Nisōiro Brasileira

Autor(a): Pedro Caetano


Volume I – Arco 3

Capítulo 18: Campo de Batalha

Após um longo dia de trabalho, Yoroho já se preparava para dormir, quando ouviu três toques na porta de sua humilde casa. Era tarde, por isso o senhor tomou distância da porta e perguntou. 

— Quem é? 

— Yoroho, seu irmão está te procurando e disse que é urgente.

Ele conhecia a voz de seu senhor de terras, era Akemi. Abriu a porta devagar e ao reconhecê-lo, foi encaminhado para uma carruagem à sua espera, guiada por Kenichi.

— O que está havendo? Algo aconteceu a Yanaho? 

— A ele não, mas a você sim — entregou uma espada para o fazendeiro — Tome. 

— É o que estou pensando?

— Sinto muito, você está em acordo de submissão, se lembra? Essa região será atacada nas próximas horas e você está convocado para o campo de batalha — bateu as rédeas e a carruagem se movia.

Uma brisa atingia os dois naquela noite, só por suas faces, um percebia no outro o desejo de que a situação não passasse de um sonho ruim. No breu da madrugada, as ruas da pequena vila no território Aka estavam quietas e vazias ao ponto daquele veículo solitário ecoar pela estrada sem interrupção. Frente ao clima de receio daquele momento, Yoroho encostou sua cabeça na lateral do veículo e, prestes a pegar no sono, despertou após um freio súbito.

Seu irmão abria a porta do transporte e ao descer dele, Yoroho podia ouvir movimentações e gritos de ordem vindo tudo ao mesmo tempo. Olhando para o lado, viu mais carruagens e cavalos chegando, muitos passageiros com vestes simples assim como a dele, guiados por Senshi’s

— Parece que não sou o único — disse Yoroho sendo conduzido por seu irmão. 

— Vamos precisar do máximo de voluntários, além de envolver todos os militares próximos da área. 

— Quem atacaria um lugar como esse? Por quê? 

— Os Kiiro. As ordens vieram dizendo ser um ataque estratégico, já planejando um avanço nas terras do antigo Reino Shiro. Somos a primeira linha de defesa.

— Estrangeiros… Isso nunca acaba?

— Acabar? Enquanto houver a diferença sempre terá a rejeição, só nos resta lutar.

Ambos foram a pé para uma base militar improvisada na área, ao redor da Vila da Providência. A estrutura de estacas e tendas mal tinha espaço para conter todos os homens que ali estavam. Do lado de fora, Yoroho notava uma criança andando com a fila que transbordava de dentro, olhando ao redor assustada.

— Chamaram até crianças?

— Não é qualquer criança — apontou para a cintura dela onde descansava uma espada — É um mirim, um dos jovens militares no caminho para se tornar um Senshi no futuro. Provavelmente ele estava de licença visitando a família e foi convocado por estar na região.  

Parado ali por um instante, Yoroho permaneceu com os olhos fixos no garoto, mas sua cabeça estava em seu próprio filho.

“Yanaho, você terá que passar por isso também?”, pensou parando para observar o céu noturno por um momento. 

— Não fique aí parado! Vem comigo — ordenou Kenichi, o despertando.

O titular abriu caminho pelo amontoado de pessoas para entrar na base, onde Senshi’s estavam reunidos em volta de uma mesa, todos de pé.

Um pouco mais afastado dos comandantes, um dos cobradores da reunião se despedia de sua mulher e filho. 

— Volte logo, Yuri — disse em seu ouvido antes de beijar sua bochecha. 

— Não deve ser nada perigoso, mas fica de olho no Yukirama — disse o comandante, quando algo puxou sua bota.

— Papai? — chamou sua atenção — Por que você tá indo embora? 

— Está tudo bem Yukirama — pegou a criança no colo — Seu pai só vai… 

— Vou fazer o que sempre faço meu filho, salvar o dia — interrompeu sua mulher — Obedeça sua mãe — completou partindo para montar em seu cavalo.

Na mesa principal, os titulares estavam dividindo seus planos com a autoridade maior da hierarquia, o Senshi Supremo. Kenichi pedia passagem entre os homens ao redor da mesa para chegar mais perto de Ryoma, mas não antes de pedir instruções de onde alocar seu irmão. Yoroho ficou ali esperando por alguns minutos, para depois ser despachado a uma fila do lado de fora. Enquanto saía, reconheceu Onochi passando pela tenda. O Shiro então correu até a mesa e acendeu a centelha que explodiria o lugar como um barril de pólvora.

— Um ataque na vila. São eles! — gritava.

Ryoma virou a cabeça para encontrar a origem da voz, encontrando Onochi.

— Kanji e sua equipe vão terminar de evacuar os cidadãos que restam. — ordenou o Supremo apontando para um dos homens da mesa — Kenichi e Tataka, vocês vão cobrir essa saída e posicionar nossas defesas pela cidade. 

— Sim, senhor! — responderam ao tempo que se retiraram, esvaziando a mesa.

— E para mim, o que restou? — questionou o Shiro chegando na mesa.

— Se Osíris tem tanta urgência, deve ter trazido alguém para negociar os termos de rendição por ele. Nós dois vamos encontrar essa pessoa e acabar com o conflito. 

A inquietude que se instaurou no lugar, fez os comandantes irem para o lado de fora onde Yoroho e os outros voluntários formavam. De repente, os gritos das lideranças chamavam a atenção de todos os enfileirados. O camponês carregava uma cantil com água e molhava seu rosto com ela para se manter acordado para ouvir as ordens.

— Fazemos parte da retirada dos moradores das regiões atacadas. Vocês serão divididos em grupos menores e seguirão até o extremo sul, longe do campo de batalha. São seus amigos, seus irmãos, nossos irmãos que precisam de nós — o Titular levantou sua espada, e os soldados enfileirados fizeram o mesmo — Vocês tem uma dívida não com o rei, não comigo, mas com o lugar onde habitam. Avante, e cumpram com sua obrigação dando suas vidas!

As filas paralelas se estreitaram numa única. Yoroho passou por ela, vestindo o capacete e armadura que lhe entregaram. Seu físico, mesmo sendo um trabalhador do campo, lutava para carregar todo aquele metal pesado. Cambaleando até seu transporte, foi ajudado a subir na carruagem por um membro mais jovem de seu pelotão. 

— Está tudo bem, senhor? 

— É que o dia foi muito cheio, meu jovem. 

— Esse capacete parece muito pesado para você, mal consegue erguer a cabeça — disse retirando o objeto de Yoroho.

— Muito obrigado. Qual seu nome? 

— Sou Haruo, sou um mirim deste reino. 

— O meu é Yoroho, sou um fazendeiro — riu de si mesmo — Prazer em conhecer você.

O jovem e o velho tiveram poucos minutos para se entenderem, porque seu comboio teria seu trajeto interrompido por uma árvore tombada no caminho. As carruagens tiveram que dar a volta pela estrada por entre as árvores, onde o ar já pesava e tudo que podia se ver era vermelho. Chegando na Vila, Yoroho já não mais a reconhecia. Não havia uma casa sequer que não estivesse tomada pelas chamas na rua em que estacionaram. Alguns metros de distância a frente, já via cidadãos com os rostos enegrecidos pela fumaça, sentado às tosses, vítimas há pouco salvas de uma das fornalhas. O trabalho, no entanto, estava longe de concluído, uma vez que outras gritavam por ajuda das casas.

— Essas pessoas precisam ir a um lugar seguro, mas ainda há mais que precisam de nós — ordenou o comandante para Yoroho — Escolham uma casa e vão!

O líder trazia consigo um cavalo pelas rédeas, cujo fardo eram baldes e mais baldes d’água pendurados em sua sela. Yoroho e os voluntários jogavam água pela janela da frente para conter as chamas da entrada e chegarem às pessoas de dentro. Junto dele, ainda estava o mirim de mais cedo.

— Que sorte, estamos juntos — Yoroho se molhou com um balde — Que tal a gente se ajudar aqui, tudo bem?

— Sim! — respondeu Haruo — Se ficarmos juntos não vai ter problema. Os Kiiro já passaram por aqui.

Aos poucos foram minguando parte do fogo, quando o Senshi bradou novas ordens.

— Temos que entrar! Se molhem com os baldes de água que restaram e encontrem as vítimas!

Yoroho foi sem hesitar, porém Haruo ficava pelo caminho. De dentro da casa, tudo que sentia era o calor sufocante no interior da armadura, que queimava até seus pulmões na respiração. 

A travessia pelas chamas esquentava seu capacete o suficiente para sentir a ardência no couro cabeludo. Mesmo com as dores, lutou até encontrar a fonte dos gritos. Era um quarto com a porta emperrada, maçaneta ardente, sem poder girar. Sem paciência, o Senshi invocou sua aura e deu um chute despedaçando a entrada. No quarto, era um homem de idade preso pelo seu físico débil e a rapidez do fogo. 

— Já está tudo bem — disse ao tempo que se retiravam da casa.

Pouco depois de libertado, desmaiou nos braços de Yoroho do lado de fora. Depositaram o senhor numa carruagem próxima, quando de repente, perceberam o chão estremecendo. Inimigos estavam a caminho.

— Ei, não é para ficar de corpo mole! — disse o homem aos voluntários — Já foram quase todos, não dá para deixar ninguém para trás.

Haruo, que ficou observando o último resgate, tentou se esgueirar para trás dos outros voluntários e esconder-se. Sua fuga foi notada por Yoroho que chamou por ele silenciosamente na multidão.

— Haruo, não é? Pode ficar fora das casas se quiser, mas tenta ajudar os sobreviventes nas ruas. Faça o que conseguir!

— Não ouviu? Os inimigos estão vindo! E eu sou um mirim, não um Senshi.

Compadecido, Yoroho deixou o garoto buscar um transporte para voltar, mas estavam todos ocupados. Poucos instantes depois, o fazendeiro continuou seu resgate às vítimas. O Senshi responsável por esse resgate, usava um escudo de bronze para se blindar daquele inferno. O camponês podia notar seu antebraço brilhar com uma luz vermelha, mesmo na incandescência do local, que curava seu braço na medida em que se queimava.

— O fogo está concentrado neste andar! — o militar apontou para a escada — Quem quer que tenha ficado aqui, está preso no andar de cima. Rápido, senão a fumaça vai sufocá-los — gritou. 

Subindo os degraus, Yoroho seguiu pela esquerda e o outro pela direita. Sua respiração estava enfraquecida pela fumaça, obrigando o camponês a usar um pano para proteger as narinas. Chegando no quarto daquele lado do corredor, havia um berço. 

— Vou tirar você daí — disse segurando o bebê nos braços.

Saindo daquele quarto, reencontrou seu companheiro Senshi, segurando nos braços o corpo de uma mulher, com uma faca enterrada na barriga.

— O homem da casa está nas chamas, essa aqui ainda pode receber um enterro digno. Devem ter deixado a criança para morrer — tomou a frente, descendo as escadas — Vêm me segue.

De repente, o degrau abaixo de Yoroho cedeu, caindo com a criança para o andar inferior. Sua visão escureceu, embora sentia a criança que agarrava com os braços em cima do peito. Ergueu-se e buscou a saída, mas a rua já não era a mesma. Cansado, o pai de Yanaho escapou e pôs os joelhos no chão. Tudo que via era homens de vestes amarelas cercando a região.

Sua mente gritava para fugir, mas seu corpo não respondia ao passo que seus braços só permaneciam colados no corpo para sustentar o bebê no colo. Estava indefeso a um Kishi que se aproximou-se e subiu sua espada para executá-lo, quando foi impedido pelo mirim que o acertou no flanco com a espada. O amarelo revidou com uma ombrada que o arremessou no chão, separado de sua arma. 

Haruo tentou rastejar-se para pegar sua lâmina, contudo terminou estocado pelo metal ainda deitado na terra. Yoroho tentava gritar por ele, mas as palavras não saíam de si. Estava entregue e com um ingresso de primeira fila para observar aquele massacre. 

Foi então que o Senshi que tinha perdido contato na casa flamejante avançou em direção ao assassino, ativando sua aura. O tranco de seu escudo o derrubou, permitindo que o Aka sacasse sua espada para cortar sua garganta antes de revidar.

Depois do confronto, o fazendeiro voltou a si, indo ao cadáver do jovem para tirar seu capacete, notando seus olhos já sem vida. 

— Ainda bem que voltei daquele incêndio — disse o Senshi que salvou sua vida — Pensei ter te perdido, quando aquela escada desabou.

— Mas o garoto…

— Se tivesse entrado junto com você e o outro, não teria esse fim. Às vezes o medo é nosso pior inimigo. — disse olhando ao redor — Pelo menos, contemos a situação. Os Kishi’s restantes voltaram a recuar e salvamos mais uma vida — apontou para a criança.

— Ele era tão jovem. Ele acabou de morrer, isso não te assusta?!

— Esse é o preço que pagamos no campo de batalha, é mais natural do que parece. Agora vamos levar ele e o bebê para junto da mulher que encontrei. Terminando de evacuar aqui vamos ao centro vila. É lá onde estão montando guarda.

— Uma multa... — sussurrou pra si mesmo, ao tempo que a criança no colo começava a chorar.

O Senshi e Yoroho caminharam ao último transporte de fuga, alguns metros de distância, entregando o corpo de Haruo e a criança ainda com vida. Enquanto os cavalos puxavam aquele transporte da salvação, o voluntário humilde percebeu o sol surgindo timidamente no horizonte.

“Yanaho, meu filho, você realmente quer passar por isso?”, pensou indo de volta na direção da vila ainda em conflito.

 


Ilustradora: Joy (Instagram).

Revisado por: Matheus Zache e Pedro Caetano.

   

 



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