Nisoiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 19: Promessa

O céu era tomado por estrelas acima da floresta em Midori. Olhando pelas brechas das árvores, Yasukasa conseguia apenas lembrar de sua irmã, impedindo-a de dormir naquela madrugada. Ativou sua aura para guiar seus passos até um pouco antes da cachoeira, onde ela podia molhar o rosto na correnteza. Estava por conta própria quando foi abordada por alguém.

— Acordada a essa hora? — perguntou Mitensai.

A princesa não proferiu uma única reação.

— Era melhor descansar, o dia será longo amanhã.

Ela continuou à margem do rio sem responder.

— A gente devia voltar, a luz da sua aura pode atrair os animais. Eu mesmo te achei por causa dela — tentou tocar nela para chamar sua atenção — Ei, está me ouvindo? 

— Minha irmã está em perigo e você quer que eu durma como se nada estivesse acontecendo? — disse Yasukasa empurrando o garoto para trás.

— Não foi bem o que eu quis dizer — coçou o cabelo envergonhado. 

— Devia olhar para si mesmo. Além de não dormir, é um maltrapilho. Não duvido que sua raça esteja por trás disso também — desconfiou a princesa.

— Eu estou só de vigia. Meus amigos costumam vir aqui me chamar para trabalho. É bom ficar de olho.

— Que tipo de trabalho?

— Nesse lugar, qualquer um. Não é como se eu tivesse escolha — sorriu.

— Então Suzaki está te pagando para ajudar? Típico de um Midori. Provavelmente seus governantes devem ter ganhado uma boa grana cedendo esse espaço aos Aka também. Todos devem pagar por isso — deu um murro no rio, ondulando as águas.

— Olha, para sua informação, vou ajudá-los de graça — disse erguendo o dedo indicador — Grande parte do povo verde também é vítima da gangue e suas facções. 

— Se a maioria estivesse realmente insatisfeita já teriam se levantado contra esses desgraçados a muito tempo.

— É mais complicado do que parece. A gente teima com forasteiros, mas se pagarem, eles podem de tudo. Poucos dias atrás, homens azuis cruzaram a cidade mais próxima nessa direção. Acredita nisso? É que, sei lá, tenho a impressão de que se esses caras não saírem dessa floresta logo, teremos problemas

— Como assim azuis? — perguntou Yasukasa.

— Isso aí, eles tinham uma imagem parecida com a que o Suzaki tem nas roupas. 

— Será que? — murmurou Yasukasa antes de notar o céu mais claro — Esqueça, já está amanhecendo, não precisa mais nos vigiar, pode ir. 

— Não vou embora sem ajudar. 

— Foge para casa, garoto — levantou-se Yasukasa — Seus pais devem estar preocupados procurando por você.

— Acredito que sim, se eles estivessem aqui — respondeu Mitensai.

— Do que está falando?

— Eu falei que muitos foram vítimas disso tudo… — abaixou a cabeça com um semblante triste.

— Então tem que procurar os culpados! Vai só ficar parado aí sem fazer nada? 

— De novo falando como se eu tivesse escolha. Sou um órfão vítima de um conflito antigo que ocorreu por aqui, o que alguém como eu poderia fazer? Além do mais, vingança não é algo que meus pais gostariam que eu buscasse. Agora ajudar os outros, é, acho que sim — finalizou voltando seus olhos para o céu. 

— Não dá para abaixar a cabeça e se submeter ao inimigo — respondeu confusa. 

— Não me submeto a eles e sim ao que meus pais esperam de mim. É bem diferente — o garoto sorriu esticando a mão cerrada com o polegar para cima.

— Para você talvez seja — comentou Yasukasa olhando para trás e encontrando Suzaki — Estava aqui esse tempo todo?

— Atrapalhei? — perguntou Suzaki.

— Não! Em nada! — respondeu Mitensai, balançando a cabeça negativamente. 

— Que seja. Suzaki, já está na hora de nos preparar — comentou Yasukasa — Vá acordar Yanaho!


Após a ordem, o camponês do reino Aka, que dormia entre as árvores, foi acordado pelo príncipe Ao. Virou a cabeça assustado, quando reconheceu quem o chamava. Os quatro se reuniram próximo da cachoeira para pegar o máximo de luz natural e Suzaki poder mostrar seu mapa. Todos se sentaram ao redor daquela folha esticada sobre as pedras à margem do rio. 

— Da última vez que estive por aqui, eu me lancei na correnteza para escapar dos Midori. Foi aí que me deparei com esses Aka. Não percebi na época, mas o lugar foi montado propriamente para o sequestro — apontou a região no mapa.

— O norte da floresta negra é o lugar mais perigoso da região. Faz fronteira com os Kuro, e a escuridão não te deixa ver muito longe. Você é atacado e nem sabe de onde foi — comentou Mitensai. 

— A princesa vai estar onde os guardas estiverem mais acumulados. Yanaho já nos mostrou sua base, agora só vamos saber com mais precisão aproximando esse seu radar natural. Isso vai nos expor aos inimigos por também serem Aka. Temos que ter alguém do lado dele capaz de lutar.

— Estou aqui pra isso — voluntariou-se Yasukasa — a princesa reconhece nós dois, quando a libertarmos vai querer ficar perto de rostos conhecidos.

— Não sei se isso vai fazer uma diferença. Já enfrentei eles, posso proteger ela e Yanaho sozinho.

— Está me subestimando?

— Hoshizora estava sobre sua proteção quando aconteceu, não foi?

— Cuidado com o que fala — levantou-se — Minha irmã não vê quem você é de verdade, mas eu sim.

— Espera, que conversa é essa, Yasukasa? Suzaki está nos ajudando! — perguntou Yanaho se colocando entre os dois.

— Não sei do que está falando — retrucou Suzaki. 

— Não se faça de sonso. Ela te deixou escapar no deserto e só voltou para aquelas vilas porque você sumiu.

— Chega, parou. Sem briga! — disse Mitensai entrando para ajudar.

— Mesmo nos ajudando, ele quer algo em troca. Eu sei o que você esconde — completou Yasukasa.

— Suzaki, dá para falar alguma coisa? — gritou Yanaho, enquanto os outros notavam o príncipe perplexo.

— Eu… Então era ela — murmurou Suzaki — Não sabia que aquela garota era uma princesa. Muito menos sua irmã.

De repente, Yasukasa parou de resistir. 

— Quando nos conhecemos, sequer dissemos nossos nomes. Conversamos e em pouco tempo ela me liberou. Não entendi na hora, mas você conhece ela melhor que eu. Se ela está nisso tudo por causa de mim, tenho que reparar o erro.

— Suzaki, fui eu. Eu que pedi para procurarmos por você e envolvi elas nisso, além disso foi eu que não consegui fazer nada… — disse apertando seu punho em frustração Yanaho — Agora meu pai corre perigo por minha culpa.

O príncipe se levantou colocando a mão sobre o ombro de Yanaho tranquilizando-o:

— Sem desculpas Yasukasa e Yanaho serão os encarregados de levar Hoshizora — admitiu Suzaki.

— Está falando sério? — questionou Yasukasa.

— Eu disse que a invasão ao Índice foi um erro. Sua irmã, o pai do Yanaho, ninguém deve pagar por isso. 

Ela baixou a guarda, e junto com os outros dois que a continham voltaram para perto do mapa.

— Jogar duas pessoas para enfrentar um grupo inteiro fica difícil, mas eu não sou nenhum lutador. Yasukasa, o que o Suzaki estava escondendo mesmo? — perguntou Mitensai

— Não era nada. Deixa — desconversou.

— E quanto a mim? — continuou o Midori.

— Você vai vir comigo. Conhecemos o território melhor e com as distrações certas podemos dividir o grupo. Eles esperam um resgate maior, com Senshi’s ou Kishi’s chegando em conflito aberto. Duvido que aguardam uma abordagem mais sutil em menor tempo.

— Separados assim eu não sei. Imagina se forem descobertos? Vai expor muito esses dois — disse Mitensai.

— Não importa — interrompeu Yanaho se levantando — Meu pai depende disso e eu estou pronto.

— Esperava que Yanaho pudesse detectar Aka’s próximas sem a aura, mas ainda é muito inexperiente. Portanto, faremos uma distração em duas partes. Yanaho vai ativar sua aura para detectar inimigos ao redor, e usaremos isso a nosso favor, chamando nossos inimigos a procurá-lo na floresta. Vocês dois precisam estar em movimento sempre, porque assim que esses homens morderem a isca, eu vou derrubá-los um por um. Mudamos de posição e repetimos até nos aproximarmos do alvo. 

— Usar o Yanaho para vencê-los em pequenos grupos — deu de ombros Yasukasa — Pode funcionar se você for rápido e não chamar atenção. É capaz disso?

— Somente se ele for capaz de controlar o seu iro e não chamar atenção na hora errada, porque é provável que eles dominem essa técnica e comecem a perceber vocês sem a necessidade da aura para atraí-los — contrapôs Suzaki — Sendo descobertos, tudo vai depender da capacidade de vocês dois de se defenderem.

— Vou fazer o que for preciso. E como fugimos, gênio? — perguntou Yasukasa.

— Por aqui — apontou no mapa — Pela mesma rota que eles usam para sair da floresta até os Aka. Escaparemos com Hoshizora e embarcamos direto no caminho para negociar nos campos de batalha. 

O aceno positivo de todos concordando com o plano, fez Yanaho soltar uma leve risada.

— A poucos minutos a gente estava quase se matando igual nossos governantes e agora estamos nos ajudando. Quer saber, Onochi estava certo, né Suzaki? Nada é por acaso.

— Olha eu sempre pensei que as pessoas mundo afora só queriam saber de sucatear nosso território. Mas vocês me ajudaram a ver que tem boas pessoas além das fronteiras — disse Mitensai

— Podemos mostrar isso para o restante, cada um em seu território. Todo mundo devia apertar as mãos invés de cruzar espadas. Só assim todos podem sair como vencedores.

— A luta tem o seu propósito — questionou Yasukasa — A paz nem sempre é uma opção.

— Mas deveria ser a primeira alternativa, o mais próximo possível — respondeu Suzaki.

— Eu prometo — estendeu seu punho ao centro da roda dos quatro — que vou continuar lutando para que as cores possam conviver em paz! — completou Yanaho.

Todos trocaram olhares entre si, com a atitude do jovem camponês. 

— Sim! — repetiu o gesto —  Já havia prometido isso mesmo, então eu tô dentro! — disse Mitensai.

— Que besteira. Temos coisas mais importantes para fazer — desprezou Yasukasa, virando-se de costa a cena.

Suzaki, por sua vez, estendeu seu braço:

— Eu prometo também — o movimento chamou atenção da princesa — aposto que sua irmã também prometeria. 

Os três então encararam Yasukasa.

— E então? — perguntou Mitensai. 

— Idiotas! — disse ela, fazendo o mesmo movimento ao centro da roda — Vamos salvar minha irmã e impedir esse conflito inútil.

Com a confraternização acabada, o grupo seguiu trajeto, usando das habilidades de Yanaho, encontraram o caminho para a base inimiga até chegar perto o bastante para serem detectados pelos Hanmã. Foi quando o quarteto dividiu-se em duas duplas, uma circundando o acampamento na frente, e outra logo atrás, à espreita.

Enquanto cuidava dos cavalos, três dos raptores da princesa sentiram a presença do intruso.

— Percebeu? — notou um brilho vermelho no breu — Não lembro de ninguém ter saído em patrulha.

— Vai querer ver? Que preguiça — resmungou o segundo.

— Quanto antes a gente ver, melhor — liderou o terceiro, indo até a fonte do problema com uma tocha nas mãos — Peguem uma vocês também.

Quando chegaram no local, já não sentiam aquela energia. Um deles apontou sua tocha para a copa das árvores, revelando seus dois agressores. 

Suzaki desceu sobre um deles, com um pé no peito e outro na cabeça o nocauteando. A seguir deu uma rasteira no segundo e um tranco no terceiro, chocando sua cabeça contra um tronco de árvore. Mitensai desceu da árvore e apagou o segundo homem no chão com um chute. Ele apagava as duas tochas, ao passo que seu parceiro pegava uma delas para visualizar os cavalos da base inimiga mais de perto.

— Suzaki, eh, não devíamos seguir os dois? — perguntou Mitensai.

— E vamos. Mas primeiro temos que preparar nossa fuga.

Mais a frente, Yasukasa e Yanaho continuam rodeando o local quando algo chama a atenção da princesa.

— Para — empurrou o garoto para trás — É aqui.

— Eu nem ativei minha aura para saber — sussurrou Yanaho — E olha a entrada lotada de guardas.

— Por isso mesmo.

A dupla estava diante da entrada de uma caverna, que era escura o suficiente para as tochas não serem capazes de penetrar seu fundo. Yanaho deu um passo para trás na escuridão e ativou sua aura. 

— Ei, que droga é essa? — um homem viu — Acorda, anda acorda! — bateu nos que estavam dormindo.

Dessa vez, era grupo maior sendo atraído, composto por seis homens. Durante a fuga, os pés do aprendiz de Onochi esmagaram um galho no chão. O som foi abafado e ninguém notou, menos um, que desviou do bando em direção ao som.

— Yasukasa, espera — disse Yanaho — Sua irmã está na caverna, não dá pra por tudo a perder agora.

— Isso mesmo, não vou mais depender de plano nenhum. Seguimos tudo certo até agora, só falta agir e salvar minha irmã.

Eles conseguiram se esgueirar o mais próximo possível da caverna onde a luz das tochas não os alcançavam. A poucos passos do objetivo, um homem guardava a entrada.

— Você fica aqui, senão vai atraí-los de novo — disse a princesa, indo atacá-los.

A lutadora de iro amarelo fez serviço rápido do bandido, chegando por trás e agarrando-o pelo pescoço até desmaiar em seus braços. Escondido, Yanaho não percebeu o sujeito que seguia a dupla, que o surpreendeu por trás. Yasukasa ouviu os sons de briga, como também um grito vindo de onde o deixara.

— Um garoto invadindo! Ele tá aqui! — gritou uma voz desconhecida.

Na tentativa de sobrepujar o inimigo, Yanaho ativou sua aura, mas continuava debaixo do adversário. Yasukasa chegou chutando o agressor para trás, finalizando com um soco no queixo.

— Não dá para ficar aqui — estendeu a mão — Temos que entrar antes que seja tarde. Esteja pronto para lutar dessa vez. 

— Droga — levantou-se o camponês — Qual é o plano reserva para isso?

Longe do perigo, Suzaki terminava de derrotar os seis homens de antes, mas ouvia gritos vindos próximos da caverna. O candidato a Heishi Celestial via uma massa de guardas investindo contra o lugar e reagiu levando a mão à cintura, onde estava pendurada a corneta que chamaria seus companheiros Heishis para o lugar.

— Parece que Yasukasa e Yanaho estão com problemas. O que vamos fazer? — perguntou Mitensai.

— Mudar os planos.

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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