuo com a corda presa na estaca amarrada em sua cintura — O que pensa que está fazendo?!
Sem tempo para reagir, Masori esticou-se para impedir, mas já era tarde. Katsuo mergulhou no rio, sustentado pela corda. Ressurgindo da água ele apenas acenou com as mãos e se pôs a nadar, arrancando a surpresa da garota:
— Katsuo vai…
— Sem tempo para isso — Tomio pegou o final da corda na estaca — Temos que ajudá-lo a subir, se ele achá-lo.
— Tem bastante corda, ele pode mergulhar bem fundo — percebia Masori — o quão fundo, vai depender do Etsuko…
Os braços de Katsuo remavam contra a corrente, driblando os corpos sem vida na superfície da água, guiado pela presença de um iro vermelho no fundo. Enchendo o pulmão de ar ele penetrou nas águas, iluminando a escuridão com sua aura rubra.
A corda em sua cintura se estendia, apertando seu abdômen a cada centímetro mais fundo. Projetando sua aura, ele pôde ver Etsuko, preso entre rochas caídas, desacordado. Tensionando a corda até o limite, ele entrelaçou o braço na cintura de seu companheiro e puxou.
Com um último esforço, ele soprou ar debaixo d’água, se deixando levar pelo puxão da corda e do rio, agarrado unicamente ao mirim. Ao ressurgir, viu sua corda desfiando no topo.
— Ele conseguiu — Masori sussurrou para si mesma — ele realmente conseguiu — sinalizou ao professor logo depois.
— Temos que puxá-lo com cuidado — Tomio chamou sua aluna para perto — Ou os dois vão ficar presos nestas águas.
Quando atingiram a parede do rio, Katsuo colocou Etsuko nos ombros e começou a escalar pelas rochas. Uma forte explosão foi vista mais a frente, inimigos sendo arremessados no rio, despertando vibração dos Senshis na retaguarda.
Prestes a atingir o topo, Katsuo trocou as paredes pela corda, porém o peso dos dois corpos e do puxão de Tomio rompeu os fios bem na beirada. O professor o agarrou às custas de seu equilíbrio, terminando ele mesmo no limite, segurado por um só braço.
— Alguém ajuda! — Masori gritava, tentando puxar o professor para o alto.
Os Senshis ocupados com seus próprios resgates não deram ouvidos até que um braço amigo surgiu das costas de Masori, puxando seu professor e os dois alunos consigo.
— Bom trabalho todos vocês — disse Raijin, os tirando do rio.
— Eu tentei… — Katsuo, ainda caído, cuspia água.
— Tentou não — Tomio averiguava o estado de Etsuko, para então estender a mão a Katsuo — você conseguiu.
— Tudo que eu pensava era em… dar tudo de mim — aceitava a ajuda, ficando de pé — Desculpa ter preocupado vocês, não foi uma boa atitude.
— Isso garoto foi a atitude de um Senshi — bateu em seu ombro — Orgulhe-se.
— Vocês, repitam o feito do garoto — Raijin gritou aos Senshis — Usem as cordas para alcançar os caídos. Eles não vão escalar sozinhos!
As ordens do cavaleiro colocou os dois exércitos para trabalhar em conjunto. Katsuo então procurou refúgio na sombra que a encosta fazia onde ele estava, parando para admirar o céu daquela tarde na medida em que recuperava seu fôlego.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.