Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume II – Arco 4

Capítulo 29: Senshi

Um alce cruzava a floresta pálida em busca de folhas naqueles galhos secos pelo inverno, enquanto três mirins o vigiavam rodeando a neve no solo.

— É ele — apontou Yanaho — sabia que estávamos na direção certa.

— Eu mal consigo sentir a energia Aka nesse frio — tremia Katsuo — muito menos o pouco de sangue que os professores marcam nos animais. 

— Kazuya, quando eu der o tiro, você vai até ele para contê-lo, tudo bem? — perguntou Yanaho, erguendo a cabeça para olhar o parceiro nos olhos.

Assim que Yanaho preparava o disparo, um segundo trio invadiu seu campo de visão. Naquele grupo, o camponês reconheceu Masori.

“Esse grupo é do…”, pensou, declinando sua flecha.

— O que está fazendo? — perguntou Katsuo.

— Outro trio está competindo com a gente — guardou o arco nas costas — Quer saber, eu sinto o segundo animal por perto, melhor tentarmos esse.

— Yanaho, mas esse está na nossa mão. É só atirar!

— E depois vamos lutar nessas condições? Podemos apenas se preocupar com o animal. 

— Por que é sempre o Yukirama? — resmungou Katsuo percebendo o outro mirim se aproximando do animal.

— Só acredite em mim. Não é por ele, afinal, o grupo dele é um dos melhores, senão o melhor.

Apesar da discordância, o trio seguiu mais para leste. O garoto sentia a presença do animal, mas não via nada que se destacasse na neve. Foi quando começou a subir numa árvore.

— Alguém se aproxima, fiquem atentos.

— Espera, você tirou a gente de uma luta para outra? — disse Katsuo, puxando sua espada.

— Eles estão longe — chegou num galho com um bom ângulo para o terreno — Vai dar tempo de fazer tudo.

No topo daquela árvore, Yanaho podia ver com clareza uma raposa de pelos vermelhos e patas negras vagando pela neve. 

Ao disparar, a flecha perdeu o animal, retirando fios de sua cauda. Assustada, o animal começou a correr para longe, quando o galho que sustentava o aprendiz de Onochi rompeu. Yanaho caiu contra a neve fria.

— Yanaho! — ouviu os gritos de Katsuo — Eles chegaram!

“A raposa fugiu, por que estariam atrás da gente agora?” pensou Yanaho.

Com a visão turva, sentiu os dedos do agressor apertarem sua cabeça, levantando-o do chão. Os zumbidos penetravam no seu bom senso pelos ouvidos enquanto era arremessado contra o tronco da árvore que subira.

— Você está bem? Não quero pegar pesado antes do teste — perguntou o adversário que a visão de Yanaho ainda não distinguia.

— Eu… — limpou a neve dos olhos — Não preciso que pegue leve comigo… Usagi.

— Vamos — jogou a espada de madeira ao garoto — quero ver se não precisa mesmo — terminou rindo em postura.

Ao desembainhar sua espada, Yanaho procurou acertar a cabeça do adversário por primeiro. Com a guarda levantada, Usagi permitiu que o camponês acertasse um chute no estômago, que para sua surpresa não fez o mais experiente dos mirins mover um centímetro sequer para trás. 

— Nada mal, mas — disse Usagi, pegando no pé de Yanaho — o que adianta conseguir abertura se não canaliza sua energia no golpe? 

Girou o corpo de Yanaho o arremessando para o meio da neve sendo nocauteado. 

— Vamos Effei! Aiko está próxima da caça. Precisa de nós. 

— Tá certo! — correspondeu seguindo os passos do mirim de grande estatura. 

Depois do embate, Yanaho era encontrado por seus parceiros.

— Você está bem? — ajudava a se erguer. 

— A raposa se perdeu, ainda podemos achar ela — balbuciava.

— Tá brincando? Eles acabaram com a gente. O Kazuya nem lutou com o Effei depois que você foi arremessado!

— Droga! — levou as mãos a cabeça — Que dor, nem consigo sentir os animais.

— Isso é porque foram todos caçados! Nós perdemos, Yanaho não entendeu?! — exclamou Katsuo, jogando a espada de madeira no colo do garoto, dando as costas, vagando sozinho. 

Por sua vez, Kazuya acompanhou o filho de Yoroho permanecendo calado por todo o exercício. Os dois retornaram ao acampamento nos arredores da reserva florestal.

— Que demora foi essa? — acenou Arata — Anda, quem perde faz o sacrifício. Vocês tem que arrumar o altar, tá ligado. O Katsuo já tá fazendo o trabalho por vocês.

Nenhuma palavra foi dita entre o trio durante a montagem do altar. Juntaram alguns gravetos para o fogo, posicionaram uma tábua de mármore sobre a fogueira, quando Yanaho viu o trio de Yukirama chegando com o alce. 

— Aqui, é todo de vocês. Sabem acender um fogo pelo menos, né? — provocou Yukirama.

— Já fez a sua parte — Usagi entrou no meio dos dois grupos — Deixa os meninos fazerem a deles.

— Cuidado como fala, Usagi. Sua escolha para o primeiro exame não é tão capaz como você.

— Não devia subestimar seus colegas. Aiko foi quem capturou a raposa para nós. Eu e Effei fomos apenas a distração. 

— É, mas eu não sou o Yanaho — se despediu, sendo acompanhado pela sua equipe.

Katsuo cerrou os punhos, já os outros dois membros do trio levantaram o animal para colocar no mármore. Em conjunto, Yanaho e Kazuya repousaram o cadáver e acenderam o fogo.

— Por que tentamos lutar com o Usagi? — questionou Katsuo.

— Eu não sabia — explicou Yanaho.

— Sabia sim. Escolheu evitar o Yukirama e fugiu como você está fazendo a semana toda!

— Katsuo não estamos prontos.

— Quando chegar a prova vai fugir da maleta que encontrarmos também? Se for o caso, eu teria mais chances se outra dupla me escolhesse. 

— Nós teríamos mais chances sem você contra Usagi e Effei — interviu Kazuya, abrindo a boca pela primeira vez.

— Como é que é? — apontou Katsuo — Não foi você que fugiu da luta?

— Você não é ajuda. É evidente que Yanaho só te escolheu por serem amigos. Não é atoa que ele só está preocupado com as circunstâncias e não com o que precisa ser feito. A realidade é essa, você não é bom, Katsuo. 

As palavras do mirim de grande estatura tornava o clima pesado dentro do grupo.

— Já chega. Eu não aguento mais isso — virou as costas, Katsuo.

— Espera Katsuo! — chamou Yanaho, sendo ignorado. 

— Ele está defasado. Podia ter escolhido um terceiro membro mais capaz — disse Kazuya mantendo a mesma expressão de sempre.

— E você podia medir suas palavras, quando abrir essa boca. 

— É apenas a verdade. 

Por trás da dupla, o fogo crescia tomando proporções maiores, quando um dos mirins que realizava o sacrifício entrava no meio dos dois com a aura ativada. 

— Saiam da frente. Não estão vendo que o fogo está subindo? É esse sacrifício que fazem a Kagutsuchi? Deixem suas brigas para depois! O Deus do fogo olha por nós e nos premia com a vitória se nossos sacrifícios agradarem a ele — disse Yachi com as mãos próximas a brasa.

— Mas se está aqui, é porque perdeu. 

— Já disse para medir as palavras, Kazuya! — repreendeu, afastando o mirim de Yachi. 

— Deixa ele. Perdi exatamente para poder cuidar do sacrifício pessoalmente. Para muitos isso é só uma formalidade, mas não para mim. Nakama está coletando as cinzas que restaram do nosso sacrifício. Estamos plantando para colher na prova final. 

— Seu irmão é esforçado, Yachi. Uma hora vocês serão Senshi’s como seu pai foi. 

— Para sorte dele, espero que não — abaixou os braços — Pronto, as chamas voltaram ao normal. Vigiem e coletem as cinzas.

Mais tarde naquele dia, os mirins fizeram sua viagem de retorno à capital. Yanaho encontrava seu quarto com a porta trancada e, sem intenção de incomodar seu amigo, foi aos alvos públicos do internato. Lá, o jovem pegou o primeiro arco que viu e começou a praticar.

Apesar das tentativas, ainda não acertava o alvo como gostaria, mas o único remédio para o garoto era insistir nos tiros.

De repente, uma mão pega no seu ombro, assustando o garoto que erra o alvo completamente. 

— Precisava me atrapalhar assim? — virou o rosto, reconhecendo Masori. 

— É que eu estava te procurando.

— Quanto tempo até o Yukirama aparecer?

— Yukirama está treinando. Posso vê-lo daqui. Você não? — perguntou Masori, esticando o pescoço para ver o terreno mais a frente.

— Só  mespero que ele não me veja — deixou o arco na mesa.

— Nisso vocês têm em comum pelo visto. Yukirama treina, mas não aprende nada novo há meses — pegou o arco da mesa — Já virou uma birra dele.

— Mas eu ainda tenho algo a aprender.

— E ele também, mas acha que consegue tudo sozinho. 

— Por que me ajudaria? Está na equipe dele.

— Yukirama não é quem você pensa que é — deslizou a mão pelo fio do arco.

— E acha que eu vejo ele como um valentão, bruto e egoísta? Nada disso! Eu penso que ele está certo. Seu pai, Yuri foi um herói e eu — Yanaho bateu na mesa — sou só uma piada de mau gosto com a memória dele.

Chegando junto dos dois, Emi pegou uma das tiras de pano da mesa.

— Não esquece disso aqui. Senão ninguém sabe que foi você que atirou — entregou ao mirim.

— Falei para esperar no quarto — advertiu Masori.

— Eu não aguento mais esperar. Já chega ter sobrado na lista. Que vergonha! Como o Jin é selecionado e não eu?

— A escolha por mérito às vezes é fachada. Tem muitos mirins aprovados por serem filhos de um Senshi importante. Por isso a Umi ficou junto dele.

— Mas a Umi faz por merecer, Jin não. Quando vi aquela lista, quase dei na cara do Arata — Emi segurou o pano com mais força — Mas depois da última vez, não queria ficar sem comida. A expedição do dia anterior quase me matou de fome.

— Foi por isso que escolhemos você — disse Masori, pegando o pano das mãos de Emi — Escreve o seu nome na etiqueta antes de atirar, Yanaho.

Pegando o pincel com tinta da mesa, o camponês colocava seu nome e amarrava na ponta da seta.

— Katsuo gostava de desenhar nas etiquetas. Ele decora tudo que pode, até as pedras dos estilingues.

— Uma coisa de cada vez, pega no arco de novo — interrompeu Masori, entregando o objeto.

Yanaho se posicionou de frente ao alvo central. Masori estava logo atrás dele.

— Depois do Confilto da Providência, Yukirama e a mãe não foram mais os mesmos. Eles tinham o dinheiro e o suporte dos Senshi’s, claro, mas Yuri prometeu que voltaria e não voltou — ajustou o cotovelo do rapaz. 

Disparando a flecha, o garoto acertou no círculo externo ao central. 

— Eu sei o que houve entre eles — pegou outra flecha — Eu consigo imaginar como deve ser humilhante, ter alguém fingindo que sabe mais sobre o pai dele do que ele mesmo. Nunca devia ter falado para ele porque quis ser Senshi.

— Você entendeu tudo errado. Olha, você está fazendo a mesma postura de novo — deu um tapa no cotovelo de Yanaho — Respira fundo e dispara.

Dessa vez, a flecha foi bem no centro do alvo.

— Agora sim! — gritou Emi.

— Yukirama não odeia você porque te acha um desrespeito com o pai, e sim porque você fica tentando honrar o que aconteceu. 

— Mas Yuri foi um herói! 

— Os Senshi’s me falaram que a ordem de parar o conflito já havia sido dada, mas o pelotão do Yuri estava muito afastado. Para Yukirama, tudo podia ter sido evitado.

— Mas ele salvou uma criança! O que ele devia ter feito?

— Ele já se convenceu de que os Kiiro só queriam um refém. Ela poderia ter sido liberada cedo ou tarde.

— E se não fosse?

— Yukirama ainda teria um pai! E é assim que ele vê e se sente. 

Um silêncio tomou conta do pátio por alguns segundos.

— Eu já falei tudo isso para ele em algum momento. Yukirama quer ser um Senshi para ter força e proteger a si mesmo em vez dos outros. O máximo que eu posso fazer é não deixá-lo escapar da minha vista — completou apontando para o garoto treinando distante. 

— E então, por que estava me procurando? 

— Eu queria te pedir para perdoar ele. Ele só está machucado e por isso machuca os outros.

— Sendo sincero, com os acontecimentos recentes, acho que eu que devia me desculpar. 

— Então se é assim, acho que vocês dois deviam dar uma chance um ao outro — finalizou Masori, partindo junto a companheira. 

O dia já dava lugar à noite no céu quando Yanaho retornava aos dormitórios. Do lado de fora, ele se sentou em um banco de frente ao prédio.

“O que eu digo ao Katsuo, mãe?”, ponderava com os olhos na janela de seu quarto.

Vagarosamente, um homem sentou-se ao seu lado.

— O toque de recolher é em algumas horas — disse Tomio — Tem certeza que o quarto é mais assustador que o esporro do Arata?

— Eu só tô em dúvida. 

— São regras que devem ser cumpridas.

— Não com isso. Com o serviço militar. Mirim, Senshi, tudo. Eu entrei aqui porque queria fazer minha vida valer a pena, mas agora não sei mais se aqui é o lugar certo.

— Você é o primeiro que me diz isso.

— Mas muitos desistiram.

— Exceto que ninguém quer virar Senshi porque valoriza a própria vida. Aqui de todos os lugares, é onde a sua vida é mais descartável. Somos máquinas de guerra.

— Pensei que pudesse fazer as mortes valerem através da minha vida.

— Yanaho, morrer em batalha é um orgulho para um Senshi. Não treinamos para nos exibir em desfiles militares e sim para salvar vidas.

— Tirando outras até a nossa própria? Onde está a justiça nisso?

— Erguemos espadas, garoto, afiamos elas para proteção. Matar ou morrer é apenas consequência do que acreditamos. Você disse que escolheu servir porque queria dar valor à vida, mas algo que tem mais valor ainda, é dar a sua vida pelos outros. 

— E como você fica já que sobreviveu às suas batalhas?

— Com a minha idade, ir à guerra só iria atrapalhar, mas pretendo morrer em serviço. De um jeito ou de outro, ensinar é uma batalha também. 

— É isso, então — apertou os joelhos com força — realmente conheci um Senshi de verdade.

Yanaho se lembrava do falecido cobrador de sua área, enquanto seu professor reparava na aflição do jovem. 

— Esse Senshi não foi o primeiro nem será o último a morrer. Temos que estar prontos para isso, e então chegar ao fim tendo certeza que valeu a pena — se levantou estendendo a mão. 

— Obrigado, professor Tomio — acompanhou o superior.

Seguindo o toque de recolher, o mirim adentrou o quarto onde seu companheiro já se encontrava descansando. Se deitando e encarando o této de madeira, refletia estendendo seu braço: 

"Amanhã, é vencer ou vencer!" 

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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