Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 25: Alguém Importante

Capital Oásis, dias depois da Batalha da Providência.

A caminho do palácio, a princesa vagava pelas ruas da cidade disfarçada com um capuz escutando os trabalhadores e comerciantes da área. Mesmo com a queda das tensões com a assinatura do tratado, as pessoas deixavam escapar um ou outro comentário durante sua rotina. 

— Todo aquele tumulto aqui para terminar em outro acordo. Cê acha que isso vai mudar alguma coisa?

— Um Kishi amigo meu me contou o que houve. Disse que o patriarca bateu de frente com os vermelhos — um morador qualquer dava sua opinião — Então esse acordo aí deve ser diferente. Eu vou acreditar no nosso líder.

— Nada muda por aqui já não é de hoje — reclamou um senhor — Agora eu só confio no Deus sol dar um rumo ao céu. Vindo dele, sei que nada me faltará.

Após escutar as repercussões, retornou a casa de seu pai, indo encontrá-lo na sala do trono. Ameaçou bater na porta, porém decidiu girar a maçaneta sem anúncio.

— Quantas vezes vou precisar falar pra você bater na porta antes de entrar na sala do rei? — indagou Osíris. 

— Acho que eu consideraria mais se essa sala não fosse ser minha no futuro. 

— Enquanto for o patriarca, gostaria que pelo menos minha filha não viesse aqui para me humilhar — disse, voltando sua atenção aos papéis que tinha no colo — Já tenho gente demais para isso nos últimos dias.

— Nem o conselho está aqui. Desde a vila você mal conversa ou sai dessa sala vazia. Depois desse acordo, o que nós Kiiro queremos agora?

— Não somos mais crianças para agir com base nos desejos. Vamos ter que nos conformar com o que temos e ponto! — carimbou um papel — Por isso o acordo foi firmado! O melhor que posso fazer agora é proteger nosso povo da fome. Então se quer me cobrar disso eu… 

— Eu queria saber se esse não seria outro de seus planos. A verdade é que, eu concordo, o acordo foi a melhor decisão.

— Devia se preocupar com as suas decisões — deixou o carimbo no braço do trono e começou a ler as folhas — Por que não escolhe logo seu cavaleiro primordial?

— Estão mais para primordiais… — sussurrou a princesa. 

— Esconder sua decisão aumenta a desconfiança dos seus subordinados. Quer assumir essa cadeira, então tem que ser convicta.

— Decisões erradas podem ter o mesmo efeito ou pelo menos era isso que eu pensava. As pessoas confiam nas nossas decisões, pai, mais até do que eu, Hoshizora ou a mãe — ela foi até a saída — Não falhe com eles, como falhou com a gente.

— Como está a sua irmã? — guardou os papéis em uma gaveta.

— Por que você mesmo não pergunta a ela? — devolveu o questionamento batendo a porta. 

Osíris coçou os olhos, bocejando. Havia passado a noite inteira revendo e aprovando papéis, porém a sua tarefa mais árdua estava em abrir a porta do quarto da sua filha mais nova. Ele levava a mão a maçaneta, mas escolheu dar três batidas na porta, que foi aberta logo em seguida.

— Quem é? — questionou Hoshizora. 

— Sou eu, minha filha.

Reconhecendo a voz de seu pai, o recebia em seu quarto sem ao menos olhar em seus olhos:

— Você aqui nessa hora?

— Eu não tenho visto você desde que… — evitou comentar do acontecimento, mostrando o tabuleiro que carregava nas mãos — Queria saber se você não quer jogar.

— Se perder para mim é a sua forma de pedir desculpas, saiba que isso é desnecessário — disse com um sorriso — Já passou, pai. 

— É mesmo — coçou a cabeça — Olha, sua memória está ruim. Eu consigo te vencer, sim.

— É o que vamos ver — disse Hoshizora, ao tempo que os dois se sentavam trocando risadas.

O complexo militar em Kagutsuchi, a capital do Reino Aka, abrigava muitos Senshi’s, que recebiam o Supremo naquele dia. Os militares formaram duas filas uma de frente para outra, enquanto batiam continência para Ryoma, que andava pelo caminho trilhado por eles. Com um gesto, ele desfez a postura de todos ali, despachando-os para suas funções cotidianas. Acima do pátio, havia uma torre com vista para todo lugar a qual ele subiu para encontrar seu mandante.

— Alteza — se curvou — A Vila da Providência já foi devolvida a seus Titulares. Os reforços já estão retornando aos seus postos originais.

O rei estava no parapeito com o olho fixo nas suas tropas, mas não estava sozinho. No canto da sala, Oda estava sentado, afiando uma faca.

— Cadê o brinde de sempre, Chaul? — provocou o principal — Está sem comida para dar para o seu cachorro?

Sem resposta do rei, Oda continuou.

— Aliás, de nada por convencer o Takeda a entregar o Isao, recrutar ele, resgatar a princesa e por ter saído no braço com pai maluco dela — o principal guardou a faca na cintura, cruzando os braços — Não deve ter sido nada comparado a escrever um pedaço de papel para ele assinar.

— Sendo assim, muito obrigado, quanta gentileza a sua — respondeu o Supremo. 

— Tá achando engraçado? — foi em direção a autoridade, o ameaçando.

— Basta! — disse o rei, virando para eles — Vocês são meus homens de confiança. Eu os chamei aqui para compartilhar informação sigilosa e não para discutir os méritos.

Os dois retomaram a postura diante do rei Chaul, que assentava em seu trono na medida que os subordinados sentavam à frente.

— O que Osíris pode ter dito para gente que valesse de algo? — questionou Oda — Ele é osso duro de roer até quando a própria filha está em perigo.

— Apesar das disputas, conseguimos fazê-lo ceder sem declarar guerra contra eles — explicou o rei — Osíris é um homem que pode ser levado à razão. Quando sentamos numa mesa como iguais, ele concordou com as propostas e compartilhou algumas coisas.

— Pela zona atacada, eu não me surpreenderia se o Império Ao estivesse envolvido com eles. Eles não iriam atacar sem que pudessem se defender depois.

— Temos preocupações maiores que os azuis, que vão recair sobre nós. Osíris relatou que há alguns anos atrás atacou uma região em Kuro. Ele não quis dar detalhes, mas a questão é que o território que assumimos aos nossos cuidados é o acesso deles ao continente. Osíris fechou o acordo na promessa de protegermos as vilas, em caso de retaliação.

— Então podemos participar de uma guerra que nem começamos como pagamento de uma besteira que eles fizeram? — disse Oda, jogando os braços para o alto — que tipo de acordo é esse Chaul? 

— Os pretos estão isolados há décadas — disse o Supremo, colocando a mão no queixo — Garantimos anos de arrecadação e riqueza aos fazendeiros, trocando uma guerra certa por uma duvidosa — finalizou Ryoma acalmando os ânimos do principal.

— O futuro sempre tenta compensar uma causa passada, então tenho certeza que seja lá o que Osíris fez, trará uma consequência. Entretanto, nós como Aka, como maior potência militar e econômica, temos a obrigação de liderar o continente a uma era de paz  — finalizou o Rei — Se um conflito está vindo, vamos dar o exemplo e mediar as partes quando a hora for certa. 

— Algum pressentimento, Ryoma? — disse Oda se levantando do banco — Você sempre tem um numa hora dessas

— Ainda não, mas assim que sentir, irei relatar como sempre.

Na vila da providência, os postos médicos começaram a fechar suas portas ao passo que sua população recebia alta. Entre eles estava Yoroho, que recebia uma última visita de seu irmão.

— Conversei com o enfermeiro, ele disse que você pode ir para casa — disse Kenichi entrando no quarto — A perda de memória que teve deve ter sido só pelos fortes golpes que sofreu. 

— Ainda bem — suspirou aliviado Yanaho — Mas nada de pegar no pesado na fazenda, pai.

— Muito obrigado, irmão. Fico feliz que as coisas vão voltar do jeitinho que era antes.

Com as palavras de Yoroho, o garoto recolheu seu sorriso.

— Então vocês ainda não conversaram sobre isso? — reparou Kenichi.

— Perdi alguma? — perguntou Yoroho, quando ouviu uma batida na porta — Desculpa, ninguém me falou nada de outra visita.

Quando Kenichi recebeu o convidado, Yanaho levantou-se do leito do pai.

— Mestre Onochi!

— Yoroho, seu filho recebeu um convite para ingressar na academia de mirins — explicou Kenichi — É um internato de vários anos, e ele deve começar o quanto antes.

— Não dá para esperar? Eu disse que queria ver isso depois — afirmou Yanaho — Onochi, você me disse que queria terminar meu treinamento.

— O Supremo me garantiu que nosso regime de treinamento permaneça. Eu vou ter permissão de requisitar saídas periódicas suas do internato. Lá dentro, seus serviços ainda serão pagos. Vai poder ajudar até nas contas de casa. Seu tio e eu estávamos conversando, talvez seu pai até pudesse comprar a parte que trabalha da terra do Akemi e…

— Não é tão simples — interrompeu Yanaho, deixando o clima tenso.

— Irmão, Onochi, me dê um minuto com meu filho sozinho, por favor.

Os dois respeitaram o pedido de Yoroho, saindo do leito.

— Parece que chegou o seu momento, não é mesmo? — sorriu, jogando a cabeça para trás na cama — Eu queria ter tido mais tempo.

— Eu sei, por isso que não vou desse jeito. Não dá para ficarmos distantes agora.

— Você precisa seguir em frente meu filho. Eu sei que sempre quis sair daquela fazenda, mas eu não podia te dar nada além dela. Agora a realidade pode se submeter ao seu sonho — pegou na mão do garoto.

— Tem certeza?

— Você tem? — devolveu a pergunta ao garoto, que puxou o pai para perto o abraçando. 

Com a aprovação do fazendeiro, Kenichi levou o garoto para a fazenda de Akemi. No caminho algumas pessoas apontavam para o garoto e sussurravam sobre seu pequeno confronto com o patriarca. Ele olhava para um lado e para outro buscando entender o que as pessoas falavam, mas seu tio o trouxe para perto não deixando que escutasse.

Assim que chegaram em casa, Yanaho foi direto ao seu quarto, deslizando a mão pelas paredes de madeira. Juntou suas roupas, verificou se os instrumentos de plantio estavam no lugar, deu uma última olhada no quarto do pai, quando parou para olhar da janela o horizonte uma última vez. De malas feitas, saiu de casa andando de costas.

— Esqueceu alguma coisa? — percebeu o gesto estranho do menino.

— Não. É estranho, mas sentirei falta daqui — desceu a escada da varanda.

— Me admira sentir falta disso, quase não dá pra chamar de casa.

— Tem razão, só que era tudo o que eu tinha — andou pela terra que plantava com o pai. 

— Hm — andou para próximo do sobrinho — não queria tanto uma oportunidade, agora terá uma ainda melhor. Para lutar por mais — pegou no ombro do garoto, sorrindo para o menino como nunca antes.

A conversa dos dois foi interrompida por Akemi que vinha de sua casa no centro da terra.

— Ei, não vai voltar garoto? — perguntou Akemi, colocando as mãos na cintura 

— Nem tão cedo. 

— Olha que eu sou rancoroso — gargalhou, estendendo a mão — Boa sorte. Quando seu pai chegou aqui, pensei que tinha entrado numa furada. Mas eu nunca tive um servo que nem ele e nem vou ter.

— Isso tudo também foi graças a você, senhor Akemi — apertavam as mãos — Obrigado.

— Meu irmão estará de volta ainda hoje — explicou Kenichi — Vamos te compensar pela sua ausência.

— Não é todo dia que chamam meu servo para lutar numa guerra — suspirou — Yoroho deu é sorte, é só tu vê como terminou o Yuri, coitado. Ele era seu amigo, né não? Sinto muito.

— Espera — se espantou Yanaho — Sente muito?

— Você não sabia? — lembrou Kenichi — É, tudo foi tão rápido.

Com a descoberta, Yanaho insistiu a seu tio para conduzi-lo até o túmulo de Yuri. Subindo uma colina, encontraram uma sepultura abaixo de uma grande árvore carregava o nome do comandante rodeada de flores vermelhas.

O garoto agachou perto do túmulo, deslizando os dedos pelo nome entalhado na lápide. Abaixo do nome estava escrito:

"Amado pai e marido. Nobre guerreiro. Aqui está enterrado alguém importante: Yuri Aka filho de Tobirama Aka" 

— Yuri salvou um refém, uma criança. Ela escapou, porém ele foi encurralado pelos inimigos.

“Nós lutamos pela justiça, pelo povo. Por mais injusta seja a situação que te coloquem, garoto, erga essa cabeça e lute pelo bem das pessoas ao redor.”, lembrou Yanaho das palavras do ex-comandante.

— Mesmo no dia que ele me prendeu, ele estava sendo um herói. E por isso, quero ser como ele — cerrou seus punhos — Eu quero ser um Senshi para conquistar o respeito e a justiça, salvando aqueles que precisam. Ser um herói como o Yuri foi. 

— Vamos — chamou, virando de costas — está na hora de se despedir.

Atravessando as estradas da vila da providência, Onochi conduzia uma carroça levando Yoroho. Seu filho e irmão haviam retornado do cemitério e aguardando junto deles, estavam uma velha amiga e Akemi. Quando estacionaram, todos juntos aplaudiam a chegada do servo.

— Que susto você deu na gente — disse Chika com sacolas cheias ao lado. 

— Estou de volta, não estou? — perguntou Yoroho sendo ajudado a descer do veículo.

— Essa carroça toda só pra trazer ele?

— Na verdade, ela é pra uma viagem mais longa — desceu Onochi — Está pronto Yanaho? 

— Sim — disse determinado.

— Pode ir tranquilo. Nós vamos cuidar do seu pai até ele se recuperar — disse Chika, mostrando o que comprou — Eu até trouxe isso aqui aqui para ele e pro Akemi.

— Sem atrasos gente — insistiu Kenichi abrindo a porta da carruagem — Pode entrar, Yanaho.

— Yoroho, eu cuidarei bem do garoto — disse Onochi se curvando perante o pai. 

— Eu sei — disse Yoroho, quando começou a rir de repente — Não é você que me preocupa.

Yanaho retribuiu, abraçando o pai.

— Eu vou dar o meu melhor, pai. Obrigado por tudo, a todos vocês.

— Não esqueça de sua ascensão — olhou nos olhos do garoto, pegando em seus ombros — eu e sua mãe, acreditamos em você. 

Entrando no veículo, seu tio gritou: 

— Cuide-se, garoto, não volte para cá reprovado! 

— Pode deixar! — respondeu Yanaho, com a cabeça para fora da janela.

Estalando as rédeas, Onochi começou a viagem. O camponês acenava para os que ficaram, mas reparou na sua mão enfaixada. Recolhendo-se para dentro, tirou as ataduras e viu uma cicatriz profunda na sua palma. 

“Sim, eu vou ser diferente deste mundo e fazer minha própria justiça", pensou encarando a palma da mão.

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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