Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume III – Arco 10

Capítulo 79: Torneio

Era madrugada na floresta na Hercínia, onde os órfãos e os prisioneiros descansavam sob a supervisão de seus salvadores. Afastados dali, Dai ainda discutia com Imichi:

— Cada território tem uma torre com um braseiro para ser aceso. Ele simboliza um desafio formal contra o Chefão. Todo final de tarde, os chefes podem acender o seu. E amanhã vamos acender o dessa cidade. 

— Não nos livramos dos Heishis de lá ainda. Se quiser eu posso…

— Precisamos acender a torre. Nada impede que façamos mais coisas com ela.

— Então ela será um sinal e uma distração — Imichi riu — Esperto, mas se cada território tem o seu, por que arriscar as crianças em vez de acender no lar de seu pai?

— Porque é exatamente lá que todos estarão seguros. Uma vez aceso a tocha, a facção se torna um alvo para o Chefão. Disse para meu pai que não envolveria eles — cerrou o punho — o chefe desse local deve ter morrido em combate, é nossa grande chance. 

Passos se aproximavam deles. Um homem brotou da mata escura cambaleando, com uma bengala. Seu rosto estava surrado e o corpo coberto de hematomas. Dai ficou de pé, porém Imichi permaneceu com as pernas cruzadas.

— Sua expectativa sobre a minha morte está equivocada. Sou Kenjiro o líder desta região. 

— Ingenuidade minha pensar que um chefe de facção morreria facilmente, podia agradecer pelo menos. 

— Isso é uma dívida, muito mais que um favor — se escorou perto numa árvore — E eu vou pagá-la com o que está pretendendo fazer, eu ouvi tudo — apontou para o ouvido.

— Então concorda em acender o braseiro?

— Esses imundos azuis tiraram esse lugar de mim e me fizeram assistir tudo, enquanto cuspiam e me batiam no chão — passava a mão sob uma ferida — nem que eu queira vou poder reconquistá-lo, muitos dos meus morreram. A gangue em si não está nem um pouco preocupada — estendeu a mão — é um risco no qual não perderei nada do que já perdi, e estou disposto a arriscar. 

— Kenjiro, por que não se apresentou antes? — apertou a mão do sujeito. 

— E revelar minha identidade para esse cara aqui? — apontou para Imichi meditando — eu vi pouco, mas já sei que ele pode dominar minha terra toda sozinho. Tive que esperar para ver a índole de vocês — se escorava numa bengala — sabe como é né?

O pequeno grupo de Dai esperou até a tarde do dia seguinte para avançar. Os Heishis ainda ocupavam a cidade, porém a velocidade de Imichi trouxe Dai até a base da torre discretamente.

Perto dali, de cima das grandes árvores da floresta, Mitensai tinha ampla visibilidade para a torre, junto a Yanaho. Por sua vez, Noriaki aguardava logo abaixo com o resto na carruagem.

— Não imaginei que tinha passado perrengue depois de salvarmos a princesa — apontou para cicatriz na mão de Yanaho — pensei que sua vila havia sido poupada.

— E foi, é que houve uma confusão quando voltamos — se apoiava no tronco, procurando outro galho para subir. 

— Suzaki só me contou que deu tudo certo mesmo. 

— Por falar nisso, quando foi a última vez que o viu?

— Ah, já faz tempo. Ele estava voltando para casa e eu acabei ajudando no caminho. 

— Depois de nossa luta ele disse que tinha um lugar para visitar — subiu em um galho — Parecia apressado. 

— É, não é pra menos, tanto tempo longe de casa — levou as mãos para trás da cabeça — e não foi fácil passar aqui. Acho que isso deixou ele meio doido.

— Eu também senti isso — virou para o pôr do sol, escondido por trás da torre. 

— Vai dar tudo certo — tocou no tornozelo de Yanaho — lembro que ele não parava de falar sobre seus desejos — estendeu o braço.

— Comigo foi a mesma coisa — apertou a mão, erguendo Mitensai — Tanta coisa pode aconteceu nesse meio tempo.

— Por aqui nada diferente acontecia, até vocês chegarem — subia notando o rubro laranja — por falar nisso, você viu aquela princesa Yasukasa de novo?  

— Vi sim, só que — reparava nos olhos de Mitensai, que pareciam brilhar — nosso encontro não foi muito amistoso — apontou para frente.

— Como assim? — virou para frente, percebendo o Sol já se pondo 

— Preste atenção, já vai começar.

O topo da torre era restrito por grades de ferro. Imichi e Dai encontraram lá dentro uma travessa enorme, com cinzas, carvão e lenha, exalando um forte odor de óleo.

Ao lado dela, havia um balde com óleo e uma tocha mergulhada nele. Dai jogou a tocha para o lado e despejou todo o balde em cima da lenha. 

Ele então puxou sua espada, deixando rente à travessa. Bastava riscá-la para incendiar todo o prédio.

— Depois que acender isso — suas mãos tremiam — As chamas serão vistas de quase todo território

— Essa faísca tem que ser de esperança, não medo — disse Imichi cruzando os braços.

— Eu chamaria de desespero. O Chefão protegeu o território durante todo esse tempo, preciso saber por que não está fazendo nada agora — percebia o céu escurecendo — só quero conversar. Tudo pode dar tão errado. 

— Posso imaginar o que devem ter passado  nesses anos, e por isso, assim como você — firmou o punho do garoto contra a empunhadura da espada — eu faria qualquer coisa pelo meu povo.

— Será apenas nós contra todo mundo, Heishis e o Chefão. Tudo é uma possibilidade…

— Eu te dou uma certeza então — interrompeu pegando a espada — Eu vou protegê-los, como meus ancestrais fizeram um dia.

Puxando a lâmina para si, Dai gritou, riscando a espada na travessa de metal:

— Que se dane!

O brilho das chamas brotou da torre, despertando Mitensai e Yanaho. Parecia ser de tarde outra vez. Noriaki os chamou para a carruagem. 

Os Heishis correram para a torre, que já estava completamente consumida pelo fogo, prestes a desabar, permitindo que Imichi e Dai reencontrassem seus amigos no caminho.

Já cavalgando pela estrada, Dai teve sua atenção roubada por Mitensai, que viu outra luz incandescente no horizonte:

— Dai! Não somos os únicos! 

Uma outra torre subiu em chamas pelo caminho, e depois outra. Uma sucessão de explosões estremeceu o território. Imichi via com um sorriso estampado no rosto. Já o olhar de Dai parecia espantado. 

— Tantas facções pedindo desafio… ao mesmo tempo? — crescia seus olhos.

— Isso nunca aconteceu — ressaltou Noriaki. 

— Parece que não foi como você planejava — o Shiro comentava — As pessoas querem mudar. Elas só precisavam de alguém para dar o primeiro passo.

— Existe um motivo para aqui nunca ter mudado. — socou a madeira — esses líderes viram uma oportunidade no que fiz. Eles vão cruzar nosso caminho. 

Ao retornar para o território de seu pai, as ruas estavam esvaziadas com a notícia das torres acesas. As pessoas se escondiam nas casas, enquanto havia somente homens enfaixados de verde nas ruas, admirando a carruagem abarrotada de pessoas conduzida por Dai, chegando na zona de Hideki. 

Era um prédio de três andares. Noriaki abriu a porta do transporte e os jovens saíram correndo de volta para seu lar. Quando ele mesmo desceu com Kin nos braços, ele questionou Dai:

— Não vem?

— Tenho trabalho a ser feito. E você vem?

Noriaki apenas entrou na casa. Por alguns minutos, ninguém apareceu nas janelas. Os homens de Hideki cochichavam entre si na porta, olhos fixos em Dai, depois espiavam por cima dos ombros na porta. 

— Ele é seu pai. Devia vê-lo — comentou Imichi.

— Prometi voltar quando essa casa estiver segura — batia nas costas do garoto ao lado — você não precisa ir, já ajudou o bastante. 

— Claro que vou, são meus amigos! — questionou Mitensai. 

— Para onde vamos depois daqui? — perguntou o menino de capa vermelha. 

— Distrito de Chūkai — Kenjiro respondeu, se espalhando no assento — onde os corajosos são coroados ou empalados. Mas pra ser mais específico… é o centro de nosso território Midori

— É o palco de qualquer desafio ao Chefão. Devemos ser os primeiros se quisermos ter a chance de uma audiência — percebia a capa longa vermelha do garoto — vamos ter que disfarçar vocês, deve ter muita gente perigosa por lá.

De repente, Noriaki cruza a porta em direção à carruagem estacionada. Da janela da casa, Hideki trocou olhares com Dai, antes de sumir para dentro da sua morada.

— Quanto antes nós formos, antes voltamos — disse Noriaki, embarcando.

— Não esperava que viesse — descia Dai sorrindo — mas já que topou, arrume umas roupas velhas para esses dois — apontou para Imichi e Yanaho que cruzaram olhares. 

A entrada do Distrito de Chūkai os aguardava com um enorme arco de mármore, ornado com videiras. Toda a cidade era coroada pelo verde pujante de ramos e outros enfeites naturais, rastejando pelas frestas e telhados das casas e colorindo a estrada de terra.

Erguendo-se entre as moradias, uma arena oval, coberta até o topo, reluzia com as luzes. Esta era composta não pelo verde da cidade, mas pelo desgaste nas fundações graças ao tempo, que a tudo corrói. Um lugar morto no coração de uma cidade cheia de vida.

A passagem para o interior do palco de batalha estava com seus portões abertos. Nenhum guarda vigiava a passagem. O grupo já estava a pé, quando Dai parou na frente de Imichi e Yanaho, vestindo a máscara falsa de madeira que obtivera.

— Protejam seus rostos o máximo que puderem — sinalizou enquanto Yanaho vestia um capuz e Imichi permanecia com seu chapéu. 

A passagem levava para uma escada, que descia até as areias no nível mais baixo. O espaço para plateia parecia subir até o céu ao redor dos lutadores. O vento assobiava entre os assentos e corredores vazios, soprando a areia sob os pés de Dai. Entretanto, eles não estavam sozinhos nela. 

Já esperando por eles estavam grupos de facções, formando um semicírculo ao redor de uma figura mascarada. Dessa vez, Dai reconheceu o disfarce de madeira como legítimo.

— Aquilo não é… — apontou Mitensai. 

— Sim, é um dos Fantasmas — afirmou Noriaki. 

— Fantasmas? — perguntou Yanaho. 

— São mandatários direto do Chefão, ninguém sabe exatamente de onde vem e nem para onde vão — dizia Kenjiro se aproximando de Imichi — só cumprem ordens. 

Com os cochichos de sua equipe, Dai apenas engolia seco seguindo em frente sendo seguido pelos demais, se juntando à roda. Quando mais alguns grupos chegaram, o fantasma tomou a palavra:

— Bem-vindos chefes, gerentes de comunidade, líderes. Eu não queria estar aqui hoje, não mesmo. Ocorreu-me que uma porção de vocês está amarga com nosso regente, e requisitou um desafio. Para piorar, de maneira inédita, essa requisição partiu de várias comunidades. Por causa disso, o Chefão, não comparecerá hoje.

Os desafiantes se inquietaram. Alguns exibiram suas espadas por baixo da capa, porém um outro barulho pôde ser ouvido das arquibancadas. Mitensai viu arqueiros surgirem, atiradores montados em cada fileira, apontados para o centro.

— Droga — sussurrou o garoto com uma gota de suor escorrendo sob sua testa.

— Tranquilize-se, nada de errado vai acontecer comigo aqui — disse Imichi segurando o ombro do garoto.

— Agora que podemos ser mais civilizados, eu trago as boas e más notícias — o discursante tossiu — a boa é que o regente concederá uma oportunidade de confrontá-lo. A má é que isso só será possível para um único desafiante, aquele que sairá vitorioso dentre todos aqui.

Alguns começaram a questionar, sendo ignorados, enquanto outros grupos passaram a se estudar com os olhos.

“Vão nos colocar para se degladiar em desafios”, pensou Dai, fitando seus olhos cobertos com rostos conhecidos de líderes. 

— Como são muitos concorrentes, realizaremos preliminares aqui, a partir do próximo amanhecer, onde sortearemos os confrontos. No mais, antecipamos que os termos do combate serão definidos pela facção de maior território e subordinados sob o seu comando — virou-se de costas ainda ignorando as súplicas — Passar bem, a escalada apenas começou. 

Um dos homens no semicírculo deu um passo adiante, pegando no ombro do mascarado:

— Quem você pensa que é, nos deixando para trás assim? Eu não vim aqui para enfrent…

A súplica foi interrompida pela mão estirada do mascarado para cima, uma flecha era desferida no solo entre os dois. 

— Se afaste, se eu abaixar essa mão você morre — o representante respondeu andando para longe dos demais — Se preparem, será um torneio por dominação. O perdedor terá seu território anexado se for do desejo do vitorioso.

O anúncio espantou os líderes das facções. A tensão cobriu a sala em um silêncio que era preenchido tão somente pelos arcos estressados dos atiradores e pelos passos do representante na areia, chegando até as escadarias de pedra para finalmente partir dali.

Os outros grupos partiram logo a seguir, um para cada lado, sem dizer uma palavra para os outros. Dai processava o ocorrido quando Kenjiro soltava gargalhadas contidas. 

— Ainda bem que não tenho mais nada a perder, estamos fritos — colocou a mão sob sua barba grisalha — lá se vai toda terra que construí. 

— O que faremos Dai? — perguntou Noriaki. 

— As lutas começam amanhã não é? Temos que arranjar um lugar para ficar por aqui e seguir em frente — disse revirando os olhos para Imichi, que sorriu logo depois. 

De volta para a carruagem, Kenjiro assumia as rédeas:

— Que audácia — Kenjiro tomava a frente — vamos então, eu conheço um lugar onde podemos ficar aqui.

Dai e Noriaki trocaram olhares, concordando, porém o mais novo fez questão de sentar ao lado do condutor na carruagem.

A curta viagem parecia tranquila, assim como as ruas da noite no distrito. A equipe cruzava as ruas principais para além do arco na entrada, de volta para a estrada até acabar em um campo aberto.

No meio da rua de barro, havia um animal caído, sangrando até a morte. Kenjiro parou por um instante, ao se preparar para circundar o cadáver, um vulto saltou para dentro da carruagem.

De dentro, Imichi viu numa fração de segundo as garras do predador se aproximarem do seu rosto, desviadas por seu braço no último instante. Os dois escaparam pelo outro lado da carruagem, como se atirados de uma bala de canhão. 

Quando os garotos se deram conta, Imichi estava sumido. Kenjiro se escondeu atrás do transporte, ao passo que o resto desceu para encarar o homem que surgiu. Ele era forte, alto, de cabelos verde escuro, vestindo túnicas pretas e máscara de madeira, além de garras acopladas às mãos, onde escorria um líquido escuro.

— O que você fez com... — gritou Yanaho, até que Imichi reapareceu na frente dos quatro.

— Essa foi por pouco. Quando senti sua presença, já estava dentro do carro com a gente. Esse cara é bom — acenou Imichi — melhor deixarem comigo.

— Ele é um dos fantasmas! Eu vou arrancar essa porcaria de máscara — se colocou ao lado do Shiro — vivem se escondendo. 

— Se é um problema — tirava a máscara, a pendurando no cinto — é bem abafado mesmo. Sou Kemono, o Predador. 

Os jovens ficavam perplexos com as cicatrizes no rosto, ao tempo que Imichi afastava Dai dando passos à frente:

— Se seu alvo fosse outro naquela carruagem, teria morrido. Se quer me matar, creio que tenha um mandato né?  

— Tudo que precisa saber é que a grana que me deram é ótima. Quero ver se você vale tudo isso mesmo! 

Ele avançou contra Imichi, que esquivava dos golpes secos das três pontas afiadas que jorravam o líquido no ar, sem atingi-lo. O último ataque de Kemono veio de cima para baixo, acertando somente o chapéu para fora da cabeça do Shiro, que logo sumiu do campo de visão do predador. 

Criando distância, Imichi se viu encurralado na mata, rodeado de troncos. Kemono não estava mais à vista. 

— Então você não usa iro, mas enfrentou outros no passado pelo visto — levava a mão ao queixo.

— Esse teletransporte, então você usa magia? — a voz vinha da copa das árvores — uma hora você ficará fraco e previsível. 

— Então não me conhece muito bem — encheu o peito para gritar aos companheiros — Ei vocês, prestem bem atenção! Um inimigo vai provocar um ponto em comum com vocês. 

Cruzando os antebraços, o caçador desceu sobre Imichi ativando o mecanismo nos punhos que atirou as garras no aparelho. O Shiro dançou debaixo da chuva de lâminas até pegar a última com as mãos.

— No caso dele, eu imagino que tenha a ver com esse líquido preto — sentia a substância formigar nos dedos — Sem dominar iro, isso deve atrasar seus oponentes. Um veneno superficial?

— A Seiva da Noite só precisa estar em contato com sua pele pra te enfraquecer — ria enfiando seus punhos nos bolsos — até agora só vi você fugindo, deveria ensinar isso pra molecada! — mostrava outras garras surgindo do bolso. 

Finalmente Kemono se precipitou das árvores. Seus ataques mudaram as esquivas de Imichi para o outro lado até que ele utilizou as mãos para parar o antebraço do inimigo.

— Todo esse desespero — esquivou da outra mão por baixo — só para me sujar de preto.

Imichi agachou, tomando impulso para um chute na boca do estômago, que jogou Kemono para o alto. Girando no ar, ele se prendeu ao tronco com suas garras.

Um formigamento acometeu os braços de Imichi recheados de líquido preto. Kemono ergueu a cabeça, exibindo os dentes no seu sorriso, antes de mirar sua mão livre para os jovens. Suas garras dispararam contra eles, porém o Shiro uniu suas mãos, soprando um vento que as dispersou.

“Eu pensei que dominava as técnicas que Onochi me ensinou, só que esse cara está em outro nível”, pensou Yanaho.

Kemono se balançou nos troncos com as garras em uma das mãos.

— Já está usando outra técnica? Não vai durar muito tempo — ria subindo até um galho firme — A seiva já está se espalhando e você só me acertou um chute, parece que você não dure tanto quanto minha última presa! 

— A luta é decidida no longo prazo. Empolgar-se na corrida acaba te desgastando para o final — retirava um objeto amarrado em um pano — Crianças, vocês não podem ficar se comparando como os outros. Precisam acreditar em suas habilidades sem subestimar o inimigo — revelava uma adaga. 

— Chega da aula — retirou do bolso uma espécie de bomba.

A aura de Imichi cresceu. Durante o trajeto da.  bomba que foi arremessada, ele girou seu ombro cortando o ar com sua adaga. De repente, a árvore no qual o predador repousava partiu. 

O projétil explodiu no ar, espalhando o líquido negro para todos os lados. Dai viu uma nuvem preta de tinta colorir a floresta, porém o Shiro já não estava mais ali. A árvore cortada desabou para o lado, revelando por trás dela Kemono, de pé sobre toda a seiva jogada na terra, paralisado com uma adaga repousando rente à sua garganta pelas costas. 

Ele levou as mãos aos bolsos para recarregar suas garras, porém não havia nada pendurado em sua cintura. Abaixando os olhos, viu que os suportes haviam sido cortados sem que ele percebesse: 

— O que… o que é você? 

— Diferente desse aqui, nunca busquem o golpe vencedor antes de saber das especialidades do inimigo — riscou a nuca de Kemono com a outra mão, que empunhava uma das lâminas envenenadas — antes que você desmaie, sou Imichi Shiro, e saiba que não uso magia. 

— Você não usa portais, mas nunca vi a energia Iro ser manipulada dessa forma! — ajoelhava sem forças. 

— Não se trata só de energia Iro. Sou de uma das cores divinas, anterior às primordiais — pegou seu chapéu do chão — Ela recebe esse nome porque quando um iro atinge o pico de seu desenvolvimento, recebemos Poderes Divinos: técnicas capazes de mover o mundo.

Kemono tentou se arrastar para longe, Imichi o seguiu explicando: 

— No meu caso, fui abençoado com a velocidade, diferente do teleporte que presumiu. Levou anos para entender meus limites. Você tinha vantagem no corpo a corpo, mas achou que um acerto era o bastante. Sua arrogância o impediu de se adaptar. 

Quando Kemono desmaiou, ele já estava aos pés de Dai que pegou a máscara em sua cintura. Yanaho estava boquiaberto. Mitensai olhava para o perdedor, esperando alguma reação, mas ele estava inerte.

— Ele derrotou um fantasma como se não fosse nada — disse Dai, encarando Noriaki.

— Espero ter ensinado algo pra vocês — colocou o chapéu na cabeça — Desejo questioná-lo quando despertar. Por enquanto preciso me limpar e comer. Essa seiva me deixou com fome.

— Ei — Noriaki chamou por Kenjiro — A luta já acabou, velhote! 

Kenjiro saiu de trás da carroça, dando um chute em Kemono para depois assumir as rédeas:

— Que cara perigoso. Tem certeza que vamos levá-lo?

— Vamos sim, comigo aqui você não tem com o que se preocupar — respondeu Imichi, colocando Kemono dentro do transporte.

— Ou talvez virão outros atrás de você — disse Mitensai coçando a cabeça.

O chefe de facção levou Imichi e os meninos pela estrada, chegando em uma fazenda pequena, com uma casa, um poço nos fundos e um celeiro. Após acomodar os cavalos, a primeira coisa que fizeram foi amarrar Kemono no celeiro com um amontoado de feno com tiras de couro. 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.







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