Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume III – Arco 10

Capítulo 84: Caça às Bruxas

Imichi saía pelos fundos do coliseu com suas mãos cheias. Kenjiro dirigia sua carroça até ele, encontrando o Shiro com Dai em suas costas e Masai em seus braços. 

— É sério? — perguntou Kenjiro, encarando Masai.

O olhar de Imichi disse tudo. Já entre os embarcados, Noriaki e Mitensai tomaram os dois lutadores desacordados para dentro. Olhares suspeitos vieram das ruas e de alguns espectadores saindo da arena. Aos poucos, homens portando máscaras de madeira com presas começaram a aparecer, cercando o transporte.

— Eles vieram atrás dela — afirmou Imichi, sentando ao lado de Kenjiro — Temos que sair daqui.

— E você trouxe ela sabendo disso?! — o condutor gritou.

— Dai nos pediu por isso — encarou o Noriaki, sentado atrás — Se eu e Yanaho usarmos nossas auras, podemos eliminar vocês do torneio. 

Uma carruagem colidiu com Kenjiro, que corrigiu seu curso atropelando algumas vendas na rua.

— Nós vamos morrer se não lutarmos! — comentou Yanaho ficando de pé — Eu não preciso do meu iro pra isso. 

— Yanaho cuida… — Noriaki chamou, mas o rapaz saltou contra os inimigos.

O mirim chutou o condutor para fora. Desgovernados, os cavalos viraram a carruagem no meio da rua, criando uma barricada que forçou os perseguidores a procurar outro caminho. Yanaho pegou carona, saltando em um deles.

Mas a ameaça não havia acabado. Pelos telhados, mais fantasmas os seguiam apontando flechas flamejantes. 

— Essa joça não vai aguentar muitos tiros — avisou Kenjiro.

— Imichi, e agora? — questionou Mitensai.

O Shiro olhou de um lado e viu Yanaho assumindo o controle de uma carruagem. Do outro, os arqueiros criavam um caminho flamejante com suas flechas projetadas para frente. A cada obstáculo, Kenjiro cortava para uma rua ainda mais estreita. 

— Eles nos querem em algum lugar bem específico — disse Imichi — Kenjiro dobre a direita. Noriaki espere meu sinal.

No encalço deles, Yanaho fez o mesmo, trilhando pelos caminhos salpicados das chamas dos arqueiros. Apesar de mais frágil, a carruagem de Kenjiro manobrou os obstáculos sem danos. Os inimigos, por sua vez em seus transportes maiores e mais lentos, eram impregnados com seu próprio fogo.

— O que você está fazendo Imichi? — ele perguntou, até que encarar os arqueiros no alto e a rua para onde estavam indo — Será?

Diante deles estava uma alameda, coberta por um longo arco de ferro ornado por vinhas. Não havia espaço para uma flecha atravessar tão poucos espaço. Yanaho cortou para as ruas do lado e então saltou para escalar até os telhados, onde os arqueiros sem alvo aguardavam a saída de Kenjiro do outro lado.

Yanaho pegou o primeiro por trás, o enforcando com seus braços, quando viu Noriaki subindo nos telhados do outro lado da rua. Dessa vez, o Midori mais velho não era tão discreto quanto o mirim, que tomou o arco do seu inimigo caído e inspirou fundo.

“O cotovelo”, disparou no braço de um fantasma, o impedindo de atirar em Noriaki. “Valeu, Masori”.

O tiro acusou a posição de Yanaho aos outros inimigos do seu lado. Ele varreu seu lado da rua com os próprios punhos. O mirim ficou na beirada de seu telhado para aguardar Kenjiro sair, quando ouviu um grito de Noriaki, carregando todos os arqueiros com ele. 

A cobertura não se partiu. Noriaki ainda estava se recompondo, quando um fantasma puxou uma flecha para perfurá-lo com as próprias mãos. Foi então que Yanaho, saltando dos telhados, chutou o último inimigo de pé para longe. 

— Vamos logo — estendeu a mão.

— Minha perna… Eu não consigo — segurava o joelho esquerdo.

Yanaho praguejou, enquanto o colocava nos ombros. Assim que, Imichi emergiu da cobertura, ele saltou para a carroça. Olhando para trás, não havia nenhum perseguidor à vista.

— Para onde eles foram?

— As carruagens não suportam o calor — afirmou Imichi — Obrigado, Kenjiro. Isso não seria possível sem a sua direção.

— Nunca me peça isso de novo.

Noriaki soltou um grito de dor:

— Não dá para apoiar a perna. Malditos fantasmas.

— Eu memorizei as ruas durante meu tempo correndo — explicava Imichi — observando por onde você nos seguia, pedi a Noriaki que interceptasse os arqueiros de um lado, antecipando que você entenderia a mensagem agindo do outro. Apesar deste desfecho infeliz, minha fé em vocês não foi depositada em vão.

— E agora? Eles vão atrás da minha fazenda na próxima. A gente não tá seguro em lugar nenhum até a luta de amanhã.

— Dai mal consegue acordar e eu sou inválido assim. — Noriaki batia na carroça — Quem vamos mandar?

Agarrando o Midori mais velho por trás, Masai ressurgiu dizendo:

— Tenho um esconderijo… mostro o caminho.

Todos à bordo encararam Masai de canto, exceto por Imichi.

 — Faça o que ela diz, Kenjiro. 

Observando o grupo se afastando da cidade, Kemono descansava nos telhados, rodeado pelos fantasmas derrotados por eles.

“Você é esperto em se proteger branquinho, mas até isso tem limites” refletiu o caçador de recompensas. “Seu segredo não vai durar muito.”

Masai guiou a carroça de Kenjiro para mais longe que sua propriedade nos arredores da cidade. A longa estrada de terra se estreitou numa mata densa, levando o grupo a um castelo abandonado de pedra.

Assim que desceram, Gurai deslizou pelo corpo de Masai, rastejando para dentro de casa por um buraco na porta de madeira. A construção tinha duas torres, uma destruída e a outra quase cedendo. Uma ponte ligava as duas acima de um pequeno pátio. Nos fundos, um prédio com os quartos. 

Logo na entrada eles foram recebidos por uma armário de madeira e vidro, recheada de garrafas e recipientes. Gurai se esgueirava pelos frascos dos mais diferentes tamanhos, até parar de volta no pescoço de Masai.

— Como alguém consegue viver assim? — Kenjiro tapava o nariz.

— É uma novidade apenas para vocês. Desde pequena, minha mãe sempre me preparou para isso. 

— Esse lugar deve ter sido um castelo para Império — Mitensai dizia, olhando para Dai — Como o Ninho de Coruja. 

— Sempre tomando o que é dos outros. Isso são os Midori? — questionou Dai — Vivendo das migalhas que nos deixaram.

— A única escolha é sobreviver — comentou Masai, acariciando a cabeça de sua cobra —  Para isso, aprendi a misturar diferentes ervas com veneno de Gurai. Alguns resultados mais letais que outros. Seu amigo se curou do meu gás, mas ainda está sob efeito. Ele não vai se recuperar totalmente sem minha ajuda.

— Mascotes e iro são uma combinação rara — disse Imichi.

— Gurai é mais do que minha mascote. Ela é minha herança!

— Seres vivos podem ter ressonância com outros humanos por meio da Divindade — Imichi se aproximava — Todos têm uma. Mesmo com a fragmentação das cores, os humanos ainda têm uma parte a ser cultivada. Os animais não passaram por isso, então carregam apenas branco ou o preto.

— Então ela tem iro branco como eu despertei no meu treinamento com Onochi? — perguntou Yanaho. 

— É diferente. Você desenvolveu sua técnica através do lado branco, mas a feitiçaria é um artifício do lado oposto do espectro energético. A magia é um artifício que se originou nos pretos. Então, como ambos precisam estar na mesma cor — a serpente exibiu suas presas para Imichi — Gurai tem Divindade negra. 

— Minha mãe podia não ter os seus conhecimentos, Shiro — abriu o armário, pegando um pote de vidro — Mas ela era uma bruxa e pensou em tudo para me proteger, sempre temendo pelo pior. 

Contava revisitando a última vez que viu sua mãe, com uma fumaça subindo pelo vilarejo. Mulheres eram queimadas em uma fogueira, ao tempo que homens eram rendidos entre correntes. As fornalhas iluminavam o local em laranja, evidenciando os destroços e o sangue espalhado. 

“Com todo o barulho que ouvi do sótão onde minha mãe me escondeu, eu já sabia que a hora havia chegado, mas mesmo assim…”

Os passos de Masai ainda criança ecoavam pela casa, guiada por um brilho alaranjado vindo da janela. Ela se agarrou à borda, colocando somente os olhos para fora, ao som dos gritos vindos da rua. Afiando sua visão, ela viu sua mãe amarrada junto de outras mulheres a uma grande fogueira prestes a ser acesa. 

“Eu precisava ver com os meus próprios olhos, se aquela era a única opção.”

Lutando contra as centelhas, o calor e as lágrimas em seu rosto, ela assistiu sua mãe ser assada viva. A fogueira foi acendida por um homem forte, repleto de tatuagens e brincos cravados no rosto. Quando suas lágrimas secaram, ela desceu de volta para o sótão, onde rastejou por um buraco que a levava a um esgoto, que o levou até uma outra cidade. 

De volta ao presente laboratório, Masai desamarrou o pano que tapava o pote, despejando seu líquido em um frasco menor até preenchê-lo pela metade: 

— Eu guardei o rosto daquele homem na minha mente, e tomei como objetivo matá-lo para vingar todos. Quando tomei uma facção para mim, descobri um único nome: Regente, ou como costumam chamar… Chefão!

— Tatuagens? — Mitensai colocou a mão no queixo — O cara dos portais não tinha nada do tipo. 

— Provavelmente estamos buscando o mesmo cargo, mas pessoas diferentes — colocava seu chapéu — como eu suspeitei.

— Eu saberei quem é assim que colocar os olhos nele — a bruxa ofereceu sua fórmula para Dai — Vou salvá-lo. Em troca, vocês vão me entregar este homem. 

— A pouco tempo a intenção era só dialogar com o Chefão, tem certeza? — perguntou Noriaki, encarando seu amigo.

Dai olhou para seu reflexo distorcido no vidro por um tempo, antes de virar todo o antídoto de uma vez na garganta:

— As coisas mudaram.

— Todos têm um caminho a percorrer — contestou Imichi.

— Você mesmo me disse que deveria assumir a responsabilidade de Midori.

— Mas até você precisou de tempo para entender a mensagem, Dai. Matar não é uma opção — apontou para a mulher — não é atoa que salvamos ela.

— Mudar a cabeça de homens decididos é inútil — respondeu Masai — qualquer rebelião a Gangue virou bruxaria, justamente por que eles só querem pisar nos leigos e incendiar aqueles que os desafiam! 

No meio da conversa, Yanaho se afastou dos demais de volta para a carruagem. Masai continuou:

— Quando mamãe morreu, eu pensei que poderia me vingar rapidamente me aliando a grupos de resistência. Eles não tinham grandes ambições, apenas grandes números. O maior entre eles entendeu essa fraqueza, e buscou um ferreiro famoso na redondeza, além de fazer acordos com facções descontentes. Mas já era tarde demais. Não sobrou ninguém vivo, nem mesmo suas famílias! 

— Esse ferreiro — Mitensai cerrou os punhos — Quem ele era?

— Norio. Por quê?

— Então é isso… Ele era meu pai. Serviu armas durante a guerra, acho que queria compensar pelo que fez ajudando e… — suas pernas ficaram bambas.

— Devia fazer algo a respeito — respondeu Masai — No que gastou seu tempo?

— Já me falaram algo parecido — respondeu virando as coisas se retirando.

Noriaki chamou por ele, mas ainda estava imobilizado nos ombros de Kenjiro. Imichi seguiu o garoto para a ponte que ligava as duas torres no alto do castelo. Mitensai o reconheceu, limpando as lágrimas:

— Desculpa, não era pra tocar no assunto né? Na verdade, não deveria ter pesquisado mais sobre.  Mas eu… só queria ter certeza que meu pai não era um criminoso. 

— Não é errado querer saber a verdade. A questão é o que você vai fazer com ela — ergueu a vista, encarando a torre destruída — Mitensai, por que continua conosco? 

— Eu preciso estar perto das pessoas que são importantes para mim — segurou seu braço — Na noite que meus pais morreram, eu os abandonei por causa de uma briga. Quando voltei, tudo estava… em chamas.

— Estar ausente não é a mesma coisa que ser responsável.

— Eu sei — engolia o choro — estaria morto se tivesse ficado. Por isso tenho que ser forte para proteger aqueles com quem me importo. Essa é a última coisa que preciso cumprir… pelos meus pais! Eu era só uma criança ignorante, não prestava atenção no que eles queriam de mim… ser diferente agora, é o mínimo que posso fazer! 

Imichi virou a cabeça para torre desgastada do outro lado. O vento balançou aquelas estruturas e soprou o cabelo de Mitensai junto. Foi então que o Shiro envolveu o garoto em um abraço:

— Eu te entendo. 

O garoto o segurou mais forte, derramando lágrimas em seus braços. 

Mitensai desceu de volta para o laboratório de Masai, deixando Imichi na ponte entre as duas torres. Ele encarava Yanaho do lado de fora, recostado na carroça de Kenjiro até que ambos notaram algo se mexendo na mata. De repente, o mirim se virou para a ponte, como se já esperasse a chegada. 

— Foi uma fuga e tanto — disse Kemono, se revelando.

A voz atraiu Masai, que subiu as escadas:

— Como encontrou esse lugar?!

— Deveriam estar felizes pelo meu retorno. Eu poderia ter deixado vocês na mão de vez, sabia?

— O frasco da “Garantia” roubado dela — Dai chegou cambaleando atrás de Masai — Foi você!

— Qual é pirralho, mudou de ideia agora que fugiram juntos?! Eu sabia que ela era forte demais pra você. 

— Parem — exclamou Imichi se colocando à frente — É melhor você ter algo importante a dizer, Kemono.

Kemono apontou com a cabeça para o pátio interno do castelo abandonado. Descendo os degraus Imichi notava marcas de dedos vermelhas no pescoço do caçador de recompensas. 

— Esteve ocupado durante a nossa fuga?

— A revelação da bruxa, botou o Chefão para agir — puxou a manga para cima.

— Esteve aqui para roubar aquele frasco dela, não lembro de ter me contado isso — os dois se encaravam. 

— Você disse para eu investigar, precisei checar vários participantes — coçou a cabeça — calhou de ser uma bruxa. Por isso, enquanto insistirem nela todos vocês serão um alvo direto do Chefão.

— Estranho — levou a mão ao queixo — você sempre o chamava de “líder”, esse Chefão que diz não é o mesmo que ele né? 

— Devia se preocupar com suas ovelhinhas — apontou para o interior do castelo — Eles já sabem que Dai é o mascarado.

— Impossível — os olhos de Imichi cresceram.

— Eles tem meios pra tudo — virou de costas — Quis manter nossa pequena reunião privada para não assustá-los. Acho bom guardar o segredo também, mas que faça alguma coisa a respeito.

— A marca no seu pescoço te impediu de descobrir mais? — retornou a pergunta.

— Seu senso de humor voltou? — massageava o pescoço, suspirando — Amanhã será um longo dia.

No dia posterior, com o nascente sol, a grande porta era erguida para a arena. A luz penetrava nos fundos, revelando os lutadores. O primeiro, um homem desfigurado por cicatrizes no rosto. Baixo, porém largo. Ele se arrastava pelo chão, junto com sua corrente e um gancho preso na ponta, carregada por suas mãos protegidas por grossas luvas de couro como suas botas.

O segundo era revestido com a máscara conhecida pela plateia, botando o pé direito nas areias da batalha, se lembrava de momentos antes.

 Ele estava de volta à morada da bruxa, se preparando para partir na manhã daquele mesmo dia, quando Imichi apareceu para ele.

— Por que eu vim aqui? — questionou Yanaho, prendendo a fivela de seu cinto — Apenas para assistir esses caras pisotearem o sonho das pessoas? 

— Falta uma luta para encontrarmos nosso alvo. Até lá, Dai certamente estará recuperado. Você saiu de casa para mudar a sua história. Agora estou pedindo que me ajude a mudar a deles também.

Mitensai saiu da casa, fechando a porta atrás dele, carregando sua fita verde nas mãos. Ele a ofereceu ao mirim:

— Pode ficar com a minha. 

— Para lutar, ninguém pode saber que você é um Aka — explicou Imichi — tenha cuidado. 

— É sua primeira luta, e é a mais importante pra gente — disse Mitensai, colocando as mãos no ombro dele — lembre da promessa daquele dia. 

— Eu não sou a melhor pedida para isso — respondeu Yanaho.

— O seu melhor já é o bastante.

Yanaho concordou com a cabeça, amarrando a fita na testa. Sua mente o trouxera de volta à arena, frente a frente com seu adversário.

— É você quem eu tenho que retalhar? — perguntou o homem, limpando a saliva escorrendo da sua boca — Que maravilha. Em vez daqueles homens fedidos, me entregaram um corpo fresco como o seu! 

— Que droga você é? — perguntou Yanaho, puxando sua espada.

O sujeito arremessou sua corrente, se entrelaçando com a espada de Yanaho, e puxou. Com a sua outra mão, ele puxou um cutelo para separar o braço esticado do mirim de seu corpo. Que devolveu com um chute no estômago, que mal o moveu do chão. 

Seu movimento o deixou enrolado na corrente. O açougueiro lambeu os beiços, quando recebeu uma cabeçada ao aproximar-se. Ele se afastou, puxando a corrente de volta para si. Yanaho balançou sua espada, conseguindo um corte na lateral, a roupa grossa do inimigo de repente fez a lâmina ficar presa. 

O homem o pegou pelo pescoço. 

— Eles me chamam de açougueiro — cuspia na sua fala — Sabe o que eu corto? Gente!

Na plateia, estudando a luta à distância, os meninos acompanhavam a luta junto de Kenjiro. Imichi e Kemono assistiam no topo do prédio.

— Eu nunca vi nada como esse baixinho — Kemono olhava para Imichi, vidrado na luta — Será que seu garoto tem jeito para coisa?

— Já encarou situações bem mais difíceis. Mesmo sem usar o Iro, ele prevalecerá.

Yanaho olhou para sua espada, encravada. Sangue escorria pelo metal, mas era como se o homem não se importasse com a ferida. Foi então que ele entrelaçou suas pernas do braço ao pescoço do açougueiro, e jogou o peso dos dois para o lado. Ambos caíram, soltando o aprendiz de Onochi, que desviou do cutelo por baixo e puxou sua espada do corpo do açougueiro.

Olhando sua arma, ele tapou o nariz com o fedor que vinha do sangue nela. 

“Isso não é sangue normal. Tudo nesse homem é… podre. Eu não posso… Não vou reter minha espada de novo”

O açougueiro então enganchou sua corrente na perna de Yanaho. Seus braços fortes puxaram o mirim pela areia até erguê-lo do chão para derrubá-lo de cara novamente. O nariz do garoto esguichou sangue no impacto. 

Quando foi erguido novamente ele cortou a corrente em pleno. Durante a queda, ele desceu sua espada, partindo o avental do açougueiro e tudo que havia por trás dele em dois. Contudo, ele estava imóvel. Um jato de sangue saiu da roupa, inundando o Yanaho em um líquido escuro. 

O açougueiro enfiou seus grossos dedos por dentro da roupa ensanguentada, rasgando o tecido. Por baixo, estava uma grossa camada de carne, escorrendo até o chão. Yanaho olhou para si mesmo, sentindo o mesmo cheiro de sua espada.

— Gostou? — rasgou sua camisa — Por que não chega mais perto?

— Uma proteção de carne… — encarava o sangue escuro em suas mãostrêmulas — Quantas pessoas você já matou?!

O açougueiro pegou cada pedaço de sua corrente partida em cada mão. Ele desceu a primeira sobre a cabeça de Yanaho, que rolou para o lado. A segunda veio na altura de sua cabeça, horizontalmente. O garoto curvou-se para baixo e correu entre os tentáculos de ferro até que um deles foi jogado para o lado.

“Uma brecha, é a minha chance”, pensou armando seu golpe.

Seu adversário, no entanto, puxou um braço de dentro de sua armadura de carne e lançou Yanaho alguns metros no chão com um ataque bem no rosto. Ele correu até o garoto, jogando todo seu peso em cima dele, enquanto segurava seus braços com as mãos.

— O cara de cima quer vocês mortos, mas não disse como — a saliva escorria para o rosto de Yanaho — Então eu vou te devorar, devorar, devorar! Para depois entregar os seus ossos para ele.


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

 



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