Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 24: Última Vez

No dia do resgate de Hoshizora, Suzaki cavalgava de volta à Floresta Negra acompanhado por Mitensai, quando escutou barulhos na floresta. Eram vozes, o tilintar das armaduras e o estalar de rédeas em cavalos. Mas havia uma voz, que Suzaki reconhecia muito bem.

— Perigo — desceu do cavalo — Volte para casa, Mitensai.

— Você não vem? — assumiu as rédeas — Como vai voltar para…

— Vai! Agora — despachou — Eu vou voltar.

— Irei esperar por isso então — disse Mitensai partindo, abandonando o príncipe com a companhia que estava à frente.

Na escuridão da floresta, Suzaki ativa sua aura para iluminar o redor, chamando a atenção de todos na sua frente. A princípio, os homens se armam, mas rapidamente o reconhecem. 

— Por que demorou tanto? Daisuke, vem ver isso aqui — perguntou um Heishi do território nativo.

— Daisuke está aqui? — perguntou Suzaki — Não deviam avançar até eu dar o sinal.

Passando pelos Heishis, Daisuke vinha ao encontro do filho de seu superior.

— O problema, alteza, é que ouvimos lutas, fugas e nenhum sinal seu. Por um acaso você esqueceu do plano? — olhou o jovem da cabeça aos pés — Não me diga que o obediente filho mais novo do imperador ficou arrogante.

— Nunca. Houve complicações — deu um passo para trás — Durante a incursão, um grupo de Senshi’s me interceptou da princesa antes que pudesse chamá-los. 

Senshi’s? — levou a mão ao lábio, pensativo — Osíris não ficará nada feliz com nossa falta de cooperação. Seu pai então, depois de tanto tempo planejando nossa vingança, vamos ter que esperar ainda mais…

— Esse pequeno conflito se encerra, mas meu rito de passagem continua. Vocês teriam um cavalo para me emprestar?

— Tenho, claro — gesticulou para um Heishi trazer um animal — Uma última coisa, a corneta. Se não usou, devolva ela.

— Certo — deu de ombros, colocando a mão em sua bolsa — Estranho — vasculhava — acho que há perdi em meio a batalha, os senshi's chegaram a me resvistar também.

Daisuke semicerrou seus olhos e inclinou o rosto para perto de Suzaki.

— Tudo bem — recuou rindo — Está dispensado.

Sem protestar, Suzaki tomou o cavalo que havia sido dado a ele e prosseguiu viagem na direção oposta. O conselheiro do imperador então foi abordado por um dos Heishi’s.

— Senhor, por que não mostrou para ele?

— Como você poderia entender? — tirou do bolso a corneta, suja de terra e com a tira de couro partida — Esperar a hora certa é essencial. 

Dias depois, por dentro do território Shiro, por debaixo da cidadela restrita, corria um rio que se encontrava com uma terra rodeada de cercas. Um campo vasto, ocupado por algumas cabeças de gado com uma casa no centro.

Aquela madrugada gélida já trazia consigo a primeira luz da manhã. Pegando uma capa branca, o dono do terreno cruzou a porta e foi ao encontro de seus animais. Quando erguia a cabeça, reconheceu um garoto apoiado na cerca, pela espada de duas pontas e as vestes azuis.

— Desde quando você sabe? — perguntou Onochi.

— Queijo, leite, outras carnes são caras — comentou Suzaki, virando a cabeça na direção do galinheiro — via que você chegava na Cidadela sempre pelo rio, e decidi seguir a correnteza horas antes da viagem para Kiiro. Para você ter tanta abundância, imaginei que criasse animais. Agora, o tamanho excedeu as minhas expectativas.

— Isso aqui já foi pequeno um dia. Eu viajo muito e acabo conhecendo muita gente. Conheci animais, comidas, práticas, e tentava replicar aqui. A cada retorno de viagem, essa cerca crescia mais, novos animais, coisas assim. Já que não posso encontrar um lugar de paz nos arredores do mundo, optei por construir o meu próprio.

Atrás da casa, um cavalo relinchava, captando a atenção de Suzaki.

— Deve ter se agitado — disse Onochi — Melhor dar uma volta com ele.

— O meu está por perto. Vamos juntos.

Os dois cavalgavam juntos pela planície aberta dos Shiro, ao tempo que o nativo apresentava a área. Um campo de matas rasas, pinceladas por uma camada fina de neve. 

— Fiquei feliz de descobrir esse seu talento com cavalos — disse Onochi — Aprendeu em casa?

— Como quase tudo na minha vida — respondeu o jovem — No tempo certo, vou retribuir ensinando o que vi nessas terras.

— Mal começou a jornada e já tem grandes planos. E eu pensando que fossemos continuar o treinamento.

— Serão longos anos, que pretendo visitá-lo quando puder, mas minha missão não pode se limitar às terras Shiro.

— Apenas quero nivelar suas expectativas. Não está pronto com a energia Shiro ainda. Agora, eu me pergunto que missão é essa.

— Sou um príncipe Onochi. Quando saí para minhas viagens, o fiz para me desenvolver e quando retornasse ao meu povo, os liderasse na hora certa. O problema é que sinto que meus superiores estão desatualizados.

— Você é jovem, suas ideias vão mudar. A questão é se seus superiores, quem quer que sejam, vão aceitar essa nova perspectiva.

A manhã surge com o Sol cruzando o horizonte.

— Eles não conhecem esse mundo como eu. Estão com medo, por isso querem controlá-lo. Vou mostrar para meu pai que os diferentes podem discutir numa mesa sem os horrores da última batalha.

— Isso seria uma revolução e tanto. Mas terminar uma é mais difícil que começar — expressou um olhar preocupado.

— Farei o que for preciso! — fechou os olhos por um instante, recebendo o calor do dia — Eu preciso ir. Mande recordações para Yanaho.

— Boas viagens e lembre-se que é bem-vindo aqui sempre — acenou se despedindo de seu aprendiz.

Após se despedir, Onochi deu meia volta. Retornando seu cavalo à cerca, um vento forte soprou sobre o terreno, agitando os animais. A sensação já era familiar ao dono da fazenda, que entrava na casa.

— Precisa mesmo sempre chegar assim, irmão?

Ele encontrou sentado um homem de estatura alta, cabelo liso e branco na altura dos ombros, com uma extensa capa branca, que caía até o chão. 

— Precisava esticar as pernas, fazia um tempo que não voltava a correr como antes. Perdi alguma coisa? — colocava sua mão na testa ajeitando sua franja.

— Você sabe o que perdeu. Não pode ser uma coincidência você chegar logo depois dele partir — sentou-se ao seu lado — Podia ter conhecido ele, Imichi.

— Meu tempo com os garotos terá que esperar. A Ordem irá conduzir tudo para esses momentos. Afinal, nada é por acaso — disse Imichi se levantando, olhando o amanhecer.

Por sua vez, o garoto continuava sua viagem. Desde sua conversa com o Shiro, o príncipe prosseguiu suas viagens para uma região não-mapeada, em território Kuro.

Assim que Suzaki atingiu a beirada de um planalto estava diante de uma extensa depressão, com matas secas cortadas por um rio raso. A correnteza se ramificava em algumas áreas dentro dos paredões de terra que cercam a região.

Aproveitou para gravar o cenário em seu mapa, antes de descer e seguir o rio. Não muito longe, podia ver uma montanha, oriunda de sua terra natal, que parecia ser o caminho de um dos afluentes daquele rio. Em seu pé, encontrou um pequeno lago, onde na beirada encontrou uma trilha de terra que espalhava folhas manchadas de sangue pelos lados. 

Seus passos, que até então era o único som ouvido naquele lugar, se juntavam a gemidos de dor atrás de um arbusto. Revirou a folhagem para encontrar um homem grisalho com roupas pretas abotoadas, com um buraco de espada, jorrando sangue de seu peito. 

— Respira com calma— agachou para vê-lo de perto — Eu vou te ajudar.

— Quem você pensa que sou? — olhou para ele com dificuldade — Um inútil?

Ignorando o orgulho daquele homem, ele tirou curativos de uma bolsa na sela de seu cavalo e atendeu aos seus ferimentos. Em poucos minutos havia montado uma fogueira ao lado do ferido, mas assim que a fumaça atingiu o céu daquela tarde, alguém saltou de um arbusto. 

A figura chutou terra em cima do fogo, e partiu para atacar Suzaki, que a conteve pelos pulsos, mas percebeu um estalo, eram braços frágeis. Empurrando-a contra uma árvore, pôde olhar seu rosto mais de perto. Era uma mulher jovem como ele, embora seu rosto estivesse flácido, repleto de olheiras.

— Eu não quero machucá-la — perguntou — Por que me atacou?

— Sai daqui — ela disse, ativando sua aura.

“Vermelho?!”, se espantou com a aura da garota.

Segurou ela para ativar sua aura e sobrepor sua força. O brilho azul assustou a garota, que lutava mais ferozmente. A proximidade dos dois gerou um brilho timidamente roxo aos olhos do homem ferido.

— Nem ele nem eu estamos aqui para te machucar. Por favor, pare de resistir.

— Se esse é o caso, precisamos sair daqui! — apontou para uma fumaça ao lado — Estão vindo.

Um grito humano vindo de perto sinalizou a Suzaki o que estava por vir.

— Com aquelas feridas você não pode ter ido longe. Ninguém sai de Kuro e fica impune! Eu vou te pegar! — gritou o homem de dentro da floresta.

— E-Eu estou aqui! Eu quero ver você… tentar — respondeu o ferido, rastejando até a origem do grito.

Restava a Suzaki soltar sua adversária. Ele tomou o senhor ferido nos braços e o colocou no cavalo.

— Venha — estendeu a mão para a garota — Só preciso que pressione o curativo dele.

Ela encarou a mão de Suzaki por um tempo, mas a pressa fez o garoto tomar a iniciativa, puxando-a para cima. 

— Eu tenho um lugar onde podemos ficar — disse a garota — É subindo a montanha.

O trio atravessou uma ponte movediça estreita antes de atingir seu destino numa formação dentro da montanha, coberta por rochas enormes. Suzaki descia com pressa para carregar o ferido nos braços.

— Onde eu posso colocá-lo? — disse o príncipe, andando de um lado para o outro.

— Pode ser em cima dessa pedra coberta — apontou a garota, mas não ajudou a carregá-lo.

— Sei que acha nada disso da sua conta, mas prometo te compensar de alguma forma.

Após a breve conversa, o paciente lutava para se reerguer, a fim de protestar contra seus benfeitores:

— Isso era entre mim e ele… — tossiu — Por anos, lutei pela glória dos Kuro que aqueles… Aqueles covardes tentam esconder tanto do nosso povo. Os isolacionistas preferem nos ver presos como animais!

— Então ele não está sozinho? E você também trouxe mais alguém?

— Não… Já falei… Só… Nós dois.

O candidato a Heishi Celestial levantou-se, puxando a espada das costas para montar em seu cavalo, com a garota que o trouxe até ali junto dele. Ao atingirem a ponte, alguém os esperava do outro lado. Eles desceram da montaria para conversar.

— Eu vi vocês crianças — disse o perseguidor. 

Quando reparou nos jovens, ele começou a balançar a cabeça negativamente

— Por que é que estão se metendo nisso? Vocês não são nem da nossa raça — disse o Kuro, dando um passo à frente.

— Você não quer isso — avisou Suzaki — Aquele homem já está morrendo, sua missão já está cumprida.

— Qualquer aliado desses terroristas merece o mesmo destino que ele — puxava a espada da cintura.

Os inimigos se encontraram no centro da ponte, empurrando suas espadas um contra o outro. Contudo, Suzaki travou olhares com o Kuro e seus olhos escuros envolveram a vista de Suzaki com penumbra.

“Os olhos dele… Eu não enxergo nada”, deu um passo para trás.

No desespero da cegueira, o garoto girou sua arma em um golpe largo que atingiu tudo na sua frente. O Kuro se afastou, uma vez que teve seu braço ferido. De repente a garota ao lado juntou as mãos, dando passos para trás. Sua aura vermelha empalideceu, liberando um vendaval que rompeu as cordas da ponte, jogando os dois no abismo.

A visão de Suzaki, retornava ao tempo que ouvia os gritos dos Kuro. Seus reflexos o fizeram segurar nas tábuas com sua espada. Olhando para baixo, percebeu a situação complicada.

“Por que minha visão ficou toda escura? Assim não dá! Sobe, Suzaki, é só não…”, pensou, sendo interrompido por uma mão estendida logo acima. 

— Vamos — a parceira já no topo ajudava Suzaki.

O perseguidor se agarrava assim como Suzaki, mas sofrendo com a ferida no braço, trocou a mão trêmula pela espada para agarrar-se às rochas. Vendo aquilo, Suzaki ofereceu ajuda às custas da sua visão.

— Venha, está quase lá — estendeu o braço.

Quando estava prestes a alcançar o príncipe, a lâmina que usava para subir deslizou na superfície. Sem equilíbrio, o Kuro caiu para sua morte. Suzaki voltava a enxergar após escutar os gritos de morte de seu rival ecoando durante a queda. Ficou ali por alguns segundos, parado, sem reação, quando foi puxado de volta.

— Por que está aí ainda? — advertiu a garota.

— Mas ele… Aquele ferimento no braço dele, fui eu que…

— Se não fizéssemos nada, iriam nos sequestrar — balançou ele pelos ombros — Temos que ir.

— Como a ponte caiu? Eu estava cego, não entendi nada.

— Nada — desconversou, acariciando seu longo cabelo preto — deve ter sido o peso. Essa ponte já estava condenada.

— Ele morreu por uma falha minha — engoliu seco, subindo no cavalo — Não posso mais permitir esse erro, será a última vez que cometo um erro desse.

Quando voltaram para socorrer o homem ferido a respiração dele já estava minguando e o rosto pálido.

— Estamos aqui — agarrou a mão do senhor — Ele… Não vai mais te incomodar.

— Isso… é bom… — balbuciou — Mas… não vai ser como antes. Tudo que fiz… foi para ver o mundo lá fora uma última vez.

— Eles te perseguiram por fugir?

— Sou inimigo deles… Desde que a guerra civil instaurou, estou lutando para reconquistar a terra que meus ancestrais construíram. Meu avô falava como ela era linda — rangeu os dentes — Pensei que… Se vamos perder a guerra… Eu queria ver os Campos de Ibu uma última vez… Pelos meus filhos.

— Durante sua fuga, chegou a ver?

— Eu vi… Foi... lindo… — deu seu último suspiro com a vida deixando seu corpo.

Suzaki soltou a mão do cadáver e pegou sua espada para cavar uma cova. Já estava de noite, quando sepultou o homem. A garota tinha um olho nele e na lua o tempo todo, com a mão nos cabelos. Ela notou o príncipe de joelhos, derrotado após enterrar o Kuro.

"Não posso deixar isso acontecer... nunca mais."

O que aconteceu? — Ela questionou.

— Do que está falando? Todos morreram, não pude salvar... nem mesmo ele — apontou pro túmulo. —O rosto daquele homem na ponte... não pude fazer nada — socou o solo.

— Eu pensei que os azuis não se importavam com nada diferente deles — comentou ela.

— A sua aura, você é vermelha. O que está fazendo num lugar desse? 

— Você é azul, o que faz num lugar desse? — devolveu a pergunta.

— Sou um viajante, estou aqui para investigar essas terras. Aqui parece ser perigoso para você, está longe de casa. Quando reconstruímos a ponte, posso te ajudar a…

— Essa é a minha casa! — soltou o cabelo, interrompendo — Ninguém me tira daqui e nunca vou sair — voltou seus olhos ao corpo celeste.

O aprendiz de Onochi suspirou.

— Já que insiste — deu de ombros — Ajude com a ponte e vou respeitar sua decisão de ficar, mas vou voltar para garantir sua segurança.

— Que seja — voltou a passar a mão no cabelo — Seu cabelo é estranho. Por que amarra ele, azul?

— Meu nome é Suzaki. Está me perguntando isso, mas não responde nada. Como você não caiu na ponte? Ele não te deixou cega?

— Só foi com você — a garota permanecia com os olhos no luar — Comigo não aconteceu nada.

— Para conseguir usar sua aura, recebeu treinamento. Não pode me dizer quem te ensinou? 

— Eu só posso dizer que... — voltou seus olhos ao príncipe — me chamo Aiuchu Aka.

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 

 



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