Volume II – Arco 7
Capítulo 49: Decisão Sem Volta
Uma longa fila se formava com os moradores de uma vila remota no deserto Kiiro. Todos carregavam consigo um balde nas mãos, caminhando aos poucos a uma bancada onde as autoridades da área, os Senshis, distribuem água. Aproximando-se da sua vez, Rie sentia o lado de sua roupa ser puxado pelo seu filho:
— Mãe, a gente pode ir para casa? Está demorando muito.
— Agora não, Akio, estamos quase lá.
— Mas eu preciso treinar — mostrou um tubo de madeira com buracos abertos por toda sua superfície — Preciso treinar para quando Suzaki voltar — aproximava o objeto da boca.
— Guarda isso! Vai incomodar os outros. Em casa você pode assoprar isso, mas aqui fora, não.
Dois moradores depois, e Rie já estava colocando seu balde na bancada, diante dos Senshis. Atrás dos militares havia uma bacia larga e alta o bastante para precisar de uma pequena escada para subir e encher o balde com seu conteúdo. Enquanto um realizava essa tarefa, o outro segurava pena e papel nas mãos.
— Seus nomes? — perguntou o Senshi — E o que vão fazer com a água?
— Rie, meu esposo se chama Okada. Vamos usar para a nossa plantação.
— Certo — terminou de rabiscar um símbolo do lado do nome de Rie na folha, ao passo que seu parceiro descia da escada com o balde cheio e o colocava na bancada — Sabem que só poderão retornar aqui em dois dias. Estamos com falta.
— Tudo bem — ela tomou a água nas mãos e se curvou — Muito obrigada!
Saindo da fila, Rie cambaleava com o peso do balde numa das mãos, com a outra dada ao seu filho. Sua casa estava distante, mas decidiu parar no meio da rua para descansar.
— Eu quero ir para casa — Akio cruzou os braços.
— Querido, mamãe está cansada — suspirou — Já, já continuamos.
Pela única rua da vila, passavam de moradores a Senshis, em direção ao forte construído nas dunas que vigiavam o povoado abaixo. Uma das carruagens contendo os guardas do reino Aka disparou pelo caminho, levantando areia entre os que por ali passavam.
— Ei — Rie se colocou na frente de Akio para protegê-lo — Será que ficaram doidos?
Assim que ela se virou para onde o transporte estava indo, percebeu uma fumaça negra crescendo na fortaleza do alto. Se de uma direção, havia Senshis retornando até lá, da estrada vieram uma dupla, um Kishi e um Senshi à cavalo gritando palavras de ordem:
— Estamos sendo invadidos! Moradores, saiam de suas casas, peguem o que precisar, mas vocês não podem ficar aqui. Estamos providenciando uma evacuação por ordem de sua autoridade, o patriarca!
— Em breve teremos transporte para todos, mas no momento, corram para os limites da cidade!
Rie puxou seu filho para perto, tomou seu balde uma vez mais, notando diversos moradores correrem da direção que estava a fumaça. Por um momento ela parou, observando seu marido correndo em direção a sua família. Vendo seu pai, Akio soltava da mão de Rie, estendendo os braços para Okada:
— Pai!
Gritou com o homem pegando seu filho no colo, puxando sua esposa ainda correndo na direção proposta pelos guardas. A família se apressava pelas areias desniveladas, os pés dos moradores afundavam na medida que tentavam ser mais rápidos.
Okada trocava de direção, indo mais ao sul do vilarejo, em direção a uma casa revestida de madeira simples. Adentrando a casa o líder da família levava suas mãos a cabeça.
— Ordenaram que saíssemos daqui o mais depressa possível, o que vamos fazer?! — disse Rie envolvendo os braços nos ombros de seu amado.
— Eu não quero ir embora, pai — disse Akio.
— Nós… precisamos ir, se não…
De repente, gritos ecoaram pela casa, vindos da rua. Okada gesticulou para sua esposa ficar em casa, enquanto saía para ver o que se passava. A fumaça que subia, já se tornara uma nuvem escura abastecida pelas chamas crescentes que vinham de lá, a fumaça se estendia como se tivesse vida própria.
Caminhando na frente dela, os dois invasores podiam ser vistos por Okada que arregalou os olhos, reparando também no grupo de Senshis que corria ao encontro da dupla.
Mesmo a uma certa distância, ele pôde num piscar de olhos a nuvem saltar entre os espadachins, envolvendo-os numa névoa preta, que se contorcia e mudava de forma, até se dissipar ao redor do conflito revelando todos os lutadores no chão e somente aqueles mesmos dois jovens de pé.
Mais Senshis cercava os gêmeos enquanto Okada retornava para sua casa.
— Precisamos mesmo ir!
— Mas e nossa casa? — perguntou Rie.
— Tem que ser agora! Peguem só o que for realmente necessário! — agarrou ela pelo braço.
Com a corrida da família pegando pertences inseridos em sacolas, Okada reunia pertences de seu filho falecido, com as três sacolas recheadas. O homem carregava duas enquanto a mulher levava a mais leve, Akio estava sob os ombros do pai, que olhava para lápide do alto da casa por um momento.
— Pai, por que a gente tá indo? Eu quero ficar em casa — protestou Akio.
— Hajime irá protegê-la enquanto estamos fora, iremos voltar!
A família tinha pressa, vagando pela cidade. Muitos moradores se juntavam a eles numa pequena corrida até o destino final, igualmente desesperados e despossuídos, trazendo não mais do que as roupas do corpo. Rie ergueu seu filho do chão, segurando-o perto do peito, mas Akio podia ver por cima dos ombros de sua mãe o que eles estavam deixando para trás.
Os Senshis brandiam suas espadas contra a névoa escura, mas ninguém saía de lá vivo. Saindo dela, um dos invasores arremessou uma bomba contra uma das casas incendiando-a completamente em segundos. Aquela visão, fez a criança enterrar seu rosto no ombro da mãe, fechando seus olhos com força.
Por sua vez, Okada espiava o que havia deixado para trás, sempre com os olhos fixos na lápide de Hajime, ainda visível mesmo que distante. Contudo, as chamas finalmente atingiram sua casa e a nuvem escura bloqueou a vista para seu filho mais velho.
Quando atingiram o limite da vila, uma pequena multidão estava aglomerada ao redor de três transportes. Eram poucos os Senshis que estavam ali para mediar a transição e os primeiros passageiros brigavam entre si pela vaga.
Okada foi empurrando sua mulher e filhos multidão adentro, na esperança de colocá-la no primeiro veículo, mas ele foi embora antes que pudesse ter alguma chance. Foi então que seu filho ergueu a cabeça e começou a olhar ao redor.
— Pai, meu instrumento! — as lágrimas contidas esvaíram sob o rosto da criança.
— Não temos tempo para isso, meu filho — disse a mãe tentando acalmá-lo .
— Vocês precisam entrar! — reparou a segunda carruagem abrindo.
Akio continuou chorando, mas seus pais o ignoraram quando finalmente os Senshis colocaram Rie e seu filho para dentro do segundo transporte.
— Pronto, me esperem em Oásis — disse Okada, descendo do veículo — Eu vou na terceira carruagem.
— Ficou maluco, você não pode fazer isso — Rie tentou agarrá-lo mas o Senshi encarregado fechou a carruagem e os cavalos dispararam — Okada! — ela gritou pela janela.
— Papai!
Okada acenando para a carruagem em suspiro, percebia que a carruagem comportaria o restante dos moradores que ali estavam. Passando pelas pessoas, olhava para o solo, procurando pelo pertence de seu filho.
No entanto, a ameaça se aproximava, na medida em que os Senshis que faziam a guarda passaram a se deslocar para o combate. A nuvem negra dos invasores estava maior do que nunca, como uma iminente, presente até no ar que Okada respirava.
“Achei!”, disse ele enfiando a mão fundo na areia e puxando o instrumento.
Okada corria até a terceira carruagem com a flauta em mãos, quando a nuvem se expandiu outra vez. Dois Senshis andavam para fora mancos, acenando por ajuda quando uma mão se projetou da fumaça e agarrou um deles para dentro. O segundo se forçou a correr para alcançar a sua última chance de fuga.
Da fumaça, os dois invasores que Okada viu surgiam, com as roupas negras manchadas de sangue, andando vagarosamente até o Senshi que continuava a perseguir o transporte, mesmo que distante o veículo se encontrava parado.
— Anda logo! — o condutor estalava as rédeas.
Okada colocou a cabeça para fora e encontrou as rodas traseiras atoladas na areia. Ele gritou para o cocheiro que parasse de forçar os cavalos e desceu para empurrar o veículo. Outros homens que fugiam com o grupo desceram também para ajudar, quando a voz do Senshi ferido pôde ser ouvida.
— Não me deixem aqui, por favor — ele implorava — Eu já não sinto minhas pernas. Me ajudem!
Assim que a primeira roda começava a se desgarrar do solo, Okada largou o grupo que empurrava e correu para o Senshi, que já estava caído na areia. Chegando ao seu socorro, ele apoiou o homem ferido nos ombros.
— Anda, só mais um pouco — pediu Okada ao Senshi — Vamos sair daqui.
— Não consigo respirar… — dizia quase desmaiando nos ombros do morador.
— Não se preocupe, vamos sair daqui!
— Ei — Okada gritou para a carruagem que já saía do atoleiro — Espera, por favor!
Todos os passageiros que contribuíram para liberar o transporte subiram a bordo, exceto por um, que foi ao encontro para ajudar Okada. O condutor escolheu esperar e em pouco tempo, eles retornaram para colocar o Senshi ferido à bordo.
— Você é maluco — comentou o morador — Se esses caras chegarem aqui…
— Nem tudo vai ser deixado para trás — comentou Okada, apertando a flauta do filho com força, enquanto subiam no veículo.
Um pouco mais distantes, os gêmeos invasores, que já deixaram a vila entregue às chamas, observaram a carruagem, que ainda estava parada devido ao Senshi ferido.
— Eles nos atrasaram — comentou Hirojiyu, chutando a areia — Desgraçados! Essa luta não é de vocês!
— A informação deve ter chegado a eles a tempo — explicou Nagajiyu
— Pelo menos — retirou uma bomba do bolso correndo — esses não vão escapar! — arremessou a bomba caindo próximo ao veículo.
Com metade do pavio consumido. Quando todos estavam prontos para partir, Okada viu o projétil precipitar do céu e se impediu de embarcar.
— Não! — gritou Okada, saltando na direção da bomba.
Pegou a esfera e tentou atirá-la para longe, explodindo distante da carruagem, mas perto de Okada, que rolou no chão consumido pelas labaredas. O morador que ajudou a colocar o Senshi para dentro da carruagem, tomou a capa do lutador ferido e saltou do veículo.
Antes que a carruagem tomasse largada, ele envolveu Okada no tecido vermelho para apartar o fogo e o carregou nos braços de volta. Hirojiyu ao ver que a bomba não desacelerou o veículo, preparou outra para atirar, quando seu irmão o impediu.
— Sem desperdícios. Já gastou uma sem necessidade.
— Droga! — reteve a mão — vamos queimar todas as casas! Nenhum deles terá para onde voltar!
Aguardando ao lado dos Senshi Principais, a inquietude de Yanaho crescia a cada entrada e saída de funcionários.
"Se eu ficar quieto, ninguém vai saber disso, ninguém vai me julgar, mestre Onochi entenderia... mas eu sei que eu posso...", o conflito fez o jovem respirar fundo, meditando. "O que você faria?"
Fechando seus olhos e se concentrando, inspirava e expirava o ar lentamente, sua mente o levava há anos atrás, quando fazia o mesmo exercício, dessa vez unindo a palma de suas mãos. Seu corpo passou a emitir um brilho vermelho no centro e branco nas pontas, enquanto seu mestre o observava.
Quando abriu os olhos, pôs se de pé e saltou do galho onde estava sentado em direção ao tronco de outra árvore. Quando apoiou os pés, tomou impulso mas suas solas escorregaram e ele se espatifou no gramado.
— Droga, essa foi pior que as outras — levantou-se com a ajuda de Onochi que lhe estendeu a mão.
— Quero que me conte o que está te preocupando — perguntou com a mão no ombro do garoto.
— Nada, não. Só estou meio disperso.
— Por mais mínimo que seja o receio, o fluxo da sua energia é perturbado. Se quer melhorar, vai ter que começar a confiar mais em mim. Sua mente precisa estar no lugar certo para essa técnica.
— Quer saber, não vou brigar por isso. Eu falo — coçava a cabeça — É que Tomio e Arata deram explicações diferentes para as cores do que você.
— Faz parte, você aprende coisas diferentes aqui do que lá. Tem que aprender a separar as coisas.
— Eu sei, mas não me falou que as energias primordiais são rivais, especialmente os Aka e Ao. Desde então fico pensando se aquela guerra voltar…
— Precisa deixar o futuro com seus próprios problemas. As coisas podem ser diferentes, Suzaki é a maior prova disso. Se ele é o futuro do lar dele, não temos com o que se preocupar.
— Tomara — sorriu por um momento — eles também falaram sobre as cores divinas. Era algo sobre os Shiro serem cruciais para conter a ameaça Kuro.
— Ameaça né? — levava o polegar ao queixo — Eles estão isolados faz um bom tempo. As pessoas têm o direito de se ressentirem com os Kuro pelo o que houve no passado, mas ainda assim são só pessoas com uma energia iro, assim como nós. Para mim, o que são é apenas uma incógnita.
— O que houve exatamente no passado? — perguntou Yanaho.
— Esvazie sua mente, e vamos retornar ao treinamento — disse Onochi com uma expressão irônica.
— Tudo bem — se sentou cruzando os pés — mas se as técnicas divinas são tão fortes, elas se sobrepõem às primordiais. Uma delas é o olhar dos Kuros, dizem que pode cegar qualquer um.
— Você também pode ser imune a elas, sabia? — provocou Onochi.
— Sério? Mas não é só os Shiro que conseguem? — juntou as mãos.— como eu poderia?
— Já disse que precisa separar as coisas — se aproximou do aluno sentado — Primeiro, o de sempre: feche os olhos, respire fundo, canalize e sinta a energia se movendo ao seu exterior. Sinta a Ordem conectando a natureza à sua essência.
A respiração de Yanaho fluía pelo seu corpo novamente, mas agora sua consciência estava no presente. Quando abriu os olhos, levantou-se da cadeira onde estava meditando.
— Quer ir ao banheiro, garoto? — perguntou o espadachim, Musashi.
— E-eu preciso falar com o Supremo — respondeu, virando para Honda — Eu me lembrei de uma coisa.
Após dar duas batidas na porta do Supremo, o mirim entrou vagarosamente. Assim que reconheceu o convidado, o olhar de Ryoma congelou Yanaho no lugar. O filho de Yoroho pôs os dois pés na sala e ficou de postura ereta.
— Senhor Supremo, eu me lembrei de algo importante — se curvou — Acho que posso ser útil nessa batalha!
— Pensei ter pedido informações sobre Onochi — molhava a pena para continuar escrevendo na papelada em sua mesa — Não sugestões.
— Onochi uma vez me ensinou a respeito das energias divinas Shiro e Kuro, elas são complementares uma a outra em nível de poder. É por isso que precisam do mestre Onochi não é?
— Seu entusiasmo é bem-vindo, rapaz, mas eu já sei dessas coisas — continuava de cabeça baixa, assinando os documentos.
— E se eu te disser que tem outra pessoa além de Onochi e seu irmão que controlam a energia Shiro a ponto de serem imunes às técnicas Kuro?
A resposta fez o Supremo parar de escrever por um momento.
— Onde quer chegar? — olhou Yanaho nos olhos.
— Os poderes das energias divinas se sobrepõem aos das primordiais, sempre aprendemos assim, mas Onochi me contou uma exceção. A energia Shiro está presente em qualquer um, e desde que ela seja controlada, a pessoa pode ser imune até mesmo ao poder ocular — inspirou fundo — Eu sou essa pessoa.
— Como pode me garantir isso? — pegou uma garrafa de vinho que estava na mesa e a abriu.
— Foi você mesmo quem deixou Onochi me treinar. Estamos fazendo isso há anos e ele me ensinou isso.
— Mas Onochi e Imichi nunca me informaram nada dessa capacidade de tornar alguém de cor primordial imune. Se fosse o caso, saiba que eles prestarão contas por não garantir a segurança de nosso território.
— Eu também não sei o motivo dessa omissão, senhor. Ele não me pediu para guardar segredo. Mas os Kuro não vão ficar parados e esperar nós julgarmos meu mestre. Vocês precisam agir e eu estou à disposição! Eu sou uma boa alternativa.
Ryoma encheu uma taça em sua mesa até a boca com vinho e chamou Yanaho para perto.
— Ir para Kiiro e salvar um povo que nem conhece? Mesmo que faça isso, não vai limpar a culpa do seu mestre.
— Não estou fazendo isso por Onochi! Desde que entrei para o internato, tudo parecia grande e eu tão pequeno. Mas mesmo assim, se eu tenho ciência da minha utilidade na situação, por que deveria ficar parado?
— Bebe — colocou a taça de vinho mais perto do jovem.
— Não bebo, não em serviço, senhor. — revirou os olhos.
— É uma ordem.
Levando a taça aos lábios, Yanaho segurou o líquido na boca, contraindo o rosto pelo sabor amargo antes de engolir, queimando sua garganta no processo.
— Eu sei o que você fez pela princesa dois anos atrás. Vejo que não mudou muito durante esse tempo. Mas agora saia da sala e espere, torcendo para que Onochi ou Imichi sejam encontrados. Ou então, terá que representar os dois irresponsáveis em Oásis.
— Muito obrigado, Supremo — se curvou novamente.
Depois que Yanaho o deixou sozinho, Ryoma tomou a taça por onde o mirim havia bebido e a encheu novamente. Antes de beber, encarou o teto, pensando:
"Por que você não me contou isso, mestre?"
Ilustradora: Joy (Instagram).
Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.