Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume II – Arco 6

Capítulo 39: Heishi Celestial Pt.2

Mesmo com a reunião terminada, as palavras de seu pai assombravam sua mente como um ruído ensurdecedor. Suzaki ergueu-se da cama, sentado na sua beirada, de frente para o espelho, onde podia trocar seus curativos. Durante o processo, avistou novamente a sua cicatriz mais antiga, foi então que Masao apareceu no quarto.

— Senhor Suzaki, a festa já vai começar — dizia pela porta entreaberta — O Imperador ordenou que te pusesse nas condições adequadas.

— Eu só preciso terminar isso aqui — dizia, removendo as faixas de seu corpo.

— Nada disso — o mordomo abria a porta — Isso não é trabalho para um príncipe. Venha comigo — o pegou pela orelha.

Ainda que contra a sua vontade, Suzaki teve suas feridas cuidadas por Masao, que depois o levou a outro lugar no castelo para ter seu cabelo cortado, amarrado e roupas novas e limpas, incluindo uma outra jaqueta, com as mesmas cores embora tenha uma gola mais achatada.

Chegando nos fundos do castelo, Suzaki encontrou um jardim enorme, se estendendo até os muros do outro lado do castelo, que dali parecia pequeno em comparação às árvores bem cortadas, em formato de cones. Aos seus pés, fileiras sem fim de flores, rodeando um gramado largo, com cadeiras e mesas distribuídas. Os convidados ficavam debaixo das árvores mais frondosas ou sentados nas mesas. Mais perto dos prédios, havia uma mesa com um banquete servido.

“Você me desapontou”, as palavras de seu pai martelavam em sua cabeça, assim que Suzaki viu seu pai. Ele estava de pé, sorrindo, apertando mãos e recebendo convidados. Quando avistou o filho, chamou ele para perto. 

— Venha, meu filho — ordenou, acenando para os servos que carregavam um quadro retangular coberto por um tecido — Já que completou sua jornada, gostaria que visse isso.

Os criados levaram o quadro a um tripé, onde apoiaram o objeto no suporte. Koji chamava todos para perto, ao passo que Suzaki notava alguns no fundo, conversando ao pé do ouvido um do outros, observando o quadro. Pouco depois, o pano era removido e o quadro revelado. 

As bordas douradas e o acabamento de madeira envernizada eram pouco chamativos ao garoto, comparados ao retrato pintado. Suzaki ficou trêmulo, seu peito apertava outra vez.

— Essa é… 

— Ainda reconhece ela depois de tanto tempo fora — colocou a mão no ombro do filho, antes de gritar, virado para os convidados — Ela é sua mãe, a falecida imperatriz, Yua Sora. Há muito tempo, tinha esse quadro escondido por vergonha. Pensei que nunca teria coragem de vê-lo, mas seu retorno me encheu de coragem. Depois de tudo que passou, não havia presente melhor.

— P-Pensei que havia se livrado disso — disse Suzaki, soluçando.

— Ora, eu nunca me livraria da sua mãe — o agarrou, trazendo para perto com um abraço — Tenho certeza de que ela estaria orgulhosa de você agora, como eu estou.

— E-Eu não… Obrigado — correspondeu, abraçando Koji de volta.

Mais tarde naquele mesmo jardim, Suzaki comia à mesa junto com seu pai e alguns dos representantes da reunião de mais cedo, embora o jovem estivesse dando falta de alguns Tsuki, com somente um integrante na mesa do imperador. Reconhecendo a preocupação do príncipe, esse integrante levantou-se da cadeira e foi até ele.

— Meus parabéns, Heishi Celestial — estendeu a mão um jovem de alta estatura, com cabelo ondulado azul marinho e uma camisa branca — Cheguei numa hora ruim?

— Eu agradeço a preocupação, mas está tudo bem — levantou-se para cumprimentá-lo. 

— Não está me reconhecendo, né? — provocou o sujeito, encarando Suzaki diretamente nos olhos.

Koji, que via tudo aquilo à distância, saiu da cabeceira da mesa, se colocando entre os dois.

— Suzaki — interviu — este é Ryo Tsuki. Seu pai é líder da família.

— Vamos lá, isso não ajuda em nada — Ryo soltou uma gargalhada — Suzaki, nós chegamos a lutar pelo posto de Heishi uma vez. 

— Foi há muito tempo e tanta coisa mudou. Perdoe-me por não tê-lo reconhecido — disse o príncipe.

— É, mas você está igualzinho a antes — deu um leve empurrão no garoto — Sabe, no começo a gente era bem junto nos treinos, mas aí… — olhou para Koji.

— O caminho de vocês se separaram porque decidi que Suzaki precisava de mais comprometimento para realizar seu objetivo — afastou Ryo de seu filho levemente — É por causa disso que estou unindo vocês hoje num novo trabalho.

— Que nem nos velhos tempos, então? — perguntou Ryo. 

— Não tenha tanta certeza. Eu e seu pai decidimos que você será o subordinado mais próximo do meu filho por enquanto. Estarão lado a lado de agora em diante — disse comendo uma uva dada por um servo ao lado — Certifique-se de protegê-lo e acima de tudo, obedecê-lo.

— Ainda podemos ser parceiros, Ryo. Sempre tentarei chegar a um acordo com você antes de agir — sugeriu o príncipe. 

— Claro, claro — Ryo continuou a rir — No começo é sempre assim, não é alteza? Quem diria que depois de tantos anos voltaríamos a brincar juntos? Se não tem mais nada para dizer, Imperador, eu vou desfrutar do resto da mesa.

— É a melhor coisa que pode fazer — disse Koji, o dispensando.

Após a saída de Ryo, Koji puxou Suzaki para perto de si e acenou para os Chisei na mesa.

— Tadashi, meu filho não para de me pedir para rever seus professores. Por que não leva ele?

— Pai, mas eu não…

— Será um prazer, estávamos querendo matar a saudade do garoto mesmo — respondeu o general, levantando para tomar o garoto pelo braço.

Tadashi o levou para duas mesas conjugadas no gramado, longe dos convidados, mas não menos movimentada. Algumas taças estavam abandonadas no chão, junto com restos de comida, na medida em que todos ali se embriagavam e enchiam as suas barrigas com o que apareciam na sua frente. A diferença é que dessa vez, Tadashi aparecia com um convidado.

— Olha só, se não é nosso herói! — estendia seu copo como se propondo um brinde — Que fique registrado, esse moleque é cria minha. Só Ibuki, o flagelo das planícies, seria capaz de formar guerreiros assim.

— É um prazer revê-lo, mestre Ibuki — se sentou o garoto. 

— Mestre? — arrotou — Eu que devia te chamar assim agora — outro deles arrastou um copo para ele — Anda aproveita.

— Eu não bebo, senhor. 

— Ainda não, mas é bom começar. Tá na hora de crescer garoto — riu — Vai me agradecer depois por isso. 

— O imperador não ficará satisfeito com isso, Manato — disse Tadashi tomando a taça para si — Não é por que você não se controla, que ele deve seguir os seus passos. O sujeito fez mais em dois anos do que você numa vida. Vai lá, conta para gente — puxou uma cadeira para ele e o garoto se sentarem.

— Para falar a verdade, eu não fiz muita coisa nesses dois anos. 

— Se ninguém quer perguntar eu pergunto. Quantos teve que matar? — perguntou Manato virando mais uma dose. 

— Eu aposto que deve ter matado umas dezenas — outro dizia. 

— Chegou a lutar com os vermelhos, garoto? — perguntou Tadashi, tomando outro gole. 

— Não, eu calculei bem os riscos. Encontrei problemas somente no começo, com os verdes e amarelos — disse Suzaki, arrastando a cadeira para mais longe da mesa. 

— Os verdes são amadores — explicou Ibuki — E os amarelos muito certinhos com aqueles cavaleiros pessoais, conta outra. Que utilidade aquilo tem contra um exército? É só pose. Por isso, eles merecem mais é que se ferrar — bateu a taça na mesa.

— Depois quando tudo dá errado, jogam a culpa na gente — disse outro servindo os demais. 

— Acho bom que não tenha se complicado nos vermelhos — Tadashi tomava a palavra — Aqueles merdas são coisa séria. Até para você. 

— Será que Suzaki venceria aquele espadachim da guerra? — perguntou um deles, todos levaram a mão ao queixo — O maluco usava uma das espadas nas sandálias, nunca vi nada parecido.

— Não é porque te mandaram para roça do reino Aka que a gente vai acreditar em tudo que você diz — estapearam o sujeito na cabeça — Assim o moleque não vai levar a gente a sério mesmo.

— Mas aí, se tu fosse pego, garoto, teria que se ver com aquele Ryoma. Tu se lembra dele, Tadashi? O cara era imparável — os outros riam.

— Cala a boca! Não fui o único a perder pra ele, ele matou vários dos nossos.

— Por que tantas mortes? — questionava Suzaki. 

— Tá brincando? Aquilo foi a "Guerra do Sangue". Você deve ter visto, até os mais novos deles eram páreo duro. Esse Ryoma na época era novinho também. Tinha outro também, um falastrão com poder vulcânico — disse Manato batendo na mesa em rancor — Ainda não passou minha vontade de matar essa gente arrogante.

— Não é isso. Por que tem que ser assim entre Aka e Ao? Onde surgiu isso?

As risadas continuaram na mesa, ignorando completamente a pergunta de Suzaki, exceto por Tadashi, que esvaziou o conteúdo de uma das taças e encheu com outro líquido, que tirou de um cantil amarrado em sua cintura. Depois colocou água que encontrou jogada na mesa.

— Tente misturar.

Nas tentativas, o príncipe logo recuou seu dedo percebendo do que se tratava. 

— É água e óleo, mesmo que eu tentasse… 

— Exato, nunca vai se misturar. É assim entre nós e os vermelhos. Nós realmente precisamos saber o motivo de água e óleo não se misturarem? 

Por um tempo, Suzaki ficou observando o interior daquela taça de prata, quando decidiu se despedir do grupo.

No caminho de volta para a mesa de seu pai, ele reparou nos servos levando parte do lixo em barris para os fundos da cozinha, na ala leste do jardim. Depois os empilharam, os servos foram embora, deixando espaço para um indivíduo encapuzado se esgueirar nas sombras perto do lixo. Ele abria os barris, penetrando fundo seu braço para encontrar alguma coisa, sem sucesso. 

Suzaki correu para a mesa mais próxima, pegando o que havia de sobra e colocando no primeiro prato limpo que vira e foi na direção daquele sujeito. Quando ele notou a presença do príncipe, fechou o barril.

— Não era para estar aqui — protestou Satoru — Vai chamar a atenção dos cozinheiros. Você só sabe me atrapalhar?

— Meu irmão não devia ser tratado assim — estendeu o prato— Prometo que as coisas serão diferentes a partir de hoje. 

— Se quisesse que as coisas fossem diferentes — se aproximou fazendo Suzaki recuar seu braço estendido — Não teria voltado! 

— Eu voltei pela família. Sendo Heishi Celestial posso fazer a diferença. Pelo nosso pai, podemos superar nossos erros.

Satoru levantou o braço, acertando o prato de Suzaki, que virou contra suas roupas. 

— Não preciso da sua comida, nem da sua pena, nem de ninguém. Quer me ajudar a superar isso aqui? — apontou para seu braço ausente — Então morre!

O grito de Satoru despertava os servos e cozinheiros próximos que foram até lá para investigar.

— Viu o que você fez? Obrigado por ferrar a minha janta — disse o irmão mais velho, começando a correr.

— A dica do urso era falsa né? — perguntou Suzaki.

Satoru virou a cabeça durante a corrida para responder, com uma risada de deboche estampada na face. 

— Você é tão idiota que só percebeu agora?

Deixado por seu irmão, Suzaki viu um par de servos passando com pressa, na direção de Satoru. 

— Como se já não bastasse aquele outro — um deles comentou.

— Deixa que os Heishis tiram o lixo fora.

Ao ouvir aquilo, Suzaki foi até a entrada do jardim, onde um homem era barrado por um par de Heishis. Ele estava vestido uma camisa branca, embora manchada, com suspensórios pretos numa calça da mesma cor. O que mais chamou atenção do garoto, no entanto, foram suas luvas de couro, grossas e sujas, que tentavam empurrar os guardas para o lado.

— Imperador! Senhor Koji! Lembra de mim? — gritava, estendendo a mão para ser visto.

Koji chegou na entrada pisoteando o chão e bufando pelas narinas.

— Levem esse homem para fora! — ordena Koji, expandindo o peito — Quantas vezes tenho que dizer: não o quero em minha casa.

— As minas de fulgur, você me prometeu uma reunião para discutirmos isso hoje. Podemos remarcar, mas não cancele, eu vim de muito longe! — dizia, sendo agarrado nos braços pelos Heishis — A temporada de tempestades já está chegando, minha cidade precisa disso!

— Ah prometi? Então guarde essa promessa: a próxima vez que aparecer sem aviso vai morrer!

Prontamente, Suzaki tomava a frente de seu pai.

— Pode deixar que eu resolvo isso, pai — disse Suzaki — Eu levo ele até a saída.

— Faça qualquer coisa, só leve-o para fora! — ordenou Koji.

Os Heishis seguravam Minori com força até Suzaki pedir a eles que o soltasse. O sujeito passou a mão nas mangas, retirando os amassados da roupa, mas logo terminou agarrado dessa vez por Suzaki.

— Ei, sabe quanto custa uma roupa dessa? — protestou — Você é o príncipe que voltou? Eu sei que deve ser importante para você, mas essa sua chegada atrapalhou minhas negociações com seu pai. Não pode dar um jeito?

— Não sei do que está falando — respondeu, sem nem ao menos olhar para o intruso, enquanto entrava com ele para dentro do castelo.

— Não se faça desentendido. Você ouviu tudo. Deveríamos discutir sobre as minas ao norte do território, estava marcado para hoje, eu tenho papel — disse, exibindo um documento do bolso da calça.

— Isso não te dá direito de invadir a casa do meu pai — tomou o papel com a mão que estava livre —  Por que não espera a sua vez como todo mundo?

— Porque eu tenho enviado cartas para cá há meses. Eu não deixaria uma coisa tão importante para última hora. As tempestades chegam nas montanhas em poucos dias.

— E como uma mina pode ajudar? O que tem nela — continuava o arrastando até a saída, descendo pela escada do salão principal.

— Algo me diz que você tem a resposta para essa pergunta — dizia Minoru reparando na arma — O processo remove a luminosidade, mas a textura é a mesma. Sua arma é feita da mesma coisa que tem lá, o fulgur. Um minério que consegue transformar o aço em uma liga que se mescla com o iro de quem empunha a arma.

— Isso ainda não responde nada — abriu a porta para a saída, levando a ponte de madeira.

— Claro que responde. Durante a temporada de tempestades, temos que ficar presos nas cavernas por meses. É escuro, úmido, perigosos. Fulgur é um minério com luz natural, pode iluminar ruas, casas, além do metal, cujo potencial ainda desconhecemos. As possibilidades são infinitas.

Suzaki faz um gesto para os arqueiros, que desceram o portão que levava de volta a cidade. Quando estava prestes a soltar Minoru, o homem segurou o jovem com as duas mãos.

— Tudo bem eu não volto mais aqui. Nunca! Mas por que não vem você nos visitar então? Assim pode ver todo trabalho dos mineradores lá no norte e poderá acreditar em mim.

— Esse assunto diz respeito ao imperador, não a mim — disse, se soltando de Minoru, que caía no chão.

— Você não é o Heishi Celestial? Eu vi a cerimônia. Se quer seguir os passos de seu pai, pode começar tomando uma iniciativa — ajoelhou-se perante o rapaz — Por favor, tudo que peço é uma chance. As pessoas das cavernas não tiveram nem isso.

— Eu não prometo nada, mas — suspirou fundo — vou tentar. 

— É assim que se fala garoto — levantou-se pegando na mãos de Suzaki para cumprimentá-lo — Não se engane, fica nas cavernas ao norte. A mina é muito chamativa, não tem erro — disse enquanto descia a rampa para a cidade, acenando. 

Quando o homem voltou para a cidade e a rampa subiu, Suzaki voltou seu olhar para o palácio, voltando para a festa pensando:

“Se meu pai está ocupado com muita coisa, vou dividir o fardo do Império com ele. Quem sabe essa questão seja o que preciso para fazê-lo confiar em mim.”

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.



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