Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume III – Arco 9

Capítulo 72: Julgamento

Os grãos de areia e a luz do lar atingiam as paredes diagonais da pirâmide, que reluzia em seu topo de bronze, ao passo que inúmeros visitantes se reuniam ao redor da enorme estrutura. 

Todos vestiam roupas escuras, com turbantes amarrados em dourado, conduzindo velas, lâmpadas e tochas enquanto cruzavam a noite estrelada. A frente da procissão, um pequeno grupo carregava um caixão com o corpo do finado patriarca esculpido em sua tampa, ao redor estava a família real.

Antes que a cerimônia prosseguisse, um sujeito com bigode fino e cabelo curto loiro se aproximava da princesa mais velha, passando pelos outros ao redor:

— Senhorita Yasukasa. Deve se lembrar de mim. Sou Kenkushi, um dos conselheiros designados para te auxiliar no que precisar. Lembra, seu pai havia me apresentado a você na…

— Agora é uma péssima hora — interrompia, com o grupo parado próximo da base da estrutura — Conversamos depois.

— Pois bem, mas a partir de sua eleição como matriarca criaremos soluções para essa crise — curvou a cabeça prontamente — aquela humilhação não deve passar impune pela Dinastia! Por isso me prontifiquei a ser o promotor no julgamento de mais…

— Kenkushi, não é? — o calava revelando uma espada na cintura de baixo das vestes — coloque-se no seu lugar e respeite o luto, agora!

Imediatamente o conselheiro afastou o corpo em repulsa, antes de voltar para o final da procissão com os outros conselheiros. Os Kishis da dianteira fizeram fila e colocaram as mãos no chão e depois no edifício, abrindo uma passagem. Durante a cerimônia, ela virou-se para sua mãe, que segurava uma caixa.

— Onde será que Hoshi se meteu? — Yasukasa erguia a cabeça por cima da multidão atrás dela. 

— Ela se afastou um pouco dos demais — respondeu Kasa, retirando o véu em seu rosto, revelando olheiras profundas — vá buscá-la.  Quero terminar isso logo.

Acenando para seus cavaleiros, Yasukasa pediu que esperassem enquanto subia às dunas frias ao lado, onde sua irmã estava. Sem tirar os olhos do céu. Hoshizora sequer notou a aproximação da segunda filha de Osíris.

— Tentando alcançar as estrelas de novo? 

— Buscando respostas — voltou seus olhos profundos para a irmã. 

— Ele está te esperando — a abraçou pelos ombros — precisamos dar um último adeus.

— Será que nosso pai encontrou os antepassados antes de ir? — dava meia volta junto a irmã, mostrando a peça do rei nas suas mãos.

— Você duvida? 

— Eu só imagino como deve ter sido. Será que fez as pazes com o vovô?

— Hoshi, se quisermos honrar nosso pai, teremos que seguir em frente. Deixe de remoer o passado, vamos focar no presente e fazer o futuro — dizia, notando a coloração do céu se tornar mais clara. 

— O que é o julgamento senão remoer esse mesmo passado? — parou de andar — Acha mesmo que Yanaho deve pagar por tudo isso? 

— Dezenas de soldados foram para a batalha para ajudar, apesar de não voltarem com vida restaram sua honra de lutar até o fim. Yanaho voltou com vida, mas sem honra alguma. Ele fez o que queria e não o que precisava ser feito — fechou seu punho — não posso perdoá-lo.

— Nosso pai também só fez o que quis escondendo a doença de nós? 

— Chega, nada o que conversarmos mudará o destino de Yanaho, você sabe disso — finalizou Yasukasa, enquanto as duas inclinaram os olhos ao chão, se aproximando da cerimônia. 

Os cavaleiros entregaram o caixão para Yasukasa, antes de formarem um corredor na entrada por onde as três mulheres juntas entraram na pirâmide. Quando estavam lá dentro, os membros da procissão se espalharam, circulando a base de mãos dadas.

— Estão prontas? — perguntou a mãe tomando a dianteira em lágrimas.

As duas assentiram com a cabeça, seguindo a mãe passando pela fileira de túmulos dos antepassados, ao lado do sarcófago de “Yasuma”, estava reservado um espaço para o novo integrante do memorial. 

A Kasa abria a caixa em suas mãos,revelando as vestes e acessórios do antigo Patriarca Osíris. Yasukasa abriu a tampa do caixão no momento que Hoshizora não conteve suas lágrimas, enquanto a mãe colocava os acessórios do falecido para dentro.

“Não restou nada de você, nem mesmo um fio de cabelo”, refletia a mais velha, ao tempo que sua irmã despejava a peça do rei que estava nas vestes de seu pai. 

Com cuidado, as três encaixaram o caixão na parede junto com os outros sarcófagos. Assim que terminaram, Kasa abraçava as duas filhas:

— Está descansando em paz agora. 

O choro da mãe e filha mais nova caíam sobre os ombros da mais velha. 

— Por que ele não falou nada? — ajoelhou Hoshizora levando as mãos ao sarcófago do pai — Se eu soubesse… 

Yasukasa já se retirava da pirâmide, sendo percebida por sua mãe que ajudava Hoshizora a se reerguer. As três voltavam ao deserto, com o sol já se levantando no horizonte de trás da pirâmide estendida. 

Todos se afastaram do objeto triangular, sendo a única próxima Yasukasa, ficando atrás apenas de um círculo de homens na base. Todos juntavam as mãos ao mesmo tempo, com a aura da princesa mais velha reluzindo junto à luz solar.

“Todos que precisavam de você agora… precisam de mim. Era esse seu desejo?”, levava as mãos ao chão, conduzindo o grupo a repetir o movimento. “mas e se eu ainda precisar de você?”, o deserto estremecia. A pirâmide retornou para debaixo das areias.

“Nesses dias tem chovido mais do que o normal. Só você sabia que eu detesto chuva.”, lágrimas desciam sob suas bochechas. “Se me conhece bem, também sabe que farei de tudo para vingar sua morte!”

O retorno à capital era feito por uma caravana de veículos onde o principal e maior era cercado por uma guarnição de cavalos. A caravana seguiu de volta para a casa de Yasukasa, cercada por uma procissão de pessoas. 

Ao abrir a grande porta de entrada, Yasukasa foi recebida por dois Kishis que saíram dos corredores superiores, descendo as escadas às pressas.

— Alteza, duas visitas esperavam por você — se curvaram.

Ryoma e Oda revelavam-se para a princesa. O Supremo parava do topo da escada. Já o líder dos principais se apoiou no parapeito do andar superior. Os Kishis preparavam-se para adverti-los, quando Yasukasa tocou em seus ombros.

— Eu cuido disso. Dispensados.

— Chaul deseja conhecer a futura matriarca antes que tome posse — descia as escadas — É uma honra, princesa Yasukasa. Sou Ryoma, o Senshi Supremo. Este é…

— Já conheço — olhou de canto para ele — Se seu rei desejava tanto me ver, então por que não veio em pessoa? 

— Ainda chegará a hora, alteza — desceu do último degrau, e estendeu a mão — Por hora, ele manda felicitações.

— Estão aqui pelo garoto — apertou a mão com força — O julgamento será nesta tarde em Hakarumaat. Vocês também são responsáveis pelo ocorrido.

— Não viemos aqui para disputar com aliados. O julgamento já tem um encarregado que será de grande ajuda para mediar esse conflito.

— Se é do Shiro que fala, ele ainda chegou.

— Imichi não está aqui? — levou a mão ao queixo. 

— Que diferença faz? — disse Oda dando uma risada — Vamos estar lá — trocaram olhares as duas autoridades — Além do mais, parte dessas terras ainda estão em nossa posse.

— Expliquem isso ao Conselho mais tarde. Nossa carruagem partirá ao meio dia. Estariam convidados a embarcar nela, mas… Não assinamos isso no acordo.

— Entendo perfeitamente, alteza — se dirigia à porta, chamando Oda para junto dele —  Esperamos continuar a parceria que construímos com seu finado pai.

— Eu também, Supremo. De preferência com Chaul.

Era meio-dia, quando arrastaram Yanaho para fora de sua prisão. Amarrado nos pés e nas mãos, além de amordaçado, ele foi recebido aos xingamentos por uma multidão furiosa antes de ser arremessado para dentro de uma carruagem, junto com dois guardas.

A viagem seguiu para oeste, onde o rio pelo caminho se tornava mais largo. De repente a carruagem tombou, subindo para a cidade através de uma rampa acima das águas. Perto dali, erguia-se um grande templo de calcário a céu aberto.

Um dos moradores acertou a janela com um pedaço de madeira. O grupo desembarcou aos pés das escadarias do templo, subindo em meio a uma chuva de pedradas direcionadas a Yanaho.

Depois da fachada, o caminho levava a um salão no interior do templo aberto. O tribunal que recebeu Yanaho era rodeado por dois meio círculos de bancadas. O primeiro na entrada, composto pelo júri, que vestiam túnicas brancas com um sol dourado inscrito nelas.

O segundo semicírculo no fundo da sala era uma coleção de quarenta e três púlpitos, todos de mármore, distribuídos em duas fileiras para cada lado. No centro um trono acima dos outros, ocupado por Yasukasa. Abaixo dessas fileiras, ainda havia um púlpito de pedra na altura do piso.

O Conselho vestia longos trajes pretos, com um anel de ouro adornando seus dedos entrelaçados. Yanaho foi conduzido a um poste no centro da sala, onde foi acorrentado pelas mãos, outra corrente presa ao chão era colocada no seu pescoço. O peso de seus grilhões o obrigava a ajoelhar, com vista somente para uma mesa à sua direita, ocupada por Hoshizora.

Entrando pela porta e fechando as portas do templo, um homem vestindo túnicas cinzas, caminhou para o centro do tribunal:

— O julgamento do réu Yanaho Aka está em sessão. Antes das testemunhas, a defesa e a acusação terão o direito a apresentar seus casos — estendeu a mão, chamando um membro do Conselho — Primeiro a acusação: Kenkushi. Depois, a defesa: Hoshizora.

Kenkushi estava fileira mais baixa do conselho, quando desceu para falar ao júri:

— Lembro da última vez que conversei com o patriarca. Estávamos discutindo o futuro de nosso povo. Eu confesso ao júri, que adoraria estar fazendo isso — levou as mãos ao peito — Mas esses assuntos mais importantes foram roubados de nós por uma administração negligente e interesses escusos que hoje serão esclarecidos de uma vez por todas. Nas mãos do garoto está o sangue de nossos aliados e de Osíris.

Todos percebiam o dedo apontado do representante do Conselho para o prisioneiro. Após isso prosseguiu para seu lugar, dando lugar a princesa.

— Osíris, meu pai, foi um herói. Muitas vezes as ações de uma pessoa desse tamanho são incompreensíveis para nós no momento em que acontecem. As testemunhas hoje serão vitais para entendermos como seu sacrifício, embora trágico, foi uma decisão livre de culpados internos, exceto aqueles que invadiram nosso território.

— Muito bem — o mediador dizia — A primeira testemunha pode se apresentar.

Ryoma caminhou para o púlpito de pedra, onde se sentou de costas retas encarando o júri. Kenkushi desfilava entre os dois, segurando um papel nas mãos.

— Ryoma Shiranui. Senshi Supremo do Reino Aka. Tomou parte na disputa pela Vila da Providência, não é verdade?

— Fui eu mesmo que escrevi o acordo de paz.

— Acordo este que prevê a ocupação integral de suas forças no deserto. Sendo o primeiro contato da invasão Kuro, qual medida foi tomada quando a descobriram?

— Procuramos os irmãos Shiro, mas eles não estavam disponíveis — varreu a sala com seu olhar, como se estivesse em busca de alguém — Recorremos a um plano alternativo: cooperar com as forças militares Kiiro estrategicamente.

— Os Kishis alegam que o Senshi que enviou era apenas um menino. Quantas missões desta magnitude esse — pegou em óculos para ler o papel nas mãos — Kusonoki, comandou em serviço?

— Sozinho, nenhuma. 

O júri explodiu até que o martelo de Yasukasa ressoou pelo tribunal. Kenkushi limpava a garganta antes de prosseguir, deixando escapar um sorriso de canto:

— E quanto ao réu? Ele sequer é um Senshi. Por que não enviar seus melhores Principais? — o outro Aka desviou o olhar com a pergunta.

— A princípio o convocamos para saber o paradeiro do Onochi, seu mestre, mas descobrimos que as técnicas que precisávamos no Shiro também eram dominadas por ele. O mirim se voluntariou e sua ida era menos arriscada que a dos Principais, pois não conhecíamos a força do inimigo.

— Então está dizendo que as vidas dos Senshis são mais preciosas que as dos Kiiro nas vilas? Não me surpreende que o Patriarca, abnegado como era, tenha assumido a matéria com suas próprias. Não é atoa que essa história não teve um final feliz. O Senshi Supremo diria que a operação foi um sucesso?

— Negativo.

— Isso é tudo.

Yasukasa bateu seu martelo para acalmar outra inquietação do júri. Ao tempo que a defesa apenas aguardava o silêncio total com as mãos para trás de frente para a testemunha. 

— Supremo, você afirmou que seu plano era uma colaboração com as forças Kiiro. Por que Kusonoki, afinal? 

—  Kusonoki foi o arquiteto de toda a ocupação dos Senshis nesses dois anos. Precisávamos de uma medida rápida de evacuação e mobilizar a capital para receber os refugiados era imprescindível.

— E depois? — se aproximou do réu.

— O contra-ataque consistia em estudar os inimigos para desviá-los do caminho da capital e demais vilas no caminho.

— O lugar para onde desviaram era a tumba dos antigos patriarcas — andou para o púlpito de Ryoma —  Estou certa em supor que o lugar foi escolhido por Osíris? Por acaso Kusonoki sabia disso?

— Osíris escolheu o lugar em concordância com Kusonoki. Era um bom posicionamento, mas ninguém sabia desse fato.

— Ainda não entendo — apontou para o mirim acorrentado — Ele era voluntário, por que escalar Yanaho contra forças desconhecidas?

— O mirim não deveria lutar diretamente. Sua imunidade aos Kuro deveria auxiliar uma liga de Senshis a desviar os gêmeos, recuar e fornecer informações, mas nosso inimigo era ainda mais forte do que temíamos.

— Pode justificar porque os Senshis foram colocados na linha de frente e os Kishis na retaguarda?

— Kusonoki sabia que a viagem os desgastaria. Os Senshis estavam dispostos a oferecerem suas vidas para proporcionar um combate sem riscos aos Kishis

— A presença do Patriarca foi parte do plano acordado por ambos?

— Negativo.

— Apesar desse imprevisto, como julgaria o desempenho de Yanaho sozinho contra uma missão perdida?

— Um sucesso. Se os Kuro não tivessem sido desviados, a luta que tirou a vida do Patriarca, poderia ter destruído as redondezas da capital.

— Muito obrigada, Supremo.

O júri permaneceu em silêncio, embora o conselho trocasse olhares e cochichos. Hoshizora recuava, enquanto Kenkushi abria o colarinho da sua roupa anunciando sua próxima testemunha.

— Eu convido a presença de nossa futura majestade, Princesa Yasukasa — puxava a cadeira do púlpito para ela — Você foi quem coordenou o resgate noturno do incidente. O que encontraram lá?

— O réu ferido e sofrendo com o frio do deserto — sentou-se, apoiando sua bochecha na mão fechada — e dentro da pirâmide estavam as roupas do meu pai. E mais ninguém.

— Ele estava em condições de falar?

— Não, mas Kusonoki estava comigo e conseguiu melhorar seu estado. Quando voltou a si, ele disse que os Kuro haviam fugido. 

— É muito conveniente que tenham fugido, mas poupado o único sobrevivente. 

Yanaho forçou as correntes para erguer a cabeça

— Mesmo com a reprovação do réu, iniciei uma busca no deserto naquele exato momento. Tudo que encontramos foi o rastro de morte que deixaram, como se tivessem sumido no ar.

— Interessante que mesmo sem corpo, Osíris tinha vestígios da sua presença, mas não os Kuro. Qual a chance do réu estar enganado? 

— O réu não tem motivos para mentir sobre o que viu.

— Por último, explique ao júri o que levou à sua custódia? 

— Tudo de nossa nação que estava ou foi pra lá foi destruído — ajeitou sua postura — O réu desobedeceu suas ordens de não entrar em conflito. Sua participação na morte do patriarca desonrou as vidas perdidas, além de nos roubar o julgamento sobre os culpados. Ele veio com a intenção de ajudar, mas sequer posso chamá-lo de aliado. Sua identificação súbita com os criminosos é um insulto ao nosso povo. 

Kenkushi apenas virou as costas, deixando a irmã da testemunha assumir ao tempo que o olhar frio da futura Rainha cruzavam com os nervosos da princesa.

— O resgate de Yanaho foi ainda à noite. Contudo, moradores da capital avistaram a pirâmide ainda no entardecer. Por que a resposta tardia?

— Eu e meus cavaleiros fomos despachados como parte do plano de evacuação da capital. Estávamos seguindo o plano de Kusonoki.

— Por falar nele, como o encontrou antes de ir às pirâmides?

Yasukasa pensou por um instante. Kenkushi se levantou da sua mesa.

— Protesto, essa informação não é relevante para o caso.

O conselho encarou Hoshizora. A princesa engoliu seco, virando para encarar Yanaho antes de mudar sua pergunta:

— Quem colocou você e toda família Dinástica para fora da capital antes do incidente?

— O Patriarca.

— Então ele não queria sua família envolvida no conflito. Se tivesse descoberto antes, teria interferido?

— É claro.

— Imagino que não estivesse nos planos do patriarca sua aparição, tal como a do réu naquele momento. Se ele tivesse morrido ainda assim, sobre quem a responsabilidade cairia?

— Isso não vem ao caso.

— Lógico que vem. A participação de Yanaho foi fora dos planos, porém qualquer um teria feito o que fez, mesmo enfrentando uma ameaça muito além das suas capacidades. Dito isso, dado o desconhecimento de Kusonoki sobre a iniciativa do patriarca, eu questiono se você, princesa Yasukasa, reconhece que Osíris nosso pai jamais concordaria com esse julgamento?

— Objeção! — gritou Kenkushi — Suposições não são permitidas em julgamentos.

— Concedido — anunciou o mediador ao tempo — Princesas, voltem aos seus lugares.

Hoshizora encarou fundo nos olhos de Yasukasa, que recuou do púlpito abaixando a cabeça. Os Kishis então libertaram Yanaho do poste e retiraram sua mordaça. Ainda com as mãos e pernas amarradas, o jovem foi colocado no púlpito.

Yasukasa bateu seu martelo, concedendo o réu para Kenkushi, ao tempo que Hoshizora levava as mãos a cabeça. 

— Discutir interpretações é juvenil. Adultos conduzem os fatos. Por isso eu quero saber mirim Aka, se todos do seu pelotão morreram, como você sobreviveu? Você diria que foi poupado por eles?

— Não fui — respondeu friamente. 

— Então foi ferido mortalmente, para depois simplesmente acordar em condições de batalhar? 

— Isso mesmo — deixou escapar sangue da boca.

— A presença do patriarca te surpreendeu?

— Sim

— Claro que foi. Uma presença inesperada é um obstáculo para você, não era?

— Não.

— Mas então o que você fez depois de encontrar as roupas do patriarca?

— Eu lutei com eles.

— Então como terminou com eles fugindo e você vivo? 

Yanaho abaixou a cabeça e encolheu o corpo, encarando suas mãos trêmulas. O silêncio perdurou pela sala. 

— Está me ouvindo? — jogou o corpo para trás — Acredito que o silêncio diga tudo. Um menino desesperado, em uma missão fora da sua alçada, pediu misericórdia ao inimigo em troca da sua cooperação. Eu sinto muito, senhoras e senhores do júri. Nosso patriarca foi trocado por um acordo covar-

— Protesto! — gritou Hoshizora — Ele não pode tirar conclusões baseado no que deixou de ser dito.

Todo o júri se levantou contra Hoshizora, de braços erguidos e entoando xingamentos. Os Kishis ergueram suas armas para proteger o tribunal, ao passo que a defesa e a promotoria discutiam na frente do conselho.

— Ordem! — bradou Yasukasa — Kenkushi saia de perto do réu! Hoshizora… Seja breve.

O promotor deu de ombros. Durante o caminho para seu canto, ele deixou seu corpo contra Hoshizora que sentiu a ombrada se espantando. Retomando o ar em seus pulmões ela se aproximou uma vez mais de Yanaho.

— Você encontrou o patriarca antes da sua morte?

— Ele me pediu para protegê-lo até o topo da pirâmide.

— Sabia o que ele desejava fazer ali em cima?

— Não. No topo, eu vi um clarão na hora em que fui puxado para dentro da pirâmide. Tudo que ouvi depois de encontrar suas roupas foi um grito na noite.

— Eram os Kuro? Foi nesse momento que lutaram?

— Foi.

— Em seu primeiro relato tinha dito que venceu — perguntava com seus olhos alcançando o redor — Por que você os deixou fugir? —levou uma mão ao peito pelo aperto que sentiu ao perguntar.

As mãos do prisioneiro ficaram estáveis, gotas de suor faziam sua cabeça coçar. Yanaho inspirava fundo, erguendo a cabeça para olhar o júri de frente, franzindo as sobrancelhas.


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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