Volume IV – Arco 11
Capítulo 91: Mortos Lembrados
Numa fria noite onde a chuva atingia os cantos mais isolados do Império Ao, os moradores se ajudavam em meio ao caos causado pelos Heishis naquela noite.
Uma garota levava a mão até sua bochecha inchada, ao escutar o barulho de uma pá rasgando abrindo uma cova bem ao lado dela. Fincava, puxava e jogava fora. As pancadas ressoavam captadas pelos seus ouvidos distraídos.
— Ei mocinha, estou falando com você!
— Desculpa — olhou para o cadáver ao lado do buraco — O que você disse?
— Falou que conhecia ele, mas não os pais. Qual o nome?
— O nome dele era Ryo — fechava os olhos — ele era um nobre então…
— Então por que me pediu ajuda? — Jogou a pá no chão e andou para fora — Deve ter vindo aqui para arranjar briga como os outros, teve o que merecia! Tenho mais o que fazer.
A garota usou os pés para jogá-lo no buraco para então começar a cobri-lo. O restante dos homens faziam o mesmo, mais distantes. A cova de Ryo estava quase coberta, quando era interrompida:
— Ei, Kyoko!
— Kimiko, eu disse para…
— Eu sei, eu sei. Mas agora acabou, né? — afastou o olhar do buraco.
— Quer saber — olhou ao redor — eu preciso de ajuda para outra coisa — puxou a pelo braço.
As duas seguiram uma rota em meio a névoa, se distanciando da maioria das pessoas que se aglomeravam nos campos. Próximo das árvores que cercavam o vilarejo, enxergavam um corpo inconsciente com rosto ensanguentado, faltando o braço esquerdo.
— Quem é esse?
— Me ajude a levá-lo para casa — pegava ele pelas pernas.
Seguindo as ordens de Kyoko, pegou o sujeito pelo seu único braço e pelo lado do ombro. Sua espada de duas pontas foi levada por cima do corpo. Aos poucos, elas o carregaram para a porta de casa, longe da vista dos moradores.
— Cadê vocês? Eu tô com… — a irmãzinha arregalou os olhos.
Kyoko fez sinal de silêncio a Michiko, que acompanhou tudo com as mãos nas costas e olhos carentes. As duas mais velhas jogaram o corpo na cama, a espada debaixo dela, onde tiraram as roupas molhadas, em parte pela chuva, parte pelo sangue.
— Eu fico com ele. Vai ver a vovó e Michiko — ordenou a mais velha.
— Se alguém descobrir isso…
— Confia em mim.
Trazendo um balde consigo para dentro do quarto, Kyoko acendeu uma vela e começou a limpar os ferimentos do rapaz. Quando chegou a hora de limpar sua face, seus cabelos azuis atraíram seus olhos.
— Su-zaki… — a voz surpreendeu seus ouvidos.
A garota saltou da cama, enquanto o sujeito se revirava de um lado para o outro, prosseguindo:
— Onde está?
A visão das paredes mofadas e o som móveis rangendo com seu peso levantou seu nariz sensível. Ele mexeu seu único braço até que a dor arrancou um grunhido que fez a garota buscar refúgio nas paredes opostas à cama.
— Por que — alcançava na gaveta atrás das costas uma faca — Suzaki fez aquilo com você? O que você fez a ele?
— Tomou tudo de mim. Ele é especialista nisso — pegou a espada aos seus pés.
— Mentira, são vocês que… tiram tudo daqui! — ergueu a voz.
— Assim que herdar o trono que é meu por direito, as coisas serão diferentes — disse Satoru tentando se levantar.
— Eu não mandei sair — apontou a faca — tem que me dizer por que Suzaki…
— Ele também te bateu? É, foi a última coisa que me lembro — sorriu se levantando com dificuldade — ele sempre foi um covarde.
— Suzaki é forte! Ele se importa conosco — balançou a faca.
— Ele só se importa consigo mesmo.
Satoru se levantou. A mera visão da espada de duas pontas em suas mãos congelou Kyoko no lugar. Quando abriu a porta, a criança que espiava tudo tomou uma pancada que a fez cair sentada. Michiko iniciou um choro, mas sua irmã logo a segurou no colo, enquanto o sujeito escapuliu para a noite sem nem ao menos olhar para trás.
Pouco menos de um ano depois, Kyoko andava à frente de Kimiko, em direção a sua casa nos subúrbios. Ela carregava sua cesta cheia de grãos, mas sua irmã tinha a corda que sustentava o objeto nas costas partida.
— Eu te falei — queixou-se Kyoko — Com nós três o peso seria dividido.
— E daí? Se trouxesse a Michiko, ela poderia ter se acidentado.
— Estamos colhendo para outras pessoas agora. Os Heishis irão nos cobrar quando virem que voltamos com uma cesta só.
— Tanto faz — continuou andando — É bom que eles levantam a bunda deles e fazem algo a respeito.
— Alguém deveria colocá-los em seu devido lugar, mesmo. Assim talvez as coisas poderiam voltar a ser como eram.
— O Suzaki foi embora, Kyoko! — pegou no braço de sua irmã — Ele não vai mais voltar. Já deu. Anda logo.
Seguindo sua irmã, as duas fizeram seu retorno aos subúrbios. Sua pequena vila, um amontoado de casas incrustadas na terra, agora mais cheia do que costumava. Com homens armados, portando armadura espada e estandartes.
— Isso é alguma pegadinha? — um dos Heishis interceptou as duas.
Kimiko tomou a cesta das costas da irmã e a entregou para o Heishi:
— Esvazia e me devolve. Eu volto para pegar mais.
— Ora, sua folgada — desferiu um tabefe nela — Voltem já para casa, suas imprestáveis!
A subida até a casa delas foi regada pelos olhares de reprovação dos outros moradores. Já pelo caminho, os Heishis gritavam ordens para todos ajudarem na próxima colheita. Contudo, algo lhes arrancou as palavras. Um silêncio cortante atravessou os subúrbios, seguido por gemidos.
Kyoko e sua irmã sentiam a mesma coisa. Uma dor aguda no peito, que se irradiava a cada batimento cardíaco. Elas correram para casa e foram recebidas por Michiko que cambaleou.
— O que está havendo? Kyoko! — gritou a do meio.
— A vó — suspirou Michiko desabando com falta de ar.
As duas se arrastavam com a dor crescendo cada vez mais, enquanto gritos surgiam do lado de fora. Kimiko segurou a irmã mais nova no colo para não cair. Kyoko se esforçou para o quarto, trouxe a vela na cabeceira da cama para perto da avó.
Seus olhos ainda estavam abertos, mas ela não respirava. Kyoko puxou a vela para si, perdendo o ar. Sua dor tornou-se mais aguda. Ela pegou o braço de sua avó no qual já tinha os olhos sem vida, sem batimentos.
— Droga, o que é isso?! Vovó! Eu estou aqui — pressionava o peito da avó, sem batimentos — Não!
As lágrimas desciam juntos aos berros, Kimiko percebia Kyoko abraçada a cama. Um pulso de energia cortou seus corpos fazendo as duas desabarem atrás da mais velha.
— Se acalmem — levava a mão ao peito, lutando para respirar — vou proteger vocês!
— A vovó… — percebeu Kimiko tentando levantar.
Pelas casas, tanto Heishis quanto moradores desabaram no chão. A dor colocou Kyoko de joelhos, quando de repente a mais nova enfraquecia no chão, com sangue escorrendo pela sua boca.
— Michiko!
Kyoko gritou colocando a cabeça da criança sob sua coxa.
— Mana… eu não… faz pa-parar.
As lágrimas escorriam, o corpo da mais nova estava pelando, com sangue esvaindo da boca.
— Respira, Michiko! — gritou Kimiko.
A mais velha tentava assoprar ar pela boca de Michiko que perdia a consciência nos braços das irmãs que prosseguiram o sofrimento:
— Socorro! Ajudem!
Seus gritos eram acompanhados por clamores semelhantes do lado de fora. As duas choravam com o corpo flácido da irmãzinha em seus braços, os prantos ressoavam por toda a vila naquele fim de tarde.
Pouco menos de um ano depois, Kyoko andava à frente de Kimiko, em direção a sua casa nos subúrbios. Ela carregava sua cesta cheia de grãos, mas sua irmã tinha a corda que sustentava o objeto nas costas partida.
— Eu te falei — queixou-se Kyoko — Com nós três o peso seria dividido.
— E daí? Se trouxesse a Michiko, ela poderia ter se acidentado.
— Estamos colhendo para outras pessoas agora. Os Heishis irão nos cobrar quando virem que voltamos com uma cesta só.
— Tanto faz — continuou andando — É bom que eles levantam a bunda deles e fazem algo a respeito.
— Alguém deveria colocá-los em seu devido lugar, mesmo. Assim talvez as coisas poderiam voltar a ser como eram.
— O Suzaki foi embora, Kyoko! — pegou no braço de sua irmã — Ele não vai mais voltar. Já deu. Anda logo.
Seguindo sua irmã, as duas fizeram seu retorno aos subúrbios. Sua pequena vila, um amontoado de casas incrustadas na terra, agora mais cheia do que costumava. Com homens armados, portando armadura espada e estandartes.
— Isso é alguma pegadinha? — um dos Heishis interceptou as duas.
Kimiko tomou a cesta das costas da irmã e a entregou para o Heishi:
— Esvazia e me devolve. Eu volto para pegar mais.
— Ora, sua folgada — desferiu um tabefe nela — Voltem já para casa, suas imprestáveis!
A subida até a casa delas foi regada pelos olhares de reprovação dos outros moradores. Já pelo caminho, os Heishis gritavam ordens para todos ajudarem na próxima colheita. Contudo, algo lhes arrancou as palavras. Um silêncio cortante atravessou os subúrbios, seguido por gemidos.
Kyoko e sua irmã sentiam a mesma coisa. Uma dor aguda no peito, que se irradiava a cada batimento cardíaco. Elas correram para casa e foram recebidas por Michiko que cambaleou.
— O que está havendo? Kyoko! — gritou a do meio.
— A vó — suspirou Michiko desabando com falta de ar.
As duas se arrastavam com a dor crescendo cada vez mais, enquanto gritos surgiam do lado de fora. Kimiko segurou a irmã mais nova no colo para não cair. Kyoko se esforçou para o quarto, trouxe a vela na cabeceira da cama para perto da avó.
Seus olhos ainda estavam abertos, mas ela não respirava. Kyoko puxou a vela para si, perdendo o ar. Sua dor tornou-se mais aguda. Ela pegou o braço de sua avó no qual já tinha os olhos sem vida, sem batimentos.
— Droga, o que é isso?! Vovó! Eu estou aqui — pressionava o peito da avó, sem batimentos — Não!
As lágrimas desciam juntos aos berros, Kimiko percebia Kyoko abraçada a cama. Um pulso de energia cortou seus corpos fazendo as duas desabarem atrás da mais velha.
— Se acalmem — levava a mão ao peito, lutando para respirar — vou proteger vocês!
— A vovó… — percebeu Kimiko tentando levantar.
Pelas casas, tanto Heishis quanto moradores desabaram no chão. A dor colocou Kyoko de joelhos, quando de repente a mais nova enfraquecia no chão, com sangue escorrendo pela sua boca.
— Michiko!
Kyoko gritou colocando a cabeça da criança sob sua coxa.
— Mana… eu não… faz pa-parar.
As lágrimas escorriam, o corpo da mais nova estava pelando, com sangue esvaindo da boca.
— Respira, Michiko! — gritou Kimiko.
A mais velha tentava assoprar ar pela boca de Michiko que perdia a consciência nos braços das irmãs que prosseguiram o sofrimento:
— Socorro! Ajudem!
Seus gritos eram acompanhados por clamores semelhantes do lado de fora. As duas choravam com o corpo flácido da irmãzinha em seus braços, os prantos ressoavam por toda a vila naquele fim de tarde.
Os efeitos da pulsação permaneceram durante todo o dia. Na madrugada seguinte, a dor que assolava os sobreviventes havia passado e os Heishis que sobraram de pé confirmaram as mortes. Junto com os moradores eles desceram a montanha com os cadáveres.
Kyoko e sua irmã traziam sua avó nos braços juntas. O corpo de Michiko veio na cesta nas costas da mais velha dentre as três.
Quando a carroça parou, os Heishis encontraram um pequeno canteiro de terra. A maior parte já estava ocupada com os corpos de outros homens e suas lápides de madeira decoradas em azul.
Foi então que o grupo de armaduras preparou uma mistura de madeiras com óleo para cremação.
— O que está fazendo? — perguntou um morador.
— Não tem espaço para enterrar todo mundo — respondeu um Heishi — Digam seu último adeus antes de…
— É a minha mulher! Eu não vou queimar ninguém.
O morador foi respondido por um soco do Heishi, que gerou um tumulto entre os soldados e moradores. Tomando as armas em mãos forçaram as entregas dos cadáveres. Kyoko e Kimiko aproveitaram a bagunça, fugindo com a avó nos braços.
Um Heishi reparou na fuga e começou a segui-las. Não demorou muito até que uma delas tropeçasse, sendo alcançadas o sujeito pegou Kimiko pelos cabelos:
— Vermes lutando por uma dignidade que nunca tiveram, deviam agradecer por gastarmos óleo com cadáveres de indigentes!
Kyoko rastejou para longe, agarrando a cesta que caiu de suas costas perto do peito. Kimiko mordeu o braço, mas foi jogada para longe. Kyoko se lançou contra o homem também sem sucesso, engolindo um chute que a jogou de cara na terra.
— Vocês protegiam isso aqui? — olhou dentro do cesto.
— Por favor — dizia Kimiko, ficando de pé — mas deixe elas…
Distraído com a atitude da garota, não percebeu Kyoko saltando pelas suas costas. Sua irmã viu a luz do Sol reluzir na faca que ela tinha nas mãos, na medida em que ela rasgava a garganta do homem que já caiu sem vida.
O sangue espirrou na mais nova que acabou por vomitar, com a cena em sua frente:
— Kyoko, você…
— Eu sinto muito — a mais velha interrompeu a fala abraçando a irmã aos prantos.
— Tá tudo bem, mas — apontou para o cadáver do soldado — Com isso não podemos mais voltar.
— Eu preciso proteger — Kyoko soluçava — se isso tudo aconteceu é por que não fui forte o suficiente, não podia deixar acontecer de novo!
Kyoko desabou em lágrimas nos braços da irmã, as duas em cima do Heishi assassinado. De repente, um cheiro de queimado e a fumaça nos céus interromperam suas lágrimas.
— A gente tem que fugir — disse Kimiko, se afastando do abraço.
Kyoko tomou a espada, uma bolsa com dinheiro a malha do Heishi antes de partir com sua irmã. As duas recolheram Michiko e a avó para então correrem o mais longe que puderam.
Era de tarde, quando interromperam sua caminhada numa estrada bifurcada. Elas andaram para dentro da mata e com a ajuda da larga espada do Heishi eles cavaram um buraco para as duas em pouco tempo.
Assim que terminaram de colocar Michiko para descansar, Kyoko disse:
— Tenho que ir até Suzaki.
— A gente tem que encontrar uma casa agora — seguiu andando para a estrada à esquerda — não podemos voltar e…
— Eu não, mas você sim — interrompeu se aproximando da irmã — Na capital deve ter alguma pista.
— Vai me abandonar por ele?! — gritou Kimiko — eu não posso perder você como foi com elas!
— E por isso eu preciso ir — pegou a garota nos ombros — me entregue aos Heishis e diga que eu fugi. Você é nova demais pra matar um deles, irão acreditar — puxou a mão dela, derramando moedas.
— Não… por favor — chorava ainda segurando o braço da irmã.
— Eu vou te achar, não importa o que aconteça — tocou sua testa com a da irmã — confia em mim, por favor — derramou sua última lágrima frente Kimiko, que a soltou.Com o dinheiro nas mãos, ela observou Kyoko pegando a espada que estava no cadáver do Heishi, seguindo pela rota. Ela então virou-se de costas seguindo pelo caminho oposto.
Os próximos dias de Kyoko foram de viagem ininterrupta pelas montanhas do Império. As cidades estavam praticamente vazias. Os Heishis por sua vez tinham uma propaganda a divulgar. Por onde Kyoko passava o mesmo cartaz de procurado distribuído em cada canto, pregado às paredes e na boca dos anunciantes:
“Suzaki Sora: Entregar vivo ao Império Ao”
Kyoko arrancou um destes cartazes para si, quando uma caravana passou pelas ruas. Ela observou de longe, os Heishis locais correrem para montar um palco de madeira, além de uma pequena multidão se aglutinando ao redor. Os homens armados fizeram fila para a porta da carruagem que estacionou.
Ao abri-la, um homem com uma coroa imponente deu as caras. Estava vestido com uma capa de pele azul marinho e um traje preto, cuja manga de seu braço perdido estava amarrada. Seu discurso começou na medida que o sangue de Kyoko subiu até a cabeça, fazendo afiar seus olhos na direção de Satoru, concluindo:
“É ele!”
Ela disparou para a multidão, costurando as pessoas até o palco, ao passo que começava a escutar o discurso.
— Não se enganem! A pulsação que ceifou a vida de muitos dos nossos foi provocada por um inimigo. O mesmo que nos mergulhou na desordem com o assassinato de sua majestade, meu pai Koji e as outras famílias. Vamos caçá-los e destruí-los! Chega de viver com medo do amanhã. Vocês estão sob minha proteção agora.
Chegando na última fileira, Kyoko se esgueirou pelas pessoas e se lançou entre os Heishis, gritando:
— Enganador! — os Heishis a agarravam — O que você fez com o Suzaki?
Satoru interrompeu seu discurso. Seus olhos caçaram a voz que chamava por ele até que aterrissaram naquela jovem esguia, fraca cuja voz ele reconhecia muito bem:
— Ele era quem devia ser imperador, não você — ela se debatia, empurrando os Heishis — Você roubou isso dele, seu ladrão! Vai pagar por isso!
Os guardas seguraram seus braços, arrastando seu corpo que se debatia até o beco mais próximo. Ela foi jogada na parede desarmada.
— Ela é novinha — o Heishi comentava — mas até que dá pro gasto hein.
— Soldado de merda — sussurrou com a cabeça baixa.
— Olha só — estalou os punhos — repete.
— Eu disse — levantou a cabeça — verme desgraçado de merda!
A resposta foi com um soco que derrubou a garota ao chão com sua testa sangrando.
— Saiam agora — a voz congelava os Heishis.
A sombra que projetava os três ali, se revelou assim que os guardas se curvaram a Satoru, antes de se retirarem.
— Cadê ele? — limpava o sangue — O que você fez?
A indagação contorceu os lábios de Satoru em um sorriso debochado, ao tempo que o rosto de Kyoko se contorcia em ódio, prosseguindo:
— Faz ideia do que fez? Minha vó… minha irmãzinha. É tudo culpa sua! Se Suzaki estivesse lá…
— Quer mesmo saber o responsável por tudo isso? — agachou para a altura dela.
— Eu tô olhando para ele.
— Então ele não te contou? Aquele dia foi o último que viu ele, né? — ofereceu a mão para que ela se levantasse — Também foi a minha.
— Não me encosta.
— Tudo que aconteceu nestes últimos meses, foi causado por Suzaki — ficou de pé — Ele te abandonou porque conseguiu o que queria. Deve ser difícil, eu como irmão não pude prever a tempo, imagina você… uma garota inocente. Ele usou tudo ao seu favor para…
Kyoko correu para a saída do beco, mas os Heishis a jogaram no chão.
— Suzaki era o único que se importou com a gente de verdade!
— Não acha estranho ele sumir depois de tudo que fez? Ele sempre gostou de passear no mundo lá fora, só agora entendo o motivo.
— E-Ele nunca faria isso… — socou o chão.
— Está começando a fazer sentido para você? Ele foi assim com todos nós na família. Enganou todos para acreditarem em sua inocência e quando a hora chegou ele decidiu mostrar suas garras.
— Suzaki sempre lutou para nos proteger, ele salvou a minha…
— Suzaki matou toda a corte, incluindo nosso pai, porque não podia ser imperador. Ele queria o trono, a glória, tudo antes do tempo. Pessoas como você precisam de uma figura para se apegar, alguém forte para chamar de herói.
Kyoko balançava a cabeça e puxava seus cabelos. Na medida em que as lágrimas secavam em seu rosto, ela se lembrou das palavras de Suzaki:
— E se o que pensa de mim estiver errado? Ninguém cumpre sempre com as expectativas. Nem mesmo eu.
— Ele era diferente — dizia Kyoko, sentando-se no chão.
— Quando era novo como você, pensei a mesma coisa. Como pode uma criança tão pequena ser capaz de coisas tão horríveis? — colocou a mão sob a cabeça da garota — E foi por isso que eu terminei no pé daquela árvore, praticamente morto. E eu vi o que ele fez com você depois.
— Ele não queria… — suas mãos ficaram trêmulas.
— Já passou. A disputa entre Koji e Suzaki acabou. Eu estou no controle.
— Onde ele está? — perguntou Kyoko cerrando os punhos.
— Venha comigo — apontou para a carruagem esperando fora do beco.
Os dois embarcaram de volta para o palácio imperial. A estrutura imponente incrustada nas montanhas agora tinha rachaduras nos seus muros externos. As correntes da ponte rangiam graças à ferrugem toda vez que descia o caminho para a chegada um novo visitante.
A recepção de Satoru e seus homens lá dentro foi tímida. A quantidade de Heishis e serviçais mal totalizou dez pessoas.
— Descanse — disse Satoru, descendo Kyoko do transporte — Vamos nos falar depois.
Seus subordinados levaram a garota dali. Satoru por sua vez desceu para as catacumbas, onde um prisioneiro esperava por ele no calabouço. Ele abriu a porta de ferro para a sala escura, iluminada por tochas nas paredes, revelando um homem acorrentado às paredes pelos braços e pernas:
— Com tanta coisa que a pulsação levou embora. Estou surpreso que você tenha ficado, Aotaka.
— Um marquês como eu tem saúde de sobra, mesmo na sarjeta — curvou a cabeça — Depois de tudo que fizemos juntos, desistir de minha liberdade está fora de cogitação.
— Ainda estou longe de acabar com você — levantava uma chave — A maior parte dos nobres sobreviveu à pulsação, mas eles se conformaram de que sou a única esperança deles. Não sobrou mais ninguém para dividir espaço comigo, nem mesmo os herdeiros das outras famílias.
— Alianças certas constroem homens impenetráveis. Sorte sua que eu sou muito bem apessoado — escapuliu uma risada — Os Heishis que almejavam o seu lugar, não tinham o que oferecer a eles.
Satoru arremessou a chave na parede.
— Pensa que sou como você? — puxou a barba de Aotaka para perto — Que uma boa cama e fartura me satisfazem? Eu mesmo recolhi aqueles corpos na floresta. O que aconteceu naquele dia pede mais do que uma simples vingança.
— Alteza, porque complicar o simples? — desviava o rosto do seu olhar feroz — apenas mate Suzaki.
— Matar? Tem a audácia de dizer isso para mim? — cuspiu na sua fala — Você deveria tê-lo matado! Se não fosse tão caprichoso, ele seria apenas uma lembrança ruim. Agora, ele é uma história. E eu vou apagá-la da face da Terra!
— É… pelo visto — gaguejava suando — o que descobriu em Midori aumentou sua fome de guerra. Uma nova incursão está em ordem?
Satoru soltou a cabeça de Aotaka. Ajeitando suas roupas, ele tapou o nariz com seu único braço:
— Quem liga para aqueles porcos? Eu já consegui o que queria, descobrindo o verdadeiro paradeiro de Suzaki. E agora com a pulsação, sei reconhecer quando uma causa está perdida e quando uma outra merece atenção, como o Monte Nokyokai por exemplo, se é que me entende.
— Esse conselho foi eu que te dei — voltava seu olhar para o chão — assim como essa coroa.
— Continua se convencendo disso, Aotaka — tirou a coroa da cabeça e a exibiu a ele — só está pagando pelo erro que cometeu com meu pai. Permaneça cooperando e talvez eu te solte para tomar um sol mais vezes. Somente quando meu irmão e tudo que ele representa voltar a ser uma memória, que terá o Vale do Trovão de volta.
Colocando sua coroa de volta, Satoru recuperou a chave para então se retirar da cela. Aotaka se remexia nas correntes, até que um Heishi jogou um prato de comida aos seus pés pouco antes do Imperador fechar a porta de ferro atrás de si.
Subindo as masmorras, caminhou pelo palácio até uma praça aberta, onde escorado em uma parede foi recebido por um sujeito de cabelo escuro e jaqueta.
— Imperador Satoru — levou um joelho ao chão — designei as tropas para um possível avanço em Nokyokai como ordenado.
— Ótimo Doku, nossos pais devem estar orgulhosos — reparou o céu azul.
— Tudo o que faço é para vingá-los — se levantou — só estarei satisfeito quando tiver a cabeça de Suzaki na palma de minha mão — estendia a mão aberta.
— Alteza — gritou um guarda por trás — essa moça procura por você.
Os dois se viravam, percebendo Kyoko com os olhos frios, com uma faixa em sua cabeça. Satoru sorria concedendo a aproximação da garota, que cruzou os braços questionando:
— Quero saber o que Suzaki fez.
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.