Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume IV – Arco 11

Capítulo 93: Reunificação

Oásis, a capital Kiiro, recebia um novo influxo de pessoas advindo das cidades ao norte. Por dentro de seus muros espessos, os recém chegados se misturavam com os refugiados de meses atrás em uma fila que se estendia pelas ruas da cidade. No final, o que esperava por eles eram roupas, um prato de comida e um teto sob suas cabeças para a noite fria que viria.

Tudo isso ocorria em um casarão de três andares, há pouco desocupado pelos Kiishis. Uma jovem de baixa estatura com olhos amarelos que brilhavam em detrimento de sua pele escura, ajudava a registrar os novos hóspedes em uma tenda, quando uma caravana parou logo ao lado. 

— Os cobertores chegaram. Levem isso aqui para os quartos — ordenou a Hoshizora, aos guardas que a cercavam. 

Ao se moverem, logo congelaram vendo um grupo que acabara de chegar. A princesa sorria ao tempo que entregava a permissão escrita para mais uma família, quando uma caixa de madeira caiu sobre o lado da sua mesa.

— Mas o que… — sua expressão mudou — Você aqui?

A fila protestou com a demora pelo atendimento. A mulher que assustou Hoshizora estava coberta com roupas grossas e um capuz, mas ela a reconhecia bem o bastante para designar a papelada ao Kiishi do seu lado, tomar a caixa e ir com sua companhia para dentro do casarão.

Enquanto as duas andavam pelos corredores, Hoshizora espiava pelas janelas um pequeno grupo de homens chegando para recolher o carregamento novo que havia chegado. 

— Estou começando a gostar da sua ideia de mais de um cavaleiro pessoal.

— Nosso pai não concordava com isso — a mulher abaixou seu capuz, expondo seu cabelo amarrado em tranças — mas como matriarca, já havia prometido realizar isso. 

As duas pararam em um quarto. Hoshizora deixou a caixa no chão e começou a distribuir os cobertores entre as três camas ali:

— Você tem tanta coisa na cabeça que com certeza veio aqui para conversar sobre coisas mais importantes do que essa confusão.

— Se fala sobre os refugiados, essas pessoas são a coisa mais importante. Você entende isso, por isso está aqui.

— Mas então, o que te traz aqui, minha irmã?  

— Nossa conversa com o atual líder dos Kuro será amanhã.

Hoshizora emudeceu. Terminando de forrar as camas, ela entregou a caixa nos braços da irmã:

— Pode devolver para a carroça. Preciso voltar para cuidar da papelada.

— Ouviu alguma palavra do que falei? — perseguiu a irmã, que começou a marchar pelo corredor.

— Eu ouvi. Não era isso que queria? Conseguiu. Boa sorte.

— Ainda quero evitar mortes desnecessárias.

A fala de Yasukasa interrompeu os passos da irmã, que se escorou na janela.

— Olha para eles — apontou para a fila de atendimento abaixo — As vilas desérticas estão arrasadas desde a invasão. As cidades ao norte não tem espaço para todos. Essa guerra vai atrasar a reconstrução. Como eles ficam?

— É exatamente isso que quero evitar — abraçou a irmã por trás — Os Aka nos ajudam a alimentá-los, mas como vamos reconstruir a vida que levavam se tudo aquilo pode acontecer de novo? Eu preciso ter certeza de que aquilo nunca mais vai se repetir.

— Se depender do Conselho, vamos estar em terras Kuro matando uns aos outros amanhã mesmo.

— É por isso que estou indo vê-los, para garantir que todos estão comprometidos com o meu plano. Eu preciso de você do meu lado amanhã, Hoshi.

— Precisa de mais do que somente eu para lutar, se preciso. Você sabe a quem pedir ajuda.

Yasukasa retirou seus braços de sua irmã:

— Eu não vou sacrificar nossa soberania de novo. Nosso pai morreu por…

— Nosso pai deu a vida para que isso acabasse! Não conhecíamos o inimigo antes, mas agora com os Aka podemos ter uma chance.

— Chega! — o grito reverberou pela sala — eu sou a rainha, a palavra final é…

O som de passos na direção delas interrompeu a conversa. Dobrando o corredor, apareceu um homem de pele escurecida, cabelos pretos vestindo túnicas marrom claro, que escondiam uma armadura de bronze reluzente. 

— Majestade, vai se atrasar para reunião com o conselho.

— Minha cabeça ainda funciona, Kotaru — caminhou para junto dele, suspirando fundo — que seja.

— Matriarca — gritou Hoshizora — Eu não consigo ser sua conselheira, se você não consegue me dar ouvidos. 

Sem olhar para trás, a dupla desceu tomando a carruagem que esperava por eles na porta. Ao invés de sentarem com os passageiros, Kotaru subiu no assento do condutor e estendeu a mão para sua Matriarca. 

— Já disse que posso conduzir até o castelo — protestou Yasukasa, subindo com a ajuda de seu cavaleiro. 

— Estou apenas cumprindo meu dever, majestade — estalou as rédeas.

Da janela Hoshizora observou os dois, partindo aos galopes cidade adentro. Os dois cobriram seus rostos durante a partida, escondendo suas identidades e se protegendo do sol que castigava todos logo acima.

Durante o caminho, Kotaru rompeu seu silêncio:

— Se me permite dizer, acho que pegou pesado com a princesa.

— Eu não te perguntei nada — respondeu a Matriarca. 

— Ela ainda é sua irmã, alteza. Entendo que está confiante com sua decisão, mas precisa transmitir essa confiança aos outros — pararam numa rua congestionada — Este não é um encontro qualquer.

— Estou começando a entender porque os Patriarcas tinham apenas um cavaleiro pessoal. Muitos amigos acabam falando só o óbvio — olhou ao redor, encontrando uma rua vazia — Vire aqui, podemos chegar ao castelo mais rápido. 

Eles deram a volta na retenção, coletando outros Kiishis pelo caminho, formando uma escolta que abria espaço para eles.

— Aprendeu isso aí? — encarou o caderno pendurado na cintura da matriarca — como cavaleiro, tenho o dever de protegê-la. E às vezes isso significa poupá-la de esforços. 

— Se é mesmo meu cavaleiro, entende que estou certa no que faço. Eu não tenho medo, para que outros tenham — puxou o caderno da cintura.

Kotaru espiou novamente capa com o escrito: “Diário”, com a assinatura riscada porém legível, Amón, na capa. O cavaleiro balançou a cabeça rindo, e disse a si mesmo ao chegar no destino:

— Também não tenho medo. 

Dentro da torre, Yasukasa e Kotaru foram recebidos por um servo que os conduziu ao salão oval, onde o conselho esperava por eles. Todos de vestes amarronzadas, vestindo chapéus que cobriam seus cabelos e rostos, sentados ao redor da sala. A matriarca e um de seus cavaleiros assumiram o púlpito no centro da sala. O primeiro a falar retirou o véu do rosto, revelando seu rosto mais jovem:

— Majestade, o conselho demanda um alinhamento sobre o dia de amanhã. Estamos receosos com nosso visitante.

— Eles não hesitaram em assassinar o atual — outro conselheiro depositou seu chapéu na mesa em meio a tosses — digo, o antigo patriarca. O que Kenkushi quer dizer é: Será que o diálogo é nosso melhor curso de ação?

— Yuda está certo — sinalizou outro — Talvez a hora do acordo tenha passad… 

— Esta decisão foi tomada com o aval de vocês — interrompeu Yasukasa — Era isso ou estreitar nossos laços com os Aka para convencê-los a se unir a nós numa guerra. Não podemos partir para um conflito desta magnitude no estado atual. 

— Sabemos da proposta de sua conselheira pessoal — retrucou Kenkushi levando uma mão ao queixo — mas deve saber que a dependência de uma nação estrangeira não é vista com bons olhos por nenhum dos filhos do Sol. 

— Estou deixando para pensar nisso depois.

— Mas e o agora? A iminência da guerra está à nossa porta, procastinar pode ser fatal — ergueu as mãos — nós somos os filhos do Sol, eleitos para suportar sua calorosa brutalidade no qual nada resiste. Minha posição é que a Dinastia não dependa de nada, além disso! — gritou Kenkushi.

— Se a sua posição não for a minha — cruzou seus braços — ela é irrelevante, ninguém ao menos se lembrará dela. 

— A posição não é só dele, como também do Conselho — se levantou Yuda — Além disso, já que não abre mão do encontro com os Kuro, sugiro que busquemos uma preparação ofensiva imediata. Por isso, o Sol Reluzente está em pauta já que ano é um novo ápice de nossa matriz — complementou o conselheiro de cabelos grisalhos.

— Vocês — Yasukasa cerrou seus punhos — ficaram loucos?! Foi esta antecipação ao perigo que os fizeram parar na nossa porta anos depois. De onde veio essa necessidade de passar por cima do que já foi decidido por mim e acordado por todos?!

— Nada passará sem sua benção, matriarca. Estamos apenas aconselhando — respondeu Yuda — Se os Aka são tão caros para você, estamos abertos a um acordo de empréstimo da força militar deles, desde que estejam submetidos à nossa cadeia de comando.

— Eu não desejo dividir a responsabilidade com vocês, apenas que depositem sua confiança em mim. — seu olhar determinado alcançava os olhos de todos que ali estavam — A coragem de Amón é a minha coragem. Se a guerra for inevitável, vamos encará-la mas nos melhores termos para os nossos.

— Concordamos com seu encontro com os Kuro, para que veja com os próprios olhos, Matriarca — respondeu Yuda — A história de destruição desta raça maldita vai muito além das mazelas que nos acometeram. 

— Às vezes precisamos temer para crer, majestade — complementou Kenkushi. 

Após as considerações finais dos conselheiros, Yasukasa assentiu com a cabeça antes de marchar para fora da sala, acompanhada por seu cavaleiro. Ainda na porta, ela se virou para eles: 

— Reconhecer os erros serve tanto para mim, quanto para vocês. Espero ganhar a confiança de vocês, em caso de sucesso amanhã.

— Sabemos disso. Como segurança, providenciamos um templo ao norte da capital como o local apropriado — respondeu Yuda — Também designamos um de nós para acompanhá-la amanhã.

A cabeça de Yasukasa inclinou-se na direção de Kenkushi, que estava acenando com as mãos exibindo os dentes com um sorriso entusiasmado:

— Será uma honra, majestade. Não se engane pelas minhas dúvidas, fui um dos que apoiei sua corajosa decisão.

— Esse cara é um pé no saco — sussurrou Kotaru. 

— Está tudo bem — respondeu em voz baixa a seu cavaleiro antes de responder — estejam prontos após o meio-dia.

O sol passava do seu ápice, quando uma caravana surgiu no horizonte, tangenciando as dunas. A carruagem principal era guiada por um par de cavaleiros fortes de armadura negra que receberam às portas de Oásis instruções para circundar os muros da capital a fim de pegar uma estrada alternativa.

A cada centena de metros, havia Kishis à espreita. Pequenos pontos de checagem com os olhos bem atentos aos visitantes. Finalmente, eles chegaram a um templo no meio do deserto. Sua estrutura não tinha teto, apenas um muro arrematado de argamassa sustentado por pilastras brancas. Mesmo coberto pelas dunas, o lugar dava vista para a capital, principalmente a torre, que servia de moradia para a família real.

A caravana estacionou ao pé da larga escadaria. Um dos cavaleiros removeu os panos que cobriam sua cabeça, revelando sua máscara negra. Ao abrir a porta da carruagem desceram uma jovem Kuro e um homem de cabelos verdes escuros com olhos esmeralda.

— Então esses são os Kiiro? — perguntou Mayuri bem na frente do par de Kiishis que guardavam a entrada — Deu para entender agora.

Com os braços, Nobura gesticulou ao segundo cavaleiro que descesse de sua montaria. Exceto por Seth, que ficou recolhido atrás do transporte, o restante formou um corredor de passagem para então sair o último passageiro da carruagem.

Colocando o pé direito, depois o esquerdo para fora, o homem que se revelou para o deserto tinha estatura média e um cabelo corroído pela idade. Sua bota tinha um pequeno salto nos calcanhares e suas roupas de couro escondiam uma camisa de cetim preta que transbordava na gola, que ajeitou-a assim que o vento bateu. 

— Nobura, comigo — ordenou com as mãos para trás.

Com o queixo erguido, bastou um olhar para os Kiishis levantarem suas lanças e concederem passagem para a dupla. Encontrando com eles no topo da escada estava Kenkushi:

— Espero que tenham vindo de boa viagem, senhor… — uniu as mãos e curvou de leve a cabeça — Como devo chamá-lo?

— Para onde? — indagou Nobura.

— Por favor, sigam-me. 

Yasukasa e sua irmã esperavam pelos convidados em uma larga mesa de pedra escura, que refletia o céu laranja daquele fim de tarde acima deles. Kenkushi estendeu a cadeira para um dos dois sentarem para depois voltar para o lado da Matriarca. Nobura foi quem escolheu ficar de pé. 

Dois cálices estavam servidos. O representante dos Kuro encarava friamente a rainha com uma expressão de satisfação, ao tempo que sem tirar os olhos dela, trocou as duas taças de lugar. 

— Eu agradeço sua vinda. A viagem até aqui é grande, extensa e cheia de perigos. Depois de tantos anos escondidos, nós sermos o primeiro povo a receber os Kuro é uma honra — dizia, parando para tomar o gim trocado — me chamo Yasukasa. Sou matriarca dos Kiiro e cabeça da família dinástica.

— Itoshi — respondeu, pegando o cálice, cheirando a borda — Cônsul dos Kuro e comandante-chefe da Guarda Pacificadora — empurrou o copo para o lado da rainha. 

— É um prazer conhecê-lo — Yasukasa se ajeitava em seu assento — Eu o chamei aqui porque há quase um ano atrás, fomos invadidos por pessoas vindas do seu domínio. Estas pessoas mataram meu antecessor e pai, escapando para nunca mais serem vistos.

Os olhos de Itoshi sequer estavam na mesa que separava os dois. Sua atenção estava somente nas unhas da sua mão direita.

— Existe algo mais importante para o senhor neste momento, Itoshi? — indagou Yasukasa

— Eu sei quem foram os responsáveis pela morte de seu pai. Lamento decepcioná-la, contudo, pois não tenho os gêmeos da liberdade em grande consideração.

— Conhece os assassinos do meu pai?

— Eles são os filhos do último rei Kuro.

— E ele não está aqui? Bem, se você é o representante do seu povo e tem outro título, acho que…

— Ele era meu inimigo, sim — interrompeu erguendo a voz — Muito para meu dissabor, seu pai o matou antes de mim. O rei desejava romper com o isolacionismo Kuro, porém seus colaboradores mais próximos não viam da mesma forma. Seu pai contou com a ajuda destes homens para deter uma possível ameaça.

— Posso ver como isso abriu um vácuo de poder lá dentro. Terminou implantando um novo regime às custas destes isolacionistas? 

— Eu matei todos eles — elevou os cotovelos à mesa.

Kenkushi sinalizou aos servos no canto do pátio, que correram para recolher os cálices na mesa.

Hoshizora ergueu a cabeça por um instante, mas baixou assim que se deparou com o rosto do guarda costas de Itoshi virado para ela.

— Essas mortes incluem os gêmeos? — questionou Yasukasa.

— Um deles retornou morto para meus domínios. O outro ainda está vivo, em reeducação por seus crimes contra seu povo.

— Um homem como você, que rejeita essa visão isolacionista, entende dos interesses das outras nações. Este sujeito deve responder também pelas vidas que tirou de Kiiro

— O destino de um verme traidor é irrelevante para o povo escolhido. 

— Então sabe o que peço para evitar esta guerra. Quero que me entregue o responsável pela morte de meu pai. 

— Será feito. 

Kenkushi esboçou um sorriso. Hoshizora suspirou aliviada.

— Fico feliz que fechamos esse acordo — dizia Yasukasa — Pessoas de paz não devem buscar conflitos desnecessários.

— De acordo. Sua rendição prova que sabe bem o seu lugar. — cruzou seus dedos na mesa — entregamos a peste e em poucos dias, ocuparemos seus domínios pacificamente. 

Todos os Kiiro da sala prenderam a respiração. A princesa perdia o fôlego, enquanto a boca da matriarca se contorceu em um sorriso. Da sua garganta escapou uma risada incontrolável que ecoou pelo templo junto de seu punho que acertava a mesa repetidamente. 

Hoshizora cobriu seu pescoço, enquanto Kenkushi ordenou com os servos com seus olhos fervorosos para trazerem uma bebida. Itoshi e Nobura permaneceram inertes. 

— Eu acho que ouvi mal — respondeu Yasukasa bebendo mais um gole do cálice — Espera que Kiiro se renda aos Kuro em troca do assassino do meu pai?

Do lado de fora, as batidas de Yasukasa na mesa despertam a curiosidade do Kiishi que guarda o templo. Ele espia com o canto do olho por alguns segundos antes de voltar sua cabeça para frente, onde havia somente o deserto e a comitiva dos Kuro. Seth lia um livro, sentado no teto da carruagem, mas Mayuri, recostada nos cavalos, não deixou de reparar na inquietude do Kiishi.

— Curioso para saber o que acontece lá?

O homem continuou olhando para frente.

— Me fala uma coisa — se aproximou — Quantos já matou?

Seth ergueu a vista de seu livro.

— Não te interessa — respondeu um dos de armadura.

— Esses enfeites, essa postura — soltou um suspiro desapontado — eu já vi outros como vocês antes… nunca viram uma guerra de verdade. 

— Engano seu — respondeu o cavaleiro — Já participei de um cerco. Capturei bandidos no deserto e executei criminosos procurados em minha cidade.

— Ouviu essa, Beta? — Mayuri se virou para o feiticeiro — O que vai fazer, se eu te falar que também sou uma bandida?

A conversa do lado de fora foi interrompida por um soco ainda mais alto, que chamou atenção até mesmo dos súditos dessa vez. A risada de Yasukasa cesava acompanhada de um soco que rachou a mesa de madeira.

— Olha, eu não sei quem você pensa que é — suspirou bem fundo — mas sua proposta está completamente fora de cogitação. 

— A pergunta correta seria: Quem vocês pensam que são? Tomaram este continente para vocês há mais de um século e conseguiram piorá-lo.

— Eu nem sei do que está falando! O deserto sempre foi da minha família. 

— Uma meia verdade muito conveniente. O direito das cores a estes territórios foi passageiro. Como crianças, não demorou muito para vocês precisarem de orientação. Meus ancestrais assumiram esta tarefa, comandando o continente pelo maior período de paz que este continente já viu.

— Que causou a maior guerra já registrada. Pode-se chamar de paz um período onde todas as cores foram subjugadas por uma só? 

— Meus ancestrais estabeleceram a segregação entre as cores para evitar as pulsações. Mediamos conflitos em seus nomes para protegê-los de si mesmos. Hoje usurpam nossas políticas, porém são muito incivilizados para mantê-las. O fato de não conseguirem se entenderem é a prova disso.

— Nos poupe do seu delírio de grandeza! Podemos resolver nossos próprios problemas. 

— Mesmo assim, aqui estamos à beira de uma guerra, por causa de dois delinquentes e uma líder destemperada, que preenche um assento largo demais para ela. 

Yasukasa desabou sobre o encosto de sua poltrona. Itoshi trocou o cruzamento de suas pernas.

— Nós estamos confusos, Cônsul — dizia Kenkushi — O antigo regime falhou em manter este continente unido. Qual solução está propondo, exatamente? 

— Meus ancestrais falharam porque subestimaram a capacidade de vermes se reproduzirem. Com o tempo, vocês eram muitos e a traição dos Shiro foi o golpe de misericórdia. Não há controle a ser exercido sobre as cores, somente extermínio. 

Hoshizora deu um passo para trás, com o coração na boca. Sua irmã permaneceu colada no encosto da poltrona, vendo o reflexo claro do Sol no horizonte sumir na mesa reluzente. A noite caía sobre eles, quando Itoshi inclinou-se para olhar bem nos seus olhos e completar:

— Terei a coragem que faltou ao antigo regime. Eu vou reunificar este continente e limpá-lo das cores primordiais, para libertar a cor eleita!


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.



Comentários