Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume III – Arco 8

Capítulo 62: Trevas

Pela primeira vez em muito tempo, as nuvens se abriram timidamente no céu daquela tarde, quando Suzaki retornava para as cabanas esquecidas nas montanhas, onde a família de Kyoko ainda morava.

Apesar de manco, ele prendeu o cavalo numa árvore próxima e subiu a pé, quando foi socorrido pelo caminho, assim que a mais velha das irmãs o avistou de sua casa.

Na escadaria para a sua casa, Suzaki se sentou para cobrir sua coxa com as tiras de pano que Kyoko forneceu. As nuvens cobriam o pôr do sol que ocorria, tornando o céu rosado, chamando atenção da garota:

— Kimiko, Michiko, venham ver!

— Uau, o céu tá vermelho  — apontou a criança, descendo a escada com pressa. 

— Espera, garota — Kimiko logo a seguiu. 

Suzaki já conseguia firmar os pés no chão, quando deu uma última olhada no céu antes de entrar na casa indiferente. 

— Foram quantos Heishis dessa vez? — questionou Kyoko o seguindo.

— Foi um ataque inesperado — andou pela casa se apoiando nas paredes, até sentar-se no chão — Ryo passou aqui, sobre o que conversaram?

— Ele disse que precisava descobrir nas cartas alguma coisa que te ajudasse.

— Ele chegou a compartilhar o que descobriu?

— Não, ele tava desenhando alguma coisa num papel e foi embora assim que terminou. Por quê? 

— Nada demais.

Os dois permaneceram ali, ouvindo as advertências de Kimiko à sua irmã mais nova do lado de fora da casa. Foi então que Kyoko recostou-se nas paredes e começou a falar.

— Você assim me traz algumas recordações de quando meu irmão era um Heishi. Ele sempre voltava machucado, me pedindo para tapar os olhos até ele cuidar dos ferimentos — dizia, cerrando os punhos — Uma vez perguntei para porque ele precisava lutar. Ele disse: “É por que sou o mais forte, quanto mais você puder suportar, mais coisas devo proteger”. Desde então, eu tenho sido a que carrega tudo por aqui, a mais forte. 

— O Império separou famílias pela guerra e abandonou pessoas como você aqui. Seu irmão estaria orgulhoso da força que possui, Kyoko.

— Na verdade — coçava os olhos — Você é forte. Salvou minha vó e nos ajudou mesmo não tendo nada para oferecer em troca — desviou o olhar para a janela, onde podia ver suas irmãs — você me mostrou que posso ser ainda mais forte.

— E se o que pensa de mim estiver errado? — dizia Suzaki, olhando suas mãos abertas — Ninguém cumpre sempre com as expectativas. Nem mesmo eu.

— Pelo o que conheço de você — foi ao seu encontro para ajudá-lo a andar — Nada dá errado quando está por perto. Você nunca perde, porque dá tudo de si sempre — dava um tapa em sua mão aberta, sorrindo.

Na porta da casa, o jovem já era capaz de se manter de pé sem ajuda. Ainda na soleira da casa, Suzaki virou para Kyoko uma última vez, descendo as escadas:

— Obrigado, Kyoko. 

Com o pedido de licença, ele se retirou da casa aos acenos das meninas. Quando finalmente Suzaki montou em seu cavalo, o rosto do príncipe mudava a expressão, tal como o céu retomava o breu dos últimos dias.

Retornando ao esconderijo dos Tsuki, o lugar parecia abandonado na quietude da noite. A guarnição escondida se colocava em formação assim que avistou o visitante. Foi então que o caolho entre eles notava a chama de uma tocha iluminando os olhos azuis do sujeito que chegava, indo até ele subitamente: 

— E aí, descobriu alguma coisa? 

— Acho que sim — respondeu sem nem ao menos olhar para Ryo. 

— Como assim ach… — percebia as marcas de sangue — espera, essa cicatriz, o que houve? 

— Um caçador de recompensa, diferente de todos os outros — continuou em frente, se distanciando do companheiro — já lidei com ele. 

— Espera, Suzaki, o que você descobriu? — perguntou, ameaçando segui-lo. 

O príncipe apenas ergueu uma das mãos concluindo: 

— Só me deixe descansar. 

Ryo notava a frieza na voz do companheiro e permitiu que se recolhesse por aquele dia sem fazer mais perguntas.

Em uma região não muito distante dali, um sujeito de alta estatura e semblante rompia pelas portas de um grande salão, seguido por outros dois. Adentrando em uma enorme sala onde o dono estava de frente para um enorme espelho. 

— Aotaka! — gritou, colocando suas mãos sob uma longa mesa — Precisamos conversar.

— Não farei concessões até o trabalho estar terminado — retocava a maquiagem sem se virar para o general —  Vossa Majestade, o Imperador me deu uma última chance.

— Acha que estou brincando? — se aproximou Tadashi, encarando-o pelo reflexo do espelho — Isso não tem a ver com as ordens do Imperador.

— Ora como não? — se espantou percebendo pelo reflexo outra figura com um cachimbo em mãos — espera, o que está havendo? 

— Me admira esse espelho não se estilhaçar com você olhando pra ele  — caçoou Dohana — Você é tão ruim para estética, quanto para guerra.

— Se estão aqui por causa de Suzaki, eu já enviei meu melhor mercenário — disse Aotaka, quando Tadashi o puxou para que o encarasse de frente — o que mais vocês querem?

O general aproximou o seu rosto do marquês, bufando na sua face.

— Não consegue caminhar com as próprias pernas? — questionou Tadashi — O moleque invadiu a minha casa, ameaçou o meu filho e ainda por cima, destruiu metade da nossa máquina de guerra pelo caminho. 

Recolhendo sua cabeça e estufando o peito, Tadashi deu um passo para o lado, permitindo que Aotaka visse o terceiro visitante. O homem dava passos silenciosos, até se posicionar no meio dos três.

— Ele saiu de nosso controle faz tempo. Está próximo de descobrir o que faltava nos relatórios.

— Daisuke, até você? — percebia o marquês, crescendo os olhos — espera, o que querem fazer com…

— Aotaka, viemos aqui porque é o único que conhece as regiões o bastante para atrair Suzaki — interrompeu Tadashi — Só você pode encontrá-lo sempre que quiser.

— Estão conspirando contra sua alteza! Que necessidade é essa de chegar a esse ponto? — ergueu a voz — Já disse que estou para capturar o garoto e entregá-lo nas mãos do Imperador. 

— E depois? — assoprou a fumaça Dohana — Koji vai estalar os dedos e Suzaki fará tudo o que ele mandar? Esqueça. O imperador pede muito, mas no fundo não sabe o que fazer — sorria se sentando a frente do espelho. 

— Koji sempre pensou que Suzaki estava em suas mãos, mas os papéis se inverteram e a corte já percebeu isso — afirmou Daisuke — sem a obediência de Suzaki, ele não tem mais garantia de sucessão e será obrigado a transmitir seu título. 

— Vamos resolver o problema que Koji não pôde resolver — definiu Tadashi, pegando uma bebida em uma prateleira — e assim o Imperador pode até estar arruinado, mas não o Império.

— Traição… — dava passos pra trás, quando da entrada ouviu um chamado de seus homens. 

Os Heishis escoltavam um homem de cabelos verdes e cicatriz no rosto que se fazia presente na sala. 

— O que um verde faz aqui? — questionou Tadashi. 

— Por que trouxeram esse imundo para a minha morada! — gritou Aotaka.

— Nem pensar — Kemono mostrava a assinatura do marquês em um dos papéis — nós temos um acordo! Devia ter me dito que o garoto está atrás de algo antes! — apontou o dedo.

— Espera, o seu melhor mercenário é um Midori e espere que dê certo? — gargalhou Dohana. 

— Eu dei uma brincada com o garoto. Ele é isso tudo que falou e muito mais — mostrava uma queimadura no antebraço — vou precisar de mais para pegá-lo. 

— Acha que pode pegá-lo — ria Tadashi servindo a bebida para os nobres — não devia ter saído daquele lixão.

Com um gesto, Daisuke pegava seu copo tomando à frente na direção do caçador de recompensas, perguntando: 

— Disse que ele estava atrás de algo, onde o viu pela última vez? 

— Era uma casa cheia de crianças. A dona era uma mulher — após a informação Dohana engoliu seco, enquanto Tadashi olhou imediatamente para Daisuke. 

— Ele está muito perto… — o general interrompeu a fala. Já Daisuke virava o copo amargo por sua garganta. 

— O que ele procura é a verdade — limpou o licor que escorria da boca — E vamos dar o que ele quer.

— Se me derem licença, posso derrubá-lo mais rápido — vestiu uma de suas garras — mas vou querer a outra metade do pagamento. 

— Seu verme! — gritava Aotaka apontando o dedo — Você falhou miseravelmente e ainda… 

— Veremos isso no caminho — afirmou Tadashi, colocando um copo cheio sobre o peito do marquês. 

Dohana e Tadashi terminaram suas bebidas, mas Aotaka fez uma careta só pelo cheiro. Kemono abriu um sorriso de canto, quando Daisuke ordenou aos Heishis que o soltassem.

Numa manhã desavisada, Suzaki vigiava o trabalho do ferreiro, em uma forja improvisada aos fundos da casa de Yomi. A fumaça vazava pela chaminé, a cada nova peça retirada por Tetsuhi. Entre elas, Suzaki viu uma lança, perto de esfriar, submersa em um líquido. Seu reflexo na superfície sugeriu que a arma tinha duas pontas. 

Quando esticou a mão para pegá-la, um chamado foi ouvido pelo príncipe, uma corneta. Todos os moradores do esconderijo correram para a entrada. De lá, Suzaki embarcou na primeira carruagem e partiu com um pequeno grupo.

O comboio subiu o vale até um bosque vazio, onde os Tsuki do local aguardavam com dois homens em armadura presos por cordas nas árvores. Suzaki foi o primeiro a descer.

— Avisaram de um ataque. O que aconteceu?

— Parece ter sido um alarme falso, foi relatado diversos homens, mas quando chegamos a maioria correu.

— Aquele ali foi um dos capturados — apontou Suzaki para um homem amarrado exibindo dentes — do que está rindo? 

— Ele deve ser surtado, não parava de dizer que sabia a verdade, algo assim, é normal mandarem malucos em ataques assim — se retirava, mas parou para exibir uma garrafa de vidro que tirava do bolso — por algum motivo ele tava carregando uma bebida com cheiro horrível.

O príncipe tomou o vidro nas mãos e jogou logo no chão. 

— Isso não é para beber, isso é… — interrompeu sua fala, quando ouviu o prisioneiro gargalhar — Deixe-me a sós com ele.

Os Tsuki trocaram olhares antes de concederem a permissão do jovem, que chegava perto do Heishi amarrado.

— Qual a graça?

— Eles tavam certos sobre ti. Não consegue confiar nem na própria sombra, mas confia nisso que vou te falar. Tem uma surpresa para você, na ponte de pedra mais a leste.

De imediato o príncipe seguiu caminho sozinho, correndo abandonando o comboio dos Tsuki, seguindo na direção leste da região. 

Ainda a pé, ele se aproximava a ponte, entre os pingos da chuva ainda no começo. A neblina era densa, mas o príncipe já avistava um rosto familiar, apoiado na mureta. Vestindo sua túnica azul com detalhes em dourado que se estendiam até o chão, ele mantinha seus olhos no rio que cruzava abaixo deles.

— Fico feliz que tenha atendido ao meu chamado, Heishi Celestial — disse Daisuke.

— Então é você — dizia Suzaki com as mãos nos joelhos — achou que falsificando os relatórios empurraria a poeira para debaixo do tapete, Daisuke?

— Poeira é só poeira, o que está lá tendo acontecido ou não, pouco importa — respondia, reparando na chuva que se intensificava, caindo sobre suas roupas.

— Besteira — puxou seu ombro — Isso tudo ainda existe! A data… a retirada da criança no abrigo, é a mesma do meu aniversário! — os olhos do príncipe brilharam timidamente em azul.

Os olhos de Daisuke cresceram. Ele se afastou, cruzando os braços e deixou o jovem falar.

— Faz todo o sentido — dizia Suzaki, soltando uma risada — O treinamento, como os militares me olhavam… Eu sou a criança que Tadashi tentou tanto esconder. De todas as crianças que Koji podia ter roubado, por que eu?

— Acho que chegou a hora de você realmente saber a verdade — um trovão rugiu no fundo — Você é o filho de Asami, Suzaki. 

— Se há um motivo para tudo, qual o motivo para isso? — levou uma das mãos à cabeça — Mentiram para mim a vida toda, o que vocês ganham me revelando isso? 

Heishi Celestial, eu entendo a confusão que deve estar passando, mas deveria rever a gratidão que deve ao seu pai, por tudo que ele sacrificou por você. 

— Gratidão?! — dizia, dando um passo à frente — Passei por tempestades, centenas de mortos por um título que nem mesmo mereço, servindo de arma para uma guerra que nunca quis! Satoru me odeia porque roubei tudo dele sem nem mesmo ser um Sora!

— A questão é que — repousou as duas mãos em seus ombros — Seu pai é sim um Sora.

— Pare de mentir! — balançava a cabeça — Asami visitava Tadashi e ele escondeu isso ao máximo.

— Tadashi era uma figura conhecida na região — olhou o garoto de cima para baixo — era perfeito para ser usado como escudo para quem realmente queria ver Asami — uma gota da chuva escorria pelo nariz de Suzaki.

— Espera… — se afastou com um aperto no coração — está me dizendo que… 

— Sim, todas as vezes que Tadashi buscava Asami, era para seu pai, Koji se deitar com ela.

O silêncio do jovem perdurou até a gota que deslocava de sua face, tocasse o chão.

— Impossível! — gritou — Então por que Dohana tentaria matar a criança? — empurrou os braços de Daisuke com as mãos — As duas estavam competindo por Tadashi.

— Dohana competia por um general solteiro, já Asami pelo homem que se deitava com a Imperatriz. Era isso que disputavam: poder — ergueu o punho molhado — sua mãe tentou usar você para ganhar o maior cargo que uma mulher poderia ter.

— Não! Foram atrás dela pela gravidez — questionou Suzaki — Asami buscou um jeito de se livrar do bebê, porque tentaria matá-lo antes de nascer? 

— Se estiver falando da poção adulterada — cruzou os braços — lhe devolvo a pergunta, quem te disse que Dohana tentou matar a criança?

— Ryutaro, o mesmo homem que deu a poção… — se recolhia ligando os pontos —  A mando da Dohana…

Encarando a poça aos seus pés, Suzaki lembrou-se da cama suja de sangue na casa de sua mãe. Depois lembrou-se do que ouviu no abrigo:

— ...quando a mãe veio até mim, estava fraca e pálida. Ela me entregou o bebê e saiu correndo sem dizer nada e sumiu desde então.

— A baronesa fez isso para acabar com Asami — continuou Daisuke — porque todos sabiam que Koji precisava proteger seu casamento e seu título de Imperador. Ela não tinha mais escapatória. 

— Ela bebeu uma poção adulterada  — balançava a cabeça Suzaki, desabando ao chão — Então mataram ela, me recolheram do abrigo e fabricaram uma história.

— Nós te tiramos de uma vida miserável. Você não seria ninguém se seu pai não corresse esse risco!

— O quadro da imperatriz, todas as vezes que meu pai falava de minha mãe… tudo para desviar atenção — levou as mãos à cabeça — mentiram para mim minha vida toda! Tudo que suportei nunca foi pelo povo, pela paz ou mesmo pelo Império. Mas sim pelo Koji! 

— Koji é o Império! Você não pode fugir disso, sem ele você não é nada. Quando voltou para cá, estava sem nada. Quando saiu para o rito, ele te deu tudo. E agora, olhe só para você. Só tem duas formas de acabar com isso, Heishi Celestial — outro lampejo iluminou o local por um instante. 

— Eu só vejo uma — se levantava puxando uma das foices — Vocês, esse mundo, só esperam e pedem de mim, como se eu fosse a solução. Mas ela não existe — dava um passo à frente — cansei de caçar sombras.

— Nisso você tem razão — dava um passo para trás, apoiando-se na mureta — o mundo não tem solução — ergueu o braço — o que estávamos pensando, querendo fazer de um bastardo, um príncipe? — desceu o braço.

Por baixo da ponte, saltaram duas bolas escuras que rolaram até os pés de Suzaki. Elas estouraram um líquido escuro, que envolvia a pele e suas roupas. 

“Uma emboscada… Kemono estava com Daisuke?”, sua visão enfraquecia.

Aparecendo na ponte e chegando junto de Daisuke, outro homem mais alto pegou Suzaki pela perna. Ele o arrastou pelo chão de pedra, antes de jogá-lo de cara no chão.

— Se não revidou é por que deu certo — disse Tadashi percebendo cada músculo do jovem tremer. 

“Uma armadilha com Seiva da noite?”, pensava Suzaki, tentando se reerguer. “preciso…”

Apoiado na mureta com dificuldades, seu raciocínio foi interrompido assim que um par de pernas parou bem ao seu lado. O som do mecanismo empurrando as garras para a fora foi o bastante para que Suzaki tentasse com um coice.

Contudo seu golpe foi facilmente defendido com apenas uma das mãos. Já a outra perfurou seu abdômen, fazendo-o cuspir sangue.

— Eu gostei de ver você lutar — comentou Kemono retirando suas garras — Mas são só negócios.

“Agora a seiva está no meu sangue”, Suzaki desabava no chão, de joelhos. “minha aura ela não…”

Com a sola dos seus sapatos, Tadashi esmagou o crânio de Suzaki contra o chão com força, enquanto confiscou suas foices. Debaixo de seus pés, sua turva visão não o permitia ver outras pessoas se aproximando, porém podia ouvir novas vozes.

— Deu certo? Deu certo! Graças aos céus! — gritava um deles.

— Finalmente, esse garoto estava me estressando já — dizia Dohana — Deixa de graça e traz logo a carroça, Aotaka.

— Como vai aí embaixo, rapazinho — dizia o marquês, abaixando na altura de Suzaki para vê-lo nos olhos.

— Vão pagar — balbuciou Suzaki — Vocês vão pagar por… tudo isso.

— Pagar? — Aotaka levava a mão ao peito — Eu já paguei até demais por você.

Erguendo a cabeça, o marquês ordenou e Tadashi obedeceu, dando outro pisão em Suzaki que o nocauteou completamente.

Os solavancos da carroça na estrada aos poucos acordam Suzaki, quando o barulho distante de gritos lentamente penetraram nos seus sentidos no momento que o transporte parou.

“Fica de pé… preciso sair ”, pensava Suzaki, empurrando seu corpo para cima. 

Seus braços mal esticavam a corda entrelaçada por todo seu tronco. Com as mãos coladas na cintura, e as pernas fracas, ele cambaleou de um lado para o outro, até Tadashi agarrá-lo, ao sair da carruagem.

— Muito educado da sua parte, nos poupar o trabalho de te acordar, criança — comentou Dohana, descendo logo depois do seu marido — Eu não perderia a sua reação por nada nesse mundo.

Embora as pernas também estivessem amarradas por cordas, Suzaki as forçou com suas canelas sem sucesso, enquanto era lentamente carregado por Tadashi a um enorme poço. Os gritos e gemidos que ouvia ao chegar, estavam mais altos. Sua visão clareava, permitindo enxergar o que gerava o forte odor lá embaixo.

Era profundo, porém ele podia ver bem no fundo, mãos riscando as paredes, tentando escalar. Os relâmpagos daquele dia, iluminavam o poço por alguns segundos para que visse rostos deformados, corpos feridos e olhos desesperados da multidão esperando por quem seria jogado.

O coração de Suzaki disparou. Suas pernas e braços lutavam contra as cordas, que tencionaram com seu grunhido. Contudo, Tadashi ainda o ergueu bem acima do buraco. Aotaka, que desceu da carroça depois do casal, deu uma boa olhada no fundo do poço, antes de se dirigir a Suzaki, que ainda lutava pela liberdade.

— Eu devo admitir, baronesa, isso aqui é pior do que todos os meus planos para ele — comentava o marquês, contendo a risada — Você é uma sádica. 

— Só estou devolvendo o lixo de onde não deveria ter saído — tragava seu cachimbo — Se dependesse de mim, vocês teriam caído juntos aqui naquela época, mas nem sempre as coisas vão como gostaríamos. Mande lembranças para Asami.

Adiante seguiram apenas Tadashi e Suzaki, na beira do precipício: 

— Vai se arrepender… — sussurrou Suzaki.

— Arrepender? — se afastou um pouco — eu disse para você que era meu último aviso — tomou distância — não escutou seu professor, agora é tarde — solou as costas do jovem abismo abaixo. 

O coração do príncipe saltava enquanto caía em queda livre, gritando até chegar ao fundo do poço.

O barulho seco da sua queda, despertou gritos mais altos dos prisioneiros ali embaixo. A voz de Suzaki se juntou à deles, na medida em que unhas, braços, dentes, corpos se amontoavam ao seu redor. Algumas cravando a sua pele, outras as cordas que o seguravam. 

— Já vai tarde — despedia-se Aotaka com um sorriso.

Por fim, Tadashi cortou uma corda bem ao lado, que desceu uma tampa através do mecanismo, selando a todos ali. 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   



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