Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume II – Arco 6

Capítulo 45: Jeito Errado Pt.2

O dia amanhecia, ainda coberto pelas mesmas nuvens carregadas, embora sem chuva. Quando Daisuke girou a chave, entrando na biblioteca, o jovem que se convidou para dentro na noite anterior ainda estava lá, desperto e debruçado sobre os livros. Contudo, ao menor som da entrada de alguém, Suzaki fechou o livro em suas mãos, o colocou de volta na quinta pilha que havia formado ao redor da mesa e foi embora.

— Para onde vai, alteza? — perguntou ele, sem receber qualquer resposta.

Olhando ao redor, Daisuke reparou mais e mais pilhas de livros deixadas pelo chão. Nos corredores, Suzaki disparava para os andares inferiores, atingindo a sala do trono, onde seu pai fazia uma pequena cerimônia.

Alguns Heishis faziam um corredor para Toshio passar por eles até chegar aos pés da escada que leva ao trono de Koji, onde se ajoelhou perante o imperador. A autoridade encontrou o Heishi no final das escadas, estendeu a mão para que ele se levanta-se e colocou o brinco em sua orelha direita. 

— O que significa isso? — gritou Suzaki, invadindo o salão com olheiras profundas.

Todos os Heishis viraram-se para a entrada, na medida em que o príncipe passava por eles.

— Vai premiar um capitão incompetente? — apontou o dedo a Toshio. 

— Como sempre uma pedra no sapato — respondeu Toshio se erguendo — Sou o novo barão da região de Nokyokai — disse com um sorriso.

— Não lembro de ter requisitado sua presença — disse Koji — Muito menos imundo desta forma e insultando meu confiado. 

— Estive nos arquivos de Daisuke, pai — subiu um degrau da escada — Eu sei o que planeja e não pode ser desse jeito. Podemos vencer os Tsuki sem recorrer à guerra.

— Pode ser o Heishi Celestial, meu filho, mas não se engane: sou eu que mando por aqui — virou as costas subindo as escadas, sentando ao trono — Pensamos muito depois daquele fiasco na Vila da Providência e temos outro plano de ataque.

— Os reinos agora estão buscando paz, mesmo que não estejam também, precisamos ser os primeiros a buscar isso! — insistiu Suzaki — Não se pode dar ao luxo de arriscar outra incursão sem conhecer o inimigo ou vai perder tudo como nas minas.

— Nada foi perdido — Koji se voltou para Suzaki — Apesar de todas as suas interferências, nossa incursão não poderia ter dado mais certo.

— Minhas interferências? Eu busquei um acordo!

— Sim, um acordo que nos faria perder metade da mina, nos desarmar para a guerra e dividir nossas riquezas com ratos. Foram necessários ajustes, mas no final, entendemos que você funciona melhor sem conhecer todas as informações.

— O incêndio… — Suzaki lembrou-se de Ryo, então olhou para Toshio — Foi tudo você? Você matou aquelas pessoas deixando os Tsuki sabotarem as lâmpadas!

— Nós tentamos avisá-lo,— respondeu Toshio, ajeitando o brinco — mas você não escutou. Forçou o imperador a tomar a decisão necessária para retomar a mina. Suas ações mataram eles. Pelo menos no final, você nos devolveu o fulgur que tanto queríamos daqueles contrabandistas. 

— Seu verme — pegava o barão pela manga do pescoço — Como pode fazer isso com aquelas pessoas? 

De repente os dois eram cercados pelos Heishi’s ao redor, apontando armas para o garoto. 

— Solte-o e se afaste, agora! — ordenou Koji. 

Suzaki se recolhia diante o tapete azul da sala, enquanto Toshio apenas limpava a sujeira de seus ombros.

— Aquelas pessoas… elas eram inocentes. Elas não precisavam de muito para viver! 

— Essas… pessoas de quem fala são de pouca importância — respondeu Koji — Elas jamais lutariam por nós. Mal possuem dinheiro para nos abastecer com os impostos. Ninguém sentirá falta delas. Seus amigos somos nós, que te demos tudo.

— Eu descobri uma coisa: a transferência de Imperador entre as famílias não pode ocorrer se o herdeiro do atual ocupar o cargo de Heishi Celestial — ergueu a cabeça, olhando nos olhos de Koji — Então foi para isso que me tornei Heishi Celestial? Para te manter no trono fazendo essas coisas?

— Você não se tornou, fui eu quem te fiz Heishi Celestial! Eu te dei tudo e o que teve a me oferecer em todos esses anos foram meios sucessos — riu, dando de ombros — E, agora, você ousa me julgar por exigir o que mereço depois de anos de investimento?

— Se esse é o retorno que preciso dar para ser digno — soltou as tiras de couro do corpo, liberando o suporte da lâmina — Eu renuncio a tudo isso — jogou sua espada no chão e desceu as escadas rumo à saída.

Koji cessou suas gargalhadas naquele instante, levantando-se do trono, andou até a espada jogada nos degraus. Erguendo-a do chão observava seu filho prestes a deixar a sala: 

— Você só pode renunciar ao que te dei porque eu não posso trazer de volta o tempo que dediquei! — gritou Koji para Suzaki, que parou imediatamente de andar — É muito fácil virar as costas depois de tudo dito e feito. Se aproveitou de tudo e agora me vira as costas. Grande filho você é.

— E quanto ao filho de Asami? Ele foi um grande filho? — respondeu Suzaki, Koji empalideceu — Nos arquivos de Daisuke, eu li sobre uma mulher que foi morta depois de dar a luz a um filho de alguém da casa de Sora. Cadê ele? Quantas outras crianças vivem hoje na sarjeta por que vocês se aproveitaram das outras pessoas?

— Ora seu… — se interrompeu com um sorriso de canto — É ingênuo pensar que só eu guardo segredos. Quando planejava me contar daquele camponês dos Aka? — cruzou os braços.

“Masao contou…”, raciocinou Suzaki, que rangia os dentes, “Como ele pôde?”.

— É tão ingênuo que acredita na amizade de um inimigo e rejeita do próprio pai. Você está se tornando algo além da decepção de seu irmão, Suzaki! — percebendo que o príncipe não dava ouvidos, o imperador continuou — Volte para seu quarto e reflita sobre o que disse e fez nestes últimos dias. Terá tempo para me pedir desculpas depois.

Chegando na porta, Suzaki virou a cabeça para trás uma última vez, com os olhos brilhantes em azul.

— Eu não vou voltar. Nunca mais — saiu correndo.

— Sabe que não pode fugir de mim! — correu até a porta — Venha já aqui, Suzaki!

Os gritos de Koji ecoaram pelos corredores, ao passo que os Heishis olhavam para Suzaki sem saber o que fazer. Ouvindo a voz de seu senhor, Masao corria para procurá-lo, vendo-o correndo no corredor:

— Senhor Suzaki?! 

Sem dizer uma única palavra, o príncipe apenas se virou para seu criado, com uma expressão de raiva, só pelo olhar o mordomo deu um passo para trás. Uma única lágrima escorria por seu rosto antes do castelo inteiro estremecer por um rugido do céu. 

Todos ficaram sem entender até que dois relâmpagos atingiram a murada externa, um a leste e outro a oeste. Do lado de dentro, os Heishi’s não entendiam o que se passava, mas Suzaki disparou para os estábulos na entrada. 

Do outro lado do castelo, os campos que outrora foram cobertos por flores e arbustos agora estavam preenchidos por cadeiras dos militares mais importantes do reino. O jardim dos fundos acomodava um palco, cuja principal atração era um criminoso de braços e cabeça presos e expostos para um carrasco com o rosto coberto por um capuz, empunhando um machado.

"Graças ao luar, ele veio", pensou Ryo em alívio, antes pronto para ser executado. 

Os relâmpagos que atingiam o palácio assustavam todos que estavam aos arredores, até que outro acertou uma árvore, posicionada bem entre os dois grupos de cadeiras da plateia. Suas folhas arderam em chamas e pouco depois seu tronco desabou sobre eles. 

Foi então que Suzaki atravessava o campo com seu cavalo, saltando sobre o tronco em chamas para então pular da montaria no palco. Entre ele e Ryo, estava o carrasco.

— Afaste-se daqui, alteza — ergueu o machado na altura da barriga.

Num piscar de olhos, Suzaki atacou as pernas do carrasco com chutes nas juntas. De joelhos, o executor girou seu machado para acertar o jovem que desviou para suas costas. Entrelaçando os braços com o direito do oponente, ele o deslocou, obrigando-o a soltar a arma ao chão enquanto gritava de dor. Por fim, ele bateu com o machado no palco, criando um buraco para os fundos, por onde o carrasco desabou para descansar junto com os alicerces. 

— Um pouco mais e teria achado que mentiu para mim — comentou Ryo.

— Eu cumpro minhas promessas — disse Suzaki descendo o machado sobre a madeira e libertando o prisioneiro. 

Livres os dois subiam no cavalo, com trotes rápidos se colocavam em fuga, sendo avistados pelos Heishi’s que guardavam a execução, no qual estavam a pé. Seu cavalo cruzou o jardim, escancarou as portas do castelo, passando pelo pátio até a murada externa, onde a ponte levadiça ainda estava erguida. 

— Cadê os Heishis? Pensei que o castelo estaria mais cheio — questionou Ryo.

— Eu derrubei uma parte dos muros laterais. Um terço da guarda do palácio está presa, sem acesso às saídas a não ser pelo pátio principal, mas eles estão sem veículos. Vamos encontrar pouca resistência se formos rápidos.

— E essa porta? Vai pedir permissão para os Heishis lá de cima? — apontou para as correntes da ponte.

Antes que pudesse ser respondido, Ryo ouviu um grupo se aproximando. Saltando das janelas e abrindo as portas da fachada do palácio, havia quatro Heishis

— Você não sabe o que faz, criança — disse Toshio — Entregue esse criminoso e prometo te poupar da lição que merece.

— O que há com você? — questionou Tadashi — deixe esse criminoso conosco, isso não é brincadeira. 

— Podia dizer a mesma coisa a vocês — respondeu Suzaki.

O novo barão de Nokyokai avançou primeiro, enquanto seu adversário era cercado pelos outros Heishis. Com sua espada, ele desceu verticalmente encontrando as palmas do príncipe que se juntaram de cada lado da lâmina para travá-la.

— Devia ter pensado melhor quando abandonou a arma — provocou Toshio — Que chances tem desarmado contra mim?

— Eu não preciso dos instrumentos errados para fazer o trabalho certo — liberou um pouco de seu iro pela espada de metal, que conduziu àquela eletricidade pelo corpo do capitão.

A corrente elétrica o paralisou da cabeça aos pés. Pulando para as costas de Toshio, o Heishi Celestial o usou como refém, em um escudo humano contra o resto dos oponentes. Quando se aproximou de Tadashi, jogou o corpo em sua posse em cima do general. Trocando golpes com um encapuzado que previu todas as ofensivas, segurando sua perna no chute.  

— Eu te ensinei tudo que sabe sobre lutas corpo a corpo — disse Ibuki revelando seu rosto, descendo sua espada sobre a perna vulnerável de Suzaki.

Antes de ser atingido, ele saltou de um pé só e em pleno ar chutou a espada das mãos de Ibuki. 

"Não tem outro jeito", pensou brilhando em azul. 

Logo depois, olhou para os céus, de onde desceu um novo relâmpago, dessa vez acertando as correntes que sustentavam a ponte de saída. O estrondo atordoou os lutadores, principalmente Ryo, que gemia de dor.

Os pedaços enormes das correntes que se partiram, precipitaram sobre os Heishis. Tadashi desviou do elo partido no último segundo, ao passo que Ibuki não conseguiu escapar dos destroços, tendo as pernas esmagadas pelo concreto e ferro. 

Suzaki cospiu sangue em exaustão, não perdendo tempo,  olhou ao redor em busca do cavalo, em meio à poeira levantada pela queda, quando Ryo chamou por ele, mancando:

— Vamos, acho que sei onde está. 

Cruzando a pequena neblina, os dois encontraram o cavalo assustado, galopando irregularmente pela longa ponte levadiça, que caiu ligando as duas partes da montanha. Enquanto a dupla corria para acalmar o cavalo, Suzaki foi agarrado por trás. Ele e seu inimigo caíram no chão em disputa, porém Ryo continuou  seguindo para o cavalo.

— Já que faz tanta questão de se misturar com ratos — disse Toshio, segurando Suzaki no chão — Vou gostar de te deixar no meio deles nas masmorras!

“Droga, Ryo está indo sem mim, um kazedamu agora e eu estaria livre… mas estou exausto!”, pensava Suzaki tentando libertar suas mãos do controle de Toshio.

Quando o príncipe pensava ter sido pego, Ryo utilizou os galopes do cavalo, atropelando Toshio bem na sua frente. Rastejando-se para fora das patas do animal, viu o Tsuki montado, estendendo a mão para que ele subisse.

— Estou muito ferido, você precisa conduzir. Agora!

Por um instante, Suzaki olhou para trás e viu o barão na beirada da ponte. O choque com o cavalo o teria feito despencar se não tivesse se apoiado com os braços. 

— Me-me ajudem! Por favor! — gritava em socorro, lutando com todas as suas forças para subir. 

Por alguns segundos ele e o príncipe trocaram olhares, antes dele subir no cavalo e dar meia volta para fugir de uma vez do castelo.

Ryo, que estava de passageiro, pôde ver Tadashi chegando ao socorro de Toshio, além de uma figura distinta no muro, observando toda aquela cena. Mesmo com um olho, sua visão amplificada o reconhecia muito bem.

— Seu pai não parece feliz, Suzaki — comentou Ryo virando para Suzaki, mas ele não disse nenhuma palavra em resposta. Enquanto os dois permaneceram estrada a fundo, a cada cavalgada mais distantes da capital — para onde estamos indo? 

— Fugindo — respondeu Suzaki sem olhar para trás. 

Na medida em que cortavam as ruas da capital, mudando para terreno acidentado, Ryo notou as marcas de rodas que seguiam na estrada. O cavalo protestava com relinchos, obrigando Suzaki a diminuir a velocidade.

— Essa estrada… Por que estamos voltando para Nokyokai? — perguntou Ryo.

— Não estamos voltando — parou o cavalo — quero checar uma coisa no caminho. 

As nuvens finalmente descarregaram contra as montanhas numa chuva impiedosa, quando os dois desceram do cavalo, vestindo suas capas para se protegerem. Com cuidado, Suzaki guiava Ryo por um rastro de pegadas em meio a um nevoeiro que se formava.

— Pelo menos, tudo saiu como planejamos — disse Ryo. 

— Nada foi como planejei — o príncipe olhava de um lado para o outro. 

— Olha, eu sei que tem motivos para me odiar, mas aquilo não foi nada pessoal — levou as mãos ao alto — Ainda não sei se me resgatou para conseguir meu silêncio, ou achou o que queria na biblioteca dos relatórios?

O príncipe não deu ouvidos ao Tsuki, quando avistou uma carruagem apoiada contra as árvores, com destroços para todo o lado. 

— Ei, espera! — gritou Ryo, para um Suzaki que seguia com pressa. 

Em meio a névoa, Ryo não podia ver, mas era capaz de escutar o balanço de cordas nas árvores. Chegando na origem dos sons, viu pessoas enforcadas, algumas mutiladas. Muitos homens, algumas mulheres e até crianças. Indo mais a fundo, encontrou o Heishi Celestial ajoelhado sobre um corpo ensanguentado, já sem vida. A corda no pescoço do cadáver estava cortada. A outra metade ainda estava presa à árvore.

Suzaki tinha uma pequena faca numa das mãos e um anel na outra, o qual apertou em seu punho. Apenas a chuva era capaz de esconder as lágrimas percorrendo o rosto do príncipe, que havia removido seu capuz. 

“Descanse em paz, Minoru. Um enterro digno é tudo que posso oferecer a essas pessoas? Realmente há um propósito benigno nisso tudo?”, pensou o jovem, começando a cavar o solo ao lado com as próprias mãos.

— Melhor usar isso — disse Ryo, trazendo um pedaço de madeira da carroça destruída.

Improvisando a tábua como uma pá, os dois levaram algum tempo, mas enterraram todos os membros da família de Minoru que encontraram às margens da estrada.

— Se eu aprendi algo em todo esse tempo com o Koji — Ryo deixava a pá de lado — é que nada acontece por acaso. Se algo aconteceu, é porque ele quis. Você deve ter visto coisas piores assim nos arquivos.

— A corte quer retomar Midori e, a partir disso, confrontar os Aka. Meu pai quer manter o trono, conquistando o respeito da corte que perdeu com a guerra e a Vila da Providência. Os Tsuki, o Rito de Passagem, fulgur, só obstáculos no seu caminho. E eu ajudei meu pai a superar cada um deles. Ele não vai parar a menos que eu impeça essa guerra — cerrou os punhos, indo na direção do cavalo que deixou na estrada — antes que ela comece.

— Quando falei que tinha outra impressão sobre você, estava sendo sincero — pegou no ombro do príncipe — Você é honrado e digno do título de Heishi Celestial — se curvou — espero que me perdoe por tudo que fiz um dia.

— Levante-se — disse Suzaki, prosseguindo até o cavalo — precisamos ir. 

— E o que vamos fazer agora? 

— Vamos enfrentar Koji e a corte — admirou o céu, que relampejava mais uma vez  — mas agora vamos fazer do meu jeito.

Do alto da colina, observando a dupla montar no cavalo e partir, um homem encapuzado de alta estatura com uma longa túnica preta, abria um portal que brilhava em verde em suas bordas. Atravessando a fenda, ele chegou numa sala escura, onde alguém esperava por ele. 

— Lorde, o garoto fugiu do palácio — dizia Seth com seus olhos verdes brilhantes voltados ao solo, ajoelhando-se — parece estar seguindo o seu próprio caminho, como o senhor havia previsto. 

O líder, ainda mais alto, com uma capa negra que cobria todo seu corpo, deu um passo em direção a luz, revelando sua cabeça coberta com um capuz de linho negro e o rosto coberto por uma máscara esculpida da mesma cor.

— Quem segue seu próprio caminho vai para lugar nenhum — sua voz grave e rouca ressoou por todo o espaço — Está na hora dele conhecer o caos.


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.



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