Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 20: Fora Desse Mundo

“I-Imprestável! Anda, faz alguma coisa!”, pensou Suzaki se pondo de pé.

Seu pai já cruzara a porta, desistindo do treinamento. Olhou para as suas mãos, seus pés, seu corpo, mas nenhum brilho azul. O desespero obstruiu sua garganta que começava a soluçar.

— Falta foco. Falhou quando teve calma e assim não vai conseguir mesmo — disse o instrutor que não havia saído.

A criança escutou a queixa de seu mestre, levando as mãos a uma espada pendurada na cintura. Era grande, pesada demais para seus braços pequenos. Então ele sentou-se no chão e posicionou sua ponta na direção de seu ombro. Já conhecia o corpo humano das aulas que tivera, não prejudicaria nenhum órgão vital. O instrutor viu aquilo e decidiu interferir.

— Não, não! Suzaki, para! — gritou.

O metal frio penetrou em seu corpo frágil, causando uma dor aguda. Ele empurrou a lâmina mais fundo e sentiu a energia dentro de si crescendo. Seu professor tentou impedir tarde demais. Uma luz azul intensa cegou os seus olhos por segundos antes de recuar, formando a aura de Suzaki. Aquele lampejo, vazou para os corredores internos, captando a atenção do imperador, que retornou para o pátio. 

 — Muito bom, é por isso que você é meu filho — disse Koji, com a mão na cabeça no menino.

— Alteza, precisamos tratar os ferimentos do garoto.

— Temos que tratar de continuar o treinamento — disse ao instrutor antes de cochichar no ouvido de Suzaki — Não há tempo a perder, não é Suzaki? 

Ele só concordou acenando com a cabeça, enquanto retribuía o abraço do pai.

Anos depois, sua mão estava na cintura, mas agora na corneta que pensava em tocar. O caos estava instaurado no acampamento da organização Hanmã, pela descoberta de Yanaho e Yasukasa e havia uma decisão a ser tomada.

— A gente tem que ir lá, ajudar! Suzaki?! — chamou atenção do amigo.

— Desculpa — balançou a cabeça — Temos que aproveitar essa desordem. Arrume um veículo sobre rodas para os outros. Eu vou usar esse aqui.

Suzaki subiu em um dos cavalos e foi em direção ao conflito. Perto da caverna, Yasukasa puxava Yanaho para dentro, ativando sua aura para iluminar o local. Era um corredor de pedra longo, com inimigos de espadas em punho. Ela colocou sua mão na terra sob seus pés, criando duas ondas, uma para cada lado, que varreram os inimigos contra as paredes laterais. A terra chegou a apagar as tochas penduradas. 

— Alteza! — se aproximou Yanaho — sua aura está enfraquecendo. 

— Essa terra é mais pesada das que costumo controlar, mas não temos tempo pra isso — disse em suspiros apontando para frente.

Lá estava uma aura vermelha que junto a da princesa iluminavam os arredores da caverna.

— Então vieram pegar o que é seu? — apontou para Hoshizora amarrada logo atrás dele.

— Solta ela! — empunhou sua espada.

— Eu soltaria, se seu governante não fosse tão estupido, onde está ele para negociarmos? 

— Eu sou a filha dele, podemos resolver isso de uma vez! — sua aura crescia. 

— Que coragem a sua, eu sou Isao Aka, o mandante do sequestro da sua irmãzinha… o plano só irá parar quando eu estiver no chão! — Sacou sua espada.

— Yasukasa, eu acho melhor você — ouviu o relincho de cavalos — olhar para trás.

A princesa virava para perceber duas carruagens fechando a saída da caverna.

— Não vai dar para o Suzaki ajudar a gente assim — questionou Yanaho.

— Que se dane o Suzaki — disse Yasukasa se lançando contra seu inimigo.

“Vai sobrar para mim”, pensou Yanaho ativando sua aura para auxiliar na luta.

“Então esse é o Aka. Seria um mirim?” refletiu o líder da Hanmã.

A dupla atacou pelos lados e Isao saltou por cima deles, virando até as costas da moça e a agarrando pelo pescoço, suspendendo-a do chão. 

— Acha mesmo que seu pai vai gostar de você ter ajuda de um Aka? — aproximou sua lâmina da garganta — ele começou com isso tudo, por que nos odeia! 

— Meu pai não é problema seu — chutou ele no rosto, se soltando de suas mãos — Mas eu sou.

Batendo espadas, eles ficaram presos num duelo de forças, que durou pouco tempo. O camponês, que tentava pegar Hoshizora, não percebeu o corpo da princesa mais velha sendo arremessado na sua direção. Yasukasa ainda no chão levou as mãos à terra, criando outra onda, mas Isao anda pelas paredes, passando por cima da técnica da princesa. 

— O patriarca não está aqui para te salvar, princesa. Enquanto ele planeja a ofensiva, aqui está você tentando me impedir de negociar com ele.

— Isso tudo só aconteceu por você — levantou-se Yasukasa.

— Você engana a si mesma. Teria acontecido cedo ou tarde, exceto que agora eu controlo os dois lados. Com você e sua irmã, Osíris não poderá me negar um acordo.

— Primeiro vai ter que sair vivo daqui.

A princesa olhou para o alto e viu estalactites. Despertou sua aura, atirando sua espada contra a rocha pontiaguda logo abaixo do oponente. Isao escapou rolando para o lado. 

“E agora, preciso ajudar!”, pensou Yanaho indo em direção ao inimigo.

Prosseguiu o agredindo com ataques sucessivos. Nesse meio tempo, Yasukasa recuperava sua arma e, assim que o criminoso afastou o mais novo com um soco, ela entrou na sua brecha perfurando sua barriga. 

Do lado de fora, Suzaki derrubava alguns em seu caminho com seu cavalo, quando desceu da montaria para ver a barragem mais de perto.

“Só tem um jeito de liberar passagem” pensou, juntando as mãos.

A barreira foi despedaçada voando caverna adentro, separando o carro dos cavalos que fugiram para longe. Suzaki se recuperava do kazedamu, quando um laço enrolou seu pescoço, arrastando-o pelo chão para debaixo da sola de um conhecido.

— Você aqui tão cedo, cara de bebê? — disse Sota.

Ele girou o corpo, puxando sua espada das costas para cortar o laço em seu pescoço, mas Sota pôs seu outro pé no braço do príncipe para que não se movesse. O jovem esperneava para fugir sem sucesso, até que viu alguém saindo da caverna.

— Olha quem vem lá — disse Sota.

Com uma mão na ferida e outra segurando Hoshizora, Isao saía da caverna vitorioso.

— Entrem e peguem a outra princesa — ordenou Isao — Temos como levar as duas. Cadê o meu transporte?

— Dá para ajudar o chefe? — gritou Sota para seus homens — Andem logo!

“Yanaho pode não ter sobrevivido”, pensou Suzaki. “Tudo está indo de mal a pior. Se ao menos eu pudesse chamar os Heishis.”

A aura de Suzaki crescia, indo até a sua espada. Sota percebe e tenta chutá-lo, porém a arma do viajante solta uma descarga elétrica que o paralisa, permitindo que seja afastado com um chute. 

— V-V-Você é bom— gaguejou Sota — Mas com esse montão de gente, não sai vivo daqui.

Tirando o laço do pescoço, Suzaki ouviu o barulho de rodas e cavalos vindo por trás dos inimigos. Eram três transportes a serviço de Isao. Estacionaram perto da caverna, onde colocavam Hoshizora dentro de um deles. O príncipe lançou-se contra o líder dos Hanmã, enquanto seus homens buscavam Yasukasa dentro da caverna.

— Um Ao ajudar os Kiiro? — provocou Isao — Para tanta insistência por alguém que mal conhece, só pode ter recebido um dinheiro do Osíris.

— O que eu iria querer com dinheiro? — retrucou Suzaki.

Seu braço machucado o negava a velocidade de outrora nos ataques bloqueados por Isao. Por trás do príncipe, Sota tentou enforcá-lo com sua corta, mas Suzaki partiu-a com sua espada. 

“Esse homem está aqui porque eu o deixei viver. Yasukasa pode perder a irmã e Yanaho o pai por causa dessa negligência”, pensou, estocando a espada no peito do adversário. “O que eu estava pensando? Cinco crianças contra um pequeno exército sempre foi tolice. Foque no objetivo”, pegou a corneta, “Foque no…”

De repente, uma luz amarela foi vista por Suzaki, vinda de dentro da caverna. Desistiu de finalizar sua vítima e correu para ajudar a princesa. Com sua aura, Sota fechou um pouco sua ferida dos ferimentos, e embarcou num veículo com Isao.

— Para onde vamos? — perguntou.

— Takeda espera por nós — estalou as rédeas Isao — Nos resta deixar a mais velha de lado.

Dentro da caverna, Yasukasa estava encurralada por dois homens com o corpo  repleto de ferimentos. Suzaki pegou o primeiro por trás com sua arma, batendo sua cabeça contra a parede e derrubou o segundo com um chute na perna seguido de uma joelhada no rosto para nocauteá-lo.

— Como está Yanaho? — perguntou Suzaki.

— Veja você, eu preciso pegar minha irmã — ela correu até a saída.

— Eles se foram, mas eu sei para onde vão — pegou Yanaho do chão e o apoiou em seus ombros — Só temos que chegar até eles.

— Se eles matarem ela, eu juro…

Saindo da caverna, Suzaki percebia o número reduzido de inimigos por conta do comboio que partiu. Então, uma carroça com rodas enferrujadas e assentos de madeira quebradiços conduzida por dois cavalos, atropelou os Hanmã restantes e estacionou na entrada da caverna. 

— Foi a que sobrou — disse Mitensai — Eles levaram as outras.

— Eles vão seguir pela estrada abandonada que leva aos Aka — disse Suzaki, colocando Yanaho na parte onde ficam as cargas — Ainda há tempo.

— Por que demorou tanto? — reclamou Yasukasa.

— Suzaki insistiu em ajudar vocês. Eu tava esperando a poeira baixar, senão eu nem estaria aqui — explicou Mitensai.

— Eles são muito mais fortes que eu. Continuo sem conseguir fazer nada — se queixou Yanaho — Não dá.

— Vai dizer isso para o seu pai? — subiu Suzaki na carroça, puxando Yanaho pela camisa.

— Isso não é justo — desviou o olhar.

— Deixar de agir por medo é inadmissível com seu pai correndo risco.

— Eu já tentei, eu não tenho como lutar contra eles.

— Recusar a luta não é uma escolha — levantou a voz o príncipe.

— Vamos, Hoshi precisa de nós! — anunciou Yasukasa.

Descendo do transporte, Suzaki tomava o cavalo que havia usado mais cedo e olhou sua corneta pela última vez. 

“Nada é por acaso” pensou, jogando o objeto na estrada antes de ir junto de Mitensai.

Quando o Sol já estava alto, o grupo se aproximava do alvo quando chegaram em um desfiladeiro, com um rio correndo logo abaixo. Yasukasa pendurou-se na borda da carroceria para pôr as mãos na estrada, provocando um desnível metros à frente. O acidente provocou uma queda de ladeira abaixo, deixando apenas um transporte sobrando, o de Isao e Sota.

— Chega mais perto, Mitensai — gritou Yasukasa — ou vamos perdê-los de novo.

— Não dá, a carroça tá caindo aos pedaços. Se forçar mais a gente fica sem volta para casa.

O caminho percorrido por fugitivos e perseguidores chegava em um ponto de convergência com outra estrada. Com mais espaço, os veículos se emparelharam. O choque entre as laterais custou uma das rodas de Mitensai.

— Eles não vão fugir de mim! — gritou Yasukasa, roubando as rédeas de Mitensai.

A princesa virou os cavalos contra os inimigos, derrubando os dois transportes no rio. Vendo aquilo, Suzaki descia até a altura do rio para buscar seus amigos. 

Daquele rio, saíram Isao e alguns homens, incluindo Sota, que segurava Hoshizora semiconsciente. Yasukasa emergiu rapidamente depois. Passaram-se alguns minutos até que Yanaho surgisse. 

“Consigo perceber outros Aka. São mais do que parecia ter naquela carruagem. Eles não podem ter ido longe. Até Suzaki chegar, eu tenho que impedi-los!”, pensou quando ouviu um grito.

— Socorro!

Correu até a origem confirmando sua suspeita, com Hoshizora sendo carregada por Sota, ainda ferido, apertando a corda que segurava os pulsos da princesa mais nova. 

— Ninguém vai te ouvir aqui, mocinha. Espera só o Isao voltar com a cabeça da sua irmã. Você vai ficar quieta rapidinho.

— Alguém me ajuda! 

— Você — disse Yanaho ofegante — Solta ela.

— Soltar? — riu — Por que você não vem me ajudar então? 

Yanaho correu para uma estocada e terminou acertando o tronco de uma árvore. Sota, que havia desviado, chutou sua barriga até cair de dor para repetir o golpe no chão. O camponês pega no pé de seu agressor e faz força contrária para escapar. Desequilibrado, Sota permite que ele pegue sua espada do tronco para atacar novamente. 

Quando o bandido ergue sua espada, Hoshizora rastejava para mais perto. Assim que os dois estavam prestes a colidir novamente, ela empurrou seu corpo contra os tornozelos de Sota, o desequilibrando. 

— Droga! — gritou com a aproximação de Yanaho.

O jovem cravou sua espada no braço de seu inimigo contra uma das árvores. Após isso socou o rosto do sequestrador que riu cuspindo sangue: 

— Acho que eu lembro de você — riu Sota — É o pirralho que esmurrei no deserto.

Yanaho ignorava o homem, continuando a bater.

“Não para. Você só tem essa chance. Ignora a dor, ignora tudo. Bate, bate, bate mais forte”, pensava esmurrando o homem na sua frente, na medida em que sua aura brotava do corpo para aumentar sua força.

—  Se acha que vai ganhar uma medalha por isso, espere até o mundo querer compensar o certo com o errado… — disse Sota segurando no ombro do garoto com a outra mão — Uma hora chega a sua vez.


“Ele está delirando?”, afastou a mão de seu ombro, preparando o próximo soco.


— Ajudar seu inimigo pode ser um ato de justiça, mas essa tarefa é para pessoas perfeitas, que não pertencem a esse mundo, não para garotos como você — finalizou, recebendo o último soco.

A consciência parecia ter saído do corpo de Sota, ao tempo que o garoto se queixava de dor. Respirando forte, ele olhou em volta antes de pegar Hoshizora nos braços.

— Você está bem? — perguntou Hoshizora — E a minha irmã?

— Tem mais deles vindo — disse Yanaho com os arregalados.

— Do que está falando?

— Não vai dar para escapar assim — sua aura crescia — Eu pensei que eram os últimos, mas sinto diversos Aka ao nosso redor. Estamos cercados! 

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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